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A PRODUÇÃO DO ESPAÇO CAPITALISTA E A TRANSFORMAÇÃO DA
TERRA URBANA EM MERCADORIA
MARILIA FARIA CHAVES1
SUZANE TOSTA SOUZA2
Resumo: O presente artigo faz parte de uma dissertação, em andamento, que tem como objetivo
discutir a produção do espaço com enfoque na transformação da terra urbana em mercadoria e a dialética do valor de uso e valor de troca desta, além de caracterizar as formas de se auferir a renda fundiária urbana e a dificuldade de debater essa teoria na realidade do espaço urbano. A leitura de autores com Neil Smith (1988) Samuel Jaramillo (2010) e Karl Marx (1844) é indispensável para compreensão da temática. Neste estudo, a cidade de Vitória da Conquista- BA apresenta-se com grande potencial explicativo para a realidade concreta da teoria da renda da terra pois, insere-se em um contexto de crescimento urbano em que a propriedade do solo construído da cidade permeiam as contradições no espaço com a transformação da terra em mercadoria.
Palavras-chave: Produção do Espaço Urbano; Renda da Terra Urbana; Valorização
Abstract: This article is part of the thesis of master, in process, which has as objective discusses the
production of the space with approach in the transformation of the urbane land in commodity and the dialectics of the value of use and value of exchange of this, besides characterizing the forms of there being derived the urbane agrarian income and the difficulty of debating this theory in fact of the urbane space. The authors' reading with Neil Smith (1988) Samuel Jaramillo (2010) and Karl Marx (1844) is essential for understanding of the theme. In this study, the city of Victory of the Conquest - BA presents himself with great explicative potential for the concrete reality of the theory of the income of the land since, is inserted in a context of urbane growth in which the property of the built ground of the city they permeate the contradictions in the space with the transformation of the land in commodity.
Key-words: Production of the Urban Space; Income of the urbane land; Increase in value
1 – Introdução
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia -UESB-Brasil. Bolsista da Fundação CAPES. Membro do grupo de pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as políticas de Reordenamentos Territoriais (GPECT). [email protected] 2 Docente/Departamento de Geografia – UESB-Brasil. Pesquisadora do Grupo Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos Territoriais (GPECT) [email protected]
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A concepção de espaço tem sido objeto de discussões consideráveis há
tempos, isso se deve ao fato de o conceito de espaço ter uma multiplicidade de
significados. Há de se observar com cuidado para não se reproduzir o conceito,
inspirado no senso comum e no espaço absoluto de Newton e entender o espaço
como receptáculo, como vácuo. Henri Lefebvre e David Harvey iniciam a análise de
‘produção do espaço’ para compreender as relações dialeticizadas que reproduzem
as contradições no espaço capitalista. Para Smith, N. (1988), falta profundidade nas
análises de Lefebvre, segundo o qual “a problemática da reprodução desloca a da
produção”, e que “a luta de classes é agora essencialmente sobre as questões de
produção mais do que sobre as questões tradicionais de trabalho. ” Para Smith (1988)
A explicação mais valiosa de Lefebvre é o seu reconhecimento da importância renovada do espaço e a inserção na ideia de produção do espaço. Mas, sua insistência em inseri-lo na teoria reproducionista não lhe permite ver, penso eu, o valor pleno da explicação e dos meios de desenvolvê-la posteriormente. (SMITH, N.1988, p.142)
O espaço produzido é indispensável para a permanência do capitalismo. Nas
cidades, o capital financeiro, o capital industrial e o capital fundiário mantem a divisão
social do trabalho e a exploração da classe trabalhadora na reprodução do espaço.
O que se produz na terra através do trabalho é sempre mais que suficiente à
subsistência e neste caso à apropriação, o excedente que se produz, é a renda
apropriada pelo proprietário fundiário urbano, este, com o Estado cria espaços vazios
à espera da valorização e outras estratégias rentáveis, em detrimento das
necessidades dos trabalhadores. A acumulação do espaço para especulação torna a
terra urbana uma possibilidade de sobreacumulação e extração de renda e mais-valia.
