A PRÁTICA DE JÚRI SIMULADO NA ESCOLA. Zilfran Varela...

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A PRÁTICA DE JÚRI SIMULADO NA ESCOLA. Zilfran Varela Fontenele Maria Lúcia Pessoa Sampaio Luís Miguel Dias Caetano Resumo O presente artigo resultou de uma prática realizada junto aos alunos dos 4º anos do ensino Técnico Integrado dos cursos de Técnico em Alimentos e Técnico em Informática do Instituto Federal do Rio Grande do Norte IFRN, campus Pau dos Ferros: Os Julgamentos Históricos. Tratava-se da realização de um Júri Simulado de quatro importantes e controversos personagens para a História do Brasil, onde puderam ser revisitadas e discutidas, mediante práticas de interdisciplinaridade e com ampla utilização de Tecnologias Digitais as contribuições e legados destes personagens Históricos. Esperamos contribuir com nossa experiência ao demonstrar formas de utilização da Interdisciplinaridade e das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, ao incentivar os profissionais da educação a inovar em suas práticas. Palavras chave: História, Educação, Júri Simulado. Professor EBTT do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte campus Pau dos Ferros. Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Ceará UECE (2007), Pós-Graduação em Ensino de História pela Faculdade Farias Brito FFB (2013), mestrando no curso de Mestrado Acadêmico em Ensino de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Professora Adjunto IV do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN. Graduação em Pedagogia (1992) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN, Especialização (1999), Mestrado (2002) e Doutorado (2005) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Pós-Doutorado no Laboratoire dEtudes Romanes, da Université Paris 8, France (2005). Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ensino PPGE, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN. Graduação em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Línguas e Administração Pt (1996), Mestrado em Comportamento Organizacional pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada Pt (2002) e Doutorado em Educação pela Universidade dos Açores (2013).

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  • A PRÁTICA DE JÚRI SIMULADO NA ESCOLA.

    Zilfran Varela Fontenele

    Maria Lúcia Pessoa Sampaio

    Luís Miguel Dias Caetano

    Resumo

    O presente artigo resultou de uma prática realizada junto aos alunos dos 4º anos do

    ensino Técnico Integrado dos cursos de Técnico em Alimentos e Técnico em

    Informática do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN, campus Pau dos

    Ferros: Os Julgamentos Históricos. Tratava-se da realização de um Júri Simulado de

    quatro importantes e controversos personagens para a História do Brasil, onde puderam

    ser revisitadas e discutidas, mediante práticas de interdisciplinaridade e com ampla

    utilização de Tecnologias Digitais as contribuições e legados destes personagens

    Históricos. Esperamos contribuir com nossa experiência ao demonstrar formas de

    utilização da Interdisciplinaridade e das Novas Tecnologias da Informação e

    Comunicação, ao incentivar os profissionais da educação a inovar em suas práticas.

    Palavras chave: História, Educação, Júri Simulado.

    Professor EBTT do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – campus Pau dos Ferros. Licenciatura em História pela Universidade Estadual do Ceará – UECE (2007), Pós-Graduação em Ensino de História pela Faculdade Farias Brito – FFB (2013), mestrando no curso de

    Mestrado Acadêmico em Ensino de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Estado do Rio

    Grande do Norte - UERN. Professora Adjunto IV do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Graduação em Pedagogia (1992) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte –

    UERN, Especialização (1999), Mestrado (2002) e Doutorado (2005) pela Universidade Federal do Rio

    Grande do Norte – UFRN. Pós-Doutorado no Laboratoire dEtudes Romanes, da Université Paris 8,

    France (2005). Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ensino – PPGE, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. Graduação em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Línguas

    e Administração – Pt (1996), Mestrado em Comportamento Organizacional pelo Instituto Superior de

    Psicologia Aplicada – Pt (2002) e Doutorado em Educação pela Universidade dos Açores (2013).

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    Introdução

    A prática de júri simulado não é uma novidade, sendo comuns em cursos de

    Direito e áreas das Ciências Humanas, bem como em salas de aulas de diversas

    disciplinas, que simulam julgamentos não só de pessoas como de eventos, fatos ou

    temas polêmicos. O estímulo a tal prática nas escolas é evidente, especialmente pelos

    debates que gera. Portanto a decisão de realizar um júri simulado não foi resultado de

    uma grande ideia minha, e sim uma reinvenção, a reconstrução de uma prática com

    alguma dose de criatividade e certa ousadia de minha parte.

