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Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Filosofia – Mestrado A QUESTÃO DA EXPLICAÇÃO CAUSAL EM HISTÓRIA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Autor: Alexander Weller Maar Orientadora: Prof. Dra. Sara Albieri Florianópolis, fevereiro de 2008.

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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Filosofia – Mestrado

A QUESTÃO DA EXPLICAÇÃO CAUSAL EM

HISTÓRIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Autor: Alexander Weller Maar

Orientadora: Prof. Dra. Sara Albieri

Florianópolis, fevereiro de 2008.

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Alexander Weller Maar

A QUESTÃO DA EXPLICAÇÃO CAUSAL EM

HISTÓRIA

Dissertação apresentada como requisito

parcial para a obtenção do grau de Mestre

em Filosofia – Programa de Pós-Graduação

em Filosofia – Mestrado – Centro de

Filosofia e Ciências Humanas –

Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientadora: Prof. Dra. Sara Albieri

Florianópolis, fevereiro de 2008.

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Agradecimentos

________________________________________________________________

Agradeço a compreensão e o estímulo da minha família e da minha namorada Chalin,

que sempre estiveram presentes me apoiando neste e em qualquer outro projeto em minha

vida. Também sou grato pelo apoio e paciência de minha orientadora profa. Sara Albieri, que

mesmo a distância confiou na qualidade do trabalho, e a imprescindível ajuda do prof. Alberto

Cupani, sem a qual este trabalho talvez não tivesse se tornado possível. Obrigado também aos

professores Luiz Henrique Dutra e José Cláudio Morelli Matos, que deram importantes

contribuições para o aprimoramento do trabalho. Por fim, estendo meus agradecimentos aos

demais professores que fizeram parte de minha instrução teórica, Décio Krause, e Constantin

Rauer, bem como ao corpo de funcionários e estagiários do Programa de Pós-Graduação em

Filosofia da UFSC.

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Aos meus pais, a quem devo tudo.

A Chalin, por estar na minha vida.

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“O cronista que narra os acontecimentos, sem

distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a

verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser

perdido para a história”.

Walter Benjamin (Sobre o Conceito da História)

“A lei da causalidade não nos é imposta pelo

mundo... ...mas talvez seja para nós o método mais

conveniente de adaptarmo-nos ao mundo”.

Jacques Rueff (From the physical to the social sciences)

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Resumo

________________________________________________________

Durante as últimas décadas os historiadores evitaram a palavra “causalidade”, acreditando que uma asserção causal haveria necessariamente de conduzir a explicações deterministas, e fazendo assim, estariam negando o livre arbítrio do agente histórico. Por outro lado, filósofos têm se ocupado dessa questão, e procurado verificar de que maneira as relações causais estão presentes nas ciências humanas. Este trabalho apresenta uma breve história da idéia de causalidade na escrita da história, partindo desde as concepções metafísicas até as analíticas. Sobre estas últimas apresentarei alguns dos problemas comumente discutidos e ilustrá-los-ei com exemplos históricos. No segundo capítulo discutirei a abordagem neopositivista da história, que procurou equipará-la com as ciências físicas. Essa tese afirma que os historiadores, ao contrário do que normalmente se diz, deveriam se ocupar com as questões gerais, e buscar por leis causais, ainda que probabilísticas. Esse pensamento entende que a única fonte segura de conhecimento científico e, conseqüentemente de explicações causais, é o modelo nomológico-dedutivo. A partir de minhas leituras e críticas de alguns textos de Hempel e Nagel, procurarei demonstrar que o modelo proposto, batizado por Dray como “leis de cobertura”, não se aplica em história devido à própria natureza do conhecimento histórico que não nos permite a confirmação de regularidades observáveis que levem a leis. Defenderei o uso de outras formas de fornecer explicações causais, como a noção de causa intencional. Esta última tem em Donald Davidson um de seus maiores defensores. Ele relaciona o mundo do mental com o físico e derruba a tradicional distinção entre causas e razões, propondo que razões podem ser causas, no sentido de que a intenção do agente causa seu movimento do corpo. Meu objetivo final é defender que a escrita da história faz uso de relações causais, mas que seus tipos de explicação causal não são nomológicos, mas de outro tipo, genéticos, intencionais, etc. Ao invés de recusar a causalidade, os historiadores deveriam rejeitar apenas a utilização de leis, visto que a natureza de suas explicações são descrições de eventos particulares de forma racional, mas não propriamente científica. A presença da causalidade nos textos históricos é a única forma de manter a história nos trilhos de uma atividade racional e que procura confirmar as teorias nas evidências empíricas. Palavras-chave: filosofia da história, causalidade, explicação causal, leis gerais.

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Abstract

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During the last decades historians avoided the word “causality”, believing that a causal assertion would necessarily lead to deterministic explanations and, by doing so, they would be denying the historical agent’s free will. On the other side, philosophers have been working on this issue, trying to verify in what manner causal relationships are present in the human sciences. This work presents a brief history of the idea of causality in the writing of history, starting from the metaphysical concepts to the analytical ones. On the analytical concepts I will present some of the problems commonly discussed and illustrate them with historical examples. On the second chapter I will discuss the neopositivistic approach to history, which sought to equate it with the physical sciences. Defensors of this last view, argument that the historians, on the contrary to what normally is said, should be dealing with general issues, and looking for causal laws, even if only probabilistic laws could be found. They believe that the only reliable source of scientific knowledge and, consequently, causal explanations, is the nomologic-deductive model. From my readings and critics of some texts of Hempel and Nagel, I will try to show that the proposed model, baptized by Dray as "covering laws" does not apply to history because of the particular nature of historical knowledge that does not allow us to confirm observed regularities that may lead to laws. I will defend the use of other ways to provide causal explanations, such as the notion of intentional cause. This one has in Donald Davidson one of its greatest defensors. He relates the world of mental with the physical and knocks the traditional distinction between causes and reasons, proposing that reasons can be causes, in the sense that the intent of the agent causes his bodily movement. My final intent is to defend that the writing of history makes use of causal relations, but that their types of explanations do not use laws, they are of other types, genetic, intentional, etc.. Rather than rejecting the causation, historians should reject only the use of laws, since the nature of their explanation are descriptions of particular events, presented in a rational, but not properly scientifical way. The presence of causality in historical texts is the only way to keep history an activity that seeks rationality and the confirmation of theories on empirical evidences. Key-words: philosophy of history, causality, causal explanation, general laws.

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Sumário

________________________________________________________

1. Introdução

1.1 Motivação para a escolha do tema.....................................................................p. 11

1.2 O surgimento do problema da causalidade na historiografia............................p. 13

1.3 As explicações históricas....................................................................................p. 16

2. Capítulo 1 – A Causalidade na História

2.1 Esclarecendo alguns conceitos...........................................................................p. 23

2.2 O que é uma causa científica?............................................................................p. 26

2.3 As teorias substantivas da história....................................................................p. 29

2.3.1 A história metafísica........................................................................................p. 30

2.3.2 A busca por leis causais na história................................................................p. 36

2.3.3 A visão pluralista da causalidade histórica....................................................p. 42

2.4 As teorias analíticas da história........................................................................p. 43

2.4.1 O desejo de explicar – um exemplo histórico.................................................p. 44

2.4.2 Aspectos lógicos da causalidade....................................................................p. 50

2.4.3 A defesa do livre-arbítrio - considerações sobre o determinismo.................p. 52

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Introdução

________________________________________________________

“Estudar história requer o conhecimento prévio de

que com esse estudo se almeja algo impossível e

importantíssimo. Estudar história significa entregar-se ao

caos, conservando a crença na ordem e no sentido. É uma

tarefa muito séria..., talvez mesmo trágica.”

Herman Hesse (O Jogo das Contas de Vidro)

Motivação para a escolha do tema.

Durante meus anos como acadêmico do curso de história, presenciei constantemente

uma questão que sempre me chamou atenção: o grande cuidado com que os professores e

palestrantes em geral se referiam, nas raras vezes em que o faziam, à questão da causalidade.

Parecia que falar em causas implicava na adoção de um modelo positivista, arcaico, antigo e

ultrapassado. Escutei afirmações do tipo: ‘falar em causas significa cair no determinismo e

negar o sujeito’; ‘falar em causas significa que se compreende a história como um

“mecanismo” de causa e efeito1’; ‘não há causas, tudo é uma “construção” do historiador que

se envolve com as fontes e “faz surgir” o conhecimento’; e assim por diante.

Diante dessa restrição sobre o termo “causa” observei, e também fui autor, de muitos

1 Um erro grave, visto que o neopositivismo se colocava justamente contra a noção de “mecanismo”.

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desvios lingüísticos: ao invés de causas falava-se de descrição dos antecedentes, das aparentes

motivações, do que poderia ter sido, enfim, tudo de certa forma ligado a uma noção de que a

história é uma invenção, que não pode retratar a realidade, que constitui tão somente uma

interpretação pessoal de um tema mais ou menos ancorado nas evidências, que a história está

sempre sendo reescrita, etc. Essa abordagem, além de confusa e pouco precisa, sempre me

colocou a questão: se a escrita da história é uma simples invenção então no que ela difere da

simples literatura?

Outras posturas ainda me pareciam bastante assustadoras, por exemplo, ao invés de se

valorizar o relativo afastamento do pesquisador com o problema com que está tratando,

valorizava-se, por vezes, a passionalidade e o envolvimento pessoal com o mesmo. História

oral, dar voz aos silenciosos, questões de gênero, enfim, há tamanha liberdade na produção

historiográfica e diferentes linhas de pesquisa que é fácil perder-se conceitualmente e difícil

identificar as influências teóricas dos trabalhos, ressaltando que a única abordagem não

permitida é a assim chamada ‘neopositivista’, ainda que poucos realmente saibam o que é o

pensamento neopositivista de fato.

Mas isso não parece ser uma realidade apenas brasileira, é fato conhecido que os

historiadores se preocupam muito pouco com os elementos teóricos de sua profissão. Mesmo

as modernas teorias da história parecem mais preocupadas em descrever as linhas de

determinados autores do que tratar diretamente de questões centrais da epistemologia como é

o caso da causalidade. Resumindo, os historiadores em sua grande maioria deixaram a

filosofia da história para os filósofos. Mesmo na famosa Escola dos Annales o único autor a

escrever diretamente sobre o tema foi Marc Bloch, em sua “Apologia da História”.

Apesar disso, continuei firme na crença de que escrever história não é fazer literatura,

e que tal disciplina é capaz de produzir conhecimento de forma racional. Essa racionalidade

precisa da noção de causa, termo bastante ambíguo e que no caso da história é mais amplo do

que nas ciências naturais, incluindo o que se chama de intencionalidade.

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O surgimento do problema da causalidade na historiografia.

Quando Heródoto, o assim chamado pai da história, escreveu sua “História” ele

certamente não tinha como uma de suas preocupações a assim chamada teoria da história.

Uma de suas mais importantes tarefas era registrar os grandes feitos dos gregos, para que o

tempo não desvanecesse a memória dos grandes feitos dos quais os gregos haviam sido

protagonistas. Ele se referia à vitória sobre os persas, que por duas vezes foram derrotados ao

tentar invadir a Grécia (a primeira tentativa em 490 e a segunda em 480-478 a.C).

É certo que o feito de Heródoto fora memorável, e em algum momento do ano de 446

a.C um número desconhecido de atenienses se reuniu na Eclésia para ouvir a investigação

sobre as guerras feita por um escritor que viera de Halicarnasso. Heródoto dispôs-se a ler

partes de sua obra, que denominou de história, averiguação, ou ainda de enquete ou

investigação. Sua preocupação era investigar a transformação na história, descrever como era

antes e como ficou:

“... O que farei (...) será levar adiante minha história, e discorrer do

mesmo modo sobre os sucessos dos Estados grandes e pequenos,

visto que muitos, que antigamente foram grandes, vieram depois a ser

bem pequenos e que, ao contrário, foram antes pequenos os que se

elevaram em nossos dias à maior grandeza. Persuadido, pois, da

instabilidade do poder humano, e de que as coisas dos homens nunca

permanecem constantes no mesmo ser, próspero nem adverso, farei

como digo, menção igualmente de uns Estados e de outros, grandes e

pequenos” (HERÓDOTO, 1947, p. 13; Livro 1,5).

Muitos anos mais tarde Heródoto seria criticado por estar ainda ligado ao universo

mítico, mas a crítica é muitas vezes injusta. É certo que ele não renunciava ao fantástico e o

utilizava para enaltecer os gregos em detrimento aos “bárbaros”, contudo, não há espaço para

o agir da divindade, os eventos que ele descreve tem seres humanos como autores, senhores

do seu agir. Seus heróis eram de carne e osso, e não esculpidos em mármore, e diferentemente

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de Homero, nenhum sopro divino ajudava um dos lados em batalha.

Heródoto utilizava diversas fontes, desde documentos escritos até relatos orais cuja

veracidade é um tanto duvidosa. Também dizia que escrevia inspirado pelas musas. Todavia,

muitas vezes ele ponderava sobre o que havia escrito e fazia intervenções sobre alguns dos

episódios narrados. De qualquer forma havia algo de novo na maneira com que esse autor

narrava os acontecimentos antigos para que permanecessem na memória.

Muito tempo se passou desde Heródoto, e a disciplina ou campo de estudo ou mesmo

ciência protagonizada por ele caminhou um longo percurso no qual, ao mesmo tempo em que

os historiadores descreviam os eventos, desenvolviam-se as questões filosóficas acerca da

escrita da história – e da narrativa surgiram as descrições mais pormenorizadas, as

interpretações e, finalmente, as explicações. Foram necessários muitos séculos para que a

filosofia da história começasse a se preocupar com a epistemologia própria da atividade do

historiador, e esta nasceu da reflexão que os historiadores passaram a fazer sobre a natureza

de seu trabalho e, sobretudo, do trabalho de filósofos que se interessaram pelo tema.

É difícil dizer em que momento nasceu a filosofia da história. W. G. Walsh escreveu

uma conhecida “Introdução à Filosofia da História” na qual ele considera que tal surge como

uma disciplina independente com a publicação da primeira parte da obra de Herder: “Idéias

para uma História Filosófica da Humanidade”, de 1784. Também como disciplina

independente aparece na publicação póstuma de “Conferências sobre a Filosofia da História”,

em 1837, de Hegel. Walsh acrescenta sobre esses autores que suas preocupações eram na

verdade especulações metafísicas, e o objetivo era apresentar a história como uma unidade

que compreende um plano geral. Se esse plano fosse compreendido então o curso dos

acontecimentos ficaria esclarecido “ao mesmo tempo em que nos permitiria ver o processo

histórico como satisfatório à razão, num sentido especial” (WALSH, 1978, p.13). Criava-se

assim a chamada filosofia especulativa da história, ou teorias substantivas da história, que

mais se preocupava com considerações de natureza filosófica do que com o estudo das

evidências históricas. “A filosofia da história, como praticada por esses autores, passou a

significar um tratamento especulativo de todo o curso de história, com o qual se esperava

revelar seu segredo, de uma vez por todas” (Idem, p.14).

Walsh ainda faz menção a outros autores da chamada vertente especulativa da filosofia

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da história, a saber Marx, Spengler e Toynbee. William Dray, também autor de uma Filosofia

da História, dividiu a filosofia especulativa da história em três tratamentos dados a ela Hegel -

um tratamento metafísico, Toynbee - um tratamento empírico e Reinhold Niebuhr - um

tratamento religioso.

É certo que a visão especulativa acabou sendo duramente criticada a partir do século

XIX com o surgimento de outras filosofias da história. Teve destaque a influência do

positivismo, com autores como Taine, Henri Berr, Langlois, Seignobos. Também a École des

Annales, representada entre outros por Lucien Febvre, Marc Bloch e Braudel, faria algumas

críticas ao modelo anterior, que ligado à metafísica nada legava à história de ‘científico’. A

historiografia idealista de Dilthey, Rickert e Max Weber, chamada de neokantiana, e também

a neohegeliana, encabeçada por Croce, criticaram duramente a linha especulativa, e passou-se

a valorizar a vertente crítica da filosofia da história. São autores da filosofia crítica Oakeshott,

Collingwood e Patrick Gardiner, o próprio Croce, dentre outros.

A filosofia crítica da história é difícil de ser definida em breves palavras, mas pode-se

dizer que, nas palavras de H. Marrou, havia “certa convergência tanto na maneira de pôr os

problemas como nas soluções que são propostas para eles: a partir de uma análise das

servidões lógicas que pesam sobre a elaboração do conhecimento histórico”, e criavam-se

assim os fundamentos para uma filosofia crítica da história “que se podem considerar como

adquiridos ao mesmo título, por exemplo, que se adquiriu a teoria da experimentação nas

ciências da natureza, a partir, digamos de J. S. Mill e Claude Bernard”. (MARROU, s/d, pp.

20-21).

Independentemente da escola historiográfica em questão, é certo que o abandono da

especulação e o ingresso na filosofia crítica, e mais tarde analítica da história criaram quatro

núcleos principais de problemas para serem investigados: 1. o que é a história e como ela se

relaciona com as outras áreas do saber, 2. a verdade e o fato na história, 3. a objetividade

histórica, 4. a natureza da explicação histórica.