Dessa forma a pesquisa sobre o espaço torna-se indispensável para a
compreensão das relações contraditórias para manutenção do capitalismo. O
presente artigo faz parte de uma dissertação, em andamento, que tem como objetivo
discutir a produção do espaço com enfoque na transformação da terra urbana em
mercadoria e a dialética do valor de uso e valor de troca desta, além de caracterizar
as formas de se auferir a renda fundiária urbana e a dificuldade de debater essa teoria
na realidade do espaço urbano. A utilização do método materialista histórico dialético
permite evidenciar as contradições no processo de produção e extração da renda
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urbana em seu conteúdo de classe. No Brasil, a concentração fundiária está
relacionada com a divisão histórica de classes e representa a origem das
desigualdades sociais e econômicas no campo e nas cidades.
2- A ORIGEM DA PROPRIEDADE PRIVADA E A TRANSFORMAÇÃO
DA TERRA EM MERCADORIA
O espaço urbano se estabelece como uma mercadoria eficaz e indispensável
para estimular o desenvolvimento do capitalismo. A apropriação privada da terra
urbana é o meio de reprodução do capital na produção do espaço urbano, assim como
das contradições e desigualdades geradas por ela. O poder monopolista da
propriedade privada é, portanto, tanto o ponto de partida como o ponto de chegada
de toda atividade capitalista (HARVEY, 2011, p.225).
O direito à propriedade privada foi fundamentado de forma diferente nas
diversas gerações e povos. Há povos que nunca instituíram o direito à propriedade
privada, a exemplo os antigos germanos, aos quais pertenciam a colheita, mas não a
terra. De forma contrária as populações da Grécia e da Itália desde a mais remota
antiguidade, sempre se utilizaram da propriedade privada. A religião e a propriedade
privada estavam intrinsecamente ligadas, a princípio não foram as leis que instituíram
e garantiram o direito à propriedade privada, mas a religião.
Para as sociedades gregas e itálicas a propriedade era inalienável. A
propriedade surge de tal modo inerente à religião doméstica que uma família não
podia renunciar nem uma nem a outra. A terra estava vinculada ao trabalho, a
apropriação se dava relacionada à religião, mas também ao trabalho que a família
realizava na terra.
O deus doméstico estabeleceu o direito sobre a terra. Sob o fundamento da
religião as populações da Grécia e da Itália antiga não possuíam consciência para
desapossar-se da propriedade, o vínculo com a terra estava para além da simples
vontade humana, e para além da própria vida, uma vez que após a morte o homem
sepultado no solo tornava-se um só com a terra e a terra era propriedade de toda
família formando um só sem dela poder separar-se.
Segundo Engels (1985), a origem da propriedade privada se dá com o
surgimento da organização familiar monogâmica, e essa com a necessidade da
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acumulação de bens. No estágio superior à barbárie a acumulação de bens e terra,
antes distribuída de forma comunitária, é corroborada através da sucessão filial
legítima, a herança paterna desenvolve/perpetua a propriedade privada,
estabelecendo uma nova forma de sociedade.
A ideia desenvolvida por Engels aponta, de forma clara, ao lado da riqueza em
mercadorias aparece a riqueza em terras. A terra agora podia tornar-se mercadoria,
podia ser vendida ou penhorada. Propriedade privada e herança estão totalmente
imbricadas e legitimadas pelo Estado burguês a fim de mediar os choques sociais e
perpetuar a organização econômica capitalista,
Tal como qualquer outra legislação burguesa, as leis sobre herança constituem não a causa, mas sim o efeito, a consequência jurídica da organização econômica existente que se funda na propriedade privada dos meios de produção, a terra, a matéria-prima, as máquinas etc. (MARX, K. 1869- grifos do autor).
Na produção do espaço urbano, a comercialização das terras é parte do cerne
do controle sobre a monopolização no processo de construção da cidade e a
legislação urbana é criada e alterada para atender às condições do mercado
capitalista, dos proprietários fundiários, das construtoras e dos especuladores. A
valorização da ‘coisa’ em detrimento da valorização ‘humana’, o zoneamento urbano,
por exemplo, que, em poucas palavras, determina as diretrizes das edificações,
exerce influência no preço do solo urbano, por conseguinte, no preço do imóvel e na
organização das cidades.
As intenções da produção da urbe vão muito além das possibilidades de
apropriação coletiva e igualitária desse espaço, estão voltadas aos benefícios da
classe dominante, o que acarreta a fragmentação e desigualdade, pois se trata de
espaços produzidos para o consumo dessa classe.
Marx aponta, que o sistema de alienação priva a classe trabalhadora de
usufruir, apropriar-se das riquezas socialmente produzidas, a apropriação do trabalho
alheio, a mais-valia. Para Marx a renda da terra exprime diferente parte da mais-valia,
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ou seja, parte de uma mercadoria ou trabalho não remunerado que nela se materializa
e que o monopólio3 permite embolsar parte dessa mais-valia.