    Não posso deixar de reconhecer que minha maior inspiração foi um grande

    trabalho realizado por um amigo (colega não, amigo!!) de profissão – o Professor

    Sampaio, com quem tive a honra de dividir, juntamente com outros, a cadeira de

    História de algumas escolas, especialmente da Organização Educacional Farias Brito,

    onde trabalhamos juntos por mais de dez anos. A cada ano, o professor Sampaio

    realizava o Júri Simulado com as turmas de segundo ano do ensino médio com as quais

    trabalhava, no qual o réu era Getúlio Vargas. Os referidos juris eram realizados no

    espaço do auditório da escola, devido a demanda de espaço pelo interesse que gerava. O

    evento sempre era um sucesso.

    Como disse anteriormente, busquei inspiração em bons exemplos de práticas

    corriqueiras nas escolas e coloquei um pouco de meu eu, alterando algumas coisas que

    julgava convenientes, a começar pela ampliação do número de réus, ampliando as

    possibilidades de pesquisa e conhecimento, não só dos alunos envolvidos, mas de todos

    os interessados em acompanhar e assistir o evento, que decidi colocar em prática nas

    turmas que acabara de assumir no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

    do Rio Grande do Norte – IFRN, Campus Pau dos Ferros, evento este que denominei

    Julgamentos Históricos.

    Esta ampliação permitiria ainda ampliar as possibilidades de

    interdisciplinaridades, lições e ensinamentos que o projeto me daria oportunidade de

    transmitir aos alunos. Acredito que antes de dar aula e passar conteúdo, o professor deve

    estimular reflexões e educar os jovens para a vida, para o mundo que vão enfrentar e o

    mercado de trabalho que vão encarar ao sair da escola, realidades compostas por coisas

    boas, mas também por problemas e dificuldades.

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    Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva

    associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, à realidade agressiva em que a

    violência é constante (...)Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os

    saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles

    têm como indivíduos? (FREIRE, 1996:30)

    Meu objetivo, através dos Julgamentos Históricos, era muito mais que

    incentivar o conhecimento, a pesquisa, o debate, o despertar para a importância de

    alguns homens para a nossa História – que por sinal já seriam altamente satisfatórios do

    ponto de vista pedagógico. Mais que isso, a cada etapa dos Julgamentos, nosso objetivo

    era que lições fossem aprendidas e captadas pelos alunos. Sociabilidade, trabalho em

    equipe, História Oral, Psicologia, retórica, informática, ética, filosofia, cinema,

    economia, geografia, biologia, política, literatura, teatro, química – isso mesmo,

    química – estiveram envolvidos e foram identificados pelos alunos, em uma experiência

    clara de interdisciplinaridade que mostrava a união de diversos campos das Ciências em

    geral em prol de uma educação que encontrava sentido de ser.

    Um grande desafio colocado à Escola, que é imposto por uma sociedade

    baseada na informação e no conhecimento, onde a tecnologia ocupa cada vez mais

    espaço, é estimular a pesquisa, a interdisciplinaridade, o uso das tecnologias disponíveis

    e lançar desafios educacionais que permitam aos alunos melhores condições de se

    inserir no mundo que encontrarão fora dos muros de escola. Quando a escola conseguir

    consegue acolher e estimular nos profissionais de educação o desenvolvimento dos

    novos instrumentos e metodologias disponíveis, os alunos que deles usufruírem estarão

    melhores preparados para o trabalho e a vida em sociedade.

    Faz-se necessária a compreensão de quão importante é a compreensão da

    abertura dos muros escolares para as tecnologias disponíveis.

    Um dos campos mais férteis para o uso da tecnologia é o da Educação. A

    tecnologia, tem vindo a potenciar novas situações de aprendizagem e esse

    facto tem sido acompanhado por um número crescente de publicações e

    estudos, mas, o atraso na implementação e apropriação de várias

    metodologias e ferramentas, tem revelado um atraso nas mudanças desejadas.

    (CAETANO, 2012: 21)

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    A caminhada

    O primeiro passo foi apresentar o projeto Julgamentos Históricos nas salas aula

    de quarto ano, nível técnico integrado dos cursos de Técnico em Alimentos e Técnico

    em Informática do IFRN – Campus Pau dos Ferros. Já na apresentação do projeto a

    ideia era gerar um clima de empolgação e desafio, que logicamente provocou reações

    diversas nos alunos, desde a grande empolgação de uns à reclamação de excesso de

    trabalhos de outros.

