A PRODUÇÃO LEITEIRA E AS PERSPECTIVAS DO CAMPESINATO EM QUIRINÓPOLIS/GO

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A PRODUÇÃO LEITEIRA E AS PERSPECTIVAS DO CAMPESINATO EM QUIRINÓPOLIS/GO SIMPÓSIO TEMÁTICO: PERSPECTIVAS DO CAMPESINATO NO CERRADO GOIANO Edevaldo Aparecido Souza Professor Doutor e Coordenador do Projeto de Pesquisa, Universidade Estadual de Goiás, Unidade Quirinópolis/GO; [email protected] Delvania dos Santos Freitas Silva Professora Especialista e Colaboradora do Projeto de Pesquisa, Universidade Estadual de Goiás, Unidade Quirinópolis/GO; [email protected] Eduardo Barbosa Gomes Curso de Licenciatura em Geografia, Bolsista de iniciação científica (PIBIC/UEG), Unidade de Quirinópolis; [email protected] . Resumo: Este texto é parte de um projeto de pesquisa desenvolvido por professores e docentes da UEG Quirinópolis e tem como objetivo estudar a permanência da produção leiteira como atividade que sustenta modos de vida camponesa no Município de Quirinópolis, em meio à presença do agronegócio. O método de análise utilizado é o fenomenológico que possibilita as análises pela observação e percepção, como suporte às informações coletadas por intermédio de entrevistas com as famílias camponesas. Como resultados parciais ressalta-se que há dificuldades na produção, principalmente pelo alto custo de produtos necessários à produção e aos baixos preços pagos pelos laticínios ao produtor, que precisa viabilizar outros meios para a complementação da renda, como o caso da venda in natura ou de derivados, entretanto, nem por isso as famílias planejam mudar de atividade. Palavras Chave: Camponeses. Produção leiteira. Modos de vida. Considerações iniciais

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Este texto é parte de um projeto de pesquisa desenvolvido por professores e docentes da UEG Quirinópolis e tem como objetivo estudar a permanência da produção leiteira como atividade que sustenta modos de vida camponesa no Município de Quirinópolis, em meio à presença do agronegócio. O método de análise utilizado é o fenomenológico que possibilita as análises pela observação e percepção, como suporte às informações coletadas por intermédio de entrevistas com as famílias camponesas. Como resultados parciais ressalta-se que há dificuldades na produção, principalmente pelo alto custo de produtos necessários à produção e aos baixos preços pagos pelos laticínios ao produtor, que precisa viabilizar outros meios para a complementação da renda, como o caso da venda in natura ou de derivados, entretanto, nem por isso as famílias planejam mudar de atividade.

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A PRODUO LEITEIRA E AS PERSPECTIVAS DO

CAMPESINATO EM QUIRINPOLIS/GOSIMPSIO TEMTICO: PERSPECTIVAS DO CAMPESINATO NO CERRADO GOIANOEdevaldo Aparecido SouzaProfessor Doutor e Coordenador do Projeto de Pesquisa, Universidade Estadual de Gois,

Unidade Quirinpolis/GO; [email protected] dos Santos Freitas SilvaProfessora Especialista e Colaboradora do Projeto de Pesquisa, Universidade Estadual de Gois,

Unidade Quirinpolis/GO; [email protected] Barbosa GomesCurso de Licenciatura em Geografia, Bolsista de iniciao cientfica (PIBIC/UEG),

Unidade de Quirinpolis; [email protected]:Este texto parte de um projeto de pesquisa desenvolvido por professores e docentes da UEG Quirinpolis e tem como objetivo estudar a permanncia da produo leiteira como atividade que sustenta modos de vida camponesa no Municpio de Quirinpolis, em meio presena do agronegcio. O mtodo de anlise utilizado o fenomenolgico que possibilita as anlises pela observao e percepo, como suporte s informaes coletadas por intermdio de entrevistas com as famlias camponesas. Como resultados parciais ressalta-se que h dificuldades na produo, principalmente pelo alto custo de produtos necessrios produo e aos baixos preos pagos pelos laticnios ao produtor, que precisa viabilizar outros meios para a complementao da renda, como o caso da venda in natura ou de derivados, entretanto, nem por isso as famlias planejam mudar de atividade.