A terra que, neste caso, não pode ser produzida através do trabalho, torna-se
uma mercadoria ‘sui generis’ e, portanto, não possui valor, uma vez que só o trabalho
atribui valor a terra, todavia, possui preço, este definido pelo estatuto jurídico da
propriedade da terra, o direito sobre a terra é o direito de quem tem como pagar o
preço dela. Seu processo de valorização é definido pelas formas de como se dão a
sua apropriação e uso. A terra é transformada em mercadoria, um equivalente à
mercadoria, um falso capital que se valoriza sem trabalho.
A propriedade privada, as formas de monopólio exercidas pelos proprietários
fundiários que retém a terra fazem o processo de escassez artificial da terra, tornam-
na indisponível para o uso criando vazios urbanos à espera da valorização desejada.
Essa valorização virá com o acesso à infraestrutura, com as amenidades sociais
(localização privilegiada, próximo a shoppings centers, áreas de lazer, equipamentos
urbanos, centros comerciais etc.) amenidades naturais, o fetiche da natureza (próximo
às áreas verdes, às lagoas, vistas para o mar entre outros.). Assim, o preço da terra
será determinado pelo valor que a demanda estará disposta a pagar.
Na sociedade capitalista, o Capitalista passa a controlar a produção com a
propriedade dos meios de produção, exceto da terra, e a exploração do trabalhador,
como aponta Paes Barreto (2013). A terra não mais representa a existência de uma
classe social, mas o direito jurídico à propriedade privada, torna a terra uma
mercadoria. E nesta nova configuração novos sujeitos surgem em convergência os
proprietários de terra, os promotores imobiliários, a indústria de material de construção
além do Estado, que com ação correlacionada se utiliza dos instrumentos urbanos
para favorecer a expansão da cidade do capital.
3-A DIALÉTICA DO VALOR DE USO E VALOR DE TROCA DA TERRA
URBANA
3 Para mais informações ver: Marx, Karl. O Capital, Crítica da economia política. Livro I, tomo I. Nova Cultural, São Paulo,1996. p.104.
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O mundo da mercadoria ocupou tudo sob a proteção do Estado e dos poderes
repressivos. O espaço urbano é produzido para se investir e não para viver, “ o solo e
suas benfeitorias são, na economia capitalista contemporânea, mercadorias. ’
(Harvey, p.135).
A discussão do valor de uso e valor de troca foi muito importante para os
economistas do século XIX. Iniciadas por David Ricardo e Adam Smith avançaram
com certas ambivalências e depois foram desenvolvidas por Karl Marx. Nos estudos
de Adam Smith a palavra Valor tem dois significados diferentes: Valor de uso e valor
de troca, estes estão ligados ao poder de compra ou à posse de objetos que se trata,
Marx avança no debate e relaciona valor de uso e valor de troca dialeticamente.
Para Marx, eles ganham significado no momento em que se relacionam entre
si. Assim, sugere considerar valor de uso do ‘conceito de valor de uso’, uma vez que
este pode ser aplicado a toda classe de objetos, atividades, eventos entre outros. Para
ele, o valor de uso só se realiza no uso, a mercadoria, objeto material, é para o valor
de uso, mas como a mercadoria é valor de troca não seria mercadoria se não fosse
valor de uso. A mercadoria é valor de uso para quem a possui desde que não se torne
meio de troca, para isso ela precisa encontrar necessidade particular, satisfazer. A
mercadoria só existe porque em algum momento ela irá satisfazer uma necessidade
e este valor de uso só se torna efetivamente útil ao consumidor após passar pelo
processo mediador da circulação que realiza o valor de troca da mercadoria.