    Uma folha contendo informações gerais e regras foi entregue aos alunos. Dei-

    lhes o tempo necessário para que lessem enquanto observava olhares atentos e curiosos,

    conversas paralelas indicando algo que estava escrito e me preparando para acalmar os

    ânimos e procurar esclarecer todas as dúvidas que eventualmente surgiriam. Como

    professor entendi que somos naturalmente curiosos e não adianta entregar nenhum papel

    em sala e tentar dar aviso pedindo que leiam depois. Devemos entender nossos alunos

    como seres humanos e compreender suas normais atitudes como tais. Ou seja, leiam,

    amenizem suas curiosidades sobre aquelas letras e aí sim, podem se concentrar em

    minhas palavras.

    Aos alunos foi dada certa autonomia em alguns aspectos do trabalho, mas a

    maioria absoluta das regras foi imposta pelo professor. Exatamente como acontece em

    diversas situações da vida cotidiana e do mercado de trabalho, os alunos foram

    conscientizados de que a maioria das regras não foi criada por nós, que normalmente

    não temos poder para alterá-las, pelo menos de forma imediata. Cada um deve

    reconhecer seu lugar e, em determinadas situações não perder tempo discutindo regras

    que não poderão ser alteradas, e sim utilizar o tempo com a busca de alternativas ou

    melhores formas para cumpri-las. Muitas vezes recebemos missões no trabalho e na

    vida cotidiana que não temos como discutir ou evitar, restando apenas a obrigação de

    fazer, cumprir, conquistar, realizar, sob pena de perder o emprego, oportunidades e

    outras coisas incomensuráveis.

    Desta forma, foram apresentados quatro personagens conhecidos da História do

    Brasil republicano, em especial na primeira metade do século XX: Getúlio Dornelles

    Vargas; Virgulino Ferreira da Silva – o Lampião; Padre Cícero Romão Batista; e

    Antônio Vicente Mendes Maciel – o Beato Antônio Conselheiro. Cada sala seria

    responsável pelo julgamento de um dos réus, que ao final deveria ser considerado Herói

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    ou Vilão. A escolha destes personagens se deu exatamente por se tratarem de figuras

    polêmicas que tiveram e têm o dom de despertar sentimentos antagônicos de amor e

    ódio.

    A apresentação dos personagens gerou grande discussão nas diversas salas,

    devido as preferências e afinidades dos alunos com relação aos personagens

    apresentados. Ainda sem entender claramente como seria a escolha, os jovens se

    manifestavam para defender ou acusar um ou outro, solicitando prioridade na sua

    escolha.

    Também ocorreu algo corriqueiro nas diversas salas de aula quando o professor

    anuncia um trabalho em equipe, ficando os alunos inquietos e a se comunicar e

    combinar, demarcando seus territórios e equipes, havendo grande disputa pelos mais

    responsáveis e compromissados, acompanhada pela preocupação com o número de

    membros das equipes e sua alocação mais conveniente.

    Todavia a divisão das equipes não caberia à vontade dos alunos, e sim a um

    pouco de sorte, ou falta dela, coincidências e algo mais. Hora de mais uma lição: em

    nossas vidas, não decidimos em que família nascer, e na maioria das vezes não podemos

    escolher a equipe na qual vamos trabalhar, a vizinhança com quem vamos conviver, os

    colegas de sala, de faculdade, da paróquia, das sociedades civis organizadas, nos

    quartéis, e assim por diante. Nem mesmo os donos das empresas muitas vezes têm

    condição de escolher sua equipe, muitas vezes necessitando permanecer com

    funcionários com quem não queria contar, por necessidade ou falta de opção,

    momentaneamente ou por longos períodos. Somos colocados dentro de grupos e,

    gostando ou não de seus membros, temos a necessidade de cumprir nossas tarefas. Aí

    está uma grande oportunidade de conhecer melhor as pessoas, incentivar suas

    potencialidades, exercitar a tolerância, desenvolver a sociabilidade, entre outras. É aí

    que lideres começam a se destacar, assumindo papel hegemônico nos grupos, sejam da

    família, no trabalho, nas associações, paróquias, salas de aula, etc.

