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84 Maio-Junho 2008 MILITARY REVIEW Em breve estaremos travando pelo continente europeu batalhas para preservar nossa civilização. Inevitavelmente, no caminho de nosso avanço serão encontrados monumentos históricos e centros culturais que simbolizam ao mundo tudo que estamos combatendo para preservar. É responsabilidade de cada comandante proteger e respeitar esses símbolos quando for possível. General Dwight D. Eisenhower, numa mensagem às tropas na véspera da invasão da Normandia. E M 10 DE abril de 2003, um dia após a derrubada da estátua de Saddam Hussein na Praça Firdaus, representando a queda de Bagdá pelas forças dos EUA, despojadores pilharam o Museu Nacional do Iraque. Ao tirar proveito da rápida queda do sistema de segurança do estado e do caos que se seguiu, ladrões ficaram livres para tirar o que queriam. Embora as reportagens iniciais de que 170.000 artefatos tivessem sido roubados acabassem sendo extremamente exageradas, em geral os peritos concordam que pelo menos 15.000 objetos, representando tesouros inestimáveis e uma parte integral da herança cultural do Iraque, foram retirados sem que houvesse uma intervenção das forças militares dos EUA. O fracasso dos EUA de evitar este desastre despertou dúvidas sobre até que ponto as Forças Armadas integram considerações culturais em seus planejamentos. Exemplos históricos da II Guerra Mundial demonstram que no passado, a proteção de obras de artes e antiguidades era uma parte importante do planejamento militar dos EUA. Desde a II Guerra Mundial, mais amplas considerações culturais como idiomas e costumes têm sido e continuam a ser incorporadas no planejamento militar, mas aquele específico para a proteção de objetos culturais tem sido conduzido somente de forma improvisada. Embora tenha havido alguns sucessos recentes na salvaguarda de tesouros culturais durante tempos de guerra, a incapacidade de proteger o Museu Nacional do Iraque claramente demonstrou a necessidade de um mecanismo permanente e capaz para eficazmente integrar medidas de proteção cultural no planejamento de campanhas militares dos EUA. A Proteção de Tesouros Culturais: II Guerra Mundial Após o bombardeio de Pearl Harbor pelos japoneses em 7 de dezembro de 1941, os EUA se mobilizaram completamente para a guerra. Todos os instrumentos do poder nacional, público e particular, se reuniram FOTO: Um soldado dos EUA em cima de um carro de combate vigiando a entrada principal do Museu Nacional em Bagdá, 21 de junho de 2003. O museu foi pilhado após a lei e a ordem entrarem em colapso na cidade. AFP, Ramzi Haidar O Major James B. Cogbill é oficial de Inteligência do Exército dos EUA e atualmente está servindo como estagiário no Gabinete do Secretário de Defesa. O Maj Cobill já desempenhou várias funções no território continental dos EUA, Alemanha, Bálcãs, Afeganistão e recentemente no Iraque. Ele possui os títulos de Bacharel em política externa e de Mestre em administração de empresas pela Universidade Georgetown. Major James B. Cogbill, Exército dos EUA A Proteção de Obras de Artes e Antiguidades durante os Tempos de Guerra: Examinando o Passado e se Preparando para o Futuro

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Em breve estaremos travando pelo continente europeu batalhas para preservar nossa civilização. Inevitavelmente, no caminho de nosso avanço serão encontrados monumentos históricos e centros culturais que simbolizam ao mundo tudo que estamos combatendo para preservar. É responsabilidade de cada comandante proteger e respeitar esses símbolos quando for possível.

General Dwight D. Eisenhower, numa mensagem às tropas na véspera da invasão da Normandia.——

E m 10 DE abril de 2003, um dia após a derrubada da estátua de Saddam Hussein na Praça Firdaus, representando a queda de Bagdá pelas forças dos EUA, despojadores pilharam o museu