Palavras Chave: Camponeses. Produo leiteira. Modos de vida.Consideraes iniciaisA discusso apresentada neste texto faz parte de um projeto de pesquisa desenvolvido pelos autores supracitados, intitulado A produo leiteira como atividade de sustentao dos modos de vida e produo camponesa em Quirinpolis/GO e tem como objetivo estudar a permanncia da produo leiteira, em meio produo modernizadora da cana-de-acar para a produo de etanol e acar, como atividade que sustenta modos de vida camponesa no Municpio de Quirinpolis.

Para o alcance desses objetivos, propomos o estabelecimento de trs metas especficas: avaliar a importncia da produo leiteira a partir de dados quantitativos e da relao de trabalho familiar das comunidades camponesas; analisar a forma como est sendo implantado o modelo agroindustrial e a produo da cana-de-acar no municpio; estudar, a partir de dados qualitativos, a presena das prticas socioculturais das famlias camponesas.O mtodo de anlise escolhido para contribuir nas discusses e debates da pesquisa, o fenomenolgico que, pela observao e percepo, aliado anlises de documentao fotogrfica, visa a coleta de informaes qualitativas das famlias camponesas de Quirinpolis. Nesse sentido, o mtodo nos permite compor caminhos metodolgicos que torna possvel ir alm dos seus aspectos visveis, ou seja, possibilita a sensibilidade e percepo para, assim, chegar aos sentimentos, s simbologias, aos imaginrios presentes na vida das pessoas e das famlias camponesas, bem como os seus vnculos territoriais com o lugar.

A produo de leite como potencialidade do sistema de campesinato

Buscamos conhecer os modos de vida das comunidades camponesas do Municpio de Quirinpolis, relacionados aos modos de produo com caractersticas de relaes de trabalho familiar e de algumas prticas coletivas, no intuito de comprovar que a atividade leiteira no municpio um elemento fundamental para a preservao das prticas socioculturais das famlias camponesas. Prticas essas que promovem sociabilidades no apenas nos modos de produo, mas tambm nos modos de vida como as especificidades das festas e das rezas, as formas de organizaes sociais, e o reconhecimento da comunidade como o lugar da produo e da existncia camponesa.

No entanto, essa discusso no pode ser desvinculada com as aes do Estado e do capital no municpio e regio. Em Gois e em Quirinpolis aparecem as lgicas do agronegcio, planejado pelo Estado e implantado pela classe empresarial. Em 2010 houve reduo da rea plantada de soja, 20.000 hectares, com produo de 60.000 toneladas, sendo que em 2004 chegou a 50.000 hectares. Essa queda se deve chegada da cana-de-acar neste ano, iniciando a moagem em 2006, na indstria de lcool e acar So Francisco. Neste ano a moagem foi de 360.000 toneladas em uma rea plantada de 4.000 hectares, chegando em 2010 a 4.950.000 toneladas em 55.000 hectares, conforme tabela 1.

Tabela 1: Reduo de rea para produo agrcola tradicional para implantao da cana-de-acar em Quirinpolis (em hectares).Produto2001200420062010

Algodo15019800

Arroz5007001.000150

Milho14.8006.5007.0003.500

Soja22.70050.00025.00020.000

Sorgo2.5563.0003.0001.400

Cana-de-acar004.00055.000

Fonte: EMATER/Quirinpolis, 2011

Percebe-se, pela figura 1 (SOUZA, 2013, p. 79-80), que na Microrregio Quirinpolis, a produo da pecuria atravessou o perodo da modernizao da agricultura mantendo-se praticamente estvel, e a produo leiteira obteve avanos entre os anos de 1990 a 2009, lembrando que, at esse ltimo ano, o municpio j contava com as duas agroindstrias da cana.