O valor de troca consiste na aplicação de trabalho para criar materiais,
mercadorias, para o consumo
O valor de troca parece inicialmente como relação quantitativa, a proporção na qual os valores de uso de um tipo são trocados por valores de uso de outro tipo, uma relação que se latera constantemente no tempo e no espaço. ” (Marx: 2013, p.114)
O espaço urbano se configura na como mercadoria na logica capitalista. A terra e suas benfeitorias são, mercadorias na economia contemporânea. Para Harvey,
O método marxista de colocar valor de uso e valor de troca em relação dialética entre si merece consideração, porque favorece o duplo proposito de soprar vida nos estudos geográficos e sociológicos sobre o uso do solo, e de construir uma ponte entre as abordagens espaciais e economias do uso do solo. O último proposito pode ser tão benéfico
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à economia contemporânea como o é para a análise espacial contemporânea. (p.135)
A produção capitalista do espaço se dá através do “consumo” manipulado do
espaço urbano e a não liberdade da classe trabalhadora na desordem urbana. Se a
cidade é o lócus do capital nela também se dão as crises estabelecidas pelo próprio
modo de produção capitalista, justamente porque grande parte dos investimentos na
cidade é especulativo. Essa especulação faz com que o solo urbano se torne um
grande atrativo do capital. O valor de uso do solo dá lugar ao valor de troca e torna a
terra rentável e propícia à acumulação de riquezas.
4- A RENDA FUNDIÁRIA URBANA
Na produção capitalista, a terra enquanto “mercadoria” torna-se necessidade
artificial quando a ela é imputado o valor de troca para além das necessidades
naturais, de uso. O que se produz na terra através do trabalho é sempre mais que
suficiente à subsistência e neste caso à apropriação, portanto o excedente que se
produz é a renda apropriada pelo proprietário fundiário urbano, criando espaços
vazios à espera da valorização, ou estratégias especulativas e rentáveis (aluguéis,
empreendimentos comerciais etc.) em detrimento das necessidades dos
trabalhadores.
Os estudos sobre o monopólio e a renda da terra iniciaram-se com autores
como Adam Smith (1776), David Ricardo (1817) e foi aprofundado por Karl Marx
(1844), no entanto, estes estudos referiam-se à terra agrícola. Segundo Paes Barreto
(2013) a Teoria geral da Renda da Terra (TGRT) passou a ser analisada no âmbito
urbano a partir da década de 1970 com Christian Topolov, na Universidade de Paris.
No momento de crise urbana que autores como Alquier, Lojkine, Lipietz iniciaram os
estudos sobre a renda do solo urbano, segundo Jaramillo
Estos trabajos mostraron limitaciones, pero también hicieron contribuciones importantes a la comprensión de estos fenómenos […]Lo más importante, sin embargo, es que el grado de elaboración muy incipiente no permitía delimitar y menos explicar las principales prácticas presentes en los mercados inmobiliarios urbanos, y por lo tanto, su papel se limitaba a redireccionar la interpretación más global, pero no aportaban mucho para orientar prácticas específicas, ni para proponer instrumentos de acción, etcétera. Una muestra de esto es que el objeto de la mayoría de estos intentos apunta a proponer líneas
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de indagación para entender la formación de precios del suelo, pero casi nada sobre su operación. (JARAMILLO, 2010: p.9)
É necessário lembrar os problemas enfrentados para os estudos sobre a renda
fundiária em grandes cidades, a começar pela identificação dos proprietários
fundiários, a coleta de dados para os cálculos da renda entre outras questões práticas
e teórico-metodológicas. Na América Latina, Samuel Jaramillo iniciou os estudos
sobre a temática na década de 1970, ele critica que na América Latina a análise tem
uma herança no urbanismo funcionalista de Le Corbusier. No Brasil, investigadores
como Martim Smolka (1980); se destacam, no entanto, a discussão da temática na
Ciência geográfica ainda é pouco explorada, podemos citar alguns autores como
Botelho (2005) Amélia Damiani (2016) e Sposito (1990), desta forma faz-se mais que
necessário continuar a discussão sobre esta temática complexa e importante para os
estudos urbanos.
Na teoria da renda fundiária capitalista definida por Marx a renda é a forma
econômica das relações de classe com a terra, ela não se encontra pois, somente,
em relação às melhorias que o proprietário fez sobre a terra, ela é naturalmente o
preço do monopólio. “A propriedade fundiária em sua diferença em relação ao capital,
é a propriedade privada” (Marx,2010: p.97). Marx teve sua abordagem principal na
renda terra agrícola, como já dito, a partir desta ele conceitua a renda da terra
dividindo-a em: Diferencial I, II4 de Monopólio e Absoluta.
A renda da terra na cidade se apresenta de forma abstrata, uma vez que na
terra urbana não existe produto do solo, como na agricultura. Na cidade a renda
aparece como juro do capital investido. No solo urbano a localização da terra vai
agregar valor de troca em que não se comercializa a terra em si, mas a mercadoria
ou serviço produzido por meio do seu uso. Dessa forma o preço que se paga é o preço
do monopólio e através dele é extraída a mais-valia gerada pelo trabalhador.