Nacional do Iraque. Ao tirar proveito da rápida queda do sistema de segurança do estado e do caos que se seguiu, ladrões ficaram livres para tirar o que queriam. Embora as reportagens iniciais de que 170.000 artefatos tivessem sido roubados acabassem sendo extremamente exageradas, em geral os peritos concordam que pelo menos 15.000 objetos, representando tesouros inestimáveis e uma parte integral da herança cultural do Iraque, foram retirados sem que houvesse uma intervenção das forças militares dos EUA. O fracasso dos EUA de evitar este desastre despertou dúvidas sobre até que ponto as Forças Armadas integram considerações culturais em seus planejamentos. Exemplos históricos da II Guerra mundial demonstram que no passado, a proteção de obras de artes e antiguidades era uma parte importante do planejamento militar dos EUA. Desde a II Guerra mundial, mais amplas considerações culturais como idiomas e costumes têm sido e continuam a ser incorporadas no planejamento militar, mas aquele específico para a proteção de objetos culturais tem sido conduzido somente de forma improvisada. Embora tenha havido alguns sucessos recentes na salvaguarda de tesouros culturais durante tempos de guerra, a incapacidade de proteger o museu Nacional do Iraque claramente demonstrou a necessidade de um mecanismo permanente e capaz para eficazmente integrar medidas de proteção cultural no planejamento de campanhas militares dos EUA.

A Proteção de Tesouros Culturais: II Guerra Mundial

Após o bombardeio de Pearl Harbor pelos japoneses em 7 de dezembro de 1941, os EUA se mobilizaram completamente para a guerra. Todos os instrumentos do poder nacional, público e particular, se reuniram

FOTO: Um soldado dos EUA em cima de um carro de combate vigiando a entrada principal do Museu Nacional em Bagdá, 21 de junho de 2003. O museu foi pilhado após a lei e a ordem entrarem em colapso na cidade.aFP, ramzi Haidar

O Major James B. Cogbill é oficial de Inteligência do Exército dos EUA e atualmente está servindo como estagiário no Gabinete do Secretário de Defesa. O Maj Cobill já desempenhou várias funções no território continental dos EUA, Alemanha, Bálcãs, Afeganistão e recentemente no Iraque. Ele possui os títulos de Bacharel em política externa e de Mestre em administração de empresas pela Universidade Georgetown.

Major James B. Cogbill, Exército dos EUA

A Proteção de Obras de Artes e Antiguidades durante os Tempos de Guerra:

Examinando o Passado e se Preparando para o Futuro

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PROTEÇÃO DAS OBRAS DE ARTE

para contribuir com o esforço de guerra. Um exemplo disso foi a cooperação entre o governo e as universidades que ocorreu com o objetivo de proteger obras de artes e antigüidades.1 Em 1942, George Stout, do museu de Arte Fogg na Universidade Harvard, fez algumas perguntas sobre sítios culturais vulneráveis na Europa durante a época de guerra, e em janeiro de 1943, o Conselho Americano de Sociedades Eruditas (American Council of Learned Societies) reuniu um comitê para discutir o assunto. O comitê incorporou intelectuais conhecidos como William Dinsmoor da Universidade de Columbia, o presidente do Instituto Arqueológico; Francis Henry Taylor do museu metropolitano da Nova York; David Finley da Galeria Nacional; e Paul Sachs da Universidade Harvard. Respondendo a esse grupo de eruditos acadêmicos e artísticos, o Presidente Franklin Delano Roosevelt criou a Comissão Norte-Americana para a Proteção e Recuperação de monumentos Artísticos e Históricos em Áreas de Guerra, e designou W. Dinsmoor e o Juiz da Suprema Corte Owen Roberts para liderá-la. Depois, as forças

armadas criaram sua própria organização — o Serviço de monumentos, Belas Artes e Arquivos (Monuments, Fine Arts, and Arquives Service — MFA&A) — o qual seria responsável para limitar os danos de guerra às obras e sites culturais, além de devolver quaisquer objetos pilhados encontrados durante o transcorrer das atividades militares.

Oficiais do mFA&A integravam as forças militares antes da invasão da Itália, em setembro de 1943, e foram bem-sucedidos ao minimizar os danos aos tesouros artísticos da Itália. Por exemplo, membros do mFA&A persuadiram comandantes aliados a evitarem combates dentro de Florença, uma cidade que muitos consideram como a capital cultural da Itália. Além disso, o pessoal da mFA&A estava presente na invasão da Normandia durante o Dia D para assegurar que os tesouros culturais seriam protegidos, classificados, limpos e restituídos. mais tarde, sob a orientação do Presidente Harry Truman, os Estados Unidos repatriaram esses tesouros culturais a seus legítimos países de origem.

