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ISSN: 2175-8875 www.enanpege.ggf.br/2017 14355 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO CAPITALISTA E A TRANSFORMAÇÃO DA TERRA URBANA EM MERCADORIA MARILIA FARIA CHAVES 1 SUZANE TOSTA SOUZA 2 Resumo: O presente artigo faz parte de uma dissertação, em andamento, que tem como objetivo discutir a produção do espaço com enfoque na transformação da terra urbana em mercadoria e a dialética do valor de uso e valor de troca desta, além de caracterizar as formas de se auferir a renda fundiária urbana e a dificuldade de debater essa teoria na realidade do espaço urbano. A leitura de autores com Neil Smith (1988) Samuel Jaramillo (2010) e Karl Marx (1844) é indispensável para compreensão da temática. Neste estudo, a cidade de Vitória da Conquista- BA apresenta-se com grande potencial explicativo para a realidade concreta da teoria da renda da terra pois, insere-se em um contexto de crescimento urbano em que a propriedade do solo construído da cidade permeiam as contradições no espaço com a transformação da terra em mercadoria. Palavras-chave: Produção do Espaço Urbano; Renda da Terra Urbana; Valorização Abstract: This article is part of the thesis of master, in process, which has as objective discusses the production of the space with approach in the transformation of the urbane land in commodity and the dialectics of the value of use and value of exchange of this, besides characterizing the forms of there being derived the urbane agrarian income and the difficulty of debating this theory in fact of the urbane space. The authors' reading with Neil Smith (1988) Samuel Jaramillo (2010) and Karl Marx (1844) is essential for understanding of the theme. In this study, the city of Victory of the Conquest - BA presents himself with great explicative potential for the concrete reality of the theory of the income of the land since, is inserted in a context of urbane growth in which the property of the built ground of the city they permeate the contradictions in the space with the transformation of the land in commodity. Key-words: Production of the Urban Space; Income of the urbane land; Increase in value 1 Introdução 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia -UESB-Brasil. Bolsista da Fundação CAPES. Membro do grupo de pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as políticas de Reordenamentos Territoriais (GPECT). [email protected] 2 Docente/Departamento de Geografia UESB-Brasil. Pesquisadora do Grupo Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos Territoriais (GPECT) [email protected]

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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO CAPITALISTA E A TRANSFORMAÇÃO DA

TERRA URBANA EM MERCADORIA

MARILIA FARIA CHAVES1

SUZANE TOSTA SOUZA2

Resumo: O presente artigo faz parte de uma dissertação, em andamento, que tem como objetivo

discutir a produção do espaço com enfoque na transformação da terra urbana em mercadoria e a dialética do valor de uso e valor de troca desta, além de caracterizar as formas de se auferir a renda fundiária urbana e a dificuldade de debater essa teoria na realidade do espaço urbano. A leitura de autores com Neil Smith (1988) Samuel Jaramillo (2010) e Karl Marx (1844) é indispensável para compreensão da temática. Neste estudo, a cidade de Vitória da Conquista- BA apresenta-se com grande potencial explicativo para a realidade concreta da teoria da renda da terra pois, insere-se em um contexto de crescimento urbano em que a propriedade do solo construído da cidade permeiam as contradições no espaço com a transformação da terra em mercadoria.

Palavras-chave: Produção do Espaço Urbano; Renda da Terra Urbana; Valorização

Abstract: This article is part of the thesis of master, in process, which has as objective discusses the

production of the space with approach in the transformation of the urbane land in commodity and the dialectics of the value of use and value of exchange of this, besides characterizing the forms of there being derived the urbane agrarian income and the difficulty of debating this theory in fact of the urbane space. The authors' reading with Neil Smith (1988) Samuel Jaramillo (2010) and Karl Marx (1844) is essential for understanding of the theme. In this study, the city of Victory of the Conquest - BA presents himself with great explicative potential for the concrete reality of the theory of the income of the land since, is inserted in a context of urbane growth in which the property of the built ground of the city they permeate the contradictions in the space with the transformation of the land in commodity.