Figura 1: Grfico ilustrando a evoluo da produo de leite (mil litros) nas Microrregies de Quirinpolis, Meia Ponte, Sudoeste, Vale do Rio dos Bois e Ceres 1990-2009Fonte: IBGE/BUNDE, 2011/SOUZA, 2013Para os camponeses que permanecem com a produo de leite, com caractersticas de atividades camponesas, as propriedades apresentam aquilo que lhes permite segurana e soberania alimentar, garantidas pela criao de animais (porcos e galinhas), pomar, plantas medicinais e, principalmente, o gado leiteiro para venda do leite. Nessa questo, h que considerar que Quirinpolis ainda registra uma considervel produo de leite, haja vista que, com 319.500 cabeas de gado, sendo 31.500 vacas ordenhadas, o municpio produziu em 2011, 50.550 litros de leite (IBGE, 2011).Na verdade, a atividade leiteira no municpio no valorizada, principalmente pelos baixos preos pagos pelos laticnios ao produtor, que precisa viabilizar outros meios para a complementao da renda, como o caso da venda in natura ou de derivados.

As polticas pblicas brasileiras, mesmo que tenha melhorado no sentido de atender a pequena produo, ainda deficiente quando se analisa a proporcionalidade entre essa categoria e o agronegcio. No se trata de no haver programas bons para a produo leiteira, o que se questiona que as informaes precisas e claras no chegam aos pequenos produtores. A realidade brasileira ainda no boa, se utilizarmos de comparaes. Uma vaca brasileira produz por dia quatro litros de leite, 7,5 vezes menos que os Estados Unidos, ou 20% do que uma vaca francesa produz, no entanto, a produo leiteira no Brasil, em 2008, cresceu 5,5% com um rebanho de 21.599.910 animais. O municpio de Quirinpolis se encontra no 35 lugar, com, produo de leite com 52.040.000 litros (BOLETIM DO AGRONEGCIO, 2010).

No Cerrado do Municpio de Quirinpolis, os espaos em fundos de vales, as veredas, a meia vertente e ao longo das principais drenagens, foram sendo definidos pelos camponesescomo lugares e vnculos territoriais. Tambm foram desenvolvendo as relaes de trabalho, seus momentos de lazer, prazeres e identidade com os diferentes lugares. A partir dos elementos naturais que os lugares ofereciam foram se constituindo comunidades, gerando princpios de uso e apropriaes, constituindo historicamente e culturalmente as bases socioespaciais [do lugar] (SANTOS, 2010, p. 105).

Estudar a categoria lugar, como apresentam Motta e Paiva (2010), constitui-se em importante aporte para a compreenso do processo de reestruturao econmica e das transformaes nas relaes socioeconmicas e socioculturais, que ressignificam modos de vida e promovem modificaes no lugar, reinventando as especificidades das relaes sociais.Para Carlos (1996), o lugar constitui-se na base da reproduo da vida, podendo ser entendido a partir da trade habitante-identidade-lugar.

O lugar aparece como a materializao das formas e funes, a partir das relaes entre sujeitos e objetos, que constroem e reconstroem o territrio, a paisagem e o prprio espao. Essa reconstruo ocorre a partir do aparecimento de novas funes que so adaptadas para enfrentar as novas necessidades. Essa ressignificao passa, consequentemente, pelas estruturas culturais das famlias camponesas [de Quirinpolis] (SOUZA, 2013, p. 166-167).Os vnculos territoriais, de acordo com Heidrich (2012, p. 31), so resultantes das aes ou prticas sociais de conduo e representao da vida. Desse modo, as prticas sociais relacionadas com o passado, mas reinventadas no cotidiano dos camponeses de Quirinpolis potencializam a produo leiteira e propiciam alternativas para os meios de locomoo e transportes do leite.

Nos espaos em fundos de vales, veredas, cerrados e ao longo das principais drenagens, os camponeses foram definindo seus lugares, seus vnculos territoriais e o pertencimento regio. Tambm foram desenvolvendo as relaes de trabalho, seus momentos de lazer, prazeres e identidade com os diferentes lugares. A partir dos elementos naturais que os lugares ofereciam foram se constituindo comunidades, gerando princpios de uso e apropriaes, constituindo historicamente e culturalmente as bases socioespaciais [do lugar] (SANTOS, 2010, p. 105).