    Voltando objetivamente ao trabalho, assim seria a escolha das equipes:

    aleatória, na sorte, coincidência, destino, vontade de Deus, ou como preferiram ou

    preferem chamar. Como autoridade na sala, comandante do projeto e prior das regras,

    determinei a divisão de salas de maneira aleatória em duas equipes: números de

    chamada pares e ímpares. Com uma população média de quarenta alunos em cada sala,

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    caso houvesse número ímpar de alunos a diferença numérica entre as equipes seria

    irrisória, portanto me pareceu mais justa esta divisão.

    Definidas as equipes, em cada sala identificamos sorrisos, frustrações,

    insatisfações e até dúvidas daqueles menos atentos que não lembravam se na sequência

    de chamada eram identificados com número par ou ímpar.

    A impaciência também tomava de conta de quase todos. Quem seria o

    personagem que caberia à sala? Qual equipe ficaria com a acusação ou defesa? A

    postergação dessa definição era uma lição de paciência e, ao invés disto, como é típico

    da juventude, causava mais impaciência nas turmas.

    Após realizadas as divisões das salas, expliquei que cada equipe teria

    autonomia para escolher um ou dois líderes, que seriam interlocutores junto ao

    professor e responsáveis pela coleta e organização dos materiais que deveriam ser

    entregues. Além das lideranças, as equipes deveriam escolher entre seus membros e

    indicar os responsáveis pelas seguintes funções, de acordo com suas potencialidades e

    afinidades:

    - Até cinco advogados e auxiliares;

    - Até cinco testemunhas;

    - Equipe de pesquisa ou investigadores;

    - Equipe técnica e de recursos audiovisuais.

    Os líderes das equipes poderiam exercer qualquer uma destas funções.

    Haveriam notas para as equipes e individuais de acordo com a função desempenhada,

    afinal a atribuição de conceitos ou notas ainda é parte integrante do processo de ensino e

    não deixa de ser preocupação por parte dos alunos.

    Os advogados e auxiliares poderiam ser de acusação ou defesa, conforme

    definido em sorteio posterior. Estes seriam responsáveis diretos pelos debates nos

    julgamentos, estando na linha de frente do projeto. Em sua escolha as equipes deveriam

    levar em consideração para definir os responsáveis por estas funções, a capacidade de

    argumentação no exercício do debate e o poder de comunicação e persuasão destas

    pessoas, que deveriam convencer o júri da inocência ou culpa do réu, o que no nosso

    caso significava considerar o personagem em questão como herói ou vilão. Foi

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    determinado que no dia do evento, os advogados entregariam um relatório do

    material a eles entregue pelos outros membros de sua equipe, de acordo com a

    divisão estabelecida, atestando a participação e o cumprimento das funções

    destinadas. Recomendamos ainda que o tempo destinado ao grupo fosse

    previamente dividido entre os componentes de acordo com a importância dos

    argumentos e provas a serem apresentadas, já que cada julgamento teria o tempo

    máximo de duas horas nas datas a serem posteriormente definidas.

    As testemunhas poderiam ser personagens reais ou fictícios, mas as

    informações passadas por elas no tribunal deveriam ter respaldo nas pesquisas

    realizadas. Orientamos que as testemunhas deveriam ser escolhidas entre os que

    apresentassem talento para o teatro, capacidade de atuação e improviso. Suas

    performances seriam resultado das pesquisas realizadas, e cabia às equipes

    representar pessoas que existiram, inclusive os réus, ou criar personagens baseados

    nas informações coletadas em pesquisas de maneira a contribuir na definição do

    caso. Todos deveriam estar caracterizados e sua performance no dia da realização do

    júri teria grande influência no resultado. Todas as testemunhas deveriam ser

    obrigatoriamente alunos matriculados em cada uma das turmas, não sendo permitida a

    participação ou influência qualquer de pessoas estranhas à escola ou as turmas

    envolvidas nos julgamentos. Todavia, seriam permitidos vídeos contendo depoimentos

    reais ou fragmentos de entrevistas, filmes ou documentários acerca dos personagens em

    questão, ou apresentar imagens referentes ao réu de cada equipe, desde que no espaço

    programado e no tempo definido para apresentação de recursos audiovisuais.