4 Cabe salientar que não entraremos nos pormenores da conceituação da Renda da Terra na explicação da transformação dos valores em preços de produção, ou seja, no estabelecimento da taxa de lucro médio e os exemplos numéricos elaborados por Marx, pois cabe-nos fazer a relação entre a renda da terra e o solo urbano. Para mais detalhes ver: MARX, Karl. O capital; critica da economia política; Livro Terceiro: O processo global da produção capitalista. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, v.6
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O Capital necessita da cidade para se reproduzir, na vida citadina ele
desenvolve seus conflitos e contradições de forma mais evidente, como aponta
Engels,
As grandes cidades são o berço do movimento operário: Foram nelas que pela primeira vez, os operários começaram a refletir suas condições e a lutar, foi nelas que pela primeira vez, manifestou-se o contraste entre o proletariado e burguesia. (Engels: 2008, p.161)
A estruturação dos espaços nas cidades, pautado na divisão social do
trabalho, configura a relação de produção, circulação e consumo na qual se dá a
contradição do desenvolvimento das forças produtivas com as relações de trabalho.
Também nela se reproduz a alienação expressa no cerne capitalista das relações de
produção, também corroboradas na apropriação da terra.
A apropriação é, sob esse ponto de vista, uma forma de garantir a extração da renda para a classe que controla a terra, mediante a subsunção do trabalho daqueles que não possuem a terra, como também por meio de estratégias de sujeição da renda da terra ao capital[...] (SOUZA,2009: p.8)
A terra não é uma mercadoria, a priori, a terra tem como finalidade a produção
humana, a sobrevivência, no entanto, ela é transformada em mercadoria pelo capital,
o que implica na geração dos conflitos pela terra e também evidencia a luta pelo
território. O Estado legitima a propriedade privada referendando a posse pelo território
e consequentemente a luta de classes. A contradição se apresenta na luta de classe,
nos interesses antagônicos entre proprietários fundiários e trabalhadores.
A renda da terra consiste em sua essência no investimento de capitais em
esfera de produções diferentes de forma a garantir um lucro excedente acima do lucro
médio do capitalista para todos os proprietários de terra, inclusive aqueles que
possuem terras com as piores características. Isso só é possível devido ao monopólio
que os proprietários têm sobre a terra. A imposição de um preço mínimo dos
proprietários de terra faz com que até mesmo as terras piores obtenham um lucro
excedente.
A valorização do solo através dos investimentos na infraestrutura do terreno e,
principalmente, nas áreas próximas são determinantes no processo, além de fatores
como o crescimento demográfico que irão aumentar a concorrência e especulação
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auferindo renda à essa mercadoria diferenciada que é a terra. Essa valorização do
solo vai depender da conveniência dos capitalistas que determinam que segmento da
população se beneficie dessa terra
O capital pode ser fixado, incorporado a terra, seja passageiramente, como nos fertilizantes de natureza química, os fertilizantes naturais etc., seja de forma permanente, como nos canais de drenagem ou irrigação, os trabalhos de nivelamento, as instalações de exploração etc. O capital assim empregado entra na categoria de capital fixo (MARX 1982, p.354).
Foi o que aconteceu e continua acontecendo com a produção do espaço
urbano em Vitória da Conquista-BA. Localizada no Sudoeste da Bahia, a 512 km de
distância da capital do estado, Salvador -BA, a cidade é, atualmente, o terceiro
município do Estado em população. Caracteriza-se por possuir um clima semiárido e
tem centralizado um dinamismo na região sendo influente no comércio, também
atraindo a população rural e de outras localidades circunvizinhas, o que fez com que
o crescimento demográfico do município acelerasse, aumentando o problema de
moradia e intensificando os contrastes e o choque entre as classes sociais, fator que
pode ser observado na maioria das cidades médias do país.
A área do bairro Universidade era uma área rural, com o advento da
necessidade de expansão da cidade, foram criadas as ‘oportunidades’ para ocupação
da área. Poder estatal e fundiários investiram em infraestrutura e equipamentos para
valorização como forma de atração, no entanto o público a que se destina essa
infraestrutura já era previsto, a população classe média e alta da cidade, uma espécie
de acordo entre Estado e proprietários fundiários para a valorização induzida, que
perpetuam as contradições das classes sociais em Vitória da Conquista – BA.
