A qualidade do ensino e a gestão da educação: pontos para ... · PDF...

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  • A qualidade do ensino e a gesto da educao: pontos para o debate1

    Janete Maria Lins de Azevedo (UFPE-Brasil)2

    Luciana Rosa Marques (UFPE-Brasil)3

    Mrcia Angela Aguiar (UFPE-Brasil)4

    RESUMO

    Este texto discute as contribuies dos aportes das Cincias Sociais e Humanas para o

    campo das Cincias da Educao problematizando como podemos buscar em suas

    abordagens caminhos terico-analticos capazes de dar conta da apreenso dos

    processos que configuram a educao como uma poltica pblica. Nesta perspectiva

    foca a gesto e a qualidade da educao, temas fulcrais na discusso educacional atual,

    tratadas como conceitos polissmicos, cujos sentidos expressam o referencial normativo

    da poltica educativa. Busca demonstrar que conceitos no so neutros e, portanto, que

    seus significados imprimem o direcionamento das polticas pblicas, particularmente as

    do campo educacional, expressando, assim, projetos de sociedade aos quais se alinham.

    Palavras-Chave: Poltica Pblica de Educao - Gesto da Educao - Qualidade da Educao

    Introduo

    Desde os anos 1990, com a institucionalizao das polticas de educao como

    campo (ou subcampo) de estudo no Brasil, que vm sendo recorrentes preocupaes

    com abordagens terico-metodolgicas que iluminem as investigaes concernentes.

    Estas preocupaes, de modo geral, esto presentes nos estudos sobre polticas pblicas

    que constituem subrea da Cincia Poltica.

    Vale lembrar, contudo, que a Cincia Poltica, como integrante das Cincias

    Sociais (juntamente com a Antropologia, a Sociologia, a Geografia, a Histria e a

    Economia), mesmo guardando suas especificidades, utiliza-se, tambm, de elementos

    destas ltimas. Isto porque os processos de produo do conhecimento neste campo tm

    entre suas caractersticas a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade. Portanto,

    comum em tais processos que elas transitem entre si.

    1 Apoio CNPQ / FACEPE 2 E-mail: [email protected] 3 E-mail: [email protected] 4 E-mail: [email protected]

  • Em tal contexto, no podemos perder de perspectiva que as chamadas Cincias da

    Educao constituem-se a partir das contribuies advindas de outros campos,

    particularmente dos da rea das Cincias Sociais e Humanas. Isto tem significado, como

    acentuam Brando e Bonamino (1994), por um lado, uma configurao marcadamente

    multidisciplinar e, por outro, a existncia de uma tenso quase permanente entre a

    justaposio e a integrao desses saberes na identidade epistemolgica das Cincias da

    Educao.

    Assim, com o apoio de abordagens dessas cincias que podemos buscar

    caminhos terico-analticos capazes de dar conta da apreenso dos processos que

    configuram a educao como uma poltica pblica e, portanto, a poltica educacional

    nas suas mais diferentes expresses, dentre as quais na gesto da educao e da escola.

    H, contudo, a necessidade de escolhas, pois, como sabemos, as Cincias Sociais

    e Humanas, elas prprias, compem-se de distintas abordagens tericas. Estas

    abordagens refletem modos diferenciados de apreenso da realidade, de projetos de

    sociedade, enfim, de posicionamentos poltico-ideolgicos, seja em defesa da

    preservao/manuteno da ordem, seja nas lutas por mudanas e/ou ajustes, seja pela

    sua transformao.

    Um dos possveis caminhos a adoo de uma perspectiva terico-crtica, visto

    que permite circundar nossos objetos em um amplo espao terico-conceitual, em que

    elementos histricos, sociais, culturais, polticos e econmicos possam ser considerados.

    Deste modo, possvel situ-los no contexto das suas inter-relaes.

    Como ensina Bourdieu, nenhum objeto existe por ele prprio. Ao contrrio,

    encontra-se envolto em um conjunto de relaes das quais advm o essencial de suas

    caractersticas e/ou propriedades. Na medida em que o real relacional, para que seja

    possvel a aproximao de um determinado fenmeno no podemos desconsiderar suas

    relaes com o todo social, e/ou com os campos com os quais se articula (BOURDIEU,

    1989). neste quadro que podemos identificar caractersticas provenientes de cada

    momento conjuntural, das especificidades do universo cultural e simblico, das

    diretrizes do planejamento econmico, das articulaes com o contexto internacional,

    entre outras.

    Todavia, sempre estamos enfrentando a tenso decorrente da necessidade de

    uma postura objetiva nas prticas investigativas, aliada a um comprometimento poltico

    com a luta pela construo de alternativas sociais significativas que possam vir a

    contribuir com o processo de emancipao e felicidade humanas.

