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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 1 A PROPOSTA EDUCATIVA NA HISTORIOGRAFIA ALEMÃ DO SÉCULO XIX: FORMAÇÃO DE UM HOMEM MODERNO SOUZA, Paulo Rogério de, E-mail: [email protected] Considerações iniciais A discussão deste trabalho buscará mostrar como a historiografia alemã do século XIX – privilegiando uma análise de seus principais articuladores e algumas de suas idéias mais características –, influenciou no processo das reformas pedagógicas deste período. Para isso, fez-se uma opção preferencial pelos autores como Leopold Von Rank (1795-1886), Wilhelm Von Humboldt (1767-1835), Jacob Burkhardt (1818- 1897) e Theodor Mommsen (1817-1903), da mesma forma que é importante contextualizar esse momento histórico, mesmo não sendo esta, segundo Norbert Elias, uma tarefa simples: “Não é fácil falar sobre a Alemanha em termos gerais, uma vez que nessa época notam-se características especiais em cada um de seus muitos Estados” (1994, p. 29). Isso porque a Alemanha – na segunda metade do século XVII e século XVIII –, ou principalmente região da Prússia, passava por momentos de conflitos internos e externos, que se seguira a um período de dominação em que se tentara sedimentar uma reunificação alcançada somente no ano de 1871, pelo intermédio do general Otto Von Bismark (1815-1898), quando este ocupara o cargo de primeiro-ministro da Prússia entre os anos de 1862 e 1890. As cicatrizes deixadas pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) provocaram uma grave crise social na Alemanha. As perdas foram grandes no que concerne às vidas humanas e causara devastação na estrutura organizacional, e provocara também problemas econômicos no país. No século XVII, o comércio interno e, principalmente, suas transações comerciais externas, que se desenvolveram nos séculos anteriores e que geraram muitas riquezas, sofreram um duro golpe: “O comércio [...] está em ruínas. Desmoronou a imensa riqueza das grandes casas mercantis, parcialmente devido à

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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

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A PROPOSTA EDUCATIVA NA HISTORIOGRAFIA ALEMÃ DO SÉCULO

XIX: FORMAÇÃO DE UM HOMEM MODERNO

SOUZA, Paulo Rogério de,

E-mail: [email protected]

Considerações iniciais

A discussão deste trabalho buscará mostrar como a historiografia alemã do

século XIX – privilegiando uma análise de seus principais articuladores e algumas de

suas idéias mais características –, influenciou no processo das reformas pedagógicas

deste período. Para isso, fez-se uma opção preferencial pelos autores como Leopold

Von Rank (1795-1886), Wilhelm Von Humboldt (1767-1835), Jacob Burkhardt (1818-

1897) e Theodor Mommsen (1817-1903), da mesma forma que é importante

contextualizar esse momento histórico, mesmo não sendo esta, segundo Norbert Elias,

uma tarefa simples: “Não é fácil falar sobre a Alemanha em termos gerais, uma vez que

nessa época notam-se características especiais em cada um de seus muitos Estados”

(1994, p. 29).

Isso porque a Alemanha – na segunda metade do século XVII e século XVIII –,

ou principalmente região da Prússia, passava por momentos de conflitos internos e

externos, que se seguira a um período de dominação em que se tentara sedimentar uma

reunificação alcançada somente no ano de 1871, pelo intermédio do general Otto Von

Bismark (1815-1898), quando este ocupara o cargo de primeiro-ministro da Prússia

entre os anos de 1862 e 1890.

As cicatrizes deixadas pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) provocaram

uma grave crise social na Alemanha. As perdas foram grandes no que concerne às vidas

humanas e causara devastação na estrutura organizacional, e provocara também

problemas econômicos no país. No século XVII, o comércio interno e, principalmente,

suas transações comerciais externas, que se desenvolveram nos séculos anteriores e que

geraram muitas riquezas, sofreram um duro golpe: “O comércio [...] está em ruínas.

Desmoronou a imensa riqueza das grandes casas mercantis, parcialmente devido à

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mudança nas rotas de comércio devido à descoberta de novas terras no ultramar”

(ELIAS, 1994, p. 29).