Alguns itens raros que foram roubados do Museu Nacional do Iraque durante os dias finais do antigo regime foram recuperados e exibidos em 10 de novembro de 2003. Um dos mais recentes itens recuperados pelo museu é a rara e famosa estatua Bassetki.

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Depois da guerra, o General Lucius Clay, Alto Comissário da Alemanha durante a ocupação norte-americana, contribuiu para restituir os tesouros de arte alemães. Quando membros do Terceiro Exército dos EUA regataram obras da coleção do Kaiser Friedrich, incluindo dez obras de Rembrandt das minas de sal em merkers, na Alemanha, Clay mandou enviá-la à Galeria de Arte Nacional dos EUA para restauração.2 Depois, ele impediu uma tentativa de membros do Congresso de expropriar as pinturas como reparações de guerra. No entanto, ele permitiu que as obras fizessem parte de uma grande exposição em 1948, a qual percorreu 13 cidades norte-americanas e angariou US$ 2 milhões para o alívio de crianças alemãs. Em 1950, o Governo dos EUA devolveu todas as pinturas a Berlim, onde se tornaram parte da Coleção do Estado Prussiano. Clay resumiu os sucessos desses esforços de proteção e restauração da herança cultural da Alemanha: “Talvez nunca na história do mundo um exército conquistador tenha buscado trabalhar tão fielmente para preservar os tesouros de outros.”3

Todas essas ações claramente demonstram o comprometimento que líderes dos EUA tinham na preservação de herança cultural durante a II Guerra mundial. Esta dedicação se manifestou na maneira pela qual os EUA deliberadamente planejaram, prepararam e habilmente executaram a missão de proteger objetos de cultura inestimáveis.

A Pilhagem do Museu de BagdáEm gritante contraste aos esforços bem-

sucedidos de proteção das obras de artes e antiguidades durante a II Guerra mundial, a pilhagem do museu Nacional em Bagdá representou um fracasso de como se planejar e preparar adequadamente para a proteção de sítios culturais durante operações de combate. A história do planejamento que tinha ocorrido proporciona um insight nas áreas onde o processo ficou aquém das expectativas e porquê uma estrutura permanente para a salvaguarda de tesouros culturais durante o período de guerra é necessária.

No final de novembro de 2002, seguindo a tradição de George Stout, o qual seis décadas antes tinha realizado perguntas sobre a proteção

de sítios culturais na Europa em tempos de guerra, o Dr. maxwell Anderson e o Dr. Ashton Hawkins publicaram um artigo no Washington Post entitulado “Preserving Iraq’s Past” (Preservando o Passado do Iraque).4 Na época, Anderson era o presidente da Associação de Diretores de museus de Arte e Hawkins era o presidente do Conselho Norte-Americano para a Política Cultural. Seu artigo apelou para líderes dos EUA conduzirem um planejamento sistemático em todo o governo para a proteção de locais religiosos e culturais do Iraque. Para sustentar esse apelo, eles argumentaram que o território do Iraque, antiga mesopotâmia, representou o berço da civilização e por isso incluiu não apenas a herança cultural do Iraque, mas sim do mundo inteiro. Eles alertaram que medidas deveriam ser tomadas para a proteção dos monumentos religiosos e culturais do Iraque. Especificamente apelaram para a prevenção de pilhagens e destruição. Por último, eles salientaram que especialistas nos Estados Unidos familiarizados com a arqueologia mesopotâmica e islâmica estariam dispostos a ajudar na identificação dos sítios vulneráveis. Logo após publicação do artigo, Anderson recebeu uma ligação telefônica de um oficial no Pentágono convidando-o para uma reunião.

Em 24 de janeiro de 2003, Anderson, Hawkins e o Dr. mcGuire Gibson, um professor do Instituto Oriental da Universidade de Chicago e perito em arqueologia e antiguidades do Oriente médio, se reuniram com o Dr. Joseph J. Collins, Vice-Secretário de Defesa para as operações de estabilidade, e três outros membros de seu estado-maior, no Pentágono.5 Durante a reunião, os três historiadores de arte discutiram suas preocupações sobre os sítios culturais vulneráveis do Iraque, examinando muitos dos mesmos assuntos que Anderson e Hawkins delinearam em um artigo. Eles estavam preocupados principalmente sobre a ameaça de carros de combate ou bombas destruindo monumentos, estruturas religiosas e outros sítios culturais e arqueológicos. Contudo, também abordaram a ameaça de pilhagens e destacaram suas preocupações a respeito do museu Nacional em Bagdá, sobre o qual disseram que era uma repositória de tudo que tinha sido escavado no Iraque desde 1921 e, por isso, foi a instituição cultural mais importante no Iraque.