O presente trabalho tem o propósito de investigar algumas questões referentes ao

quarto item desta pequena lista. Nas palavras de Walsh, o problema central é questionar os

argumentos criados para justificar que “a história é, tipicamente, a narração das ações do

passado, disposta de tal modo que vemos não só o que aconteceu, mas também por quê”. E

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acrescenta: “devemos perguntar que tipo, ou tipos, de ‘porquê’ estão envolvidos na história”.

(WALSH, 1978, p. 23)

As explicações históricas

A função da explicação na história é nada mais nada menos do que fazer com que esta

disciplina vá além de dar meras descrições ou apresentação de eventos humanos. Em um

recente trabalho intitulado “A Pesquisa Histórica – Teoria e Método”, originalmente lançado

em 2001, o historiador espanhol Júlio Aróstegui destaca que com o amadurecimento da

historiografia foi necessário que se criasse uma forma de explicação que assegurasse sua

inteligibilidade e que apresentasse “sua lógica e as causas do encadeamento de um determinado

curso de acontecimentos e não de outro”, buscando mostrar que “a história não obedece ao acaso

e sim a um desenvolvimento inteligível e comunicável” (ARÓSTEGUI, 2006, p. 355).

Claro que a narrativa e a compreensão dos eventos históricos são classes de conhecimento

importantes, mas é a explicação que dá a uma disciplina a sua roupagem mais nobre do ponto de

vista da metodologia científica. Quando damos uma explicação criamos uma forma concreta de

discurso que pretende enunciar as razões pelas quais uma mudança se deu, a função de um

elemento, a finalidade que tinha o

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dar explicações genuínas, mas apenas compreender os objetos de estudo numa forma de

entendimento que vai mais além do senso comum.

No caso da história, temos que a discussão conduz diretamenta à reflexão de se essa

disciplina constitui ou não uma ciência. Conforme o modelo neopositivista, se entendermos que

mesmo na história podemos fazer suposições gerais que nos conduzem a leis, então as explicações

serão genuínas, devendo-se adotar o mesmo modelo de explicação das ciências naturais – o

nomológico dedutivo. Mas se não houver uma base para a defesa da causalidade nestes moldes,

então é certo que a história não pode ser um conhecimento propriamente científico e sua noção de

causa não deve passar de sinônimo para razões ou motivações.

Bem, é evidente que a história é uma disciplina especial, pois os eventos estudados são

únicos, irrepetíveis, e tiveram lugar no passado, não sendo diretamente acessíveis. Contudo, diante

do mesmo problema histórico vários historiadores tendem a interpretar suas fontes de forma diversa

e proceder a várias explicações sobre o mesmo problema. Considerando que as evidências históricas

são finitas, então por que tanta pluralidade de explicações?

Isso se deve à pluralidade de formas de explicação e também devido às interefências

interpretativas do pesquisador. Aristóteles assinalou a existência de modelos explicativos com

destaque para o genético, o finalista, e o causal. Além desses, outros surgiram ao longo do tempo,

como as explicações "nomotético-dedutivas", funcionais, teleológicas, intencionais, e outras mais.

Outro autor que tratou das diferentes formas de explicação e com muita clareza foi Ernest Nagel, em

sua famosa obra “A Estrutura da Ciência”. Voltarei a essa questão na abertura do segundo capítulo

deste trabalho.

Portanto, ao refletirmos sobre a natureza das explicações em história acabamos nos

conduzindo a reflexão sobre a presença ou não da causalidade na história. Quando um historiador

fala das causas da queda do império romano, ou da causa do assassinato de César, ou das causas da

Primeira Guerra Mundial, ele o faz segundo o modelo da explicação causal, que requer que os fatos

sejam enquadrados em esquemas hipotético-dedutivos que devem fazer referência a leis? Ou será que

ele simplesmente se refere a razões, motivos, ou elementos que parecem ter influenciado o curso dos

acontecimentos e provavelmente explicam a questão? Será que essas razões poderiam ser pensadas

como causas?

Simplificando bastante a questão, temos que este debate foi travado no século XX pela assim

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chamada filosofia analítica da história, encabeçada por autores como Walsh, Dray, Gardiner, Morton

White, Danto, dentre outros, e pela tradição do neo-positivismo, representada neste trabalho

sobretudo por Carl Hempel, autor de um famoso artigo intitulado “The Function of General Laws

in History”, e também por Ernest Nagel.

Hempel propunha, como veremos mais à frente, que a explicação histórica, para ser

genuína, deveria fazer referência a leis gerais, adequando-se ao modelo de explicação das ciências

naturais. Ele defendia, portanto, que se o historiador conseguisse submeter suas premissas às leis já

conhecidas, a estrutura lógica da explicação permitiria a ele dizer quais foram as causas de um

conflito. É importante assinalar que a noção de causa de Hempel é apenas lógica, e em nada se

assemelha a noção de uma mecanismo que desencadeasse o processo, como sugeriam as vertentes

metafísicas.

Irei tratar com alguns pormenores da questão do modelo de Hempel, denominado de

modelo de leis de cobertura, mas no momento cabe dizer que este foi duramente criticado pela

vertente analítica, sobretudo por William Dray. Este último se amparava em uma verdade

incontestável de que nunca foi demonstrado o funcionamento das leis gerais em uma explicação de

um problema histórico, e o exemplo dado por Hempel, tirado da termodinâmica, era incompleto.

Poderiam existir leis gerais que explicassem todo e qualquer tipo de evento histórico? Parece-me

que não. O próprio Hempel concede que as explicações causais históricas sempre serão

incompletas, preferindo falar então em leis probabilísticas, mas isso não parece solucionar o

problema dada a dificuldade de se fazer generalizações com as questões históricas. Assemelhar os

eventos históricos aos físicos, em uma visão unitária das ciências, não parecia contribuir em nada

para a evolução da historiografia, visto que os fenômenos humanos não podem ser desta forma

reduzidos, dada a complexidade dos eventos mentais que também desempenham um papel

relevante para a ocorrência dos eventos físicos2.

A saída encontrada pelos analíticos era, de modo geral, que o historiador não apresentasse

causas ‘científicas’, mas razões, motivações, com as quais ele descreve os eventos tornando

inteligível o porquê deles se desenrolarem de uma forma e não de outra, e assim por diante. A idéia

era adotar um modelo chamado de explicação intencional, ou seja, explicar o comportamento do

agente histórico com base nas suas intenções ou motivações racionais. Em outras palavras, se

2 Tese defendida por Donald Davidson, e sobre a qual tratarei no final do segundo capítulo.

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soubermos quem o agente é, a qual grupo ou segmento social ele pertence (e como tal grupo

constuma pensar e agir) e quais os seus desejos e crenças, então poderemos apresentar uma

descrição inteligível de seu comportamento: ele agiu assim pois desejava obter tal coisa, ou fugia

de outra, acreditava que assim sua ação traria boas conseqüências, etc.

Walsh, que a bem dizer inaugura a filosofia analítica da história, vai aderir à idéia de

Collingwood de que o historiador opera como um detetive, em outras palavras, a explicação do que

causou um evento histórico é como desvendar quem foi o autor de um crime e quais eram suas

motivações – com a diferença de que no caso da história normalmente o “criminoso” já é

conhecido, faltando apenas compreender suas razões. É bom ressaltar novamente que ‘causas’

passam a ser entendidas como simples ‘razões’, em um sentido muito diverso da noção de

explicação causal das ciências naturais, por exemplo.

Outro defensor da noção de explicação intencional para a ação histórica é William Dray.

Ele assinala que, colocando-se contra Hempel, somente uma teoria da intencionalidade pode dar

conta de explicar as condutas dos agentes individuais, cujos atos não podem ser generalizados e

submetidos às leis-gerais. Para ele a função do historiador é tentar descobrir porque o agente faz o

que faz, em outras palavras, é preciso descobrir como o agente histórico via a situação em que se

encontrava (como acreditava que a situação era) e como julgava que deveria agir. O historiador

deveria buscar, portanto, por motivações, medos, ódios, crenças, valores, enfim, tudo aquilo que

deve ter influenciado o agente histórico para agir ou escolher determinada ação diante de um leque

quase infinito de opções. É uma variante do modelo de explicação da ‘ação racional’.

Embora tal modelo pareça mais satisfatório para a escrita da história do que o de Hempel, é

importante lembrar que ele representa uma visão atomista dos eventos históricos, e se refere à

explicação das ações dos agentes históricos como indivíduos. A referência a leis sociológicas,

psicológicas, econômicas, etc, continua sendo de grande importância para o historiador ao tentar

desenvolver uma teoria para mudanças estruturais, transformações de longo prazo, migrações

sociais, etc. Ao fazer a referência a essas leis tiradas de outros campos do conhecimento o

historiador não estabelece, conforme penso, uma lei histórica, mas tão somente uma referência

teórica capaz de conferir alguma lógica ao seu trabalho historiográfico: uma lei sociológica

aplicada na história continua sendo uma lei sociológica, que não explica questões históricas da

forma como Hempel sugeria, mas tão somente fornece fundamentos para que o historiador

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descreva seu problema de forma apropriada, podendo indicar mais concretamente as possíveis

causas para uma determinada trasformação, ou dizer qual o provável comportamento de um

segmento social diante de um certo acontecimento. Ainda que ele generalize, acabará falando de

sujeitos e dando datas e locais específico, o que é próprio da história. Em suma, a construção

teórica de uma explicação causal na escrita da história faz referência a uma série de fatores que vão

muito além da estrutura nomológico-dedutiva hempeliana.

Diante disso, apresentarei no primeiro capítulo uma breve descrição da evolução da noção

de causalidade na historiografia, partindo das concepções metafísicas até chegar na forma causal

defendida pelas teorias analíticas. Irei levantar algumas das principais questões comentadas nas

obras de Walsh, Carr, Dray, Gardiner, dentre outros, no tocante ao determinismo causal, aos juízos

de valores, a importância do elemento acidental, etc. É importante ressaltar que a noção de

causalidade defendida por esta linha de pesquisa entende que o historiador, ao falar de causas,

refere-se a razões, motivações, estímulos de toda sorte, afastando-se da noção propriamente

científica de causa. Daí decorre a dificuldade de se dar uma definição breve e precisa do termo para

esses autores.

No segundo capítulo irei me deter sobre as implicações do modelo de explicação

neopositivista de Hempel, e sobre a possibilidade ou não de encontrarmos leis gerais para as

explicações históricas. Defenderei, em concordância com a tradição analítica, que tal modelo não

contribui de fato para a verdadeira natureza da história, que é descrever os eventos particulares, e

embora seja interessante do ponto de vista lógico, não pode ser aplicado nessa disciplina dada a

impossibilidade de generalizarmos muitas das questões históricas3, sobretudo quando estas se

referirem a explicações de ações de agentes individuais. Argumentarei ainda que a historiografia se

utiliza de outros modelos explicativos, apresentados por Nagel, e que a noção de causa geralmente

adotada é muito mais ampla, podendo ser qualquer elemento ligado à intencionalidade. Depois de

Hempel farei uma breve exposição da posição de Nagel sobre o problema, que apesar de não ser

muito distante de Hempel é mais ponderado sobre a possibilidade do uso de leis na historiografia,

dizendo que estas somente poderão se referir a eventos de grande duração e estruturalmente

complexos.

3 Em geral, as regularidades encontradas na história são visões subjetivas, e pouco precisas, não cabendo o uso da noção de lei.

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Para finalizar, comentarei uma visão que me parece apropriada, a teoria de Donald

Davidson de que razões também são causas, pois os eventos mentais tem conseqüências reais e

físicas. A visão de Davidson é importante por duas razões: 1º. por se tratar de um autor

praticamente desconhecido para os historiadores; 2º porque sempre discordei da visão

extremamente dualista de alguns filósofos de tradição analítica que afirmam que a noção de

causalidade histórica é completamente estranha à noção de causalidade das ciências4. O melhor

exemplo deste dualismo é o idealismo de Collingwood, que se refere a causas como algo que

acontece apenas no universo mental do historiador que reencena e de certa forma revive na mente o

episódio. Diferentemente dos filósofos da história de tradição analítica, Davidson faz uma proposta

clara e precisa do que é a causa intencional.

Diante dessas breves exposições, tenho por objetivo defender que a história está mais

próxima do cientista do que do artista, e que abordagens do tipo relativistas, história-literatura,

história ficcional, tem pouco a dizer sobre o mundo e os problemas eminentemente históricos,

embora possam ser uma leitura interessante não passam de ficção5. A defesa da causalidade, como

no caso da explicação causal intencional, além da defesa de uma postura científica e metodológica

no trabalho de historiar, é única forma de manter a historiografia nos rumos de uma atividade

racionalista, e acredito que assim deva ser.

Por fim, não há como negar que o conceito de causa para a história permanece algo

confuso e de difícil definição. Na verdade isso tem a ver com a própria origem do termo ‘causa’ na

historiografia. Segundo Walsh, a causa deve ter sido “introduzida na história a partir da vida

quotidiana, o que significa que uma causa na história era, originalmente, ação ou omissão sem o

qual o curso posterior dos acontecimentos teria sido significativamente diferente” (WALSH, 1978,

p. 184). Com o passar do tempo a noção de implicação causal histórica tornou-se cada vez mais

difusa, ora se confundindo com a causalidade das ciências naturais (quando se fala em estrutura

social ou organização economica, por exemlo), ora se apresentando simplesmente como razões

para explicar as ações dos agentes individuais (intenções). Diante da indefinição, houve quem

sugerisse, como o professor Oakeshott6 que a ‘causa’ fosse varrida da história. Penso que não deva

ser esse o caso, pois abandonar a causalidade por completo, ainda que não seja fácil definí-la em 4 Claro que a explicação causal nomológico-dedutiva, não encontrada na história, sugere isso, mas vale lembrar que nem mesmo as ciências naturais se resumem a essa forma de explicação. 5 Curiosamente o termo ficção parece ser bem aceito por algumas linhas de pesquisa histórica. 6 Ver Walsh, 1978, p. 185.

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termos de vocabulário historiográfico, abre flancos para a desordem e a falta de engajamento

teórico. A fim de trazer alguma luz para essas questões, examinemos agora um pouco dessa

história.

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Capítulo 1

________________________________________________________

A causalidade na História

...como observou Hans Meyerhoff, foram os

filósofos e não os historiadores que, defendendo a

responsabilidade ‘científica’ de suas disciplinas,

afirmaram mais fortemente a possibilidade da História

objetiva.

William H. Dray, filósofo cadadense

Esclarecendo alguns conceitos

As discussões acerca do problema da causalidade na história são bastante abrangentes,

e diversos termos terão lugar nas páginas a seguir, tais como causa, lei, determinismo, etc.

Assim, antes de começarmos a investigar a evolução da noção histórica de causalidade é

necessário dedicar algumas linhas para conceituar esses termos, que em geral não fazem parte

dos conceitos teóricos da maioria dos historiadores.

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Grosso modo existem ao menos duas linhas gerais de entendimento de causa. Vejamo-

las.

A primeira refere-se ao conceito aristotélico de causa final, no sentido de que a

história pode ser compreendida como um progresso, com um destino final (teleologia). Por

exemplo, as lutas pela abolição da escravidão no Brasil intensificaram-se com o declínio na

monarquia brasileira, tornando-se o objetivo final dos republicanos. Isso explica porque

mesmo após a abolição em 1888 a monarquia continuou sendo atacada até cair em 1889. A

idéia de que os republicanos e abolicionistas agiam para alcançar um objetivo acabou fazendo

com que esse objetivo fosse a causa em questão. Claro que essa interpretação do sentido de

causa pode ser extrapolada para a formulação de teorias teológicas e teleológicas da história,

ou seja, acreditar que a história caminha sobre os trilhos de alguma inteligência maior

(metafísica) sendo esta uma força externa ou inerente às ações humanas. Essa noção é em

geral bastante confusa e pouco esclarecedora, embora tenha sido dominante em séculos

passados, e de certa forma ainda está presente.

A segunda noção refere-se à causa como um agente que acaba por conduzir a certas

ocorrências históricas, ou seja, é o elemento que provoca um determinado evento a ocorrer.

Ou seja, poderíamos dizer que as lutas abolicionistas no Brasil causaram de forma inevitável a

queda da monarquia. Se voltarmos a Aristóteles poderíamos comparar este sentido de causa à

sua noção de causa eficiente.

Diante dos dois sentidos de causalidade, podemos ver que o primeiro está ligado, em

geral, com a criação das chamadas teorias substantivas da história, e o segundo produziria, em

geral, as chamadas abordagens analíticas.

Levando-se em conta a noção aristotélica de causa eficiente, temos o desenvolvimento

do chamado princípio da causalidade, que pode se definido da seguinte forma: todo efeito tem

uma causa que, na ocorrência das mesmas circunstâncias, a mesma causa deve sempre

produzir os mesmo efeitos. Do princípio da causalidade parte uma generalização chamada em

geral de determinismo, ou seja, uma teoria que afirma que tudo está submetido a condições

necessárias e suficientes, sendo as próprias condições também determinadas.