Como resultado de crise econômica e das feridas que os conflitos internos entre

católicos e protestantes (1618-1629) e guerras externas com a Suécia (1630-1635) e a

França (1635-1648) provocaram houve o despovoamento das regiões mais

empobrecidas, e o que sobrara ainda segundo Elias: “[...] é uma burguesia de pequenas

cidades, de horizontes estreitos, vivendo basicamente do atendimento de necessidades

locais” (1994, p. 29).

Diante dessa desorganização na estrutura política e social e da conjuntura

econômica desarticulada, a cultura alemã passara a “sobreviver” à custa da influência

cultural inglesa e francesa, com destaque para a segunda. Um exemplo foi o trato

dispensado à própria língua nacional. Enquanto a língua alemã era considera uma língua

das classes sociais inferiores, não devendo ser usada em cartas, muito menos na

literatura, a língua francesa passou a ser a língua da classe superior e disseminara-se por

todo o país. Falar francês acabara tornando-se, segundo Elias, símbolo de status da

classe superior (1994, p. 30).

Na segunda metade do século XVIII e do século XIX, houve na Europa um

grande desenvolvimento do cientificismo na área do conhecimento. As ciências

naturais, com seus métodos experimentais, tornaram a metafísica obsoleta diante do

empirismo:

[...] com a ascensão da ciência, muitos acreditavam que a metafísica se tornara obsoleta. As descobertas científicas pareciam mais dignas de confiança porque podiam ser medidas, ao passo que as noções metafísicas eram inverificáveis, não tinha, aparentemente, qualquer aplicação prática (KNELLER, 1984, p. 14).

Nesse período, também houve o estabelecimento hegemônico de uma classe

social que até então conquistara influência nas decisões administrativas e que passara a

ter forte influência política e econômica: a burguesia. E com ela despertara um

sentimento, por parte de alguns setores da sociedade alemã, da necessidade da formação

de um Estado Nacional que justificasse o ideário burguês, ou seja, o Estado Burguês

alemão unificado.

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Na Alemanha, esse desejo de formação de uma identidade nacional foi

defendido pelos pensadores supracitados na luta pela formação de um homem que

viesse atender as necessidades da sociedade; um homem que tivesse orgulho de sua

pátria; que não tivesse vergonha de sua língua; ou ainda, que não ignorasse as suas

origens.

Os Historiadores Alemães do século XIX

Na vertente racionalista, havia na Europa no século XIX – com destaque nessa

discussão para a Alemanha – uma negação das ciências sociais e da história em pró do

cientificismo. O estudo da história, quando encampado, estava relegado a descrições

gerais de dados, sempre a partir de fontes escritas. A história geral tinha um caráter

moralista, especulativo e subjetivo.

Na contramão do cientificismo, os historiadores alemães como Ranke,

Humboldt, Burckhardt e Mommsen retomaram o estudo da história como um

instrumento que viesse legitimar o discurso nacionalista burguês de unificação e

despertasse na juventude alemã um sentimento de identidade patriótica:

A História surge, desse modo, na perspectiva oficial, como legitimadora das novas bases do poder. Destarte, busca-se nas origens e a evolução da nação, com base na racionalidade, um discurso científico capaz de suscitar no povo o sentimento de identificação com a nova sociedade (DANTAS, 2007, p. 1).

E foi nesse mesmo contexto que, segundo Dantas, a profissão de historiador

ganhou novos contornos e o ensino de História passou a ser ministrado pelas

universidades: “Assim sendo, o século XIX configura-se por ser o ‘século da história

erudita’, nesse período a profissão de historiador se profissionaliza e o ensino de

História passa a ser ministrado nas universidades” (DANTAS, 2007, p. 1 grifo do

autor).

Com Ranke, considerado o pai da historiografia moderna, a história passou a ter

o status de ciência, e foi comparada a arte – mais diretamente a poesias – e a filosofia,

no entanto, superior a ambas em suas particularidades:

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A História se diferencia das demais ciências porque ela é, simultaneamente, uma arte. Ela é ciência na medida em que recolhe, descobre, analisa em profundidade; e arte na medida em que representa e torna a dar forma ao que é descoberto, ao que é apreendido (RANKE, 2010, p. 202).