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Segundo a recordação de Anderson sobre a reunião, os oficiais do Pentágono afirmaram que tinham um plano que abordava essas preocupações e estavam cientes de algumas dezenas de locais culturais potencialmente vulneráveis. Gibson respondeu que o número atual de locais estava mais próximo a uns milhares. Baseada nesta diferença, os oficiais do Departamento de Defesa concordaram em reunir-se com Gibson para refinarem sua lista de sítios culturais e arqueológicos.

Depois da reunião com Collins e seu estado-maior, Anderson e Hawkins visitaram o Departamento de Estado para fazer uma apresentação semelhante. Oficiais do Estado pareciam muito mais informados sobre a ameaça confrontando a herança cultural do Iraque. Sua capacidade de atuação, no entanto, foi contida pelo fato que o Departamento de Defesa tinha realizado todo o planejamento da invasão. Segundo o relato de muitos, o Pentágono controlou firmemente o planejamento pré-guerra e não conseguiu integrar com sucesso os esforços de órgãos civis do governo.

Por exemplo, aproximadamente no mesmo período dessas reuniões, em janeiro de 2003, o Pentágono estava começando a estabelecer seu Gabinete de Reconstrução e Assistência Humanitária (Office of Reconstruction and Humanitarian Assistance — ORHA), o qual devia integrar as capacidades civis no esforço do planejamento pós-guerra.

O antigo Vice-Secretário de Defesa para Política Douglas J. Feith e o Assessor de Segurança Nacional Stephen Hadley escreveram uma carta para o escritório do ORHA, afirmando que aquele órgão teria sido um empreendimento muito mais bem-sucedido se tivesse sido criado 20 ou 30 anos mais cedo e não como uma base improvisada imediatamente antes da invasão.6 Feith argumenta com razão que o Governo dos EUA precisa ter um mecanismo permanente para integrar as capacidades civis aos esforços militares. Da mesma forma, para se evitar a destruição de sítios de herança cultural durante períodos de guerra dependerá da institucionalização do planejamento para protegê-los.

O Dr. Jabir Khalil Ibrahim (à esquerda), da Comissão de Antiguidades do Departamento de Estado, e o Coronel Safa Adeen Mahdi Salih, da polícia iraquiana, seguram a Dama de Warka, uma escultura de mármore datada de 3100 a.C., 23 de setembro de 2003. A recuperada Dama de Warka tinha sido roubada do Museu Nacional do Iraque por ocasião da libertação do país.

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Como resultado da inexperiência e ineficiência do ORHA, o gabinete nunca se integrou bem com o Comando Central e tinha apenas sucessos limitados. Como exemplo deste problema, aparentemente o ORHA enviou uma carta aos oficiais militares superiores dos EUA no final de março informando da ameaça ao museu Nacional. É reportado que a carta supostamente afirma que após o banco nacional, o museu era a prioridade número dois para proteção contra despojadores.7 Infelizmente, eventos mais recentes claramente demonstram que comandantes militares não levaram em consideração os alertas contidos na carta.

Depois da reunião inicial no Pentágono, Dr. Gibson continuou naquele local para compartilhar seu conhecimento extensivo sobre os sítios arqueológicos do Iraque. No dia seguinte, ele ofereceu aos oficiais da Defesa um disquete contendo informações sobre todos aqueles locais conhecidos. Uma semana e meio depois Gibson se reuniu com o Dr. John J. Kautz, chefe de divisão da Divisão de Análise Operacional e Ambiental na Agência de Inteligência de Defesa (Defense Intelligence Agency — DIA). Nesta reunião, oficiais da DIA procuraram mais informações sobre os locais de escavações

arqueológicas. Segundo a opinião de Gibson, os analistas queriam as informações não para assegurar que os sites seriam protegidos, mas para assegurar que os planejadores da seleção de alvos poderiam diferenciar os locais de escavações de posições entrincheiradas de artilharia antiaérea nas imagens obtidas.