Dizemos que uma relação é dita determinada quando existir uma ligação necessária

entre uma causa e seu efeito, ligando um acontecimento a outro. É precisamente esta a relação

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causal buscada pelo cientista quando este estabelece leis. A aplicação usual do termo lei dá-se

no campo dos estudos da natureza, e ele não deve ser compreendido como fatalismo. Em

outras palavras a noção de causa determinística nada tem a ver com destino, trata-se de uma

necessidade cognoscível para a compreensão de um fenômeno. André Comte-Sponville em

seu “Dictionnaire philosophique” (2001) acrescenta que um fenômeno pode ser integralmente

determinado e permanecer imprevisível. Um exemplo poderia ser as condições climáticas que

teremos daqui a seis meses – elas não estão em lugar algum escritas, mas estarão

determinadas daqui a seis meses. O determinismo deve ser entendido como uma forma de

conhecimento e explicação dos fenômenos, não excluindo o acaso e tampouco a eficácia da

ação – exclusão que no caso da história seria a anulação do indivíduo. Entre os defensores do

determinismo temos aqueles que defendem a aplicação do modelo a uma parte da realidade

apenas, e outros que ampliam sua abrangência a todo tipo de ocorrência, inclusive as ações

humanas7. Claro que nem todos compartilham dessas definições, mas de forma geral

concordarei com elas.

Por fim, temos a definição de lei científica. De forma simplificada uma lei pode ser

definida como uma regra que descreve um fenômeno que é observado com uma relativa

regularidade, ou como uma regularidade que se aplica aos membros que integram uma classe

ampla de fenômenos, ou como uma descrição geral do comportamento de algumas coisas na

natureza sob o efeito de uma variável de circunstâncias. Quando uma lei é fundamental ou

altamente geral e dela derivam outras leis dizemos que se trata de um princípio.

É importante dizer que uma lei científica não assinala se um determinado fato vai ou

não ocorrer, mas tão somente verifica a ocorrência do mesmo relacionando as causas com os

efeitos relacionados. Claro que a noção de lei é muito mais preciosa para as ciências físicas

do que para as humanas, e conseqüentemente é comum dizer-se que uma lei natural enuncia

uma verdade científica compreendida dentro de um paradigma científico. A lei deve ser

abrangente e geral, e deve poder ser falseável para poder ser refutada. Essa refutação

normalmente ocorre experimentalmente, encontrando-se evidências empíricas de que ela não

seja assim tão geral e abrangente, ou é refutada do ponto de vista lógico. Sem essa

possibilidade de refutação, como defendido por Popper, não temos conhecimento científico 7 Ainda neste capítulo abordarei a questão do determinismo versus liberdade, que toma um espaço considerável nas discussões da filosofia analítica da história.

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genuíno. Por fim, como a lei é uma relação lógica entre grandezas físicas, por exemplo, é

certo que muitas delas se tornem fórmulas matemáticas, e para muitos epistemólogos é

desejável que assim o seja.

O que é uma causa científica?

Osvaldo Pessoa Jr.8, em um interessante artigo intitulado “O que é uma Causa? (2007)

fornece uma breve descrição da causalidade9 e suas formas fundamentais.

Um exemplo bastante simples de causa é a extinção do pássaro dodô nas Ilhas

Maurício. É sabido que a ave de até 25 kg era comida pelos marinheiros europeus que

desembarcavam na ilha, o que levou ao total extermínio da espécie. Temos um efeito – a

extinção da ave – e uma causa – a comilança da parte dos marinheiros.

No que concerne o pensamento científico Pessoa Jr. distingue cinco concepções de

causalidade, e alerta que não opta por nenhuma em particular, e sim por uma visão pluralista,

já que cada visão evidencia algum aspecto relevante sobre as relações causais.

1. Causalidade como relação substancial – essa é a relação causal clássica que defende

a existência de uma relação real entre dois eventos. O pensamento cartesiano e o de Spinoza

são representantes desta forma causal. Por exemplo, ao dizer que Deus é a causa de todo o

mundo existe aqui uma relação de produção necessária. É contra essa concepção metafísica da

causalidade que o neopositivismo iria se opor.

2. Causalidade como regularidade – essa noção ocorre quando temos uma correlação

entre fenômenos exprimindo uma regularidade ou lei. Em outras palavras, c (causa) é causa

de e (efeito) se c ocorre seguido por e. Mas isso não basta, é necessário que haja uma

regularidade bem constatada entre os eventos da classe C, na qual c está incluída, com os

eventos da classe E, onde e está incluído. Esta tese é defendida por David Hume em

8 A sair nos Cadernos de História da Ciência do Instituto Butantã, 2007. Disponível em: www.fflch.usp.br/df/opessoa/Causa-3-filo.pdf Acesso em 29 de dezembro de 2007. 9 O autor mencionado distingue causalidade de causação, o primeiro termo se referindo aos princípios envolvidos na relação entre causa e efeito, e o segundo referindo-se à relação propriamente dita. No Brasil essa distinção não é tão usual, e falarei somente em causalidade.

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“Investigação sobre o Entendimento Humano” (1748/1980), e ele alerta que as causas sempre

devem preceder temporalmente os efeitos, e que eles devem acontecer no espaço de uma

forma contígua. Isso não significa dizer que a relação causal é real, mas conforme

acreditavam os empiristas clássicos ela é “projetada” por nós. Para Hume tudo tem uma

causa, e não há espaço para o acidental ou acaso.

3. Causalidade contrafactual – o contrafactual poderia ser definido da seguinte forma –

ainda segundo Hume – c é causa de e se pudermos dizer que a não ocorrência de a fosse

seguida da não ocorrência de e. A partir de uma situação que não ocorreu caracterizamos a

causalidade.

4. Causalidade por manipulação – existem situações em que para determinar a relação

entre as duas classes de eventos (C e E) basta controlarmos um deles para verificar de que

forma isso afeta o outro. Ou seja, uma manipulação em C provoca conseqüências em E, ou o

contrário. Pode-se dizer que esta é a própria definição de causalidade.

5. Causalidade probabilística – esta relação causal poderia ser definida do seguinte

modo: C é causa provável de E se a ocorrência de C aumentar a probabilidade de E vir a

ocorrer.

O trabalho de Pessoa Jr. alude ainda a autores como Reichenbach, Suppes e Salmon,

como defensores da idéia de que o melhor modo de estabelecer uma relação causal é com

base na questão da probabilidade. Qualquer uma das quatro formas anteriores pode ser

adaptada para essa concepção, que de uma forma geral faz com que muitas das relações

causais expressas como leis ou regularidades adquiram uma forma mais aceitável, uma vez

que dificilmente conhecemos todas as variáveis que participam na ocorrência de um

fenômeno.

No caso do pássaro dodô poderíamos argumentar que nem sempre o desembarque de

marinheiros em uma ilha irá provocar a extinção de uma espécie. Tal constatação deverá vir

seguida de outras de modo que possamos enunciar que uma extinção será provável, mas não

certa: poderia haver, por exemplo, um marinheiro com preocupações ecológicas que decidisse

salvar um casal de aves da espécie em perigo e levá-los para um zoológico.

Cabe aqui uma crítica interessante, talvez não se trate exatamente de uma relação

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causal probabilística, mas de uma conjunção de causas, algumas para nós desconhecidas. Ou

seja, se conhecêssemos todas as causas que participam de um sistema poderíamos construir

um sistema determinista e garantir ou mesmo prever a ocorrência do fenômeno, ou falar em

um sistema probabilístico com 100% de certeza. Mas isso dificilmente ocorre, e mesmo que

admitamos viver em um universo determinado, quase nunca se conhecem todas as relações

causais participantes. Concluindo, a discussão sobre a determinação ou não do universo

permanece em aberto, mas para ambas as formas de pensamento cabe o modelo causal

probabilístico.

Modelos causais – é interessante notar que as diferentes noções de relações causais

podem levar a construção de diagramas nos quais diferentes relações causais entram em

conjunção. A idéia assim diagramada pode levar à confecção de um modelo causal. Ao longo

do século XX vários foram os modelos causais adotados por várias áreas científicas, inclusive

pelas ciências sociais. Na verdade a maior resistência à adoção de um modelo causal veio da

estatística, que prefere o termo correlação10.

No caso da historiografia temos que as relações de causalidade adquirem

características um tanto distintas da estruturação apresentada acima, utilizando várias dessas

noções de causalidade de uma forma nem sempre muito sistemática. Aliás, penso que ao

longo do desenvolvimento da historiografia todas essas noções de causa se fizeram presentes,

com exceção da quarta (causalidade por manipulação), visto que não podemos manipular os

elementos históricos para verificar a relação causal.

A seguir, apresentarei três usos distintos da noção de causalidade histórica: 1. a

historiografia metafísica ou substantiva, que defende a existência de um “plano” para a

humanidade, plano este que pode ser desvendado; 2. a visão analítica, que compreende a

causalidade histórica de um forma mais abrangente, incluindo no termo o que se costuma

chamar simplesmente de razões, ou seja, as crenças e objetivos que levaram os indivíduos a

agir deste ou daquele modo, 3. a postura do neopositivismo que estabelece que também a

historiografia deva fazer uso do pensamento dedutivo, procurando por regularidades bem

constatadas que possam levar à inferências por meio de leis, ainda que probabilísticas.

10 Voltarei a esse problema mais à frente, quando discutir a causalidade histórica em termos de probabilidade estatística.

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Em comparação com a sociologia e mesmo a psicologia, o campo da história é o

menos científico, pois as chamadas regularidades observadas são muito vagas e imprecisas,

não podendo conduzir o investigador a constatar a existência de leis. Também temos que a

conduta humana, sobretudo os eventos mentais, não podem ser corretamente reduzidos à

terminologia da física, por exemplo. Assim, é natural que o segundo uso de causa que acabei

de apresentar, conhecido como causa intencional, acabe prevalecendo sobre os demais,

sobretudo no que se refere a dar sentido às ações dos agentes individuais. Além disso, hoje

sabemos que o modelo nomológico-dedutivo não é a única forma de apresentar explicações

nas ciências naturais, ocorrendo com menor vigor ainda nas ciências sociais e nunca na

história11, segundo penso.

As teorias substantivas da história

A busca pelas chamadas teorias causais da história reside no esforço em se conceber

uma solução para uma série de questionamentos comuns ao historiador, ao menos àqueles que

se preocupam com a coerência lógica de suas sentenças e com a sua disposição em entender a

história como um produto dotado de significado. As perguntas são: Existe uma base

fundamental das transformações e eventos históricos? Existem condições determinantes para

algo? Podemos considerar um fator (econômico, por exemplo) como mais importante ou

fundamental aos demais? Existem leis causais universais que se apliquem ao processo

histórico? Qual o impacto dos acontecimentos fortuitos para as explicações históricas? Qual o

papel do indivíduo na história? As ações dos agentes históricos são livres em seu agir (ou até

que ponto livres?) e, conseqüentemente, responsáveis moralmente pelas conseqüências de

seus atos? É legítimo falarmos em determinismo histórico, e se sim, como fica o papel do

sujeito e da liberdade dentro dessa teoria?

Claro que um conjunto amplo de questionamentos como esse deu margem a inúmeras

formas de abordar cada uma dessas questões, e as respostas encontradas foram,

freqüentemente, conflitantes e atingiram diferentes níveis de aprofundamento. Vejamos a

seguir, algumas das abordagens substantivas da causalidade na história, e depois as analíticas. 11 Ver tipos de explicação no início do segundo capítulo.

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A história metafísica

Nem sempre as determinantes causais para um dado evento ou fenômeno histórico

foram investigadas nos dados empíricos à disposição do historiador. Pelo contrário, por muito

tempo acreditou-se que a verdadeira força motora das ações humanas e de sua historicidade

deveria estar localizada de alguma forma fora do processo histórico, como um elemento de

natureza diferente (metafísica) da realidade humana e cuja inteligência dá sentido a essa

seqüência de ocorrências. Assim, por trás da compreensão do modelo do processo histórico

estaria a compreensão de um projeto superior para o homem (divino), de forma que, se

interpretamos corretamente a história, alcançaremos a revelação da finalidade última de todo

agir humano – um propósito nada modesto.

A influência de valores e crenças religiosas nessa forma de se entender a causalidade é

presente, e desde cedo o mundo cristão viu crescer uma forte oposição às concepções de

tempo do mundo greco-romano – que pensava em termos de ciclos periódicos. Criava-se,

assim, uma concepção de tempo linear que ainda hoje está relacionada com inúmeros termos

muito utilizados pela história, como a noção de progresso. O interesse no tempo linear deve-

se à possibilidade de se implantar em sua interpretação a existência de um poder soberano e

transcendental responsável pela ordem dos acontecimentos. Essa providência divina levaria o

homem por uma trajetória determinada e com um determinado propósito, este último

desconhecido pelos homens.

Um dos primeiros críticos dessa noção de que o estudo da história poderia nos levar a

alcançar conhecer as intenções de Deus foi Santo Agostinho. Na sua visão, a história das

coisas mundanas e sua relação com alguma força providencial estão fora da cognição e

preocupações humanas. Ou seja, ele duvidava que a história poderia ser interpretada de forma

providencial pelos homens. Agostinho tratou da questão da história em sua obra “Cidade de

Deus”, na qual utiliza conceitos ligados à Criação, ao pecado original e à Redenção para

discutir o que seria a metafísica original do cristianismo: o que poderíamos considerar uma

visão orgânica e inteligível para a história. A Criação é o passo inicial para que o governo

divino do mundo torne a história passível de racionalidade, mas é a idéia de Redenção que

torna a história inteligível, pois esta explica a existência do mal no mundo e sua função.

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Assim, Agostinho coloca que existem duas cidades: a Cidade de Deus, na qual conta a

história dos hebreus antes da vinda de Cristo e da Igreja após seu aparecimento; e a cidade

eterna que se ergue contra a primeira, mundana e pecaminosa, e que no Juízo final será

punida. Nessa história, Agostinho mostra que Satanás e o mal representam uma idéia de

unidade e progresso; ou seja, o progresso em direção a Cristo, consciente e profetizado por

Israel. Vale dizer que após o aparecimento de Cristo as duas cidades se fundem (vivem nela

os ímpios e os predestinados, misturados), mas não de forma caótica, mas organizada a partir

da unidade da Igreja, que está acima das instituições políticas dos homens, é acessível a todos

de boa vontade e ultrapassa os confins do mundo terreno conduzindo até Deus. E no final dos

tempos as cidades separar-se-ão de forma definitiva, final, última, dando origem ao Paraíso e

ao Inferno. A história caminha para isso e não há nada que se possa fazer, ao indivíduo

compete escolher entre o bem e o mal apenas – e não buscar compreender a inteligência

divina. Trata-se de uma visão unitária de toda a história, mas é uma teologia e não uma

filosofia do processo histórico.

Já no século XVII J. B. Bossuet entendeu que a inteligência humana poderia

perfeitamente penetrar nos recônditos da mente do Criador. Em sua obra intitulada “Discours

sur l'histoire universelle” (1681) ele sugere que Deus interferia nos assuntos humanos e que

mesmo as ocorrências que parecem ser simples obra do acaso “haviam sido maquinadas por

uma sabedoria superior, ou seja, na mente eterna que possui todos os efeitos de todas as

causas contidas em uma única ordem”12(BOSSUET, citado por GARDINER, 2003, Volume

1, p. 280). Assim, para Bossuet, toda a história foi escrita por Deus, é obra da divina

Providência.

Foram vários os teólogos que procuraram posteriormente alguma noção de

Providência em seus escritos, um bom exemplo é o filósofo e pastor protestante Reinhold

Niebuhr. Também o historiador italiano Cesare Cantu escreveu uma história da civilização

utilizando-se de conotações de progresso próximas a idéia de Providência. Contudo, como

ressalta P. Gardiner, essas interpretações da providência eram bastante provisórias, e

procuravam não entrar em conflito com as teses propostas por historiadores profissionais e

técnicos. Em suma, eram diferentes da proposta de Bossuet, por exemplo.

12 Tradução minha.

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Procurar entender a história como uma seqüência de eventos que conduz a algum fim

ou estado de coisas final é um desejo antigo, e nos séculos XVIII e XIX essa empreitada

ganhou um fôlego renovado, apenas excluindo-se a expressão teológica e substituindo-a por

um esforço em retratar a história como uma seqüência significativa de acontecimentos. Ao

invés de um ser transcendental responsável por conduzir a humanidade ao seu destino, a

noção de Providência acabou entendida como imanente às coisas mundanas, uma força

originada do próprio mundo e dos homens, e não de fora dele. E é precisamente essa forma de

pensamento sobre o processo histórico que encontramos em autores como Vico, Kant e Hegel.