Essa relação que a história mantinha com a filosofia e a poesia estava, segundo

Ranke, vinculada à cultura grega antiga. Ao apresentar a origem da teoria da pesquisa

histórica na Antiguidade Clássica ele procurava elementos que sustentassem seu

discurso a partir das experiências do grego, considerado uma civilização elevada na

história universal:

É de se notar como os gregos a História se desenvolveu a partir da poesia, é derivada desta. Os gregos tiveram uma teoria da pesquisa histórica [Historie], a qual, embora seu exercício não possa ser igualado quando visto de hoje, sempre foi significativo. Uns têm destacado mais o caráter científico, outros o artístico; entretanto, nenhum apresentou a necessidade de unificar os dois (RANKE, 2010, p. 203).

Para ele uma das particularidades da história em relação às outras ciências era a

sua capacidade de recriação ou reconstrução da vida não mais existente: “Outras

ciências se contentam simplesmente em registrar o que é descoberto em si mesmo: a

isso se soma, na história, a capacidade de recriação” (RANKE, 2010, p. 202).

Ranke propunha que a história não deveria se apoiar nas especulações subjetivas

nem moralizantes, mas deveria manter uma preocupação com a objetividade da pesquisa

e com a fonte escrita, privilegiando a língua materna da fonte. É também na língua do

seu povo que o historiador vai encontrar a identidade alemã.

Outro ponto relevante para o procedimento da investigação histórica para Ranke

partia de uma base de investigação documental, pormenorizada e aprofundada,

permitindo-se uma análise pautada em suposições ou observações livres somente

quando a base documental não possibilitasse o avanço dos estudos do historiador:

Somente então, quando não formos mais capazes de avançar, nos será permitido dar espaço às suposições. Não se deve pensar que com isso

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estaria prejudicada a liberdade de observação. Não; quanto mais documentada, exata, produtiva a investigação, mais livremente nossa arte se movimenta. Somente no âmbito da verdade imediata, impossível de ser negada, é que tal arte chegará a bom termo! Secas em si são apenas as causas aparentes. Causas verdadeiras são variadas, profundas, passíveis de uma observação viva. Assim, tal como o conhecimento em geral, nosso próprio pragmatismo é documental [...] (RANKE, 2010, p. 209).

Seus estudos acabaram influenciando as gerações futuras de pesquisadores da

historiografia moderna não só da Alemanha, mas de outros países pelo mundo.

Assim, pode-se dizer que sua contribuição não se restringiu ao campo da

história, mas ampliou-se para o processo formador do perfil dos novos historiadores,

destacando sua importância social: “Tratar-se-á aqui do que justifica, em si mesmo, o

trabalho do historiador [...] É um trabalho reconhecidamente necessário; sendo

dispensável versar sobre sua utilidade, já que dela ninguém duvida. A sociedade, a

relação entre as coisas exige-na [...]” (RANKE, 2010, p. 203), bem como da ‘nova

história’ que se seguiu, influenciada pelos seus estudos.

Dentre os historiadores alemães supracitados, Humboldt foi um dos teóricos

contrários ao racionalismo cientificista e é considerado um dos intelectuais responsáveis

pela consolidação do historicismo alemão no século XIX.

A sua participação na vida política da Alemanha nesse período foi ostensiva,

seja como diplomata ou nos diversos cargos administrativos que ocupou nas áreas do

ensino e da cultura. Humboldt fez parte do Departamento de Ensino Público do

Ministério do Interior como diretor, o que possibilitou marcar seu nome na história

alemã também como o criador da Universidade de Berlim no ano de 1810, uma das suas

maiores conquistas na carreira burocrática.

Na carreira acadêmica Humboldt teve, inicialmente, uma preocupação com

estudos voltados para a política e também para linguagem. Mas foi com seu artigo

Sobre a tarefa do historiador de 1821 que ele propôs uma nova discussão sobre o papel

do historiador e da concepção de história nesse período, também como negação ao

cientificismo.