Key-words: Production of the Urban Space; Income of the urbane land; Increase in value

1 – Introdução

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia -UESB-Brasil. Bolsista da Fundação CAPES. Membro do grupo de pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as políticas de Reordenamentos Territoriais (GPECT). [email protected] 2 Docente/Departamento de Geografia – UESB-Brasil. Pesquisadora do Grupo Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos Territoriais (GPECT) [email protected]

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A concepção de espaço tem sido objeto de discussões consideráveis há

tempos, isso se deve ao fato de o conceito de espaço ter uma multiplicidade de

significados. Há de se observar com cuidado para não se reproduzir o conceito,

inspirado no senso comum e no espaço absoluto de Newton e entender o espaço

como receptáculo, como vácuo. Henri Lefebvre e David Harvey iniciam a análise de

‘produção do espaço’ para compreender as relações dialeticizadas que reproduzem

as contradições no espaço capitalista. Para Smith, N. (1988), falta profundidade nas

análises de Lefebvre, segundo o qual “a problemática da reprodução desloca a da

produção”, e que “a luta de classes é agora essencialmente sobre as questões de

produção mais do que sobre as questões tradicionais de trabalho. ” Para Smith (1988)

A explicação mais valiosa de Lefebvre é o seu reconhecimento da importância renovada do espaço e a inserção na ideia de produção do espaço. Mas, sua insistência em inseri-lo na teoria reproducionista não lhe permite ver, penso eu, o valor pleno da explicação e dos meios de desenvolvê-la posteriormente. (SMITH, N.1988, p.142)

O espaço produzido é indispensável para a permanência do capitalismo. Nas

cidades, o capital financeiro, o capital industrial e o capital fundiário mantem a divisão

social do trabalho e a exploração da classe trabalhadora na reprodução do espaço.

O que se produz na terra através do trabalho é sempre mais que suficiente à

subsistência e neste caso à apropriação, o excedente que se produz, é a renda

apropriada pelo proprietário fundiário urbano, este, com o Estado cria espaços vazios

à espera da valorização e outras estratégias rentáveis, em detrimento das

necessidades dos trabalhadores. A acumulação do espaço para especulação torna a

terra urbana uma possibilidade de sobreacumulação e extração de renda e mais-valia.

Dessa forma a pesquisa sobre o espaço torna-se indispensável para a

compreensão das relações contraditórias para manutenção do capitalismo. O

presente artigo faz parte de uma dissertação, em andamento, que tem como objetivo

discutir a produção do espaço com enfoque na transformação da terra urbana em

mercadoria e a dialética do valor de uso e valor de troca desta, além de caracterizar

as formas de se auferir a renda fundiária urbana e a dificuldade de debater essa teoria

na realidade do espaço urbano. A utilização do método materialista histórico dialético

permite evidenciar as contradições no processo de produção e extração da renda

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urbana em seu conteúdo de classe. No Brasil, a concentração fundiária está

relacionada com a divisão histórica de classes e representa a origem das

desigualdades sociais e econômicas no campo e nas cidades.

2- A ORIGEM DA PROPRIEDADE PRIVADA E A TRANSFORMAÇÃO

DA TERRA EM MERCADORIA

O espaço urbano se estabelece como uma mercadoria eficaz e indispensável

para estimular o desenvolvimento do capitalismo. A apropriação privada da terra

urbana é o meio de reprodução do capital na produção do espaço urbano, assim como

das contradições e desigualdades geradas por ela. O poder monopolista da

propriedade privada é, portanto, tanto o ponto de partida como o ponto de chegada

de toda atividade capitalista (HARVEY, 2011, p.225).

O direito à propriedade privada foi fundamentado de forma diferente nas

diversas gerações e povos. Há povos que nunca instituíram o direito à propriedade

privada, a exemplo os antigos germanos, aos quais pertenciam a colheita, mas não a

terra. De forma contrária as populações da Grécia e da Itália desde a mais remota

antiguidade, sempre se utilizaram da propriedade privada. A religião e a propriedade

privada estavam intrinsecamente ligadas, a princípio não foram as leis que instituíram

e garantiram o direito à propriedade privada, mas a religião.

Para as sociedades gregas e itálicas a propriedade era inalienável. A

propriedade surge de tal modo inerente à religião doméstica que uma família não

podia renunciar nem uma nem a outra. A terra estava vinculada ao trabalho, a

apropriação se dava relacionada à religião, mas também ao trabalho que a família

realizava na terra.

O deus doméstico estabeleceu o direito sobre a terra. Sob o fundamento da

religião as populações da Grécia e da Itália antiga não possuíam consciência para

desapossar-se da propriedade, o vínculo com a terra estava para além da simples

vontade humana, e para além da própria vida, uma vez que após a morte o homem

sepultado no solo tornava-se um só com a terra e a terra era propriedade de toda

família formando um só sem dela poder separar-se.