    Cada equipe teria ainda um grupo de pesquisa ou investigadores, responsável

    por selecionar provas materiais e pesquisa documental em livros, revistas

    especializadas, sites, jornais e outros meios que consideram conveniente para dar

    suporte aos advogados, testemunhas e aos técnicos do audiovisual, que neste período

    deveriam também promover suas pesquisas sobre o caso para o qual sua

    equipe fo i designada. Após co letar o mater ial nas d iver sas fo ntes já

    c it adas, cada investigador deveria elaborar laudos sobre as fontes que pesquisou e

    anexar ao mesmo uma síntese inédita (não menos que uma página frente e ver so )

    dest acando a importância dos documentos para o caso. É imprescindível a

    colocação das referências bibliográficas ou sites pesquisados a fim de dar

    credibilidade ao processo. Cada síntese elaborada integraria a nota individual dos

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    responsáveis pela função de pesquisa. Sob orientação e organização do líder, a equipe

    de investigação em conjunto com os advogados deveria montar um “caderno de provas”,

    espécie de auto do processo, que deveria ser entregue ao professor no dia do julgamento,

    contendo uma espécie de resumo de tudo o que seria apresentado, bem como as fontes.

    Sugerimos e deixamos a critério de cada grupo a paginação do caderno para facilitar o

    acesso às provas e a impressão de em número suficiente para cada jurado (7), para o

    Juiz (1) e para a equipe adversária (1).

    Por fim as equipes teriam os membros responsáveis pelos recursos

    audiovisuais, compostas pelos alunos mais identificados com recursos tecnológicos e

    com talentos ou interesse para trabalhar edições de imagens, montagens, edições de

    vídeo, e outros recursos que poderiam ser utilizados em plataforma multimídia nos

    julgamentos. Poderiam ser usados vídeos, fotos, infográficos, áudios e recursos afins,

    elaborados e devidamente editados de forma a compor o tempo que cada advogado

    disporia em sua explanação. Caberia ainda a estes membros, a responsabilidade da

    organização e da apresentação dos recursos utilizados no dia dos Julgamentos

    Históricos. A nota deste grupo seria resultado do material apresentado e da sincronia

    com os advogados na medida em que eles utilizem o material elaborado pelo grupo.

    Explicamos ainda que simularíamos um tribunal, com o professor atuando

    como juiz e mediador dos debates, e um júri, que seria composto por sete membros

    escolhidos entre professores, servidores, coordenadores, funcionários de manutenção e

    alunos de outras séries, desde que estes últimos não mantivessem laços de parentesco

    direto como irmãos ou até mesmo namorados de algum membro das equipes do

    julgamento a que for escolhido como jurado, o que não o impediria de ser convidado a

    participar como jurado no julgamento de outra turma.

    A divulgação dos Julgamentos Históricos, das datas previstas para ocorrerem,

    informações gerais e regras citadas anteriormente e a divisão dos grupos nas salas

    ocorreu ao longo de dois dias. No segundo dia, depois de passadas as orientações para

    todas as quatro turmas e realizadas as divisões nas mesmas em pares e ímpares,

    convidamos os líderes a comparecer na sala de Ciências Humanas do Campus Pau dos

    Ferros do IFRN para a realização dos sorteios: data, réu e quem ficaria com a acusação

    e defesa de cada réu.

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    A sala em questão ficou lotada, bem como seu corredor de acesso, no intervalo

    de aulas reservado para o sorteio. Era interessante ver o misto de expectativa,

    empolgação e até certo desespero antes e durante a divulgação dos sorteios. Sem muita

    perda de tempo, escrevemos as quatro datas, os nomes dos quatro personagens

    históricos e das quatro turmas, colocando-os em três copos plásticos diferentes. Pedi

    que um dos líderes de cada equipe presente pegasse um papel em cada copo. Assim

    foram agrupadas salas, datas e réus. Vibração de uns, frustração ou apreensão de outros

    por não ter sido sorteado o réu de sua preferência, foram reações esperadas que se

    concretizaram.

    Imediatamente convoquei os dois líderes de cada sala, na sequencia definida

    pelas datas dos Julgamentos Históricos, para pegar um dos papéis nos quais escrevi

    acusação ou defesa, definindo a função das equipes em cada sala. Pouco nos importa

    saber quem ficou com acusação ou defesa, e as datas ficaram definidas da seguinte

    maneira, marcados para novembro de 2013, das 19 às 21h., no auditório Ariano

    Suassuna, do campus Pau dos Ferros do IFRN:

    - Dia 19 – Técnico Integrado em Informática Turma I - 4o ano: Getúlio Vargas;

    - Dia 20 – Técnico Integrado em Alimentos Turma II - 4o ano: Lampião;

    - Dia 26 – Técnico Integrado em Informática Turma II - 4o ano: Padre Cícero;

    - Dia 27 – Técnico Integrado em Alimentos Turma I - 4o ano: Beato Conselheiro.