Quando as forças dos EUA começaram a convergir para Bagdá, Dr. Gibson enviou e-mails para oficiais da Defesa avisando-os mais uma vez sobre as ameaças potenciais ao museu Nacional. Ele ficou comovido quando eles responderam ao perguntar, “Onde é o museu?” (queriam coordenadas específicas) e outras perguntas que Gibson tinha abordado anteriormente e cujas respostas ele tinha pensado que já tivessem sido incorporadas ao plano de guerra.

Apesar desta confusão de última hora, parece que a lista de locais culturais foi divulgada com sucesso e constava nas listas de áreas de fogo proibido. De

fato, segundo Dr. Collins, a mínima destruição de

Funcionárias iraquianas montam uma exposição de artefatos recuperados no Museu Nacional do Iraque, 10 de novembro de 2003.

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locais culturais por ação militar direta dos EUA é uma história de sucesso que não foi relatada suficientemente. Nas palavras dele, as extensas “atividades da remoção de conflitos de específicas áreas para assegurar que os zigurates (monumentos em forma de pirâmides) não fossem atingidos por munição de ataque direto combinado, mesmo que tivessem franco-atiradores nos altos pináculos, foram um feito incrível.”8

Segundo a maioria das fontes, os planos iniciais para a conquista de Bagdá exigiam forças blindadas e infantaria mecanizada do Exército dos EUA que cercariam a cidade, enquanto que forças de infantaria leve fariam a limpeza da cidade quadra por quadra. Ao invés disso, uma brigada blindada da 3ª Divisão de Infantaria executou sua famosa “corrida do trovão”, uma missão de reconhecimento blindado ao centro de Bagdá, em 7 de abril de 2003. Essa ação violenta e diretamente decisiva ocasionou à queda das defesas de Saddam e de Bagdá em apenas dois dias.9

Infelizmente, a rapidez da vitória contribuiu para o vácuo de segurança virtual que se seguiu. Iraquianos locais começaram a pilhar os ex-ministérios do governo e, no período de aproximado de 10 a 12 de abril, o museu Nacional. Sem tropas suficientes em Bagdá para cuidar dos focos de resistência e simultaneamente controlar as ações de pilhagem, o Exército dos EUA contribuiu inicialmente para a ocorrência desses tipos de ações sem controle. Além do mais, segundo um porta-voz do Exército, as forças dos EUA em Bagdá tinham ordens para proteger os palácios presidenciais e os locais potenciais de armas de destruição em massa, mas não havia ordens específicas para proteger locais culturais.10

Apesar de apelos dos administradores do museu Nacional, as tropas dos EUA nada fizeram para deter o roubo de pelo menos 15.000 objetos. A lista de tesouros perdidos é longa: portas de madeira dos abássidas; estatuetas dos sumérios, acádios e átrianos; 5.000 selos de cilindro de diferentes períodos; peças de ouro e prata, colares e pingentes; cerâmicas antigas;11 o Vaso Sagrado de Warka, o mais velho vaso ritual esculpido em pedra no mundo; a Dama de Warka, a primeira escultura naturalista do rosto humano;

uma cabeça de um touro que tinha adornado a Harpa Dourada de Ur da Rainha Shub-Ad; a Estatueta de Bassetki; a peça de marfim da Leoa Atacando um Núbio; e os touros gêmeos de cobre Ninhursag.12

Respondendo a um clamor de protesto da imprensa internacional, o Chefe do Estado-maior Conjunto General Richard myers disse: “É importante como qualquer outro assunto que exija prioridade.” Segundo myers, a necessidade de reação às operações de combate inimigas existentes superou a necessidade de proteção do museu.13 O Secretário de Defesa Donald Rumsfeld foi mais franco. Quando perguntado sobre a pilhagem desenfreada, ele replicou de forma memorável: “Coisas acontecem.” Uma das críticas proeminentes emergindo da imprensa foi que as forças militares dos EUA conseguiram proteger o ministério de Petróleo em Bagdá, mas deixaram os outros ministérios e o museu à mercê dos despojadores.