Segundo Gardiner, esses filósofos “compartilhavam a suposição comum ou o postulado

metodológico de que tudo o que acontece na esfera histórica tem uma 'lógica interna' que

pode ser considerada como sendo intrínseca ao curso dos eventos”13 (GARDINER, 2003,

volume 1, p. 280). Os agentes históricos agiam, segundo eles, de acordo com essa lógica

operacional, que variava de autor para autor, mas os propósitos de seus atos eram para os

próprios agentes históricos desconhecidos, misteriosos, ao menos no que diz respeito ao

significado a longo prazo de suas ações. Isso equivale a dizer que o significado do conjunto de

ocorrências de relevância histórica era contribuir decisivamente para formar um estado de

coisas cujo sentido deve ser entendido como a causa final de toda a história. Apesar do forte

aspecto teleológico, a figura de Deus interventor e transcendente era afastada pela procura do

significado intrínseco à matéria e, portanto, cabia ao homem investigar os dados empíricos a

seu dispor e construir uma visão da história como sendo um retrospecto, ou seja, a volta ao

início desse estado de coisas que necessariamente se movimenta em direção a um sentido de

causa final.

Vico acreditou encontrar um padrão na história, um padrão cíclico na qual três fases

distintas se alternavam: a história dos deuses, a história dos heróis, e a história humana (visão

egípcia). No entendimento desse filósofo italiano em sua obra “A Ciência Nova”, ele repudiou

a noção de Deus como um “oleiro divino” de toda a história, e volta à antiguidade greco-

romana como fornecedora de uma história ideal da humanidade. Vico entendia que historiar

significava conhecer o homem dentro do seu mundo cultural, linguagem e mitos, a história

seria construída e significada por eles, mas obedeceria a uma repetição cíclica de estados de

13 Tradução minha.

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coisas que sempre voltam a ocorrer não exatamente da mesma forma que antes (há quem

sugira a noção de tempo em espiral para isso). Para ele havia uma “história eterna e ideal...

cujo curso do tempo é feito pelas histórias de todas as nações” (VICO, 1982, p.114). Vico

afirmou assim que a realidade é uma construção humana ou social. Essa é uma afirmação

complicada, pois seria o mesmo que dizer que a única certeza do indivíduo é o fruto do que

ele faz, e da intenção com que o faz. Mas sabemos que muitos de nossos atos não são bem

sucedidos em função da interação deles com o mundo, e não um mundo criado pela mente,

mas que de fato é real e atua sobre nós, independente de nosso pensamento. Outra limitação

dessa afirmação é que se assim o for só podemos conhecer com certeza nossas próprias

criações. Da forma como Hamlyn14 acertadamente se coloca sobre a verdade e as realizações:

“...A palavra “factum” mostra-se ambígua entre o que é feito e o que é

realizado, e pode-se pensar que Vico explorou essa ambigüidade. Não está

claro, contudo, que algo nesse sentido tenha acontecido. Se fosse assim,

teríamos que concluir que é simplesmente errada sua alegação da

coincidência de verum e factum. Ele continua a ser uma figura intrigante,

mesmo que situada à margem da corrente principal. Embora da época do

Iluminismo, certamente dele não fez parte” (HAMLYN, 199015).

Na história de Vico, cada etapa do desenvolvimento social deveria ser interpretada de

modo que seu papel na seqüência dos eventos, se tomado no todo, fizesse parte de uma

estrutura teleológica (causa final). Vico “interpretou a história e o conhecimento histórico

como as chaves para o entendimento seguro do mundo em geral... ...A compreensão histórica

implicava rejeitar concepções a priori sobre os seres humanos e a aceitação da necessidade de

tentar penetrar na mente de homens do passado” (Idem). Vico acabaria influenciando

pensadores muitos tardios a ele (já que em sua época fora marginalizado) como Croce e

Collingwood, e certamente é dele a noção um tanto confusa de que a realidade é uma

construção humana e social 14 D. W. Hamlyn, filósofo. 15 Sem indicação de página, referência eletrônica disponível em http://br.geocities.com/mcrost09/uma_historia_da_filosofia_ocidental_12.htm. Acessado em 17 de maio de 2007.

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Já Kant entendia a história como a forma que temos de procurar a resposta para a

pergunta: O que me cabe esperar? A filosofia da história de Kant procura delinear o destino

último do homem – a causa final – e as condições que tornarão possível a sua realização. Para

ele são a ação social e a política, capacidades implantadas no homem pela natureza, os meios

pelos quais o homem busca atingir essa noção de causalidade como sendo o fim último e

perfeito da humanidade (ver em GARCIA).

Kant entendia também que as ações humanas são determinadas por leis gerais da

natureza, assim como qualquer fenômeno natural, e o homem é dotado de um conjunto de

disposições que ele classificou como: animalidade (capacidade técnica para viver),

humanidade (capacidade pragmática), e personalidade (respeito às leis morais). A história

seria o desenvolvimento dessas disposições em sua totalidade, e a evolução da comunidade

humana pode levar à realização desse fim supremo da existência humana: a história é a

execução de uma espécie de “plano secreto da natureza”. (KANT citado por GARCIA16).

Essa visão da história pensa nos homens como cidadãos do mundo (universal e cosmopolita),

e a narrativa histórica tem por objetivo ilustrar a realização dessa progressiva libertação do

homem rumo a seu destino final como um curso regular de transformações. Os povos ao

perseguirem esse propósito seguem um fio condutor que é a intervenção da natureza, e não

um propósito racional próprio aos homens. Trata-se de uma visão providencialista da história

segundo as leis naturais.

Em Hegel temos uma noção de história mais complexa, derivada de uma compreensão

metafísica que envolvia todos os aspectos da experiência humana. Novamente repetia-se aqui

a tentativa de se entender a história como o estudo capaz de revelar um princípio racional que

estava fadado a se realizar no tempo (teleologia). Este filósofo concebia a realidade das

coisas como um vir a ser em desenvolvimento, como um processo circular e imanente. Se

Kant pensava no entendimento humano como o conjunto de princípios e regras utilizados para

pensar o mundo, Hegel ia mais além, para ele a razão é o próprio modo de ser de tudo o que

existe, assim, aquilo que é racional é real, e o real é o é racional. Para ele as idéias se

manifestam como o processo histórico em si, e a história universal deve ser entendida como a

própria manifestação da razão. “O estudo da história universal resultou e deve resultar em que 16 Sem indicação de página, referência eletrônica disponível em http://www.mgar.net/docs/kant.htm. Acessado em 3 de outubro de 2007.

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nela tudo aconteceu racionalmente, que ela foi a marcha racional e necessária do espírito

universal; espírito cuja natureza é sempre idêntica e que a explicita na existência universal”

(HEGEL, 1999, p. 18)

A história é, portanto, vista como um progresso, e nele o “espírito universal” se

desenvolve até realizar-se na plena consciência de si mesmo, como uma odisséia desse

espírito do mundo que, ao que parece, não é uma entidade independente dele, mas se

manifesta de forma direta nas ações de todos os indivíduos. Em outras palavras, a história

avança de forma inexorável, e as fases dão origem a outras17 até chegar a uma forma de

organização social que incorpora a liberdade. A história tem um propósito que é a gradual

libertação do homem, conseguida com sua evolução moral e espiritual, e constitui o seu fim:

uma espécie de causa final para todo o mundo. Hegel é adepto de um panteísmo que identifica

Deus com a própria história, e ao final é Ele quem se realizará nela.

Existe uma grande vantagem nessa teleologia que independe da ação divina externa

aos homens e seus atos: o fato de que seu investigador tem como objetos de pesquisa as

experiências humanas, ele não precisa inferir a existência de qualquer outra entidade a não ser

a compreensão de algum efeito manifestado por alguma tendência ou disposição do próprio

espírito humano. Essa afirmação pode ser confirmada, a princípio, pela experiência.

Claro que o real desejo procurado por esses pensadores era encontrar um padrão para a

história, e não simplesmente afirmar que a seqüência dos fatos obedece a certa tendência. Em

outras palavras, faltavam ainda elementos para poder usar um critério de causalidade no

sentido estrito da palavra: se uma dada condição se apresentar, desta se seguirá outra

necessariamente (causa e efeito). As coisas que acontecem só poderiam ter sido da forma

como foram e a explicação para isso está nas condições iniciais que determinaram que fosse

assim, e não de outro jeito – uma noção de determinismo. Nas palavras de Gardiner seria

outra coisa se os historiadores pudessem “demonstrar que o produto (resultado) final da

história de certo modo esteve pretendido ou pré-ordenado desde o começo e, além disso,

mostrar que havia só uma rota pela qual tal resultado poderia ser alcançado”18 (GARDINER,

2003, volume 1, p. 281).

17 De forma dialética, cujo significado não cabe discutir aqui. 18 Tradução minha.

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Essa regularidade ou padronização dos eventos permitiria que a história se tornasse

mais próxima de um conhecimento objetivo, baseado em fatos empíricos e verificáveis a

qualquer tempo. Para tanto não contribuíam as visões providencialistas, quer teológicas quer

não. Era preciso encontrar alguma maneira de desvendar as leis causais da história na própria

história (no estudo desta). E foi assim que pensadores como Saint-Simon e Comte procuraram

descobrir os segredos das transformações humanas olhando em outras direções que não o

simples fato histórico.

A busca por leis causais na história

“Busca na natureza e em tuas próprias forças aqueles

recursos que surdas divindades jamais poderão te dar.”

Barão D'Holbach , aristocrata franco-alemão e ateu convicto

As ciências naturais obtiveram durante o Iluminismo, como se sabe, um grande

sucesso. Para tanto contribuíram as descobertas de homens como Galileu, Kepler e Newton.

Esses três pensadores são, segundo a história da física tradicional, os responsáveis pela

passagem da civilização ocidental das trevas para uma nova era de conhecimento – uma

verdadeira revolução científica, se concordarmos com a abordagem de Thomas Kuhn em “A

Revolução Copernicana''. Mas podemos fazer algumas ressalvas aqui, uma vez que as

fronteiras entre a ciência e outras formas de pensamento do período são mais frágeis do que se

supunha. Os escritos alquímicos de Newton, descobertos em um leilão na década de 30

horrorizaram a comunidade cientifica de entã

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nos conduza imediatamente ao conhecimento da causa primeira, ele nos

aproxima dela e por essa razão deve ser sumamente valorizado". E até onde

podemos saber pela ciência o que é o Criador, ‘que poder Ele tem sobre nós

e que benefícios recebemos d'Ele, ficará evidente para nós, pela luz da

natureza, até onde vai o nosso dever para com Ele e o nosso dever uns para

com os outros’ ” (NEWTON citado por PLASTINO, 200219).

Mas isso não invalida sua maior contribuição para a ciência objetiva, que Plastino

ilustra da seguinte maneira: “em vez de presumir hipóteses sem nenhuma comprovação

experimental, é preciso consultar a própria natureza, realizar experimentos bem planejados e a

partir daí investigar as causas que engendram os efeitos” (Idem).

De qualquer forma esses teóricos “abriram as portas para a exploração ilimitada da

natureza, mostrando como o alcance de fenômenos físicos podiam ser acomodados e

unificados de esquemas com grande poder explicativo e preditivo”20(GARDINER, 2003, p.

volume 1, p. 281).

As leis científicas encontradas na época foram resultado não de uma concepção

teleológica da ciência, mas da determinação das circunstâncias detectáveis que permitiam a

ocorrência dos fenômenos, que ocorrem em seqüências uniformes e circunstâncias

específicas, e não por meio de forças misteriosas e indetermináveis (externas ou inerentes ao

objetos). Daí foi apenas uma questão de tempo para que os historiadores se fizessem a

indagação: Por que não usarmos os mesmos métodos das ciências para o estudo de problemas

psicológicos, sociais e, por conseguinte, históricos – e encontrar neles suas condições causais

de ocorrência? Não havia, até aquele momento, nenhum impedimento epistemológico para

fazê-los crer que o reino da natureza não opere da mesma forma que o reino da mente

humana. As ações humanas e os fatores que estão por trás delas devem poder ser submetidos

às mesma regularidades universais que acometem os objetos de investigação da física ou da

química – abordagem materialista.

Assim, o mecanicismo empirista e racionalista desses primeiros cientistas acabou se

19 Sem indicação de página, Jornal da Ciência de 05 de agosto de 2002, disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=3891. Acessado em 9 de abril de 2007. 20 Tradução minha.

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conjugando no materialismo francês do século XVIII. Bons exemplos são as obras “L'Homme

machine” (1748), de La Mettrie, e “Système de la nature” (1770) de Holbach21. Embora

essas contribuições tenham sido assim tão importantes, o maior passo em busca de uma maior

cientificidade na história seria dado com a união desta com a sociologia. As teorias sociais do

século XIX poderiam fornecer satisfatoriamente para a história respostas razoáveis a inúmeros

problemas, como os ligados às migrações sociais, ao poder do fato social, às questões de

gênero, ao comportamento das classes, etc. Dessa forma um indivíduo que age movido por

forças sociais torna-se mais previsível, e seus atos ganham um significado que transcende a

intenção individual e passam à esfera do coletivo, do social, e é precisamente essa

regularidade (padronização) que a história está buscando, e - uma vez que as causas

determinantes dos acontecimentos e transformações fossem encontradas - deveria ser possível

encontrar as leis que operavam dentro da história.

Mas o que fazia esses teóricos entusiastas da busca por leis históricas acreditar ser

possível encontrar nas questões humanas o mesmo grau de regularidade e precisão das

ciências naturais? Segundo as críticas mais recentes a essa questão é importante atentarmos

que muitas vezes essa abordagem mais científica da história pouco tem de semelhante aos

métodos científicos de pesquisa e formas de inferência. Em geral muitos desses historiadores

e teóricos tinham uma noção ingênua de indução, apenas enumerando alguns exemplos

“causais” e a partir daí tirando suas conclusões gerais. Na verdade incorriam no mesmo erro

o qual Aristóteles já havia alertado quando afirmou que a história nunca seria uma ciência -

pois não há ciência do particular, e no caso todos os eventos históricos são únicos. Sendo

assim, uma conclusão histórica teria de ser uma interpretação sólida do maior número

possível de elementos participantes da explicação de algum evento, como isso nem sempre

acontecia – encontrar uma série de evidências sólidas que corroborassem uma dada hipótese –

era comum que exemplos contrários às conclusões tiradas acabassem ignorados.

A noção de lei também era por vezes mal empregada, aplicando-se a tendências

particulares ou a processos de longo prazo, e não fornecendo assim elementos causais de fato.

Popper alerta que nesse caso a contestação não é possível, não sendo um conhecimento válido

– a mesma crítica que Popper fará de Marx e seu materialismo histórico. Outro problema

21 Que era alemão mas vivia em Paris.

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dessas teorias científicas da história é o fato de que as condições de estudo a serem

consideradas eram postas de forma bastante limitada, e em geral dava-se prioridade a fatores

específicos como o racial, meio-ambiente e conhecimento tecnológico. Gardiner coloca que

muitas teorias tinham caráter monista e pressupunham “um afiado contraste entre os agentes

causais aparentes ou meramente superficiais e a forças profundas cuja operação deve ser

atribuída em última análise à forma e sentido gerais tomados por fenômenos sociais

significativos”22 (GARDINER, 2003, volume 1, p. 282). Por sua vez, as justificativas para as

restrições impostas às condições consideradas relevantes não eram claras. Dois autores são

importantes para ilustrar este período: Henry Thomas Buckle e Karl Marx.

Buckle, autor da “História da Civilização na Inglaterra”, é um ótimo exemplo para

ilustrar o então recém-criado determinismo mesológico. Em outras palavras, esse historiador

inglês acreditava, assim como Taine, que o meio ambiente é um fator muito importante para o

homem, pois atua diretamente no desenvolvimento de seu instinto e racionalidade, permitindo

explicar a conduta humana por meio da correta identificação das condições naturais nas quais

esse comportamento é manifestado. Assim, a filosofia da história de Buckle defendia que do

estudo da natureza poderíamos encontrar leis para os fenômenos naturais e humanos23.

Mesmo no Brasil as idéias de Buckle tiveram bastante repercussão entre intelectuais como

Sílvio Romero, Euclides da Cunha (Buckle é citado em Os Sertões) e Capistrano de Abreu.

No mesmo período idéias vindas do evolucionismo tiveram uma aplicação semelhante às

idéias de Buckle. Spencer, por exemplo, sugeria com esquemas biológicos que a sociedade

caminha para a perfeição e que o progresso era uma necessidade própria da lei da progressiva

especialização da vida – o que acarretava que a história das ações humanas fosse uma forma

de ilustrar esse esforço da natureza e da sociedade em aperfeiçoar-se constantemente.