    Na data do sorteio faltavam três meses para o primeiro julgamento. Seria um

    tempo adequado de organização das equipes, pesquisas, preparação e execução das

    atividades. Tinha consciência que as equipes eram muito numerosas e que é comum que

    alguns se aproveitem do excesso de empolgação e de interesses de outros para trabalhar

    menos. Por isso, já na semana seguinte solicitei dos líderes a divisão das equipes e

    relatórios quinzenais das atividades executadas. No decorrer do processo, esta atitude

    me permitiu acompanhar os trabalhos, contribuir com ideias, experiências e

    conhecimento, bem como conhecer um pouco mais das turmas, que não custa lembrar,

    tinha acabado de assumir. Este acompanhamento também me permitiu contribuir no

    gerenciamento de insatisfações e divergências, que muito contribuiu para os trabalhos

    dos alunos e principalmente o meu, gerando aproximação e empatia entre mim e os

    discentes, além de muitos aprendizados pessoais, profissionais e acadêmicos. Assumi ali

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    uma função de cooperação junto às equipes, com o intuito de auxiliar na execução das

    diversas tarefas.

    Em vista disso, será útil desde logo retirar o pedestal do professor, para

    apresentar-se como orientador do trabalho conjunto, coletivo e individual, de

    todos. Não implica, de forma alguma, perder a autoridade, instaurando a

    bagunça e a impertinência dos alunos, mas implica preferir a autoridade que

    se erige pela competência, bom exemplo, orientação dedicada. (DEMO,

    2011:21)

    Gostaria que o evento fosse um sucesso, especialmente do ponto de vista

    educacional, pelo desejo de contribuir para transformar a escola em um lugar agradável

    e que atraia os interesses não só de alunos, mas também de amigos e familiares. Como

    conhecia o potencial de engajamento e interesse que atividades de júri simulado e

    debates normalmente provocavam, me veio a ideia de tornar o evento algo que

    despertasse o interesse de toda a comunidade do IFRN – Campus Pau dos Ferros. O

    conhecimento e as vivências adquiridas pelas turmas envolvidas seriam melhor

    utilizados se socializados com outras turmas e de outras séries, com as quais não

    trabalhava.

    Foi daí que me veio a ideia de estimular uma divulgação e projeção dos

    Julgamentos Históricos na escola para incentivar que outros alunos de outras turmas

    com as quais não trabalhava, através de um sentimento comum aos seres humanos e que

    ajuda a despertar grande interesse: a curiosidade.

    O exercício da curiosidade convoca a imaginação, a intuição, as emoções, a

    capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfilização do objeto

    ou do achado de sua razão de der. (...) Um dos saberes fundamentais à minha

    prática educativo-crítica é o que me adverte da necessária promoção da

    curiosidade espontânea para a curiosidade epistemológica. (FREIRE,

    1996:88)

    Como os julgamentos estavam marcados para a segunda quinzena de

    novembro, solicitei, no mês de setembro, que as turmas elaborassem cartazes a serem

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    espalhados pela escola, para divulgar o evento, obviamente com impacto na nota das

    equipes. Porém, deveriam ser confeccionados por cada equipe de acusação e defesa dois

    tipos de cartazes: primeiramente cartazes que gerassem grandes interrogações na escola.

    Nada de anúncios, datas ou evidências do que ocorreria. O desafio era produzir cartazes

    que trouxessem imagens ou informações que permitissem o entendimento do que se

    tratava para aqueles que já sabiam do projeto, mas que despertassem a curiosidade na

    população da escola. Posteriormente, quando os segundos tipos de cartazes fossem

    divulgados, as pessoas poderiam compreender do que se tratavam e sua relação com os

    primeiros. Um importante critério foi posto: os cartazes não poderiam evidenciar se a

    equipe era de defesa ou acusação. Primeiramente cartazes de dúvidas e na semana

    seguinte, cartazes convidativos contendo data, local, réu e informações básicas sobre o

    evento. Nada mais de informações. A curiosidade deveria levar grande público ao

    evento. Um grande desafio à criatividade foi lançado. As ideias fluíam e nas consultas

    que me eram feitas, os alunos demonstravam capacidades e criatividades que os

    próprios não imaginavam possuir.