Na sub-regio Crrego Raso e Crrego Fundo, uma das 21 sub-regies administrativas do municpio, ainda existem algumas pequenas propriedades de camponeses, predominantemente produtores de leite. Destes, h aqueles que produzem para o consumo, os que extraem do leite os subprodutos como queijo e requeijo e vendem na cidade, e os que vendem o leite para os laticnios localizados na cidade.

Em uma propriedade de 14 hectares, de acordo com o proprietrio, produz em mdia 75 litros por dia, com 11 vacas, utilizando a pastagem com capim Bachiaro e Mambassa. As dificuldades com essa produo so visveis, sobretudo pela necessidade que eles tm, ou de comprar o tanque de resfriamento ou de levar a um vizinho que o tem instalado. Em alguns casos esses tanques so associados para a compra do equipamento e para o depsito do leite. Outros, por questes financeiras, so disponibilizados para o armazenamento do leite apenas pelas relaes de vizinhana.

Outra dificuldade apresentada pelos camponeses est na determinao do preo do leite, que determinado pelo laticnio, por intermdio de um controle de qualidade, mas que os produtores no tm acesso, nem mesmo qualificao para acompanhar essa anlise. Restam-lhes aceitar o preo imposto. Mesmo diante destas e de outras dificuldades, de acordo com o depoimento de um campons, pra gente que j acostumado, nascido e criado, no to difcil [...]. No fcil acostumar na cidade. Disse ainda que se tivesse que parar de produzir leite daria para ficar no stio devido a aposentadoria que recebe mensalmente, mas que ele precisa continuar, porque essa atividade lhe d prazer.

O pequeno pomar tambm fornece uma renda extra para a famlia. Encontram-se no quintal: guariroba e banana da terra que so vendidas para o Supermercado Agrovale; coco verde e outras frutas (abacaxi, goiaba, laranja, mamo) para o consumo ou que tambm so entregues na cidade, alm da produo de galinhas e ovos para o consumo. Estavam, em 2013, preparando tanques de piscicultura para a criao e venda de peixes.

Para esse pequeno produtor de leite a convivncia com a cana no tem atrapalhado suas atividades e avalia at que contribui com a utilizao de mquinas quando necessrio. No entanto, para a maioria essa convivncia tem sido muito inconveniente, uma vez que as atividades desta lavoura tm ocasionado alguns problemas no pasto, nos pomares e nos mananciais de gua. Por exemplo, conta o produtor de leite que o Veneno (maturador) utilizado nas lavouras de cana ofende algumas plantas, o mamo principalmente.

Outro pequeno produtor de leite conta que no perodo de pouca gua (em abril de 2014) a produo tem sido entre 70 a 80 litros e na poca de muita gua pode chegar at 100 litros. Mas na seca no passa de 30 litros. Entrega o leite para o Laticnio Quileite que pagou em maro R$ 0,75 o litro. J reivindicaram preo melhor e ameaaram mudar de laticnio. O preo baixo, mas o que sabem e gostam de fazer produzir leite, alm do apego ao lugar: tem que ficqueto e faze o que sabe. Tambm criam porcos e galinhas. Vendem mas s para os vizinhos.

H uma pequena propriedade cerca de 80 ha, que arrendou uma parte para a cana, mas j se arrependeu, de acordo com relatos do vizinho. Foi um contrato para cinco anos, sem que a usina tenha compromisso com a queima, com o gado que coma a cana, com as cercas, com a reforma para o pasto. O primeiro ano foi bom de preo, o segundo caiu pela metade, conta o vizinho, uma vez que o proprietrio no foi encontrado.No entanto, no Crrego Fundo encontram-se algumas propriedades abandonadas ou transformadas em lavouras de cana porque os pais morreram e os filhos que j esto na cidade, no do continuidade nas atividades tradicionais.