Buckle, impressionado com as obras de A. Comte e J. S. Mill, acreditava que as

ciências sociais seriam o trampolim da história para o mundo do conhecimento científico, e

dispôs-se a procurar os princípios que governam as nações. Ele questionava certas doutrinas –

sobretudo religiosas – que defendiam o livre arbítrio do homem. Para ele o homem não era de

todo independente em suas ações, mas cada ato normalmente teria de estar de acordo com

certas circunstâncias antecedentes a ele. Na sua interpretação, era da combinação do clima 22 Tradução minha. 23 Para maiores referências ver MURARI, 1999, p. 307-312

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com a alimentação e com o solo que surgia a originalidade dos diversos povos, pois tudo

obedecia a padrões de regularidade. Apesar de toda a sua erudição, Buckle não convenceu a

todos, e é acusado por alguns críticos de não ter sido muito original em muitas de suas

colocações, já em outras apresentava preconceitos mal fundamentados, como a idéia de que a

religião e os governos não são assim tão importantes para explicar os “assuntos humanos”. De

qualquer forma Buckle dava à história a missão de buscar a causalidade em consonância com

o estudo da natureza e do poder desta sobre o meio no qual o homem vive, sendo em grande

parte por ele determinado em seu modo de agir. Segundo Gardiner, outro problema de Buckle

era que “havendo provado para si mesmo que uma condição particular era necessária à

produção de algum resultado social, concluiu sem demora que também era suficiente”24

(GARDINER, 2003, volume 1, p. 282) gerando algumas confusões lógicas em seus trabalhos.

A visão de Marx tem um aspecto didático altamente sedutor, e daria à história um grau

de compreensão que poucos autores conseguiram, pois, segundo seu materialismo dialético,

todas as ações humanas eram interpretadas por um mesmo princípio. Marx pensava que havia

um determinante final para a história que repousava precisamente na relação do homem com

o seu meio e o trabalho empregado para sua subsistência. Assim, ao procurar satisfazer suas

necessidades e desejos, o homem organizava a sociedade e nela criava métodos de produção

que acabaram dando forma aos aspectos gerais da vida social e da experiência humana.

Certamente há muito para se dizer sobre a visão da história de Marx (o que não é o

objeto de estudo deste trabalho), mas poderíamos resumir sua visão de causalidade histórica a

partir da interpretação de causa econômica por ele fundada. Para ele a história deve ser

entendida pela base, ou seja, pela produção, organização do trabalho e disputas entre as

classes sociais (proletários e burguesia). Desta base – “estrutura” - teria origem (determinava-

se) toda a chamada superestrutura - religião, ética, instituições políticas, sistemas legais,

ideologias, etc.

Toda a transformação histórica teria origem nos conflitos sociais entre os

trabalhadores e os donos dos meios de produção, e inspirado na dialética de Hegel, Marx

acreditava que o próprio pensamento humano vinha da produção material e da relação do

homem com o material.

24 Tradução minha.

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Podemos ver alguns problemas nessa visão de história marxista. O primeiro deles é

creditar toda a superestrutura cultural aos aspectos econômicos da sociedade. Embora seja

uma teoria bastante forte e interessante do ponto de vista da construção da história econômica,

por exemplo, é duvidoso acreditar que tudo na história seja originado a partir desse princípio.

Assim como ocorre com outras formas determinísticas de escrita da história, em maior ou

menor grau, é extremamente diminuído o papel de figuras de relevância histórica no

marxismo. Como Marx interpretaria a sua própria importância na sociedade européia do

século XIX e XX? Como resultado da confluência de fatores que tem em última análise sua

origem na base econômica? Será que sua visão ética e política é oriunda da luta de classes?

Podemos testar essa hipótese empiricamente? Certamente que não.

Claro que essas pequenas críticas do parágrafo anterior nem de perto se assemelham à

crítica de Popper ao historicismo marxista. Em sua célebre obra A miséria do historicismo,

Popper afirma que a história não obedece a leis que, uma vez compreendidas, permitiriam

fazer previsões quanto ao futuro. Nada determinava a história, ela não possui um sentido ou

direção, e falar em leis históricas é uma contradição. Popper acrescenta que o historicismo (tal

como Marx sugeria) criava uma sociedade “fechada” com desprezo pelas liberdades

individuais. Mas uma das maiores críticas de Popper ao marxismo refere-se ao fato de que as

teses de Marx não são passíveis de teste genuíno com possibilidade de refutação25. E não

havia uma metodologia verdadeiramente científica na proposta de Marx, inviabilizando a

criação de modelos nas ciências sociais tal como ocorriam nas ciências naturais, como afirma

Popper.

Mas apesar de suas limitações e problemas, o marxismo deu grande ânimo para que os

historiadores suplantassem a chamada “história dos grandes homens” (famosa frase de

Carlyle) e se preocupassem com a historicidade do movimento das massas, entendendo que a

causalidade repousa na base econômica e na busca da subsistência. De qualquer forma a

defesa de que uma vez entendida a dinâmica da história com base nas relações produtivas

poderíamos encontrar o padrão da transformação histórica e prever o futuro é algo que no

mínimo pode ser encarado, para um cientista, como um estímulo ao ceticismo.

25 A possibilidade de se refutar uma teoria é um dos preceitos mais importantes, segundo Popper, para a criação do conhecimento científico propriamente dito.

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A visão pluralista da causalidade histórica

Como vimos, as sugestões apresentadas por Buckle e Marx pareciam sofrer do mesmo

problema de falta de precisão que acometia as teorias anteriores. De qualquer forma, o

princípio da causalidade dava à história um caráter de inteligibilidade e racionalidade de uma

forma superior às teleologias metafísicas antes apresentadas. Parecia ser esse o caminho para

a criação de uma história racional, e a presença de um princípio unitário para a história era um

desejo da grande maioria dos historiadores que não aceitava que a história fosse um conjunto

de eventos ao acaso. Sem tal princípio a história não passaria de “fluxos desordenados,

fortuitos e caóticos”26 (GARDINER, 2003, volume 1, p 283). Era quase consenso admitir que

sem princípios que sugerissem a atuação de forças sociais ou influência da natureza, ou

conjuntos materiais de qualquer tipo, a compreensão dos fenômenos históricos estaria no

âmbito daquilo que é aleatório e contingente.

Mas a aceitação de princípios como esses causava outros dilemas, como a justificativa

teórica para a prioridade dada a fatores de um tipo: no caso de Marx os econômicos, e no de

Buckle o meio natural. Uma visão pluralista da história procuraria utilizar-se desses

princípios, mas procuraria não conceder um status privilegiado a determinados fatores em

detrimento de outros. Assim, a escrita da história ganhava inteligibilidade e não se

comprometia, ao menos não com tanta ênfase, com certas ideologias filosóficas.

Outro dilema surgido nesse momento fazia referência ao papel desempenhado pelos

indivíduos na história. A ênfase na história política construída com base nas biografias de

grandes personalidades acabaria enfraquecendo a objetividade das explicações históricas -

uma vez que os acontecimentos acabam ganhando o aspecto de terem sido ocasionados por

caprichos pessoais ou voluntarismo. Já atribuir tudo a princípios como forças sociais acabaria

criando uma aura de fatalismo, no sentido de que as coisas tinham de se dar daquela maneira,

pouco restando ao indivíduo fazer.

O grande segredo procurado por todos era encontrar uma forma de se construir a

história de forma inteligível, racional e adepta de alguma noção de causalidade, sem com isso

anular os papéis individuais. Esse é na verdade um dos grandes embates da filosofia da 26 Tradução minha.

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história do século XIX em diante, encontrar respostas adequadas para o binômio

determinismo versus liberdade, e para tanto é necessário definir, ainda que imprecisamente, o

que se entende por causalidade na história. Será a noção de causa em história mesmo tão

similar a da utilizada nas ciências naturais?

Naturalmente a preocupação em se determinar o tamanho do abismo entre as ciências

naturais e as humanas foi acompanhada de uma revisão epistemológica dos termos utilizados.

Noções como causa, lei, teoria, etc., tinham de ser adequadas ao entendimento que se queria

dar para a história. É precisamente nesse ponto que as teorias substantivas da história teriam

de dar lugar a noções de caráter analítico.

As teorias analíticas da história

Como acabamos de ver, a noção de causalidade passou por algumas transformações ao

longo dos séculos. De origem claramente religiosa passou para o âmbito das ciências sociais e

procurou legitimar-se a partir da aproximação com as ciências naturais. Claro que essa

apropriação científica da história nem sempre veio acompanhada de uma reflexão profunda

sobre a nomenclatura utilizada, e algumas formas de inferência era bastante ingênuas. Isso fez

surgir certo ceticismo no que diz respeito à possibilidade da história científica. Afinal por

científico entendia-se a criação de leis e hipóteses às quais os fenômenos históricos pudessem

ser submetidos. Claro que essa transposição pura e simples não é evidentemente possível –

embora alguns empiristas lógicos, como Hempel – o tivessem tentado com bastante vigor. A

confusão de categorias que surgiu a partir daí convenceu-me de que o caráter lógico da

explicação em história – e suas conseqüências para problemas como o da liberdade,

determinismo e papel do acidental na história – tem de ser investigado criticamente, e é isso

que faremos agora. Para tanto, já saliento que serão importantes as análises das contribuições

dadas por Walsh, Collingwood, Carr e Dray.

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O desejo de explicar – um exemplo histórico

“A História como registro consiste em três estados,

tão habilmente misturados que parecem ser apenas um. O

primeiro é o conjunto dos fatos. O segundo é a organização

dos fatos para que formem um padrão coerente. E a terceira

é a interpretação dos fatos e do padrão”.

Henry Steele Commager, historiador norte-americano

Em 28 de junho de 1914 o herdeiro do trono austro-húngaro, Francisco Ferdinando,

foi assassinado pelo ativista sérvio Gravilo Princip. O assassino pertencia a uma organização

terrorista sérvia intitulada Mão Negra, que desejava a libertação da região da Bósnia para a

formação da Terra dos Eslavos do Sul, unindo-se à Sérvia que era independente.

Ferdinando estava na capital da Bósnia para observar de perto os seus futuros

exércitos e fundar um museu. Como era seu aniversário de casamento levou sua esposa Sofia,

contrariando o costume – ela normalmente não o acompanhava em cerimônias oficias por ser

oriunda de uma família nobre menos importante. A visita de Ferdinando foi tensa e sua

comitiva foi atacada por bombas. Escapando ileso decidiu ir ao hospital visitar os feridos. Na

saída seu motorista pegou um caminho errado e Princip que observava a situação aproveitou-

se do momento oportuno e atacou o carro de Ferdinando desferindo dois tiros de pistola. Um

atravessou o carro e atingiu Sofia no abdômen e o outro atingiu Ferdinando no pescoço.

Ambos morreram. Princip tentou se suicidar tomando uma cápsula de cianureto e depois com

sua arma, mas não conseguiu e acabou preso. Durante os interrogatórios Princip e outros

ativistas presos permaneceram em silêncio, mas Danilo Ilić confessou que as armas usadas

vieram do arsenal militar sérvio.

Inicialmente o assassinato motivou grande simpatia na Europa pela perda austríaca, e

o governo de Viena entendeu que o assassinato representava um atentado da Sérvia. Após

assegurar o apoio alemão, a Áustria acusou a Sérvia pelo assassinato e deu-lhe um ultimato

para que uma série de demandas fossem cumpridas (“Ultimato de Julho”), algumas das quais

feriam a soberania sérvia. A Sérvia acabou concordando com quase todos os pontos, menos

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um, que permitia a agentes austríacos a execução de inquéritos em território sérvio. Essa

recusa motivou o Império Austro-Húngaro a declarar guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914.

A seguir, devido à política de alianças entre as nações temos o chamado efeito-dominó, pois a

Sérvia era aliada da Rússia e a Áustria aliada da Alemanha. Isso fez com que em pouco tempo

as Tríplices Entente e Aliança entrassem em guerra, e um pouco depois outras nações

entrariam e sairiam do conflito, caracterizando uma guerra mundial.

O presente texto apresenta o elemento primoridal da historiografia: a narrativa e

descrição de um fato histórico, a morte de Ferdinando, e a cadeia de acontecimentos que se

seguiu a partir deste fato. Claro que um simples cronista estaria satisfeito em simplesmente

apresentar, em detalhes, os acontecimentos ocorridos em 14 de julho e não problematizá-los.

Mas também podemos dizer, assim como Voltaire, que “Se você nada tem a dizer-nos, salvo

que um bárbaro sucedeu a outro nas margens do Oxus e do Iaxarte, que importância tem isto

para nós?” (VOLTAIRE, citado por CARR, 2002, p. 122). Se o cronista de nossa história

inicial fosse um elemento perspicaz diria ele que a morte de Ferdinando, como se pode ver no

texto, é o elemento causal da Primeira Guerra Mundial. Embora tal explicação simplória não

satisfaça mais a curiosidade historiográfica, durante anos os livros “didáticos” legaram ao

exposto crime grande responsabilidade pelo conflito.

Caso nosso cronista além de perspicácia fosse também munido de uma metodologia de

trabalho historiográfico, além de narrar o tema ele procuraria interpretá-lo, ilustrando o

assassinato à luz dos nacionalismos do período, e colocando a vítima como o elemento que

despertou a fúria entre as duas nações: austríacos e sérvios. Mas isto não responderia uma

série de questões que poderíamos chamar de a busca da explicação histórica. Por exemplo:

por que o assassinato de Ferdinando deu início à Guerra? Terá sido apenas esse fato isolado

que desencadeou o conflito? Teria o assassino noção das conseqüências de seu ato? Por que a

guerra entre austríacos e sérvios deu origem a um sistema chamado de “efeito-dominó” que

culminou com o advento de uma guerra de enormes proporções? Por que havia disputas

imperialistas entre as nações européias? Por que os nacionalismos se reforçaram a partir do

início do século?, etc.

A busca para as respostas a tais perguntas incide, invariavelmente, em buscar as

causas que explicam o conflito (ou seja, a resposta que se busca tem uma natureza causal

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particular). Vejamos o que seria uma boa resposta causal.

Durante o século XIX, após a chamada 2ª Revolução Industrial, as potências européias

iniciaram um processo de expansão e domínio militar da África e da Ásia denominado de

Imperialismo. De fato o centro das atenções do mundo no século XIX e início do XX era a

Europa, que era a maior exportadora de produtos industrializados e importadora de matérias-

primas.

Assim, Inglaterra e França rivalizavam com a recém-unificada Alemanha (1871), que

crescia industrialmente a ritmo espantoso e pretendia aumentar suas áreas coloniais e zonas de

influência, ameaçando assim a hegemonia das duas primeiras.

Além da rivalidade exposta, outros fatores (que alguns historiadores chamam de

causas) explicam a guerra:

- Concorrência econômica: as potências industrializadas buscavam impedir o

crescimento econômico dos seus adversários, os maiores rivais foram: Inglaterra e

Alemanha.

- Disputa colonial: disputa entre as potências por áreas coloniais na África e na Ásia,

característica básica do capitalismo monopolista que queria mão-de-obra barata,

matérias-primas e mercados consumidores.

- Nacionalismos: dentro do continente europeu surgiram movimentos de forte teor

nacionalista que desejavam agrupar determinadas regiões territoriais e formar assim

um Estado grande e forte que contivesse pessoas de uma mesma etnia e cultura. Foram

dois os principais: Pan-eslavismo, que liderado pela Rússia queria a união de todos os

povos eslavos da Europa Oriental, sobretudo aqueles que estavam sob o domínio do

Império Austro-Húngaro; Pan-germanismo, que liderado pela Alemanha desejava a

união de todos os povos germânicos da Europa Central.Também foram nacionalistas

movimentos de países como Grécia, Macedônia, Sérvia, Bulgária, Polônia, que

questionavam a dominação mundial exercida pelos grandes impérios.

- Revanchismo francês: a França foi derrotada pelos alemães em uma guerra em 1870.

O resultado do conflito para a França foi a perda da região da Alsácia-Lorena, rica em

minério de ferro e carvão, além de importante culturalmente. Os anos que se seguiram

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à vitória alemã fizeram com que muitos franceses alimentassem o desejo de uma

revanche, ou seja, uma nova guerra com a Alemanha para recuperar os territórios e

também o orgulho pátrio ferido.

- A crise do Marrocos: Entre os anos de 1905 e 1911 quase houve de fato o já esperado

conflito entre França e Alemanha, mas desta vez motivada pela disputa da região do

Marrocos, no norte da África. O conflito foi evitado com uma conferência

internacional na cidade espanhola de Algeciras, que decidiu que à França caberia o

controle do Marrocos e à Alemanha o domínio de uma pequena região colonial no

sudoeste africano. Inconformada com a decisão da conferência a Alemanha continuou

a fazer pressão, até que em 1911, devido aos novos conflitos, a França cedeu parte do

Congo francês ao seu rival.

- A crise balcânica: Dentro da Europa um dos locais mais gravemente atingidos pelas

crises internas foi a Península Balcânica, pois ali se chocavam os interesses do pan-

eslavismo sérvio e a expansão do Império Austro-Húngaro, que em 1908 anexou a

Bósnia-Herzegovina acabando com os planos sérvios de formação da Grande Sérvia,

uma vez que na região moravam muitos povos eslavos. Vários grupos sérvios

passaram a promover atentados contra os austríacos, e um deles acabaria sendo o

estopim para o conflito.

Certamente há inúmeros outros eventos e fatores envolvidos com o problema em

questão, muitos que nem podem mais ser conhecidos, mas o historiador, assim como o

cientista, não se utiliza de todos os dados ao seu alcance, atém-se ele aos que considera mais

relevantes para a confecção de uma explicação funcional sobre a guerra. Assim, a Primeira

Guerra Mundial foi ocasionada por esse conjunto de causas. Como a guerra já era temida há

anos e a possibilidade de vir a acontecer era bastante plausível para o governo das nações

envolvidas, eis que estas decidem se unir em grupos para se proteger. Poderíamos até dizer

que a formação de grupos em busca da sobrevivência é reflexo de uma lei biológica – a luta

pela sobreivência – com uma característica psicológica e social humana – viver em bandos ou

grupos. Mas por hora deixemos esta questão de lado.