Segundo Engels (1985), a origem da propriedade privada se dá com o

surgimento da organização familiar monogâmica, e essa com a necessidade da

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acumulação de bens. No estágio superior à barbárie a acumulação de bens e terra,

antes distribuída de forma comunitária, é corroborada através da sucessão filial

legítima, a herança paterna desenvolve/perpetua a propriedade privada,

estabelecendo uma nova forma de sociedade.

A ideia desenvolvida por Engels aponta, de forma clara, ao lado da riqueza em

mercadorias aparece a riqueza em terras. A terra agora podia tornar-se mercadoria,

podia ser vendida ou penhorada. Propriedade privada e herança estão totalmente

imbricadas e legitimadas pelo Estado burguês a fim de mediar os choques sociais e

perpetuar a organização econômica capitalista,

Tal como qualquer outra legislação burguesa, as leis sobre herança constituem não a causa, mas sim o efeito, a consequência jurídica da organização econômica existente que se funda na propriedade privada dos meios de produção, a terra, a matéria-prima, as máquinas etc. (MARX, K. 1869- grifos do autor).

Na produção do espaço urbano, a comercialização das terras é parte do cerne

do controle sobre a monopolização no processo de construção da cidade e a

legislação urbana é criada e alterada para atender às condições do mercado

capitalista, dos proprietários fundiários, das construtoras e dos especuladores. A

valorização da ‘coisa’ em detrimento da valorização ‘humana’, o zoneamento urbano,

por exemplo, que, em poucas palavras, determina as diretrizes das edificações,

exerce influência no preço do solo urbano, por conseguinte, no preço do imóvel e na

organização das cidades.

As intenções da produção da urbe vão muito além das possibilidades de

apropriação coletiva e igualitária desse espaço, estão voltadas aos benefícios da

classe dominante, o que acarreta a fragmentação e desigualdade, pois se trata de

espaços produzidos para o consumo dessa classe.

Marx aponta, que o sistema de alienação priva a classe trabalhadora de

usufruir, apropriar-se das riquezas socialmente produzidas, a apropriação do trabalho

alheio, a mais-valia. Para Marx a renda da terra exprime diferente parte da mais-valia,

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ou seja, parte de uma mercadoria ou trabalho não remunerado que nela se materializa

e que o monopólio3 permite embolsar parte dessa mais-valia.

A terra que, neste caso, não pode ser produzida através do trabalho, torna-se

uma mercadoria ‘sui generis’ e, portanto, não possui valor, uma vez que só o trabalho

atribui valor a terra, todavia, possui preço, este definido pelo estatuto jurídico da

propriedade da terra, o direito sobre a terra é o direito de quem tem como pagar o

preço dela. Seu processo de valorização é definido pelas formas de como se dão a

sua apropriação e uso. A terra é transformada em mercadoria, um equivalente à

mercadoria, um falso capital que se valoriza sem trabalho.

A propriedade privada, as formas de monopólio exercidas pelos proprietários

fundiários que retém a terra fazem o processo de escassez artificial da terra, tornam-

na indisponível para o uso criando vazios urbanos à espera da valorização desejada.

Essa valorização virá com o acesso à infraestrutura, com as amenidades sociais

(localização privilegiada, próximo a shoppings centers, áreas de lazer, equipamentos

urbanos, centros comerciais etc.) amenidades naturais, o fetiche da natureza (próximo

às áreas verdes, às lagoas, vistas para o mar entre outros.). Assim, o preço da terra

será determinado pelo valor que a demanda estará disposta a pagar.

Na sociedade capitalista, o Capitalista passa a controlar a produção com a

propriedade dos meios de produção, exceto da terra, e a exploração do trabalhador,

como aponta Paes Barreto (2013). A terra não mais representa a existência de uma

classe social, mas o direito jurídico à propriedade privada, torna a terra uma

mercadoria. E nesta nova configuração novos sujeitos surgem em convergência os

proprietários de terra, os promotores imobiliários, a indústria de material de construção

além do Estado, que com ação correlacionada se utiliza dos instrumentos urbanos

para favorecer a expansão da cidade do capital.

3-A DIALÉTICA DO VALOR DE USO E VALOR DE TROCA DA TERRA

URBANA

3 Para mais informações ver: Marx, Karl. O Capital, Crítica da economia política. Livro I, tomo I. Nova Cultural, São Paulo,1996. p.104.

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O mundo da mercadoria ocupou tudo sob a proteção do Estado e dos poderes

repressivos. O espaço urbano é produzido para se investir e não para viver, “ o solo e

suas benfeitorias são, na economia capitalista contemporânea, mercadorias. ’

(Harvey, p.135).