Por fim, na manhã de 16 de abril de 2003, um pelotão de carros de combate norte-americano chegou ao museu e começou a protegê-lo. Logo depois, o Coronel matthew Bogdanos, do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, liderou um grupo de coordenação interagência combinado, que consistia de representantes civis do FBI (Polícia Federal dos EUA), da Agência de Imigração e Fiscalização Aduaneira dos EUA (ICE - sigla em inglês) e do Departamento de Polícia de Nova York para iniciar uma investigação oficial sobre a pilhagem ocorrida no museu e começar o processo de recuperação dos artefatos perdidos. Com a assistência da Interpol, UNESCO (organização da ONU para a colaboração internacional no setor de educação, ciência e cultura) e outros órgãos internacionais, os esforços dos EUA para recuperação das antiguidades roubadas têm sido muito bem-sucedidos. Até agora, mais de 5.500 dos aproximadamente 15.000 objetos perdidos foram localizados e devolvidos ao museu. O tamanho da maioria dos aproximadamente 9.500 artefatos ainda perdidos é menor, itens mais fáceis de se esconder como selos de cilindros, gemas e jóias.

Além disso, por meio de assistência norte-americana (incluindo US$ 2 milhões do Departamento de Estado e do Instituto de Humanidades Packard de Los Altos, na

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Califórnia), o museu já foi restaurado e até modernizado.14 Por exemplo, um novo sistema de segurança eletrônica de última geração com cabines de guardas, cercados e câmeras de observação já foram instalados.

O Que Saiu Errado?Por que o fracasso em proteger a arte e

antiguidades iraquianas de pilhagens em 2003 parece tão diferente dos sucessos alcançados na II Guerra mundial? E como é que o planejamento para a proteção da herança cultural durante períodos de guerra no futuro poderia ser melhorado? Para ser justo, a mobilização dos EUA para a II Guerra mundial era consideravelmente diferente da preparação norte-americana para a invasão do Iraque. Na II Guerra mundial, o país inteiro realmente se mobilizou para a guerra. Famílias cultivaram jardins da vitória, o governo circulou títulos (de endividamento para financiar a guerra) e o complexo militar-industrial funcionou em marcha acelerada; em resumo, todos os instrumentos do poder nacional se engajaram no esforço de guerra. Essa mobilização geral ajuda a explicar por que um painel de peritos estimado do Conselho Americano de Sociedades Eruditas (ACLS - sigla em inglês) se reuniu em 1943 para determinar como que poderiam contribuir com o esforço de guerra (aconselhando o presidente a criar uma comissão e as Forças Armadas a formar o mFA&A).

Por outro lado, antes da invasão do Iraque, as forças militares se mobilizaram, mas outros órgãos do governo e do setor privado conduziram suas atividades aproximadamente como em dias normais. Embora os esforços de Anderson, Hawkins e Gibson fossem nobres e alinhados com o precedente estabelecido pelo ACLS, eles não igualaram as dimensões ou tiveram a mesma importância como o esforço acadêmico que ocorreu durante a II Guerra mundial.

Além do mais, em termos de tempo, o ACLS preparou sua avaliação oito meses antes da invasão da Itália e mais de um ano e meio antes da invasão da França, enquanto que as reuniões no Pentágono em 2003 ocorreram menos de três meses antes da invasão. Sem dúvida, a falta de tempo de preparação relativa ao Iraque atrapalhou a integração da proteção de locais culturais no processo de planejamento.

Por fim, a força enviada ao Iraque foi apenas uma fração do tamanho daquela que invadiu a Europa. O tamanho relativamente pequeno da força de 2003 foi provavelmente a principal razão pela qual as forças militares dos EUA não conseguiram proteger o museu Nacional. Segundo o Dr. Collins, não havia tropas suficientes para vigiar os depósitos de munições e armas que as forças dos EUA tinham conhecimento e muito menos os sítios culturais.15 Nenhum desses aspectos justifica o despreparo das Forças Armadas dos EUA para proteger os tesouros culturais do Iraque após a queda de Bagdá, mas proporcionam alguns fatores atenuantes.

Existem várias áreas onde o planejamento para a proteção de locais culturais poderia ter sido melhorado. Primeiro, o planejamento deveria ter sido executado muito mais cedo e com muito mais envolvimento das agências civis. Se o ORHA pudesse ter sido criado até dois ou três meses mais cedo, haveria tido uma chance muito maior de aproveitar a perícia do Departamento de Estado, organizações não governamentais (ONGs) e entidades intergovernamentais como a UNESCO. Como reportado pelo Dr. Anderson, oficiais no Departamento de Estado pareciam ter um melhor entendimento dos riscos dos locais culturais no Iraque, mas foram colocados em um papel secundário e talvez até subestimados no planejamento.