  • Fazemos tais ressalvas porque a investigao da educao como poltica pblica,

    necessariamente implica enfrentar a tenso prpria desse objeto: a poltica educacional

    definida como policy programa de ao um fenmeno que se produz no contexto

    das relaes de poder expressas na politics poltica no sentido de dominao e,

    portanto, no contexto das relaes sociais que plasmam as assimetrias, a excluso e as

    desigualdades que se configuram na sociedade e no nosso objeto (AZEVEDO, 2001).

    Referindo-se ao conjunto dos conhecimentos produzidos no campo pedaggico,

    Brando e Bonamino afirmam que estes no se esgotam na sistematizao rigorosa do

    saber produzido, visto que:

    A vocao educadora deste saber imprime-lhe um apelo tico

    irresistvel, no sentido de extrapolar os limites epistmicos das

    prticas cientficas na direo do trabalho coletivo de construo

    de um projeto social. neste apelo que se articularia a vocao

    tica do saber pedaggico (1994, p. 101).

    O desafio , pois, na direo de tentar encontrar o sbio equilbrio entre manter

    uma postura objetiva que dote o conhecimento produzido de um coeficiente cientfico,

    sem abdicar de um nvel analtico que contemple as condies de possibilidade da

    adoo de estratgias que venham a permitir a implementao de uma poltica de

    transformao, como apropriadamente sugerem Morrow e Torres (1997).

    Alm dos desafios referidos, h condicionantes advindos das prprias polticas

    educativas, e, portanto, da ao do Estado (AZEVEDO, 2001), que devem ser levados

    em conta. esta ao que se encarrega, em ltima instncia, de fazer emergir os

    mltiplos sub-temas em que se transmuda a poltica educacional e dos quais vo se

    ocupar os pesquisadores da rea.

    De fato, o Estado ou, mais precisamente, os governos muitas vezes em

    resposta a demandas de movimentos e grupos sociais que vo suscitando os temas e

    sub-temas de pesquisa. Isto na medida em que inovaes emergem das polticas

    governamentais a cada conjuntura, suscitando a busca da compreenso de prticas e

    diretrizes que esto mudando, ou que permanecem tal e qual, ou com adaptaes.

    Nessa perspectiva, as prticas investigativas no podem se descurar do espao

    mais amplo de onde emanam as decises, do foco nos elementos que produzem a no

    deciso, dos contornos e das perspectivas subjacentes filosofia de ao que est

    orientando o agir do governo nas suas interligaes com outras dimenses do todo

    social. Deste modo, reafirmamos que o fenmeno educativo e, portanto, sua

  • manifestao como programas e projetos educacionais para ser alvo de investigao

    cientfica, no prescinde de abordagens baseadas nas Cincias Sociais e Humanas, caso

    seja o nosso desejo focaliz-lo a partir de suas mltiplas dimenses.

    Tendo em vista as consideraes acima apresentadas, que aqui buscaremos

    problematizar dois conceitos que vm se mostrando centrais em investigaes no campo

    das polticas educativas. Trata-se dos conceitos qualidade na educao e gesto da

    educao que sero abordados a partir do enfoque acima mencionado. Ou seja, tendo

    por referente sua focalizao com lupa fornecida pelas Cincias Sociais e Humanas.

    A questo da qualidade na educao e a sua conceituao

    No Brasil, nas ltimas dcadas, a questo da qualidade tem se colocado como

    fulcral na discusso sobre educao. Isto decorre dos avanos registrados em termos de

    acesso e cobertura, sobretudo no caso do ensino fundamental. Quase sempre, contudo,

    verificamos a tendncia de naturalizao do termo qualidade, sem que seja

    compreendida em uma perspectiva polissmica,

    [...] em que a concepo de mundo, de sociedade e de educao

    evidencia e define elementos para qualificar, avaliar e precisar a

    natureza, as propriedades e os atributos desejveis de um processo

    educativo de qualidade social (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p.

    202).

    A educao de qualidade, no contexto brasileiro atual, pode ser considerada

    como um ponto nodal, ponto este aqui entendido segundo a concepo de Mouffe

    (1996). Para esta autora toda construo poltica tem sempre lugar contra um conjunto

    de prticas sedimentadas, e o campo do social poderia ser visto como uma disputa entre

    diferentes projetos que tentam fixar significados em torno de um ponto nodal (fixaes

    parciais que limitam o fluxo do significado sobre o significante), tornando-se, desta

    forma, hegemnico.

    A busca da qualidade na educao encontrada nos mais diferentes discursos, o

    que induz a perceb-la como sendo algo consensual e, portanto, conduzindo ao

    desconhecimento de que assume sentidos diferenciados. So estes mltiplos sentidos

    que nos permitem falar em qualidades da educao, a depender da perspectiva terica e

    do projeto social em que se inserem os que dela esto falando.

  • O de