A discussão do valor de uso e valor de troca foi muito importante para os

economistas do século XIX. Iniciadas por David Ricardo e Adam Smith avançaram

com certas ambivalências e depois foram desenvolvidas por Karl Marx. Nos estudos

de Adam Smith a palavra Valor tem dois significados diferentes: Valor de uso e valor

de troca, estes estão ligados ao poder de compra ou à posse de objetos que se trata,

Marx avança no debate e relaciona valor de uso e valor de troca dialeticamente.

Para Marx, eles ganham significado no momento em que se relacionam entre

si. Assim, sugere considerar valor de uso do ‘conceito de valor de uso’, uma vez que

este pode ser aplicado a toda classe de objetos, atividades, eventos entre outros. Para

ele, o valor de uso só se realiza no uso, a mercadoria, objeto material, é para o valor

de uso, mas como a mercadoria é valor de troca não seria mercadoria se não fosse

valor de uso. A mercadoria é valor de uso para quem a possui desde que não se torne

meio de troca, para isso ela precisa encontrar necessidade particular, satisfazer. A

mercadoria só existe porque em algum momento ela irá satisfazer uma necessidade

e este valor de uso só se torna efetivamente útil ao consumidor após passar pelo

processo mediador da circulação que realiza o valor de troca da mercadoria.

O valor de troca consiste na aplicação de trabalho para criar materiais,

mercadorias, para o consumo

O valor de troca parece inicialmente como relação quantitativa, a proporção na qual os valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de outro tipo, uma relação que se latera constantemente no tempo e no espaço. ” (Marx: 2013, p.114)

O espaço urbano se configura na como mercadoria na logica capitalista. A terra e suas benfeitorias são, mercadorias na economia contemporânea. Para Harvey,

O método marxista de colocar valor de uso e valor de troca em relação dialética entre si merece consideração, porque favorece o duplo proposito de soprar vida nos estudos geográficos e sociológicos sobre o uso do solo, e de construir uma ponte entre as abordagens espaciais e economias do uso do solo. O último proposito pode ser tão benéfico

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à economia contemporânea como o é para a análise espacial contemporânea. (p.135)

A produção capitalista do espaço se dá através do “consumo” manipulado do

espaço urbano e a não liberdade da classe trabalhadora na desordem urbana. Se a

cidade é o lócus do capital nela também se dão as crises estabelecidas pelo próprio

modo de produção capitalista, justamente porque grande parte dos investimentos na

cidade é especulativo. Essa especulação faz com que o solo urbano se torne um

grande atrativo do capital. O valor de uso do solo dá lugar ao valor de troca e torna a

terra rentável e propícia à acumulação de riquezas.

4- A RENDA FUNDIÁRIA URBANA

Na produção capitalista, a terra enquanto “mercadoria” torna-se necessidade

artificial quando a ela é imputado o valor de troca para além das necessidades

naturais, de uso. O que se produz na terra através do trabalho é sempre mais que

suficiente à subsistência e neste caso à apropriação, portanto o excedente que se

produz é a renda apropriada pelo proprietário fundiário urbano, criando espaços

vazios à espera da valorização, ou estratégias especulativas e rentáveis (aluguéis,

empreendimentos comerciais etc.) em detrimento das necessidades dos

trabalhadores.

Os estudos sobre o monopólio e a renda da terra iniciaram-se com autores

como Adam Smith (1776), David Ricardo (1817) e foi aprofundado por Karl Marx

(1844), no entanto, estes estudos referiam-se à terra agrícola. Segundo Paes Barreto

(2013) a Teoria geral da Renda da Terra (TGRT) passou a ser analisada no âmbito

urbano a partir da década de 1970 com Christian Topolov, na Universidade de Paris.