Outro aspecto problemático do planejamento para o Iraque foi a designação da responsabilidade pela proteção dos sites culturais ao Vice-Secretário de Defesa durante as operações de estabilidade. Nas palavras do Dr. Collins, que exercia o cargo antes da guerra, este gabinete era basicamente “a gaveta de lixo da política da OSD”, desempenhando missões e responsabilidades que outras agências e órgãos preferiam não tratar.16 Por ocasião da invasão, essa avaliação provavelmente foi exata.

Além do mais, este gabinete foi responsável principalmente pelas operações de estabilidade — aquelas operações planejadas para ocorrerem após a conclusão das operações de combate. Naturalmente, a proteção de lugares culturais não foi considerada como um importante aspecto nas fases de combate da operação. Ao invés disso, foi rebaixada ao que as Forças Armadas chamam de “Fase IV” de uma operação, ou seja, a fase de

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estabilidade e reconstrução. Com certeza isso pode explicar a razão pela qual a segurança do museu Nacional não chegou a ser uma prioridade até mesmo depois que as grandes operações de combate tinham terminado. Quando perguntado depois da guerra por que ele não ordenou aos comandantes para que detivessem a pilhagem do museu, Collins respondeu, “Nós somos um gabinete de política... Não é nosso negócio direcionar operações militares.”17

O último grande fator que contribuiu com o fracasso de proteção do museu foi que, mais uma vez, o mecanismo para supervisionar a missão foi montado improvisamente. Atualmente, nenhuma estrutura permanente no Departamento de Defesa ou em órgãos civis do governo tem o encargo de supervisão da proteção de obras de arte e antigüidades durante períodos de guerra. Como mencionado anteriormente, durante a II Guerra mundial o presidente criou a Comissão Americana para a Proteção e Recuperação de monumentos Artísticos e Históricos em Áreas de Guerra e as Forças Armadas estabeleceram

o mFA&A, mas essas instituições não duraram muito após o fim da guerra. A falta de uma estrutura duradoura virtualmente assegura que a proteção de lugares culturais continuará a ser improvisada, fazendo que a destruição futura de obras de arte e antiguidades durante períodos de guerra seja uma profecia auto-realizável.

Planejando a Proteção de Obras de Artes e Antiguidades

Por meio do exame dos problemas acima mencionados, é possível formular uma receita para melhorar o planejamento da proteção de obras de artes e antiguidades. Primeiro, o papel de peritos culturais no desenvolvimento de planos para a proteção de lugares culturais e a coordenação desses planos com planos operacionais deve ser aprimorado e formalizado. Esta medida assegurará que o planejamento de proteção cultural não seja mais do que uma simples base informal. Não devemos esperar que nossos militares sejam peritos em locais e significados da

O Coronel Matthew Bogdanos, do CFN dos EUA, principal investigador na procura de tesouros pilhados do Museu Arqueológico de Bagdá, ministra uma palestra à imprensa em Bagdá, 16 de maio de 2003.

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arte e cultura de países ao redor do mundo. Esse conhecimento deve ser de órgãos civis do Governo dos EUA, do mundo acadêmico, ONGs e organizações intergovernamentais. A relação das Forças Armadas com essas organizações deve ser aproximada para que peritos possam desempenhar um papel ativo na integração de considerações culturais no planejamento militar.

O Governo dos EUA já reconheceu a necessidade de aprimorar as capacidades civis para o tipo de operações militares que enfrenta hoje. Para esse fim, já criou o Gabinete do Coordenador para Reconstrução e Estabilização do Departamento de Estado (S/CRS - sigla em inglês), cujo presidente tem a responsabilidade de coordenar e liderar todos os esforços de planejamento, preparação e execução das atividades de estabilização e reconstrução. Uma missão complementar do S/CRS é criar o Corpo de Reserva de Civis (baseado na estrutura da reserva das Forças Armadas dos EUA) para capitalizar a perícia civil nos setores público e privado. Ambos, o S/CRS e o Corpo de Reserva de Civis, podem contribuir para a formação de uma capacidade no Governo dos EUA para o planejamento da proteção de locais culturais em tempos de guerra.