O que chama mais atenção nesse texto é a própria figura do seu autor que não

era um historiador propriamente dito. Isso mostra como o historicismo alemão no século

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XIX ganhava força no universo intelectual e também surgia como possibilidade de

auxiliar na formação de um novo homem que pudesse vir a lutar para superar as

contradições sociais em que os estados da Alemanha se encontravam. Contradições que

segundo Humboldt era “característica primordial do homem”.

No texto Sobre a tarefa do historiador havia uma preocupação maior do autor,

não para com o estudo ou com a análise dos eventos da história, mas com a formação da

profissão do historiador:

A história deve sempre produzir esse efeito interno, não importando, no caso, se o seu objeto é uma teia de eventos ou a narrativa de um fato singular. O historiador digno deste nome deve expor cada evento como parte de um todo, ou, o que é a mesma coisa, a cada evento dar a forma da história [...] A teia dos eventos se mostra ao historiador como uma aparente confusão, somente inteligível em seus fatores cronológicos e geográficos. Para dar forma à sua exposição, ele precisa separar o necessário do contingente, descobrir as sequências internas, tornar visíveis as verdadeiras forças ativas (HUMBOLDT, 2010, p. 87).

Humboldt apresentou também no seu artigo uma preocupação em valorizar o

ofício do historiador acima do papel do filósofo e do poeta – apesar de não negar que

poderia haver afinidades entre o historiador e o poeta1 –, por serem considerados

inconsistentes para o trabalho de análise dos eventos devido a abstração de suas

verificações parciais e superficiais no processo de investigação da realidade:

Tal forma não está assentada sobre um valor filosófico imaginado ou prescindível, ou sobre um estímulo poético do mesmo tipo, mas sobre sua primordial e essencial, sua verdade e sua autenticidade, uma vez que um evento acaba sendo conhecido somente pela metade (ou de maneira deturpada) se apenas se considera sua aparência superficial (HUMBOLDT, 2010, p. 87).

O historiador deveria ter seu trabalho orientado pelos estudos a partir de fontes,

como um observador treinado que pudesse superar os equívocos e falsidades dos

1 “Pode parecer duvidoso fazer com que se toquem, mesmo que o seja em um ponto, as áreas do historiador e do poeta. As atividades de ambos, porém, têm afinidades inegáveis [...] Fica, porém, afastado o risco da total supressão das diferenças entre as duas áreas quando se vê que o historiador subordina a fantasia à experiência e à investigação da realidade” (HUMBOLDT, 2010, p.83-84).

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eventos verificados pelo observador comum. Para ele, o historiador era detentor de um

“dom natural” para a análise dos eventos e sua tarefa “[...] consiste na exposição do

acontecimento. Tanto maior será seu sucesso quanto mais pura e completa possível for

esta exposição. Esta é a primeira e inevitável exigência do seu ofício, e,

simultaneamente, o que ele pode pretender de mais elevado [...]” (HUMBOLDT, 2010,

p. 87).

Esse dom natural do historiador de estabelecer conexões seria aprimorado pelo

trabalho da pesquisa, pela efetivação da prática, que deveria superar a análise teórica e

subjetiva: “A todo instante o observador comum atribui equívocos e falsidades aos

eventos que somente serão dissipados através de verdadeira forma revelada unicamente

pelo olhar do historiador, um dom natural burilado pelo estudo e pelo exercício [...]”

(HUMBOLDT, 2010, p. 87).

Assim, verifica-se em Humboldt uma preocupação com o processo formador do

historiador a partir de novas bases científicas para entendimento da história como

ciência, que tem como objeto de análise algo que pode ser verificado, apesar da

impossibilidade de observá-lo.

Já Burckhardt foi um dos historiadores alemães que apresentou criticas ao

método filológico que até então norteara os estudos da história grega e dos cursos sobre

Antiguidade Clássica: “As antiguidades, como nos tempos de nossa juventude as tratava

Böckh em suas famosas aulas, começavam com aos panoramas geográficos e históricos,

depois descreviam em geral o caráter do povo e passavam então a tratar os singulares

aspectos da vida [...]” (BURCKHARDT, 2010, p. 166).