Na sub-regio Fortaleza o que os produtores de leite, pequenos, mdios e grandes reclamam (e que uma realidade em todo o municpio) que no encontra mais mo-de-obra para o trabalho com o gado. Os melhores esto empregados nas usinas e os que no esto querem equiparar a remunerao com a que est sendo paga por estas agroindstrias. Os produtores de leite no podem agregar esse acrscimo no custo do leite que j est com o preo muito baixo para a venda, correndo, muitas vezes, o risco de contratar dependentes qumicos na propriedade, segundo depoimentos.

Na sub-regio h uma disputa territorial entre a pastagem e a cana-de-acar para produo de etanol. Conta um proprietrio de 338,8 hectares que 60,5 esto com cana, e j foi suficiente para se arrepender. uma baguna, expressa ele. No cumprem com os acordos firmados. Outros permanecem confiantes na atividade.

H nessa regio um grande fazendeiro descendente de um dos fundadores do municpio que, em 1967 comprou a fazenda bruta, limpou para o pasto, deixando muitas rvores. Tem 6 a 7 km de mata ciliar do So Francisco dentro da propriedade, alm de outras nos Crregos Taboca e Tapera Velha, dentro da propriedade.

Dentro dessas terras h um cemitrio onde foram enterradas as pessoas da regio que viessem a bito. Foram encerradas as atividades a mais de 50 anos porque a Prefeitura no permitiu mais, principalmente por questes de registros. Nesse perodo os defuntos eram transportados em carros de boi.

A pecuria produz gado leiteiro e gado baio para produo de bezerro, comercializando-os, mas s vezes vendem tambm novilhas. Alm do pasto, plantam milho e cana para consumo do gado, e trato de outros pequenos animais, vendendo o excedente de milho.

Afirma um produtor de leite que a produo de 270 litros/dia, vendendo para Italac a R$ 1,04, entretanto, no ltimo ms foi pago foi apenas R$ 0,84. H uma inconstncia e alta variao de preos sem lgica. o laticnio quem decide, conclui ele.

Nessa sub-regio, encontra-se uma casa de tipo colonial construda em 1809 (Figura 2a), cuja propriedade possui caracterstica camponesa clssica. Embora tenha produo, em pequena escala, trana e flamengo (poronga), pelo formato da cabaa que utilizada como forma para vender na feira da cidade, h tambm a produo leiteira, de forma tradicional, com gado Caracu(Figura 2b) e possui uma roa de toco(Figura 2c), algo que a sociedade j considera extinta. Esta propriedade tem 571 hectares e o campons trabalha de 13 a 14 horas por dia, segundo ele. Tem mais rea de reserva que o exigido. O Crrego das guas e o Rio So Francisco passam pela propriedade.Justificando o fato da rea prxima residncia ser composta de pequenos arbustos mato, o proprietrio conta uma histria ocorrida em 28 de outubro de 1991: alguns criminosos passaram com metralhadora e deram cerca de 200 tiros contra a propriedade e fugiram. At hoje no encontraram explicao. Por conta desse fato, o pai (j falecido), montou uma sirene, que funciona at hoje, para que avisassem os vizinhos, se algo como esse fato voltasse a se repetir. De acordo com o campons, a baguna no preguia, segurana. O bandido chega, v e fala: mais pobre do que eu. Ou ainda: t abandonada.abc

Figura 2: Casa do tipo colonial; rebanho caracu; e roa de toco em propriedade na Sub-regio Fortaleza.

Fonte: Trabalho de Campo: a) e c) setembro de 2014; b) maro de 2014.

Com relao s atividades socioculturais na sub-regio, J existiram muitas festas religiosas, como a Folia de Reis, at incio da dcada de 1990, as missas celebradas nas sedes de fazendas e as novenas ou rezas ao p do Cruzeiro para chover. Quirino Cndido de Morais era o rezador, conta um proprietrio. De acordo com seus depoimentos, em um dia de sol muito quente, o Sr. Armindo era menino ainda, aproximadamenteno ano de 1945, houve uma reza ao p do Cruzeiro e no havia indcios de chuva, nenhuma nuvem no cu. Ao terminar a reza, j estava nublado, e o Sr. Quirino disse: vamo embora seno a chuva pega a gente, e as casas nem eram muito longe. Sempre havia tambm os pagodes (bailes animados por sanfoneiros) e as treio (Espcie de mutiro organizado pela comunidade sem que o proprietrio soubesse), at incio da dcada de 1950.