O Governo dos EUA deve criar uma estrutura permanente e dedicada dentro do Departamento de Defesa que, no mínimo, assegure que um planejamento cultural apropriado ocorra e seja disseminado em todos os níveis da cadeia de comando. Essa organização deve estar completamente integrada aos órgãos

de direção das operações e de política — e não marginalizada como uma reflexão posterior de “gaveta de lixo” no Pentágono. Também, seria responsável pela coordenação direta com qualquer órgão civil que possui a responsabilidade geral para a proteção de artes e antiguidades culturais. Talvez como mais importante, o planejamento cultural não deve ser rebaixado à periferia das prioridades como parte da “Fase IV” das operações. Caso este planejamento não seja um aspecto formal de todas as fases da operação, ele não será executado devidamente.

Conclusãomais de 60 anos passados, o General

Eisenhower afirmou que era “responsabilidade de todos os comandantes a proteção e o respeito” dos símbolos de herança cultural em tempos de guerra. Essa responsabilidade continua hoje. Como as guerras do passado confirmam, uma vez perdida ou destruída, uma herança cultural nunca pode ser reconstruída. Os tesouros do museu Nacional do Iraque representam a herança cultural coletiva das seitas sunita e xiita aflitas pelos conflitos que ocorrem atualmente no Iraque. De fato, esses tesouros representam a herança unificadora do mundo inteiro. Por essas razões, a importância da proteção desses locais não pode ser minimizada. Ao assegurarmos a salvaguarda de obras de arte e artefatos durante as guerras atuais e do futuro, estaremos proporcionando a nossa própria herança cultural uma chance muito melhor de permanecer segura e disponível para a posterioridade.MR

é proporcionada por David Zucchino, um jornalista incorporado, em Thunder Run: The Armored Strike to Capture Baghdad (New York: Atlantic Monthly Press, 2004).

10. LAWLER, Andrew, “Mayhem in Mesopotamia,” Science Magazine, 1° de agosto de 2003, p. 582.

11. The Looting of the Iraq Museum, Baghdad: The Lost Legacy of Ancient Meso-potamia, eds. POLK, Milbry e SCHUSTER, Angela M. H. (New York: Harry N. Abrams Publishers, 2005).

12. BOGDANOS, Matthew, Thieves of Baghdad (New York: Bloomsbury Publishing, 2005).

13. JEHL, Douglas e BECKER, Elizabeth, “’Experts’ Pleas to Pentagon Didn’t Save Museum,” New York Times, 16 de abril de 2003, p. B5.

14. COHEN, Roger, “The Ghost in the Baghdad Museum,” New York Times, 2 de abril de 2006.

15. Entrevista com Dr. Collins.16. VINALL, Casie, “Joe Collins: Career Officer, Deputy Assistant Defense

Secretary,” Armed Forces Press Service News Articles, 23 de junho de 2003, disponível em: www.defenselink.mil/news/newsarticle.aspx?id=2884.

17. LAWLER, p. 583.

RefeRências

Inscrição citada em ANDERSON, Maxwell L, e Ashton Hawkins, “Preserving Iraq’s Past,” The Washington Post, 29 de novembro de 2002, p. A43.

1. ARNDT, Richard The First Resort of Kings: American Cultural Diplomacy in the 20th Century (Washington, DC: Potomac Books Inc., 2005), pp. 241-242, 244-245. Para esta seção aproveitei muito da pesquisa deste livro.

2. “Last Appearance,” Time, 28 de março de 1949, disponível em: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,799936,00.html (1° de maio de 2007).

3. ARNDT, p. 245.4. ANDERSON e HAWKINS.5. A discrição destas reuniões é derivada de entrevistas conduzidas pelo autor

com Dr. Maxwell Anderson em 23 de abril de 2007 e Dr. McGuire Gibson em 24 de abril de 2007.

6. Douglas J. Feith, entrevista pelo autor, Universidade Georgetown, 14 de março de 2007.

7. MARTIN, Paul, VULLIAMY, Ed e HINSLIFF, Gary, “U.S. Army was told to protect looted museum,” The Guardian-Observer, 20 de abril de 2003, disponível em: www.guardian.co.uk/print/0,,4651740-103550,00.html.

8. Dr. Joseph J. Collins, entrevista pelo autor, 2 de maio de 2007.9. Uma excelente discrição da 2ª Brigada Spartan da 3ª Divisão de Infantaria