No momento de crise urbana que autores como Alquier, Lojkine, Lipietz iniciaram os

estudos sobre a renda do solo urbano, segundo Jaramillo

Estos trabajos mostraron limitaciones, pero también hicieron contribuciones importantes a la comprensión de estos fenómenos […]Lo más importante, sin embargo, es que el grado de elaboración muy incipiente no permitía delimitar y menos explicar las principales prácticas presentes en los mercados inmobiliarios urbanos, y por lo tanto, su papel se limitaba a redireccionar la interpretación más global, pero no aportaban mucho para orientar prácticas específicas, ni para proponer instrumentos de acción, etcétera. Una muestra de esto es que el objeto de la mayoría de estos intentos apunta a proponer líneas

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de indagación para entender la formación de precios del suelo, pero casi nada sobre su operación. (JARAMILLO, 2010: p.9)

É necessário lembrar os problemas enfrentados para os estudos sobre a renda

fundiária em grandes cidades, a começar pela identificação dos proprietários

fundiários, a coleta de dados para os cálculos da renda entre outras questões práticas

e teórico-metodológicas. Na América Latina, Samuel Jaramillo iniciou os estudos

sobre a temática na década de 1970, ele critica que na América Latina a análise tem

uma herança no urbanismo funcionalista de Le Corbusier. No Brasil, investigadores

como Martim Smolka (1980); se destacam, no entanto, a discussão da temática na

Ciência geográfica ainda é pouco explorada, podemos citar alguns autores como

Botelho (2005) Amélia Damiani (2016) e Sposito (1990), desta forma faz-se mais que

necessário continuar a discussão sobre esta temática complexa e importante para os

estudos urbanos.

Na teoria da renda fundiária capitalista definida por Marx a renda é a forma

econômica das relações de classe com a terra, ela não se encontra pois, somente,

em relação às melhorias que o proprietário fez sobre a terra, ela é naturalmente o

preço do monopólio. “A propriedade fundiária em sua diferença em relação ao capital,

é a propriedade privada” (Marx,2010: p.97). Marx teve sua abordagem principal na

renda terra agrícola, como já dito, a partir desta ele conceitua a renda da terra

dividindo-a em: Diferencial I, II4 de Monopólio e Absoluta.

A renda da terra na cidade se apresenta de forma abstrata, uma vez que na

terra urbana não existe produto do solo, como na agricultura. Na cidade a renda

aparece como juro do capital investido. No solo urbano a localização da terra vai

agregar valor de troca em que não se comercializa a terra em si, mas a mercadoria

ou serviço produzido por meio do seu uso. Dessa forma o preço que se paga é o preço

do monopólio e através dele é extraída a mais-valia gerada pelo trabalhador.

4 Cabe salientar que não entraremos nos pormenores da conceituação da Renda da Terra na explicação da transformação dos valores em preços de produção, ou seja, no estabelecimento da taxa de lucro médio e os exemplos numéricos elaborados por Marx, pois cabe-nos fazer a relação entre a renda da terra e o solo urbano. Para mais detalhes ver: MARX, Karl. O capital; critica da economia política; Livro Terceiro: O processo global da produção capitalista. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, v.6

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O Capital necessita da cidade para se reproduzir, na vida citadina ele

desenvolve seus conflitos e contradições de forma mais evidente, como aponta

Engels,

As grandes cidades são o berço do movimento operário: Foram nelas que pela primeira vez, os operários começaram a refletir suas condições e a lutar, foi nelas que pela primeira vez, manifestou-se o contraste entre o proletariado e burguesia. (Engels: 2008, p.161)

A estruturação dos espaços nas cidades, pautado na divisão social do

trabalho, configura a relação de produção, circulação e consumo na qual se dá a

contradição do desenvolvimento das forças produtivas com as relações de trabalho.

Também nela se reproduz a alienação expressa no cerne capitalista das relações de

produção, também corroboradas na apropriação da terra.

A apropriação é, sob esse ponto de vista, uma forma de garantir a extração da renda para a classe que controla a terra, mediante a subsunção do trabalho daqueles que não possuem a terra, como também por meio de estratégias de sujeição da renda da terra ao capital[...] (SOUZA,2009: p.8)

A terra não é uma mercadoria, a priori, a terra tem como finalidade a produção

humana, a sobrevivência, no entanto, ela é transformada em mercadoria pelo capital,

o que implica na geração dos conflitos pela terra e também evidencia a luta pelo

território. O Estado legitima a propriedade privada referendando a posse pelo território

e consequentemente a luta de classes. A contradição se apresenta na luta de classe,

nos interesses antagônicos entre proprietários fundiários e trabalhadores.

A renda da terra consiste em sua essência no investimento de capitais em

esfera de produções diferentes de forma a garantir um lucro excedente acima do lucro

médio do capitalista para todos os proprietários de terra, inclusive aqueles que

possuem terras com as piores características. Isso só é possível devido ao monopólio

que os proprietários têm sobre a terra. A imposição de um preço mínimo dos

proprietários de terra faz com que até mesmo as terras piores obtenham um lucro

excedente.