Simplesmente atribuir uma lista de causas para a guerra ainda não formaria um

argumento consistente para explicá-la. Ao historiador responsável por uma defesa de

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qualidade de suas teses caberia agora inserir esse conjunto de causas em um sistema

explicativo que as relacione entre si e as classifique em uma hierarquia, indicando qual causa

é mais e qual é menos pertinente ao fenômeno estudado: no caso a eclosão da Primeira Guerra

Mundial. Espera-se que os aspectos relativos à interpretação das evidências não invalide a

natureza causal da explicação, buscando por objetividade e lógica argumentativa.

Pela forte ligação que a historiografia tem com os aspectos econômicos e produtivos,

poderíamos classificar a guerra como o resultado imediato do capitalismo monopolista que se

consolidou ao final do século XIX e início do século XX, que colocou as nações como meras

e vorazes competidoras. Depois, relacionaríamos em ordem decrescente de importância os

nacionalismos e os problemas dos austríacos com os sérvios de seu território, e por fim

falaríamos do sistema de alianças. Essa ordenação parece satisfazer a ordem cronológica dos

acontecimentos e privilegia as causas mais gerais em detrimento das mais específicas, uma

complementando a outra.

Diante de uma exposição assim sistematizada a morte de Ferdinando, embora seja um

fato histórico de conseqüências relevantes, parece não representar uma explicação causal

completa para o conflito, sendo antes o mero acontecimento ‘chave’ para que várias forças

causais atuassem. Ou melhor, o assassinato responderia satisfatoriamente apenas a pergunta:

Por que foi precisamente em julho de 1914 que a guerra teve início? Seu poder explicativo

seria extremamente restrito. Diante da complexidade de causas apresentadas, o crime se

mostra apenas como o estopim de um conflito que já estava prestes a explodir.

Mas por que as outras causas se mostram mais importantes em nossa hierarquia?

Porque poderiam ser aplicadas em outro contexto similar, e nos forneceriam uma resposta

funcional para o problema. Por exemplo: se o capitalismo retornasse a operar segundo

monopólios, e os Estados Nacionais voltassem a se fortalecer, os antagonismos internos e

antigas rixas cresceriam, e poderiam dar origem a uma guerra. Já o assassinato de um herdeiro

ao trono, isolado de qualquer outro contexto, não forneceria por si só um elemento que nos

desse a capacidade de tentar prever um conflito de grandes proporções. Desse modo, a

importância do estudo da história reside em sua utilidade na compreensão das transformações

humanas que formam o mundo presente, e na descrição inteligível e racional do

comportamento dos agentes históricos, evidenciando o que os motivava.

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Principalmente com o surgimento da “Nova História”, no início do século XX, e da

Escola dos Annales, a noção de causalidade se transformou a partir da aproximação da

história com as ciências sociais. Claro que dentro do seu grande rol de historiadores há

aqueles que procuraram fugir um pouco da noção de implicação causal direta, mas outros

foram até mesmo acusados de adotarem algum tipo de determinismo, como o geográfico no

caso de Braudel em “O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Filipe II”27.

Ao longo do século XX cresceu parelelamente a todas essas escolas historiográficas o

medo de que a historiografia se prendesse ao determinismo, e que com isso anulasse-se o

papel do sujeito enquanto um agente livre, atuante e dotado de livre-arbítrio. Daí a crítica a

Braudel que teria escrito uma história sem homens, apenas ‘prisioneiros’ do espaço

geopolítico e das transformações de longa duração. O historiador contemporâneo prefere

explicar a Primeira Guerra Mundial utilizando-se de expedientes como: as motivações para o

conflito, ou ainda se perguntando como ele ocorreu?, ao invés de por quê?. Outro recurso

utilizado é o de desenvolver uma narrativa que apresenta a lógica interna entre os fatos

históricos. Talvez sem saber, todas essas tentativas de fugir ao determinismo são na verdade

“rodeios” em torno da questão central: por que houve a guerra e como posso explicá-la?

Durante muito tempo, em especial nos séculos XVIII e XIX, os filósofos esforçaram-

se em buscar explicações causais universais para os acontecimentos, pois toda guerra ou

revolução, por exemplo, acontecia (acreditavam eles) conforme uma lógica que é própria à

guerra ou à revolução, e que deve estar presente, de uma forma ou de outra, em todas elas.

Dizia Montesquieu que os homens não eram governados apenas pelas suas fantasias, e que o

comportamento humano poderia ser compreendido se atingíssemos compreender as leis

comportamentais que se derivam da própria natureza das coisas. Começava assim uma longa

busca por leis históricas, de cuja utilidade epistemológica tratarei mais à frente.

De todo modo, nomológicos ou não, os acontecimentos históricos só pareciam ser

passíveis de explicação se submetidos a uma incessante busca por evidências e provas

empíricas que apontem suas causas. Essa análise poderia ser feita combinando a explicação

historiográfica às leis da mecânica, da química ou da biologia.; ou mesmo procurando um

elemento causal de ordem metafísica – um indelével e inevitável destino que norteia as ações

27 Ver BURKE, Peter. 1990, p. 53-55.

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humanas – ou uma teleologia da história. Apenas anos mais tarde (séc. XX) a historiografia

procuraria afastar-se da metafísica e das comparações com as ciências naturais. Qualquer que

fosse o caminho a ordenação de causas e efeitos parecia ser de utilidade inquestionável,

contudo, algumas noções, como a de lei, não parecem ter nunca se ajustado bem ao

vocabulário do historiador.

Aspectos lógicos da causalidade

“A vida só pode ser compreendida olhando-se

para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para

frente.”

Soren Kierkegaard, teólogo e filósofo dinamarquês

Quando o historiador busca pelas causas, parece bastante lógico que o que ele quer é

encontrar relações entre fatos obsevados e fazer uso deles para fundamentar sua

argumentação. Contudo, voltemos à pergunta: o que é afinal uma causa? Como podemos

compreendê-la no seu sentido epistemológico atual?

Este problema tem tomado o tempo dos filósofos desde David Hume, no século XVIII.

Elliot Sober, em sua obra “Core Questions in Phylosophy” (2000), coloca que o ato de

acender um fósforo traz consigo a questão: o que causou seu acendimento? Ele sugere que o

ato de riscá-lo na caixa, como diria a maioria, não é a única causa envolvida, era necessário

que o fósforo estivesse seco e houvesse oxigênio como comburente no recinto. Segundo

Sober, uma causa não tem de ser uma condição suficiente para o seu efeito. Através desse

simples exemplo podemos perceber que a causa se divide em dois tipos: necessária e

suficiente.

Necessária: Se x é causa necessária de y, então podemos inferir que a ocorrência de x

permitirá a ocorrência de y. Contudo, a relação inversa não é verdadeira, a presença de y não

leva x a ocorrer.

Suficiente: Se x é causa suficiente de y, então a simples ocorrência de x levará

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invariavelmente y a acontecer. Novamente vale lembrar que a presença de y não conduz à

ocorrência de x.

Voltando ao exemplo do fósforo podemos dizer que riscá-lo na caixinha é uma

condição suficiente para o seu acendimento, mas esta causa sozinha não explica o fenômeno,

ela opera em conjunto com outras. E mais, o fósforo poderia ser acendido por caminhos

alternativos, usando uma lente solar, por exemplo, tornando o ato de riscar desnecessário.

Sober levanta assim sua segunda afirmação sobre a causalidade: “por vezes as causas não são

condições necessárias para os seus efeitos”.

Se fizéssemos uma pesquisa criteriosa acerca da causalidade no acender do fósforo

concluiríamos que uma causa isolada não explica satisfatoriamente o acendimento do fósforo,

visto que desejamos compreender o fenômeno dentro de todas as suas circunstâncias

(históricas até) envolvidas. Interessa saber como foi seu acendimento, quem o fez, qual sua

motivação, etc.

J. L. Mackie, falecido filósofo australiano, alerta que o uso trivial do termo causa

muitas vezes se refere a partes insuficientes e não redundantes de causas não necessárias mas

suficientes. Em seu exemplo ele coloca que um curto-circuito de um sistema elétrico pode ser

colocado por muitos como a causa da casa ter pegado fogo. Mas um perito em incêndios não

estaria satisfeito simplesmente apontado o curto-circuito, mas ele faria uma descrição

completa de outros fatos envolvidos com a destruição da casa: a proximidade de material

inflamável com os circuitos elétricos, a ausência de um sistema anti-chamas, etc. Reunidas em

uma coleção as causas não são necessárias (uma vez que outra poderia ser a causa do

incêndio) mas suficientes para explicar a destruição da casa. Segundo Mackie28, o curto

circuito é uma parte insuficiente e não-redundante (INUS29) da coleção de causas que levou a

casa a se incendiar – ou seja, o curto-circuito sozinho não iria causar o incêndio, mas dentro

desse conjunto de causas envolvidas o fogo não teria iniciado sem ele. O que Mackie quer

dizer é que neste caso específico o curto-circuito pode ser apontado como a causa do 28 Ver MACKIE, J. L. Causes and conditions - American Philosophical Quarterly, 1965. In. KIM, J; SOSA, E. (Orgs.). Methaphysics – an anthology. Oxford: Blackwell, 1999. 29 Rodolphe Durand definiu a expressão do seguinte modo: “An INUS condition is an insufficient but necessary part (conjunction) of the factor that produces the effect; that factor being non-necessary but sufficient (disjunction) to produce the effect”. Ver DURAND, R., 2002, p. 868.

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incêndio, mas que sua simples ocorrência em outro contexto não pode nos levar a simples e

óbvia conclusão de que dele se seguiu um incêndio. Seu estudo de caso refere-se a uma

ocorrência em particular, assim como a pesquisa em história o faz.

Da mesma maneira fica evidente que o assassinato de Sarajevo também, isoladamente,

não explica a guerra, mas em conjunto com os outros elementos causais apontados acaba

funcionando como o estompim que “acendeu” o conflito. Parafraseando Judea Pearl (2000), a

causa isolada é um acontecimento necessário do conjunto suficiente que se quer atingir.

A defesa do livre-arbítrio - considerações sobre o determinismo

“Determinismo... significa... que, os dados

sendo o que são, o que quer que aconteça acontece

definitivamente e não podia ser diferente. Afirmar

que podia significa apenas que poderia se os dados

fossem diferentes.”

Stanley Walter Alexander, jornalista britânico

Falar em causas dos acontecimentos históricos significa necessariamente caírmos no

determinismo? Voltemos ao caso de Ferdinando. Os disparos feitos por Princip atingiram

mortalmente o arqueduque. O puxar do gatilho disparou além do projétil fatal, toda a lógica

de acontecimentos que levou inevitavelmente o mundo à guerra:

1. Ferdinando é assassinado;

2. as autoridades austríacas capturam os criminosos e descobrem sua nacionalidade

e objetivos;

3. o mundo se compadece diante da tragédia e a Alemanha garante o apoio à

Áustria;

4. a Sérvia recusa as imposições austríacas;

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5. a Áustria-Hungria declara guerra à Sérvia;

6. a política de alianças entre as nações dá origem ao “efeito-dominó”.

Do ponto de vista determinístico o atentado de Princip, uma vez bem sucedido, tinha

de levar necessariamente ao conflito. Ainda que outras atitudes tivessem sido tomadas pelas

autoridades de ambos os lados a guerra não poderia ser evitada. Seria lógica uma explanação

historiográfica que fizesse uso de tais argumentos? Ou melhor, qual seria a utilidade de tal

teoria? Resposta: a mesma que a de um fatalismo do tipo ‘tinha de ser assim’, ou ainda mais

grave, ‘deve ser obra da providência divina’. Ou seja, de pouca ou nenhuma valia para a

escrita da história.

Nas palavras de Carr, o determinismo é a “crença de que tudo o que acontece em uma

causa ou várias causas, não podendo ter acontecido de outro modo, a menos que algo, na

causa ou nas causas, também tivesse sido diferente” (CARR, 2002, p. 127).

Dessa forma a questão do determinismo refere-se à possibilidade, ou não, de

explicarmos o comportamento humano, e talvez isso explique a recorrente necessidade

historiográfica de se recriar a psiché ou o caráter das personalidades históricas estudadas, por

mais subjetivo que isso possa parecer30. Aceita-se, assim, que as ações humanas (ao menos a

maioria delas) não são obra do acaso, mas também obedecem razões (motivações, não leis).

Certamente que a causalidade histórica não pretende conduzir ao determinismo.

Collingwood, em sua obra “A Idéia de História”, sugere uma solução para o problema. Ele

acreditava que o emprego da linguagem causal na História fora uma contribuição das ciências

naturais, contudo, o filósofo britânico não entendia que a formulação de um juízo causal

histórico é epistemologicamente falsa, apenas que seu sentido (de causa) é mais amplo. A

sugestão de Collingwood é a de que a história se utiliza da noção de causa de uma forma

especial, pois as causas (razões) são forjadas a partir das atitudes de pessoas conscientes e

dotadas de livre-arbítrio (acontecimentos não-naturais). O mesmo não acontece com as

ciências naturais, que têm no estudo das causas a investigação de elementos naturais e de

fenômenos que se repetem.

30 Isso está relacionado com a noção de causa intencional, como veremos.

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Assim, a causa do assassinato de Ferdinando foi, sobretudo, a motivação nacionalista

de Princip, que julgava estar ajudando a libertar a nação eslava do domínio austríaco.

Identificar a causa para seu ato significa fornecer o motivo que ele tinha para agir, como diria

Collingwood. No caso do exemplo de nosso ativista sérvio, a causa foi o conjunto de

elementos que o compeliram ou impulsionaram a preferir agir deste modo, estando o agente

livre para agir diferentemente do que agiu. O mesmo pode ser dito das autoridades austríacas,

que diante da gravidade da situação se sentiram compelidas à impor a Sérvia um ultimato.

Na noção causal de Collingwood fica claro que o entendimento de impulso ou

compulsão está associado à liberdade de ação do indivíduo, não uma liberdade entendida

como o contrário de coerção, mas como o resultado da vontade ou auto-determinação do

agente histórico. Segundo Collingwood a noção de causa utilizada pelos historiadores é ou

uma imitação das ciências naturais, quando ele tenta dar explicações com base na estrutura

social ou organização econômica, ou então sinônimo de ‘razão’, quando quer simplesmente

apresentar o motivo pelo qual seu agente se portou daquele modo.

Assim, segundo essa interpretação, a causa é apresentada como condição suficiente

para o acontecimento em questão31, mas isto não significa dizer que sem a ação (o crime) a

guerra não aconteceria de nenhum outro modo. Na versão de Collingwood, a ausência dessa

causa apenas não mais fornece um bom motivo para a ação. Contudo, um bom historiador

encontraria ainda no ano de 1914 uma série de outros bons motivos ou causas necessárias para

a guerra. Voltando à questão do determinismo, Dray lembra que, aludindo a Collingwood,

falar em uma causa como condição suficiente não significa dizer que, se ela se manifestasse a

ação teria obrigatoriamente de ter lugar. O emprego de tal noção teria por objetivo tornar a

própria ação como racionalmente exigível. Em outras palavras dizer o porquê de ter sido

assim.

Collingwood admite que a causalidade diminui a liberdade e a responsabilidade

histórica do sujeito, mas acredita que as causas são reduzidas, no sentido histórico, às razões

de pensamento do agente histórico (indivíduo) que o levam a desejar mais agir daquele modo

e menos de outro. Contudo, não se deve entender que a causa é maior do que a liberdade de

31 No caso o nacionalismo de Princip ppderia ser a causa necessária para o assassinato de Ferdinando, e o crime em si a causa necessária da Primeira Guerra Mundial

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de uma nova erupção, por exemplo.

Penso que o determinismo desaparece no mesmo instante em que ampliamos o

inquérito historiográfico para o aspecto humano, pelas atitudes dos agentes e suas motivações.

Teorias tomadas de empréstimo de outras áreas do conhecimento são apenas úteis à

historiografia na medida em que contribuem para a investigação de questões amplas e de

natureza mista: histórico social, histórico-antropológica, histórico-geográfica, etc. No caso da

história temos apenas descrições de eventos particulares, e vagas referências a aspectos gerais,

como certas regularidades estatísticas, não cabendo o uso de teorias que conduzem ao uso de

leis. Assim, ao explicar uma dada conduta do agente o historiador não determina que tenha de

ser assim, mas torna racionalmente aceitável que assim o fosse, e simplesmente isso. Não há

porque temer o determinismo dessa maneira.

Apesar de serem satisfatórias as soluções apresentadas temos que os historiadores

ainda permanecem comprometidos com o desejo de salvar o sujeito e o seu livre arbítrio. A

questão é ainda mais abrangente, e refere-se à relação entre a liberdade e o determinismo.