O capital fixo se incorpora na terra com os investimentos públicos e privados
nas estruturas físicas que favorecem a valorização do solo urbano, a renda da terra
tem então seu quantum variável. Essa é uma necessidade do capitalismo que precisa
programar melhorias técnicas e descobrir novas formas que permitam mais rapidez
para a realização do capital e consequentemente maior possibilidade de lucro, e o
Estado atua intensificando esse processo de valorização, favorecendo e privilegiando
áreas com infraestrutura e equipamentos públicos, privados entre outros. O capital
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encontra na cidade os meios para manter e reproduzir as relações de produção e sua
circulação.
5-CONCLUSÃO
À cidade do capital convém ‘vender’ os fragmentos de lugares visando
incorporações imobiliárias de bairros elitizados. O capital precisa da cidade para se
reproduzir. O valor de uso dá lugar ao valor da troca, a quantidade de dinheiro por
meio da qual uma mercadoria pode ser comprada ou vendida equivale o seu preço, e
a terra transformada em ‘mercadoria’ torna-se também unidade dialética entre valor
de uso e valor de troca, uma vez que a primeira necessidade da terra é apropriar-se
através do trabalho concreto, mas esta, ainda que a priori seja valor de uso poderá
em algum momento tornar-se valor de troca, mas, se, por exemplo, uma
terra/habitação se torna ‘mercadoria’ (no sentido da troca) por outra ‘mercadoria’ sem
preço ela ainda têm valor de uso, pois não há aí relação mercadológica capitalista,
não se aufere renda, lucro, não há transação entre o capitalista e o operário.
A expansão urbana em Vitória da Conquista-BA segue a lógica da
transformação de terras rurais em terras urbanas, a ‘doação’ de terras particulares ao
estado para a incorporação de equipamentos urbanos e consequentemente a
valorização dos loteamentos nas proximidades.
Nessa ótica, a estrutura do Estado capitalista é corrompida, não há como fazer
‘reformas’ solidárias e justas, é preciso transformá-las em algo radicalmente diferente,
só possível com a extinção do relacionamento entre o capital e os processos de
construção das cidades. Lefebvre lembra de que só o proletariado pode construir uma
outra sociedade, abolir a especulação “o proletariado tem esta missão histórica:
apenas ele pode pôr fim às separações (às alienações) ” (LEFEBVRE, 2010: p.40). O
apropriar-se da cidade real só poderá acontecer com a extinção da propriedade
privada e somente a classe operária poderá se levantar, quando tomada a consciência
de classe para abolir o papel de dominante da classe burguesa
6-REFERÊNCIAS
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JARAMILLO, Samuel. Hacia una teoría de la renta del suelo urbano. 2. ed. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2010. LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Trad. Doralice Barros Pereira; Sérgio Martins. (do original La production de l´espace. 4ª Ed. Paris Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão – fevereiro de 2006 LOJKINE, Jean. Existe uma Renda Fundiária Urbana? In: FORTI, Reginaldo (org.). Marxismo e urbanismo capitalista: textos críticos. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. p. 81-91. Marx, K. A renda da terra. In: O Capital. Edição Resumida por Julian Borchardt. 7ª ed. LTC. Rio de Janeiro: 1982. ____________. Renda da Terra. In: Manuscritos Econômicos Filosóficos. Martin Claret: São Paulo, 2006. ____________. O Capital Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. Boitempo,2013. PAES BARRETO, Cláudia G. Renda fundiária, legislação urbanística, disputa de usos do solo: a transformação da avenida 17 de agosto em eixo comercial ao longo da última década. 2013.Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano) Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),2013. Publicado em http://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/17709 RICARDO, David. Princípios de Economia e tributação. (Os Economistas). Nova Cultural: São Paulo,1996. SMITH, David. Riqueza das Nações. Edição condensada.1 ed. São Paulo: Folha de São Paulo,2010 SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1988. SMOLKA, Martim; AMBORSKI, David. Captura de Mais-Valias para o Desenvolvimento Urbano: uma comparação interamericana. VII Curso recuperação de mais-valias fundiárias na América Latina (edição especial), 2000. Recuperado de https://governancaegestao.files.wordpress.com/2008/12/lincoln-texto_21.pdf SOUZA, Suzane Tosta. Da negação ao discurso “hegemônico” do Capital à atualidade da luta de classes no campo brasileiro. Camponeses em luta pelo/no território no Sudoeste da Bahia. Tese (Doutorado em Geografia). UFS/NPGEO. Departamento de Geografia. São Cristóvão, 2008.