Na sub-regio Pedra Lisa, de acordo com Souza (2013),os camponeses traaram estratgias para usar, a seu favor, o espao e, por meio dos conhecimentos e habilidades camponesas, criaram novas prticas produtivas e novos usos de sociabilidade para continuar existindo no lugar.

Cabe, aqui, avanar no entendimento de como, a partir do lugar, os camponeses reagiram diante das imposies vindas com a modernidade, criando e recriando seus modos de produo e modos de vida, e como foram estabelecendo, no lugar, suas estratgias socioprodutivas.

Esses camponeses utilizam os elementos modernos para facilitar a prpria reproduo da vida, s vezes, at mesmo para reestruturar a sua existncia. Na avaliao dos produtores de leite, o emprego de tecnologias contribuiu muito na produo do leite. Essas facilidades significam menos esforo fsico e tambm mais tempo para trabalhar em outra atividade, em seu prprio stio, ou como diarista.

No processo de produo camponesa, em Pedra Lisa, acumulam-se diferentes temporalidades sociais, redefinem-se formas, reelabora-se o antigo, resultado de processos sociais, constitudos de transformaes abruptas, mas tambm de ressignificaes culturais. Por isso, entende-se que as estratgias camponesas, em Pedra Lisa, so mais presentes, para a manuteno e recriao dos modos de vida e, portanto, muito ricos para a compreenso da sua permanncia nos cercos do setor agrocombustvel. A produo de leite nessa comunidade refora essas prticas e atua como potencialidade da (re)existncia desses camponeses.

O mercado de leite, ao exigir qualidade para estabelecimento dos preos pagos aos produtores, impe que esses tenham, em suas propriedades, tanques de resfriamento. Como esse tem um custo alm da capacidade financeira de uma famlia camponesa, para os que no tiveram condies de t-lo como propriedade particular, como arranjo socioprodutivo, usou-se a estratgia da compra coletiva, associao de um grupo de produtores. Para facilitar o transporte de uma propriedade outra, os camponeses tm tambm incorporados ao processo produtivo veculos motorizados (Figura 5).Como o custo tambm alto, e no lhes convm a associao para a compra desse bem, aqueles que no tm recursos financeiros suficientes, como no querem utilizar as vantagens dos financiamentos, usam a estratgia de vender alguns bezerros e/ou vacas, para a compra do veculo.H ainda outra estratgia para aqueles camponeses que no querem aderir ao tanque de resfriamento. Em abril de 2011, estavam entregando o leite a R$ 0,50 o litro, em temperatura ambiente, para o laticnio Rio Preto. Essa empresa se localiza na rea rural, na Sub-regio Viradouro, e produz apenas derivados do leite. O laticnio busca o produto na propriedade.

Alm das estratgias para vencer as exigncias do mercado moderno, h tambm os arranjos produtivos que aparecem para enfrentar o perodo da seca, sempre, todos os anos, entre junho e novembro, com nfase nos meses de agosto a outubro. So vrias as estratgias de manejo com o gado, incluindo a silagem, a cana triturada, o complemento com rao e sal industrializados, todos pelo mtodo de abastecimento alimentar no cocho.

No perodo das guas, alm do pasto, adicionado ao gado apenas o sal mineral e sal branco. A perda na quantidade e qualidade da produo de leite considervel, mas se deixassem o gado apenas no pasto, que j no tem capim suficiente, a reduo seria ainda muito maior.

Considera-se fundamental o papel da cultura, a partir do modo de vida, ou das tradies e costumes na existncia camponesa. Remete-nos s lgicas e temporalidades sociais, inclusive aos saberes e fazeres, como uma sada para compreenso da realidade. Assimilar, por exemplo, a relao do campons com o uso do espao.