A valorização do solo através dos investimentos na infraestrutura do terreno e,

principalmente, nas áreas próximas são determinantes no processo, além de fatores

como o crescimento demográfico que irão aumentar a concorrência e especulação

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auferindo renda à essa mercadoria diferenciada que é a terra. Essa valorização do

solo vai depender da conveniência dos capitalistas que determinam que segmento da

população se beneficie dessa terra

O capital pode ser fixado, incorporado a terra, seja passageiramente, como nos fertilizantes de natureza química, os fertilizantes naturais etc., seja de forma permanente, como nos canais de drenagem ou irrigação, os trabalhos de nivelamento, as instalações de exploração etc. O capital assim empregado entra na categoria de capital fixo (MARX 1982, p.354).

Foi o que aconteceu e continua acontecendo com a produção do espaço

urbano em Vitória da Conquista-BA. Localizada no Sudoeste da Bahia, a 512 km de

distância da capital do estado, Salvador -BA, a cidade é, atualmente, o terceiro

município do Estado em população. Caracteriza-se por possuir um clima semiárido e

tem centralizado um dinamismo na região sendo influente no comércio, também

atraindo a população rural e de outras localidades circunvizinhas, o que fez com que

o crescimento demográfico do município acelerasse, aumentando o problema de

moradia e intensificando os contrastes e o choque entre as classes sociais, fator que

pode ser observado na maioria das cidades médias do país.

A área do bairro Universidade era uma área rural, com o advento da

necessidade de expansão da cidade, foram criadas as ‘oportunidades’ para ocupação

da área. Poder estatal e fundiários investiram em infraestrutura e equipamentos para

valorização como forma de atração, no entanto o público a que se destina essa

infraestrutura já era previsto, a população classe média e alta da cidade, uma espécie

de acordo entre Estado e proprietários fundiários para a valorização induzida, que

perpetuam as contradições das classes sociais em Vitória da Conquista – BA.

O capital fixo se incorpora na terra com os investimentos públicos e privados

nas estruturas físicas que favorecem a valorização do solo urbano, a renda da terra

tem então seu quantum variável. Essa é uma necessidade do capitalismo que precisa

programar melhorias técnicas e descobrir novas formas que permitam mais rapidez

para a realização do capital e consequentemente maior possibilidade de lucro, e o

Estado atua intensificando esse processo de valorização, favorecendo e privilegiando

áreas com infraestrutura e equipamentos públicos, privados entre outros. O capital

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encontra na cidade os meios para manter e reproduzir as relações de produção e sua

circulação.

5-CONCLUSÃO

À cidade do capital convém ‘vender’ os fragmentos de lugares visando

incorporações imobiliárias de bairros elitizados. O capital precisa da cidade para se

reproduzir. O valor de uso dá lugar ao valor da troca, a quantidade de dinheiro por

meio da qual uma mercadoria pode ser comprada ou vendida equivale o seu preço, e

a terra transformada em ‘mercadoria’ torna-se também unidade dialética entre valor

de uso e valor de troca, uma vez que a primeira necessidade da terra é apropriar-se

através do trabalho concreto, mas esta, ainda que a priori seja valor de uso poderá

em algum momento tornar-se valor de troca, mas, se, por exemplo, uma

terra/habitação se torna ‘mercadoria’ (no sentido da troca) por outra ‘mercadoria’ sem

preço ela ainda têm valor de uso, pois não há aí relação mercadológica capitalista,

não se aufere renda, lucro, não há transação entre o capitalista e o operário.

A expansão urbana em Vitória da Conquista-BA segue a lógica da

transformação de terras rurais em terras urbanas, a ‘doação’ de terras particulares ao

estado para a incorporação de equipamentos urbanos e consequentemente a

valorização dos loteamentos nas proximidades.

Nessa ótica, a estrutura do Estado capitalista é corrompida, não há como fazer

‘reformas’ solidárias e justas, é preciso transformá-las em algo radicalmente diferente,

só possível com a extinção do relacionamento entre o capital e os processos de

construção das cidades. Lefebvre lembra de que só o proletariado pode construir uma

outra sociedade, abolir a especulação “o proletariado tem esta missão histórica:

apenas ele pode pôr fim às separações (às alienações) ” (LEFEBVRE, 2010: p.40). O

apropriar-se da cidade real só poderá acontecer com a extinção da propriedade

privada e somente a classe operária poderá se levantar, quando tomada a consciência

de classe para abolir o papel de dominante da classe burguesa

6-REFERÊNCIAS

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