    No prazo estabelecido, restando um mês para os Julgamentos Históricos, a

    escola foi inundada por cartazes como estes:

    (Fonte: Arquivo Pessoal)

    É interessante observar, que para nós que sabemos do que se trata existe

    sentido nas imagens, que demonstram que o estímulo docente permite aos alunos

    alcançarem grande sucesso, pois são inteligentes e criativos, bastando apenas o

    incentivo. Esta é uma importante função do professor: motivar o descobrimento e o

    desenvolvimento de potencialidades nos educandos.

    (...) saberes fundamentais à prática educativo-crítica ou progressista e que,

    por isso mesmo, devem ser conteúdos obrigatórios à organização

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    programática da formação docente. Conteúdos cuja compreensão, tão clara e

    tão lúcida quanto possível, deve ser elaborada na prática formadora. É

    preciso, sobretudo, e aí já vai um desses saberes indispensáveis, que o

    formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora,

    assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença

    definitivamente que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as

    possibilidades para a sua produção ou construção. (FREIRE, 1996:22)

    A dúvida tomou conta da escola. Me chamava a atenção a quantidade de

    pessoas, alunos, docentes, funcionários e visitantes que paravam diante das imagens e

    ficavam a tergiversar sobre seu significado, tomados por interrogações e dúvidas.

    O que eram aqueles cartazes? O que faziam ali? Quem colocou? As turmas

    envolvidas mantiveram sigilo quando arguidas e se divertiam com a dúvida instalada na

    escola. Vale ressaltar, que na reunião pedagógica semanal do campus, o assunto veio à

    tona, mostrando que realmente despertou o interesse de todos. Os docentes e técnicos

    ficaram algum tempo buscando entre seus pares algumas informações e elogiando a

    qualidade do material. Mantive o silêncio e observei tomado de contentamento a dúvida

    que pairava também entre docentes e equipe técnico pedagógica, pois o primeiro

    objetivo havia sido atingido.

    Na semana seguinte, as dúvidas foram dissipadas e tudo passou a fazer sentido

    quando cartazes convidavam todos a comparecer aos Julgamentos Históricos:

    Informática I

    Pai dos pobres ou

    mãe dos ricos?

    “Não haverá justiça enquanto o homem empunhar uma faca ou uma arma e destruir aqueles que são mais fracos que ele.” - (Isaac Bashevis Singer)

    (Fonte: Arquivo

    Pessoal)

    Nas datas previstas ocorreram os Julgamentos Históricos e a adesão dos

    diversos setores da escola foi intensa. O interesse despertado em toda e escola e a

    mobilização dos alunos envolvidos foram captados pela Direção, que percebeu a

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    abrangência e o impacto do projeto. O setor de Comunicação Social do IFRN – Campus

    Pau dos Ferros fazia cobertura de cada julgamento e divulgava no site e na fun page da

    escola não só fotos, mas também resultados dos juris ocorridos e convites para os

    julgamentos que iriam ainda ocorrer.

    Material de divulgação na Página oficial do IFRN – Pau dos Ferros. Arquivo Pessoal.

    Os quatro Julgamentos Históricos foram marcados por grande atenção,

    expectativa e participação do público. O Auditório Ariano Suassuna foi pequeno para o

    público que, curioso, comparecia em grande número. Alunos, pais, professores,

    servidores, gestores, amigos, curiosos, enfim, a comunidade veio à escola movida por

    grande interesse em algo promovido por esta. A escola chamava a atenção da sociedade

    de forma tal, que uma rádio local entrou em contato e realizou uma entrevista com uma

    gestora acerca do projeto.

    Todos os Julgamentos foram marcados por excelentes e impressionantes

    atuações dos alunos, fossem como advogados de defesa ou acusação, ou como atores

    que interpretavam testemunhas de forma altamente convincente. As novas tecnologias

    educacionais foram importantes parceiras das apresentações de todas as equipes. Coube

    a mim, como professor, estimular a pesquisa, buscando ampliar a utilidade dos recursos

    tecnológicos na educação.

    Educar com novas tecnologias é um desafio que até agora não foi enfrentado

    com profundidade. Temos feito apenas adaptações, pequenas mudanças.