Voltando a obra de Sober, podemos afirmar que quando reunimos todas as causas, necessárias

e suficientes, que levaram o fósforo a se acender então podemos afirmar que a ocorrência

daquela coleção de causas garante, sempre que acontecer, o acendimento do fósforo. Em

outras palavras, a descrição completa das causas garante univocamente a ocorrência dos

eventos conseqüentes (determinismo). Dado o estado de coisas envolvendo o fósforo, este não

tem outra opção senão acender-se.

Claro que muitos defenderiam que um fósforo não é dotado de livre arbítrio, e por isso

sua suscetibilidade ao determinismo é infinitamente maior do que a de um ser humano. A

sedutora idéia do existencialismo33 é a de que compreender o universo como uma cadeia

ordenada de eventos que se seguem em seqüência a partir de uma relação de causa e efeito

empobrece a grandeza das ações humanas, e por isso mesmo não devemos cair no

determinismo. Os filósofos incompatibilistas afirmam que não pode ocorrer livre-arbítrio em

um mundo determinístico, contudo, os compatibilistas sugerem que sim. Em termos de

pesquisa histórica podemos dizer que Carr e mesmo Collingwood procuram compatibilizar a

33 Entendido aqui de forma bastante geral, no sentido de que não precisa haver um sentido prévio para a existência.

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ação humana com os elementos sobre os quais ele não possui controle. Isso acontece

precisamente porque nem todas as ações são verdadeiramente livres. Sober fornece um

interessante exemplo em “Liberdade, Determinismo e Causalidade”34, ainda que de natureza

mais jurídica do que histórica, é verdade:

“Vejamos o caso de Patty Hearst. Herdeira de uma fortuna

conseguida com jornais, Hearst foi raptada e violentada mental e

fisicamente pelos seus raptores durante vários meses em 1974. Em seguida,

participou com eles no assalto a um banco. Foi apanhada e levada a

julgamento.

Nunca houve qualquer dúvida quanto a Hearst ter ajudado a assaltar

o banco. A questão era saber se o tinha feito de livre vontade. Os advogados

de defesa tentaram estabelecer que Hearst não tinha livre-arbítrio no

momento em que o fez. Argumentaram que os seus raptores tinham de tal

modo distorcido as suas faculdades mentais que ela se tornara um simples

joguete em suas mãos. As suas ações eram a expressão dos desejos deles,

não dos seus, segundo defenderam. A acusação tentou mostrar que Hearst

era um agente livre, argumentando que embora tenha sido violentada,

participara de livre vontade no assalto ao banco” (SOBER, 200035).

Embora a acusação tenha ganhado o caso e Hearst tenha sido condenada, parece

indubitável que a pressão das circunstâncias induziu a ré a agir de forma diferente de como

teria agido não fosse aquela pressão. Claro que também poderíamos concluir que outra pessoa

talvez não tivesse agido assim, ao que a defesa replicaria que esta pessoa não foi vítima de

uma lavagem cerebral bem sucedida tal como acontecera a Hearst. O problema do porquê da

‘lavagem cerebral’ ter sido bem sucedida neste caso já é uma outra questão, e novos

elementos causais deveriam ser pesquisados, levando a busca pela resolução completa da

causalidade – o que sabemos ser impraticável. Historicamente falando não podemos encontrar

aqui uma lei que afirme que uma vez aplicada uma lavagem cerebral em alguém este irá agir 34 In “Core Questions in Philosophy”. Prentice Hall, 2000. 35 Sem indicação de página, excerto traduzido por Paulo Ruas e disponível em: http://criticanarede.com/eti_livrearbitrio.html. Acessado em 5 de fevereiro de 2007.

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segundo lhe ordenam, no caso assaltando um banco – não é algo fadado a acontecer.

Parece-me acertado dizer que a lavagem cerebral de Hearst é uma causa insuficiente e

não-redundante para o conjunto de causas que explicam o assalto (INUS – “insufficient but

non-redundant part of an unnecessary but sufficient condition”), visto que é possível que

Hearst desejasse assaltar um banco (como um sonho reprimido por sua moral) e que a

lavagem cerebral atuasse apenas como uma motivação a mais para isso. Dessa forma a

explicação determinística não explica todas as ações humanas (e nem poderia), mas procura

dar plausibilidade a eventos que de outra forma ninguém explicaria: no caso uma pessoa

honesta (provavelmente) se juntar a seus torturadores e ajudá-los a cometer um crime.

Vejamos agora um exemplo histórico: A fuga de D. João VI para o Brasil em 1808.

As guerras napoleônicas acabaram por colocar boa parte da Europa sob domínio direto

ou indireto de Napoleão Bonaparte. Os países que resistiam à França também o faziam como

uma forma de preservar suas monarquias nacionais, visto que o império francês simbolizava a

República e a burguesia no poder. As principais nações do continente acabaram sendo

dominadas por Napoleão, como a Áustria, a Prússia e a Rússia. Apenas um país conseguiu

opor-se de forma vitoriosa a Napoleão: a Inglaterra. De fato, por ser uma ilha e estar protegida

pela mais eficiente força naval do mundo, os ingleses estavam fora do alcance do quase

invencível exército francês. Após a batalha de Trafalgar (1805), vencida pelos ingleses

comandados pelo almirante Nelson (ferido mortalmente na batalha), as investidas

napoleônicas sobre a Inglaterra mudaram de natureza.

Como a França tinha a supremacia colonial, a nova estratégia contra a Inglaterra seria

uma espécie de embargo comercial, chamado na época de Bloqueio Continental (21 de

novembro de 1806). A idéia era proibir todas as nações européias, e suas respectivas colônias,

de fazer negócios com a Inglaterra ou mesmo de deixar que os navios daquela nação

adentrassem em seus portos, destruindo ou ao menos desorganizando a sua economia (este

tipo de estratégia é utilizada ainda hoje, se pensarmos no embargo americano a Cuba, com

uma natureza histórica completamente diversa é claro).

Mas o Bloqueio Continental não funcionou, e podemos entender o malogro por duas

razões/causas:

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1ª. A indústria inglesa, pioneira da Revolução Industrial, altamente organizada e

mecanizada, possuidora de uma lógica fabril eficiente e dinâmica, supria boa parte do mundo

civilizado com seus produtos. O Bloqueio criou um grande vazio na questão da oferta de

produtos industrializados, vazio este que deveria ser preenchido pela indústria francesa, muito

mais débil e desorganizada. Talvez Napoleão tenha superestimado sua própria capacidade

produtiva, e isto fez com que seu embargo fosse inviável, ao menos naquele momento.

2ª. Para que o Bloqueio funcionasse era necessária a adesão de todas as nações do

continente, não poderia haver nenhum laço entre a Europa Continental e as Ilhas Britânicas.

No entanto, como já vimos, havia um país europeu cuja economia era bastante dependente da

Inglaterra: Portugal. O Brasil, como colônia portuguesa, viu grande parte de seus recursos

naturais e minerais indo pararem nos cofres ingleses, resultado da política de influência que

estes últimos desempenhavam sobre o Império luso. Assim, Portugal relutava em aderir ao

Bloqueio Continental, e a França ordenava que, além de se romperem os laços comerciais, os

lusitanos deveriam prender os súditos ingleses em seu território e confiscar-lhes os bens, caso

contrário a França invadiria Portugal.

A situação portuguesa era bastante desconfortável, de um lado a Inglaterra, de quem

era economicamente dependente e de quem importava tudo o que ela e suas colônias

precisavam, do outro, o mais imbatível exército do mundo impondo-lhe um ultimato. Qual foi

a decisão tomada por D. João VI? Postergar a decisão o máximo possível. Afinal, para

Portugal estava em risco tanto seu sistema colonial como sua soberania.

O historiador Sérgio Buarque de Holanda alerta para outro problema, o sentimento de

inferioridade que Portugal tinha em relação às demais nações européias. Na verdade, sua

importância ultramarina calcava-se basicamente no domínio do Brasil, sendo este sua

verdadeira tábua de salvação. Assim, começava a circular a idéia da formação de um Império

luso-brasileiro, com a mudança da corte para o Brasil.

“...o luxo da Corte não apaga no reino a consciência da inferioridade

dentro do velho continente. Portugal está cansado de ser pequeno, e,

reatando a antiga vocação transmarina pela voz de alguns expoentes, toma a

consciência de que pode ser muito grande...” (Sérgio Buarque de

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Holanda36).

A idéia da vinda da família real portuguesa para o Brasil interessava à Inglaterra, pois

assim haveria a possibilidade da marinha inglesa usar os portos brasileiros e ficaria mais fácil

fazer seus produtos chegarem à região do rio da Prata. O ponto de vista britânico foi

comunicado a D. João VI pela presença de Lorde Strangford, um diplomata inglês que

possuía uma forte influência na corte lusa. Nas palavras de Oliveira Lima, Strangford “foi um

desses diplomatas (...) que a Inglaterra costuma exportar para certos países; que têm mais de

protetores do que de negociadores, e que impõem com mais brutalidade do que persuasão o

reconhecimento egoísta dos interesses dos seus concidadãos e de sua nação” (citado por

KOSHIBA; PEREIRA, 1992, p. 133).

Atendendo aos interesses ingleses, apesar de haver setores portugueses favoráveis à

França, foi assinada em 22 de outubro de 1807 uma convenção entre a Inglaterra e Portugal

que previa entre outras coisas:

- a transferência da Coroa para o Brasil;

- a entrega da esquadra portuguesa para os ingleses;

- a entrega da ilha da Madeira aos ingleses;

- conceder um “porto livre” para os ingleses, de preferência em Santa Catarina, devido

à proximidade com o rio da Prata;

- a assinatura de novos tratados comerciais vantajosos para a Inglaterra após a

transferência da corte.

Mas Portugal não seria a única a se movimentar no cenário diplomático, França e

Espanha assinaram no mesmo ano o tratado de Fontainebleau, planejando invadir Portugal e

dividir suas colônias entre si.

De fato, a fuga para o Brasil parecia ser a melhor solução para a Corte, não fosse o

fato de que deixaria o povo português abandonado à mercê das tropas de Junot. Tal covardia

36 Ver A Corte no Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Sem indicação de página, disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/bloqueio_continental.html. Acessado em 7 de maio de 2007.

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Em termos probabilísticos parecer-me-ia mais justo, tanto com o próprio D. João VI

quanto com a história, dizer que a conjuntura européia das guerras napoleônicas aumentou as

chances do monarca decidir-se pela fuga (há aqui claramente a identificação de uma causa

que não é determinística), minimizando sua covardia, mas não o redimindo de todo. Se fosse

levado a julgamento é bem possível que a população portuguesa da época, que sofreu a

intervenção de um líder estrangeiro durante anos, o considerasse culpado.

Um historiador corajoso poderia até dizer que a invasão do temido exército

napoleônico, por si só garantiria uma causa suficiente para a fuga, mas essa é em geral uma

manobra muito arriscada, visto que D. João poderia se decidir a ficar. Seria mais prudente

considerá-la como uma causa apenas necessária, ainda que se possa falar em causa mais forte

ou dominante. Assim, ela explica racionalmente a opção de D. João VI, apontando que a força

que o motivou era próxima de ser irresistível, mas não determina os eventos da maneira que

uma causa suficiente faria. Afinal, se uma causa é dita suficiente, então toda vez que tivermos

c teremos e, ou seja, temos uma regularidade que poderia ser uma lei. Se fosse de fato assim,

então caberia temer o determinismo histórico, mas não é o caso.

Daí cabe concluir também que quando um historiador fala em organização econômica,

forças sociais, etc., envolvendo os eventos particulares estudados, isso não quer dizer que a

personalidade dos agentes históricos desapareça, segundo Walsh, “as causas gerais do

primeiro tipo devem, normalmente, ser consideradas como uma suplementação das causas

particulares, e não como as excluindo” (WALSH, 1978, p. 196).

Em outras palavras, a história só cairia no determinismo se entendêssemos que

existam causas suficientes e regularidades que conduzam a leis. Encontrando estas últimas

deveríamos ser capazes de predizer o futuro e este, por conseguinte, estaria determinado pelo

presente. Mas isso é uma ilusão, pois a história não permite que se encontrem regularidades

capazes de permitir essa lógica formal de explicação. Também não há porque considerá-la

como a melhor ou única possível de explicar uma série de eventos. Apenas dessa maneira se

anularia o sujeito: o que seriam os agentes históricos em meio à busca desenfreada da parte

dos historiadores por regularidades que conduzam a leis? Mesmo sabendo que determinar não

significa o mesmo que ‘fatalismo’, fica difícil evidenciar os dramas humanos em meio a esse

sistema dedutivo de argumentos lógicos.

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Portanto, quando o historiador fala em causas e probabilidades, ele não tem em mente

leis, no máximo observa certas regularidades ou semelhanças estatísticas, e assim feito não há

como negar que a escrita da história sempre estará trajando uma roupagem de indeterminação.

Sua explicação causal pode ser do tipo genética, probabilística, intencional37, etc, mas nunca

nomológico-dedutiva. Sem leis históricas não há como fazer predições. Estruturas sociais e

organização econômica são fatores gerais que participam das teias causais, mas apenas

complementam as atitudes individuais, que a saber são causadas pela intenção de seus agentes

– daí o futuro não estar determinado. Nesses casos, a solução probabilística é uma das mais

usadas, mas também apresenta problemas, como veremos a seguir.

A solução probabilística

Se assumirmos que o mundo não é determinado, então temos de aceitar também que

mesmo uma descrição completa de todos os elementos causais envolvidos com algum efeito

não nos garante que este efeito ocorrerá. Assim, A implica B torna-se: A talvez implique B.

Podemos sem qualquer precisão dizer que, diante do estado de coisas verificado, um dado

futuro de A (no caso B) é mais provável do que outro (C). De qualquer modo o futuro fica em

aberto.

Sober alerta que o determinismo sobreviveu bem enquanto teoria até o século XX. Nos

livros didáticos de física, por exemplo, o modelo determinista ainda sobrevive: se uma força F

atuar sobre uma bola de massa m então esta sofrerá (sempre) uma aceleração de F/m.

Claro que o que se aplica a bolas não se aplica igualmente a seres complexos como os

seres humanos, mas a idéia de que mesmo nós somos movidos por leis cujas extensões

completas desconhecemos é sedutora se quisermos fugir do mundo sem sentido e atestar que

existe de fato uma razão para tudo o que acontece. Foi assim que pesquisadores da área de

humanidades procuraram a adoção de modelos ou leis das ciências naturais. Dotados de

precisão e rigor, esses modelos e leis determinísticas poderiam dar à história o estatuto final

de cientificidade e de poder preditivo de caráter probabilístico.

37 Falarei dos tipos de explicação no próximo capítulo.

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Mas como encontrar a relação entre a física e os seres humanos? Procurando aplicar

leis sobre a matéria também sobre nossa natureza, afinal também somos compostos de

matéria. Como uma lei determinista se propaga aos níveis superiores, a idéia é que uma lei

sobre as partículas físicas também deve se verificar sobre as moléculas, os tecidos e por fim

sobre os seres humanos. Como nosso cérebro é composto por partículas, o próprio

pensamento deve estar, de alguma forma, relacionado às forças que agem sobre seu universo

microscópico.

Embora a simples idéia de que leis sobre partículas elementares possam ter qualquer

validade sobre o pensamento humano seja discutível38, vale dizer que a própria física colocou

essa questão em cheque – de que a matéria é determinada. Niels Bohr, Werner Heisenberg e

Erwin Schrödinger criaram a Teoria Quântica que atesta a indeterminação das partículas

elementares. Ou seja, mesmo na física (quântica) uma descrição causal completa para um

evento conduzirá tão somente a um provável futuro (não determinável). O acaso não está

excluído.

Segundo Sober:

“Suponhamos que somos feitos de matéria e que as nossas

características psicológicas não se devem à presença de uma substância

imaterial (um ego cartesiano), mas à maneira como a matéria de que somos

feitos está estruturada. Se isto estiver certo, sugiro que o nosso

comportamento deve ser como o comportamento das partículas elementares.

Se o acaso influencia o comportamento das partículas, também influencia o

das pessoas. Ou seja, estou a propor que o indeterminismo se propaga para

os níveis superiores. Se os objetos físicos não obedecem a leis

deterministas, os nossos desejos e crenças não determinam o que serão as

nossas ações. Esses desejos e crenças tornarão algumas ações mais

prováveis que outras. Do mesmo modo, os nossos genes mais o meio em

que vivemos não determinam o que serão os nossos pensamentos e ações. A

38 Claro que há quem busque comprovar o contrário, como os recentes estudos sobre neurofilosofia ou mesmo neuropsicanálise.

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relação é uma vez mais probabilística, não determinista” (SOBER, 200039).

Voltemos agora à questão do determinismo sobre a matéria e a influência (ou não)

disto para a questão da liberdade humana. Não importa tanto se a física quântica é ou não o

melhor caminho para a explicação das partículas, e voltamos ao ponto de debater a

causalidade de nossas ações e o quão livre elas ocorrem. Vejamos no caso das ciências

humanas.