Suas estratgias de existncia no lugar apresentam os contedos e as especificidades da existncia camponesa em Pedra Lisa. Revela as relaes que se estabelecem entre elas e os recursos naturais, potencializa a vida em coletividade e possibilita a esses camponeses se afirmarem na condio de grupo social, para o enfrentamento das tenses que esto sofrendo com o agronegcio em Pedra Lisa.Consideraes PreliminaresAs prticas tradicionais dos camponeses foram, ao longo dos anos, se metamorfoseando, dando novas possibilidades de tcnicas produtivas e ressignificando modos de vida. Houveram, na produo do espao, processos de construo e desconstruo das formas e das funes econmicas, sociais e culturais dos camponeses, e consequentemente as relaes entre sujeitos e objetos tambm sofreram alteraes. Contudo, o avano das grandes lavouras, seja de soja, milho ou cana-de-acar, no tem inibido as iniciativas de reestabelecimento, por intermdio das mediaes socioculturais, das relaes e das prticas camponesas, mas preciso esclarecer que essas so ressignificadas, reinventadas.

A sociabilidade camponesa concretiza o sentimento de pertencimento a um lugar do espao com hbitos caractersticos do grupo social ao qual pertence, tornando-o uma comunidade com uma cultura prpria, prticas sociais comuns, num processo em que no h garantias de continuar existindo no lugar.

Presume-se, portanto, que a padronizao dos modos de produo com modelos tecnolgicos modernos, no se aplica a todos os grupos sociais e, em alguns desses grupos necessrio manter prticas de produo que financeiramente consigam processar. Em uma escala maior essas prticas sociais tm ocorrido, mesmo diante da implantao de modelos agrcolas tecnicamente modernos, permitindo que os modos de vida camponesa, mesmo que modificados, continuem existindo.

Assim sendo, entendemos que a pecuria leiteira no municpio, tem contribudo para a sustentao e permanncia de modos de vida camponesa, que potencializam sua existncia a partir da preservao dos seus usos e costumes, dos seus saberes fazeres, herdados de tempos passados e revitalizados, a partir das novas necessidades impostas pela sociedade atual.

Referncias

BOLETIM DO AGRONEGCIO. Bovinocultura leiteira. Recife, 2010. Disponvel em: http://www.sebrae.com.br/setor/leite-e-derivados/Boletim%20Bovinocultura.pdf. Acesso em Acesso em 09/10/2013.CARLOS, Ana Fani A. O Lugar no/do Mundo. So Paulo: HUCITEC, 1996.

HEIDRICH, lvaro Luiz. Territrio, integrao socioespacial, regio, fragmentao e excluso social. Disponvel em: . Acesso em 28/06/2012.

INSTITUTO NACIONAL DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA IBGE, 2000. Disponvel em: . Acesso em 21/09/2011.MOTTA, Janne Mary e PAIVA, Joo Batista de. As transformaes socioculturais dos pequenos produtores rurais do Crrego do Bandeira, Municpio de Quirinpolis-GO. 63 f. (Monografia de graduao). Quirinpolis: UEG, 2010.

SANTOS, Jean Carlos Vieira. Polticas de regionalizao e criao de destinos tursticos entre o Lago de So Simo e a Lagoa Santa no Baixo Paranaba Goiano. 366 f. (Tese de Doutorado). Uberlndia: UFU, 2010.

SOUZA, Edevaldo Aparecido. O territrio e as estratgias de permanncia camponesa da Comunidade Pedra Lisa no processo de expanso das lavouras de cana-de-acar em Quirinpolis/GO. (Tese de Doutorado). Uberlndia: UFU, 2013. Entrevista realizada com campons produtor de leite em fevereiro de 2014.

Entrevista realizada com campons produtor de leite em Abril de 2014.

Sr. Jos Quirino de Cardoso

Entrevista realizada em abril de 2014.

Idem

Os outros laticnios que pegam o leite resfriado, como Agrovale e Italac, no ms de Abril de 2011, estavam pagando na faixa de R$ 0,70 o litro.