Também fez críticas ao sistema de ensino de história ministrado nas

universidades alemãs e aos métodos ultrapassados que ainda regiam as aulas de maneira

insuficiente para manter as discussões e para dirigir os estudos:

[...] todo o ensinamento histórico universitário encontra-se numa crise que pode levar cada um a colher um caminho próprio. O interesse pela História depende, em alto grau, das oscilações do espírito ocidental, da orientação geral de nossa cultura; as antigas subdivisões e os antigos métodos tornaram-se insuficientes, tanto nos livros quanto na cátedra (BURCKHARDT, 2010, p. 168).

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Em contraposição a esse ensinamento em crise, ele propôs um novo conceito, o

“tratamento histórico-cultural”, como elemento transformador para o estudo da história

e da sociedade moderna. Ele idealizou a “história da cultura” como algo libertador que

deveria entrar na “alma da humanidade”:

Uma das vantagens do tratamento histórico-cultural e, sobretudo a certeza dos mais importantes fatos culturais, em comparação com os fatos históricos em sentido corrente, ou seja, os acontecimentos-objetos da narrativa histórica. [...] A história da cultura, ao contrário, tem primum gradum certitudinis, pois se nutre principalmente do que as fontes e os monumentos nos revelam sem nenhuma intenção ou interesse [...] A história da cultura quer penetrar no íntimo da humanidade pretérita e revelar o que ela era, queria, pensava, intuía e podia (BURCKHARDT, 2010, p. 168-169, grifos do autor).

Mas a proposta de Burckhardt não tinha apenas como objetivo apresentar um

novo método de análise histórica para mudar as estruturas analíticas cientificistas

vigentes e que não atendiam mais as necessidades acadêmicas. Uma das características

peculiares do seu discurso era a preocupação em formar um homem-cidadão do Estado

alemão moderno, que fosse patriótico e tivesse orgulhoso de sua origem nobre e

civilizada, e conseqüentemente fosse um defensor de uma pátria da qual era, segundo

ele, herdeiro histórico.

Para fundamentar a sua tese ele vai buscar na Antiguidade Clássica, no estudo da

história da cultura grega, elementos que caracterizassem uma relação de intimidade

dessa civilização com o povo alemão:

Após Winckelmann, Lessing e o Homero de Voss, formou-se a ideia de que entre o espírito helênico e o espírito alemão existia um ‘sagrado vínculo nupcial’, uma relação e uma compreensão toda especial, como nenhum outro povo europeu do Ocidente moderno. Goethe e Schiller eram clássicos na alma (BURCKHARDT, 2010, p. 176 grifo do autor).

Não é por acaso que Burckhardt procurou comparar o povo alemão ao grego,

considerado um povo que influenciou culturalmente, direta ou indiretamente, grande

parte da humanidade, muito além do seu tempo.

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Ao propor esta origem ‘virtuosa’, ele objetivava animar o espírito do homem

alemão do seu tempo a assumir um papel transformador na sua sociedade, e também

formar um homem mais civilizado ao modelo digno de sua origem:

Nós vemos com os olhos dos gregos e falamos com as suas expressões. Ora, o dever especial do homem culto e completar em si, o máximo possível da continuidade do desenvolvimento universal; isso o distingue, como espírito consciente, do bárbaro, que é inconsciente (BURCKHARDT, 2010, p. 178).

Assim, pode-se verificar que a proposta metodológica da análise histórico-

cultural tinha como propósito, segundo o historiador, facilitar o entendimento do

homem alemão da relação existente entre esses dois povos, e por isso ela mereceria a

predileção ao formar melhor a sua capacidade de análise histórica em contraposição ao

antigo modelo: “E se a história da cultura iluminar esta relação mais claramente que a

história dos acontecimentos, ela merecerá a nossa predileção” (BURCKHARDT, 2010,

p. 178).

No entanto, verifica-se também um propósito pedagógico formativa em suas

ideias, na qual primava pela formação desse homem-cidadão que deveria compor uma

pátria unificada entorno dos ideais nacionalistas que ganhavam força na Alemanha

nesse momento.