    Agora, na escola, no trabalho e em casa, podemos aprender continuamente,

    de forma flexível, reunidos numa sala ou distantes geograficamente, mas

    conectados por meio de redes de televisão e da Internet. O presencial torna-se

    mais virtual, e a educação a distância torna-se mais presencial. Os encontros

    em um mesmo espaço físico combinam-se com os encontros virtuais, a

    distância, por meio da Internet e da televisão. (MORAN, 2005:99)

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    Impressionava a qualidade dos recursos tecnológicos apresentados e a

    capacidade demonstrada por todos os alunos, resultantes do estímulo dado pelo

    professor e da oportunidade dada ao desenvolvimento e utilização de suas

    potencialidades.

    Todas as equipes se utilizaram de recursos tecnológicos ao longo da preparação

    de seus trabalhos e apresentações. A internet foi o principal meio de pesquisa. Dali

    foram retirados textos, referências, imagens, vídeos, entrevistas, a até inspirações, como

    uma aluna chegou a declarar. Os materiais coletados foram selecionados pelos

    responsáveis e socializados entre as equipes, sendo catalogados e organizados os

    escolhidos. Daí em diante, os cartazes puderam ser produzidos, filmes foram editados,

    fotos trabalhadas, conhecimentos foram adquiridos e apresentados através do telão do

    auditório aos presentes.

    Conclusão

    Um artigo me parece pouco para identificar as interdisciplinaridades presentes

    nos julgamentos. Os alunos recorreram, por exemplo, à química e buscaram ajuda dos

    professores da disciplina para mostrar, no palco, na hora do Julgamento de Padre

    Cícero, que existia a possibilidade de uma reação química e não um milagre provocar a

    transformação da hóstia em sangue na boca da Beata. Ou à Psicologia e ao

    Determinismo para justificar e aliviar a culpa de Lampião, apontado por sua defesa

    como vítima da realidade e ao mesmo tempo como alguém com coragem suficiente para

    enfrentá-la com as condições que possuía. Tudo valia para convencer os jurados da tese

    apresentada.

    Culpado ou inocente? Aliás, Herói ou Vilão? O veredito de cada um dos

    julgamentos foi divulgado no final de cada júri, resultado da votação dos jurados,

    convencidos dos argumentos e provas apresentadas. O lado vencedor vibrava. O público

    aplaudia de pé. Todos, sem exceção, cumprimentavam os alunos envolvidos,

    independente de vencedores ou não, em atitude clara de reconhecimento.

    Todos os envolvidos diretamente no projeto e os que assistiram aos

    Julgamentos Históricos compreenderam que a educação pode e deve ultrapassar os

    limites da sala de aula e da própria escola. Diversas tecnologias foram utilizadas na

    busca pelo conhecimento. A verdade é que a vitória no Julgamento não mudaria nada na

    biografia de nenhum dos personagens em questão. A maior satisfação do professor foi a

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    percepção coletiva que, independente do resultado, a vitória nos Julgamentos Históricos

    foi da Escola, palco de práticas interdisciplinares incentivadas pelo projeto, bem como

    da ampla utilização das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, bases

    importantes para os conhecimentos compartilhados e aprendizagens motivadas pelo

    projeto.

    Referências

    ARAÚJO, Júlio César (org.). Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de

    Janeiro: Lucerna, 2007.

    CAETANO, Luís Miguel Dias. O papel do software educativo na aprendizagem da

    Matemática- Um estudo de caso no 1º Ciclo do Ensino Básico. Tese de Doutourado.

    Universidade dos Açores, 2012.

    DEMO, Pedro. Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não-linear do

    conhecimento. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

    FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino

    Brasileiro: Efetividade ou Ideologia. 5 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

    FERRETTI, Celso João (org.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate

    multidisciplinar. 10 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

    São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura).

    KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e Ensino Presencial e a Distância. Campinas,

    SP: Papirus: 2003.

    MERCADO, Luís Paulo Leopoldo. (org.). Novas tecnologias na educação: reflexões

    sobre a prática. Maceió: EDUFAL, 2002.

  • 16

    MORAN, José Manuel. Desafios da televisão e do vídeo à escola. In: BRASIL, Integração

    das Tecnologias na Educação/ Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério

    da Educação, Seed, 2005.

    _____________________. Novas Tecnologias e Mediação Pedagógica. Campinas, SP:

    Papirus, 2001.

    MORAN, José Manuel. Mudanças na comunicação pessoal. São Paulo: Paulinas,

    1998.

    NEVES, Paulo S. C. (Org.) Educação e cidadania: questões contemporâneas. São

    Paulo: Cortez, 2009.