Os ideais nacionalistas também estavam presentes nos discursos de Mommsen.

Em seu texto O ofício do historiador (Discurso de posse na reitoria da Universidade de

Berlim, 15 de outubro de 1874) Mommsen expressou de maneira enfática seu

posicionamento em relação à postura que o povo alemão deveria ter diante da sua

nacionalidade.

“Nada modesto” em seu discurso patriótico, como o mesmo assumira, ele

procurou ressaltar a necessidade desse orgulho cívico que deveria conduzir o espírito do

homem alemão a um assenhoreamento intelectual nas áreas das ciências, das artes, da

política, da religião:

Por certo temos também orgulho de sermos alemães, e disso não nos encabulamos. De todas as ostentações, nenhuma é mais vazia e falsa do que a da modéstia alemã. Nada temos de modestos, não o

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queremos ser e nem que se diga que somos. Pelo contrário, queremos progredir nas artes e nas ciências, no Estado e nas Igrejas, em toda vida e em todo desempenho, para alcançar o topo e dele nos assenhorearmos. Não há galardão que nos pareça brilhar demais ou inalcançável, muito acima ou muito abaixo de nós (MOMMSEN, 2010, p. 113).

O historiador também ressaltara as contribuições da pesquisa alemã e das

influências que esta tivera no processo formador das universidades e na vida prática do

ensino acadêmico: “A pesquisa alemã, e sua influência direta sobre a vida prática do

ensino acadêmico, contribuíram decisivamente com o estabelecimento dos fundamentos

de nossa nação” (MOMMSEN, 2010, p. 114).

Para ele, o intelectual alemão, principalmente a figura do professor, participara

diretamente do processo formador dos alicerces da nação unificada, auxiliando

efetivamente na superação dos conflitos e problemas sociais: “O intelectual alemão

também pode se vangloriar do que a ciência trouxe em beneficio ao povo. Inclusive

durante os tempos difíceis que agora ficaram para traz” (MOMMSEN, 2010, p. 114).

Segundo Mommsen o avanço das ciências e da ciência da história, em posição

de igualdade ao comércio, a industrialização, a arte, a política também ocupavam papel

aglutinador no processo de fortalecimento do Estado institucionalizado:

Eis o horizonte do futuro: organizar o Estado institucionalizado de forma que o comércio alemão, a manufatura alemã, a arte alemã, a ciência alemã, a sociedade alemã e a vida alemã continuem equiparadas ou se equiparem ao poder da nação (MOMMSEN, 2010, p. 114).

Nesse processo, caberia ao intelectual pesquisador/historiador alemão, que: “[...]

não tem de almejar tornar-se o que não é, mas sim permanecer o que é [...]”, manter o:

“[...] estágio atual na ciência [...]” e da pesquisa alemã naquele contexto nas

universidades, haja vista terem alcançado um estágio satisfatório de reconhecimento,

tanto dentro como fora da Alemanha: “[...] nós agora devemos dizer que nossos desejos

se restringem a ver mantida a pesquisa alemã em seu estágio atual da ciência, e

preservada a posição que as universidades alemãs lograram alcançar na vida da nação”

(MOMMSEN, 2010, p. 115).

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Ao buscar as particularidades no pensamento desses articuladores do

historicismo alemão no século XVII e XIX poderá se verificar que em cada uma deles

há pontos de destaques em seus discursos que caracterizam suas posições e as

diferenciam uma das outras, ou pelo menos demonstram certa singularidade entre suas

ideias.

Rank destacou-se pela sua proposta de interesse com a objetividade da pesquisa

histórica apoiado no estudo das fontes. Já Humboldt demonstrou em parte de seus

estudos sua preocupação com a formação do perfil do novo historiador. Burckhardt

enfatizou a estudo da história cultural como conceito transformador e libertador do

homem. E por fim Mommsen procurou destacar as virtudes do intelectual alemão, em

especial a figura do professor universitário, apresentando as significativas conquistas

das ciências, principalmente da história.

No entanto, essas particularidades – quando existiam – não deixaram de

caracterizar uma unicidade no processo formador do historicismo alemão nos séculos

XVIII e XIX.

Numa análise geral do pensamento desses autores supracitados verificam-se

também pontos convergentes em seus pensamentos, principalmente no que tange a

formação de um homem-cidadão que deveria atender as necessidades históricas na

tentativa de superação das contradições existente na Alemanha nesse período.

Considerações finais

Inicialmente verificou-se que nos séculos XVIII e XIX a Alemanha passara por

um processo de crise na sua economia e na sua organização administrativa. A influência

francesa em suas bases políticas e culturais proporcionava ao povo um estado de

ressentimento em relação à inexistência de supremacia da nação e um sentimento de

inferioridade nas questões intelectuais e culturais. Os alemães estavam desejosos por um

Estado nacional forte e unificado.

Com base em princípios nacionalistas e de unificação política da Alemanha, os

principais pensadores do historicismo alemão partiram em busca de argumentos que

pudesse propor a formação de uma identidade nacional para o povo alemão. O orgulho

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da pátria e a constituição de uma origem que despertasse a dignidade pessoal foram as

amalgamas de suas ideias utilizadas para alicerçar os alemães entorno de um objetivo

comum: a formação de um Estado nacional.

O desejo de uma identidade nacional; a valorização da língua alemã; a procura

de uma origem ‘virtuosa’ que despertasse orgulho do povo; a necessidade de

consolidação de um intelectualmente alemão, foram esses princípios, entre tantos

outros, que tornaram os discursos de pensadores como Leopold Von Rank, Wilhelm

Von Humboldt, Jacob Burkhardt e Theodor Mommsen convergentes.

Faz-se pertinente destacar que convergente também foi o interesse desses

pensadores em recorrer à Antiguidade Clássica grega para adquirir elementos que

dessem sustentação a esses ideais e desta maneira justificar a superioridade alemã e a

sua capacidade superação diante das contradições sociais.

Nesse viés, pode-se se dizer que o compromisso desses homens não estava

apenas em propor elementos que viessem conduzir a um novo método de análise da

história ou destacar modelos de como deveria ser o perfil do novo historiador. Ao

fazerem a crítica o cientificismo, a preocupação estava em negar o modelo intelectual

que conduzira o pensamento do homem alemão e sua sociedade até aquele momento.

Uma forma de condução que precisava passar por mudanças, pois não atendia mais as

necessidades postas diante das transformações que estavam ocorrendo na sociedade

alemã e no mundo durante o século XIX.

E para que essas mudanças ocorressem da maneira desejada, propôs-se a

formação de um novo homem-cidadão alemão, apoiado nos alicerces dos ideais de

unificação, do patriotismo, da dignidade de ser alemão, de orgulho do seu passado, para

que assim pudessem escrever um novo capítulo na história alemã.

REFERÊNCIAS

BURCKHARDT, Jacob. História da cultura grega: Introdução (1872). In: MARTINS,

Estevão de Rezende. (Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia

européia do século XIX. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 166-178.

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DANTAS, Simone Aparecida Borges. História e historiografia nos séculos XIX e XXI:

Do Cientificismo à história cultural. In: I Congresso Internacional do Curso de

História da UFG/Jataí: Jataí, 2007. p. 1-10.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador – volume I. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Editor, 1994.

HUMBOLDT, Wilhelm Von. Sobre a tarefa do historiador (1921). In: MARTINS,

Estevão de Rezende. (Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia

européia do século XIX. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 82-100.

KNELLER, George F. Introdução à filosofia da educação. 8ªed. São Paulo: Zahar,

1984.

MOMMSEN, Theodor. O ofício do Historiador – Discurso de posse na reitoria da

Universidade de Berlin, 15 de outubro de 1874. In: MARTINS, Estevão de Rezende.

(Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia européia do século XIX.

São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 111-122.

RANKE, Leopold Von. O conceito de história universal (1831). In: MARTINS, Estevão

de Rezende. (Org.). A história pensada – Teoria e método na historiografia européia do

século XIX. São Paulo: Editora Contexto, 2010. p. 202-215.