De qualquer forma, diante do temor das humanidades de se defender o determinismo,

a idéia de que as relações causais possam ser interpretadas à luz de probabilidades parece ser

uma alternativa sedutora.

Deterministicamente dizemos que: se A causa B, então à existência de A sempre

determinará a existência de B. Se não pudermos verificar desse modo então a própria

causalidade em questão estaria comprometida, e não poderíamos enunciar sentenças do tipo:

guerras provocam mortes, ou fumar faz mal à saúde; visto que existem pessoas que fumam e

não adoecem, ou guerras que não matam pessoas (ao menos em teoria).

Vejamos o exemplo do cigarro. As entidades de saúde alertam que apenas no tabaco

existem mais de 4 mil diferentes substâncias nocivas à saúde, que estão relacionadas com

problemas como: câncer, tuberculose, arritmia cardíaca, doenças vasculares, osteoporose

dentre outras. Sabe-se que morrem por ano cerca de 5 milhões de pessoas precisamente destes

problemas. Pode-se dizer que todos morreram do cigarro? A resposta é não, embora a maioria

sim. Até mesmo os que morreram de outras causas poderiam ter morrido do cigarro caso

tivessem sobrevivido e continuassem fumando. A relação causal aqui apresentada: ‘fumar

mata’, não se verifica em sua totalidade mas em sua probabilidade. Parece muito mais preciso

dizer que os fumantes aumentam em muito as chances de morrer em virtude de alguma

doença provocada pelo cigarro.

Diante do problema, filósofos como Hugh Mellor (1995) sugerem que a noção de

causalidade deve ser compreendida como um antecedente que aumenta consideravelmente as

39 Sem indicação de página, excerto traduzido por Paulo Ruas e disponível em: http://criticanarede.com/eti_livrearbitrio.html. Grifo meu. Acessado em 5 de fevereiro de 2007.

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chances do conseqüente vir a ocorrer. Mellor também acrescenta que tanto a causa quanto o

efeito são fatos, e não eventos, uma vez que mesmo um não evento, como a não chegada a

tempo do trem na estação, poder provocar efeitos, como o passageiro ser levado a tomar um

ônibus.

Mas existe certa resistência em aceitarmos elementos estatísticos como capazes de

atribuir causas, uma vez que a simples correlação de fatos não implica em causalidade. Uma

pesquisa estatística é muito útil para nos dar pistas de que o fumo faz mal, ou de que as

guerras provocam mortes, mas não nos permite predizer qualquer coisa sobre um caso em

andamento, como dizer a um fumante novato de que o vício o levará seguramente à morte.

Uma solução que daria mais precisão ao exemplo seria uma pesquisa feita com um grande

número de pessoas aleatoriamente escolhidas e divididas em dois grupos controlados de perto

pelo pesquisador: um começaria a fumar e o outro grupo estaria impedido de fazê-lo. A

incidência de mortes por câncer de pulmão no primeiro grupo seria um forte indício de que foi

precisamente o cigarro o causador da morte.

Se transpusermos o problema da estatística para a historiografia, veremos que

experimentos com elementos aleatórios não são possíveis, e todos os dados envolvidos na

pesquisa estarão sempre comprometidos com as conjunturas históricas em questão, sofrendo

forte influência do meio e dificultando ainda mais a precisão da estatística.

De qualquer maneira a explicação probabilística está atrelada a um importante

instrumento histórico: a cronologia dos fatos. A direção causal pode ser encontrada se

pudermos localizá-la em uma linha do tempo, ou seja, do ponto de vista temporal as causas

devem preceder seus efeitos. A adição de uma variável temporal pode, em determinados

sistemas lineares, ser uma importante contribuição para suportar uma teoria de direção causal.

Embora não seja teoricamente impossível, a aplicação das teorias deterministas ou

mesmo probabilísticas é extremamente difícil na escrita da história. Isso ocorre porque é

muito remota a chance de que, entre todos os elementos envolvidos com um fato histórico, o

historiador consiga fazer um apanhado tão preciso das causas mais relevantes a ponto de

poder dizer ser capaz de fazer uma descrição completa do fenômeno. A carência da

completude dificulta a afirmação de que de determinada causa provavelmente se seguirá B.

Parece-me mais válida a sugestão de Carr, que sugere as circunstâncias causais como

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intencionais para a escolha de como agir. O sentido de causa na historiografia continua, até

aqui, sendo empregado de uma forma especial e um tanto distante das ciências naturais.

O nariz de Cleópatra

“Somos forçados a recair no

fatalismo como uma explicação de

acontecimentos irracionais, isto é, de

acontecimentos cuja racionalidade não

entendemos”.

Tolstoi – Guerra e Paz

Este sugestivo subtítulo refere-se à teoria de que a história é uma seqüência de

acontecimentos acidentais; não há causas explicativas ou intencionais para nada, tudo é obra

do acaso. Para citar um exemplo referente ao nome desse subtítulo, os defensores da história

acidental sugerem que a atração de Marco Antônio pelo nariz de Cleópatra pode ser vista

como uma causa de sua derrota militar.

O papel do acaso cria um problema muito forte para a historiografia, pois uma vez que

o historiador determine uma explicação lógica e causal para alguma questão, este não gostaria

que sua interpretação fosse perturbada por alguma causa fortuita ou acidental cuja

investigação poderia ser irrelevante para o seu processo de pesquisa. Vários historiadores se

dedicaram ao estudo do papel do acaso na história: Políbio, Gibbon, Tácito e Bury.

Carr aponta o seguinte exemplo de causa casual: “O resultado da Batalha de Actium

não foi devido ao tipo de causas comumente postuladas pelos historiadores, mas à paixão de

Marco Antônio por Cleópatra” (CARR, 2002, p. 132).

A paixão de Marco Antônio por Cleópatra não pode ser entendida como a causa

fundamental para o acontecimento em questão, pois é um evento casual. As razões que

levaram o general romano a se apaixonar pela rainha egípcia são desconhecidas, e mesmo que

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as conhecêssemos seriam irrelevantes. Contudo, é perfeitamente possível que a paixão de

Marco Antônio desempenhasse de fato um papel importante no resultado da batalha. Segundo

Carr: “a conexão entre a beleza feminina e a paixão masculina é das mais regulares

sequências de causa e efeito observadas na vida cotidiana” (Idem).

Mas a relação de causa e efeito do romance não interessa necessariamente ao

historiador, pois é de difícil investigação e altamente especulativa. Ainda assim, a teoria da

“apaixonite” do general é uma teoria causal independente (e talvez concorrente) da do

historiador.

O “nariz de Cleópatra” foi um artigo escrito por H. A. L. Fisher40, no qual o autor

dissertava sobre sua desilusão com a derrubada do sistema liberal (Laissez Faire), e sugere

que se dê maior importância ao papel do imprevisto na história.

Contudo, é muito diferente dizer que o acaso pode desempenhar um papel importante

e dizer que a história causal não é teorizável porque a qualquer momento um acontecimento

fortuito pode dar maior significado à questão do que o inquérito feito pelo historiador.

Carr está certo ao apontar a mediocridade das teorias do acaso e acerta novamente ao

apontar que o acaso pode conviver com as demais teorias de investigação histórica. Sua visão

é ponderada: não pertence ao acaso o principal elemento causal na história, mas dependendo

do caso o acaso pode sim mudar radicalmente o curso de um acontecimento. Imagine, por

exemplo, que Ferdinando escapasse ileso do atentado de Princip, ou que o motorista de

Ferdinando não tivesse errado o caminho e indo parar em frente a Princip que acabara de sair

de uma padaria onde comera um sanduíche já pensando ter fracassado em seu plano? Tudo o

que aconteceria a seguir seria a chamada ‘história virtual’, e o que se pretende é mostrar que

um mero acaso pode, em tese, modificar toda uma conjuntura histórica de décadas, e o

historiador tem de conviver com essa incerteza sem abalar suas convições nas explicações

feitas com base racional.

Todavia, Carr aponta que os fatos acidentais “não entram em qualquer interpretação

racional da história” (Idem, p. 137). Esse comentário de Carr pode ser completado do seguinte

modo: de fato o elemento casual não poderia ter sido logicamente previsto pelo historiador a

não ser por um mero palpite intuitivo, mas suas conseqüências e significado adquirem 40 Republicado em BURY, Selected Essays, 1964.

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importância conforme a interpretação histórica em questão; e a discussão de sua relevância

para o problema histórico abordado é objeto de investigação racional. Dentro da órbita da

história virtual, os contrafáticos, que são muitas vezes acontecimentos acidentais, são

elementos racionais desde que suas consequências possam ser explicadas logicamente. Aliás,

por muitas vezes o elemento casual é o ponto de partida do contrafático e seu papel

epistemológico reside no esforço historiográfico em impor uma ordem lógica e racional ao

argumento histórico que se constrói a partir da hierarquização dos fatos investigados e

relacionados.

Julgo que a importância que o historiador dá ao acaso está relacionado à sua teoria de

interpretação, que pode ignorar ou incluir o acidente como apenas um dado a mais sobre o

assunto. Assim, penso que a qualidade da sua descrição do processo histórico cresce na

mesma proporção em que a inclusão do elemento acidental não anula os esforços explicativos

do pesquisador – desde que bem fundamentados sobre pistas históricas, documentos, etc. –,

estes são independentes da relevância do elemento acidental. A teoria histórica tem de ser tão

bem fundamentada que o “acaso” não possa derrubá-la, apenas torná-la menos abrangente.

Carr aponta que muitas vezes o acaso é simplesemente aquele elemento que os

historiadores não são capazes de explicar, e outras vezes o acaso toma a forma de um

fatalismo preguiçoso que exclui a necessidade da cansativa investigação das causas de um

evento.

Na realidade é certo que por mais competente que seja o historiador ao descrever um

fato histórico, ele terá de agrupar e ordenar os fatos da forma como sua interpretação do

processo histórico exigir. Ao fazê-lo ele pode desconsiderar algum elemento dito acidental

por não poder incluí-lo em uma teoria. A questão é: isso é realmente um problema? Em outras

palavras, considerar que elementos acidentais venham a ter uma participação no processo

histórico, sem que tenham sido previstos ou que possam ser corretamente interpretados

derrubaria toda a teoria?

Sabemos também que sendo elementos acidentais eles não participam diretamente de

uma interpretação racional da história, ou melhor, não é a presença do ‘acidental’ que garante

a racionalidade da descrição. Contudo, mesmo sem podermos avaliar se há realmente uma

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causa por detrás do acidental41, é certo que podemos avaliar as conseqüências deles para o

decorrer dos eventos, ou seja, embora não determinemos suas causas é certo que eles podem

ser as causas de outros eventos que são sim explicáveis.

Assim, penso que não há problema em se incluir o acidente (aquilo para o qual não há

uma causa conhecida) na história, se tomarmos o devido cuidado de não exagerar sua

importância para além do que ela realmente representa, o que anularia os esforços em se

conceber uma explicação racional. Como exemplificado por Carr: “o formato do nariz de

Cleópatra, o ataque de gota de Bajazet, a mordida de macaco que matou o rei Alexandre...

...foram acidentes que modificaram o curso da história” (Idem, p. 137), e suas consequências

são conhecidas e amplamente debatidas. Não há porque dizer que a presença desses elementos

em uma explicação histórica irá torná-la mais frágil ou menos racional. Outras vezes, é

verdade, os acasos são desprezíveis, não precisando sequer participar da seleção de fatos

levantados, afinal, o próprio sentido da palavra seleção é agrupar o que é mais importante e

excluir o resto.

Voltando à questão do trabalho do historiador, a visão de Carr, bem como

Collingwood é a de que o historiador age como um cientista que não á capaz de dizer

exatamente como as coisas aconteceram42, mas que cria uma interpretação do passado e

formula a explicação para alguns problemas cujo estudo pode nos ser útil no presente, não no

sentido preditivo, apenas didático-educacional. Da mesma maneira que a história objetiva é

desejável mas não inteiramente alcançável, o excesso de subjetivismo acabaria por corromper

todo o esforço racional do historiador em encontrar forças explicativas para fatos reais

(fatores causais, no caso). Se assim o fosse a história não passaria de um tipo especial de

literatura ficcional, e não é este o caso.

Talvez a atualização mais eficaz das propostas de Carr e Collingwood tenha sido feita

pelo historiador italiano Carlo Ginzburg, que ao falar sobre seu paradigma indiciário,

revitaliza a idéia de que o historiador é uma espécie de detetive do passado (visão já

defendida por outros historiadores antes dele, é verdade), que ao recolher as pistas deixadas

41 Fazendo com que ele deixe de ser acidental, evidentemente. Como referência temos a idéia de Hume de que não há acaso. 42 Em referência à famosa expressão do historiador alemão do século XIX, Leopold Von Ranke: “wie es eigentlich gewesen ist” – “como realmente aconteceu”.

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acaba se aproximando, mais ou menos, da verdade histórica, não obtendo um retrato fiel de

como aconteceu, mas reconstruindo uma simulação bastante satisfatória e elucidativa.

Resumindo, há muito pouco realmente significativo do ponto de vista da causalidade

que o acaso possa dizer ao historiador, e seria simplório e até mesmo ridículo se

procurassemos explicar a derrota de todo o exército de Marco Antônio devido a sua paixão

por Cleópatra, podemos antes explicar o seu suicídio, mas não um conjunto de vitórias obtidas

com mérito pelo general Otávio. Valorizar excessivamente a paixão do primeiro acabaria por

anular a importância do segundo general, e isso não seria uma proposta racionalmente

interessante.

Voltando a nosso exemplo histórico do assassinato de Sarajevo, sabemos que o

herdeiro ao trono do Império Austro-Húngaro fora à Bósnia fundar um museu e visitar um

hospital. Na saída seu motorista tomou um caminho errado e seu patrão acabou morto. O

engano do motorista certamente foi uma causa acidental de sua morte, mas não explica porque

Gravilo apertou o gatilho. Não podemos concluir daí que tomar ruas erradas é fatal, ainda que

tivesse sido o caso. A diferença entre as causas racionais/intencionais e as acidentais reside no

fato de que as primeiras podem sofrer algum tipo de suposição mais geral ou concreta e das

segundas pouco aproveitamos a não ser alimentarmos nossa curiosidade sobre um dado

evento – no caso as circunstâncias forenses da morte de Ferdinando.

No primeiro caso alguém poderia generalizar e ousar dizer que existem elementos

comumente observados no ataques terroristas no cenário europeu, que constituem

regularidades ou padrões para a ocorrência deles. A grande questão que pode surgir dessa

afirmação é: pode a história nos dar lições para o futuro através dessas generalizações? Bem,

isso vai depender do que entendemos por lições. É certo que o estudo de tais eventos torna o

historiador alguém, talvez, mais sensível à percepção de certas condições iniciais que

normalmente se verificam nesses casos. Talvez ele possa suspeitar que algo poderá ocorrer

com base no que viu anteriormente, mas isso ocorre de uma forma muito vaga e imprecisa,

praticamente intuitiva, não sendo uma indução propriamente dita.

Mesmo que consideremos que o historiador faça induções, temos que nada garante que

o futuro se assemelhará ao passado, ou melhor, nada garante que o passado seja um bom guia

para o que está por vir. Aliás, essa questão clássica remonta a David Hume, e é conhecida

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como o problema da indução. Hume dizia que entendemos o mundo organizado de forma

causal, ou seja, tudo no presente tem uma causa no passado. Mas nada impede que em um

dado momento tudo mude e o mundo se torne um espaço caótico. Apenas pensamos,

logicamente, que depois de termos observado um mesmo fenômeno várias vezes acreditamos

como sendo provável a sua repetição no futuro. Bem, a indução nos leva a uma crença sobre o

futuro, e nada mais. Esse problema está presente nas ciências em geral, contudo, no caso da

história a questão é ainda mais problemática, visto que diante de inúmeras ocorrências únicas

e específicas, não há como se partir para enunciados mais gerais de forma satisfatória.

Ou seja, voltamos a questão de que a escrita da história e suas conexões causais não

recaem sob leis e, portanto, a história não pode nos dar lições sobre o futuro tal qual as

ciências naturais, apenas pode nos tornar mais astuciosos na análise de novos problemas que

aludam a acontecimentos anteriores, de uma forma vaga e intuitiva. De maneira geral seria

muito mais sábio reservamos à história o papel de esclarecer o presente, deixando a predição

do futuro a cargo dos cientistas e dos místicos.

Os juízos de valor

“A procura de causalidade na história é

impossível sem referência a valores... Por trás da

procura de causalidades sempre permanece, direta

ou indiretamente, a procura de valores”.

Friedrich Meinecke, historiador alemão

Como vimos, o acidental pode ter importância para a história, no sentido de originar

fatos com consequências importantes, mas daí a dizer que a história é nada mais do que uma

seqüência de acidentes, significa dizer que nenhuma interpretação ou explicação histórica

pode ser dotada de sentido. A escrita da história é sim um sistema seletivo de fatos que

procura fazer uso dos poderes cognitivos do historiador para identificar dentre a grande

quantidade de causas e efeitos observáveis quais são os mais interessantes para a resolução de

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um problema. Na verdade seria correto dizer que a importância delegada pelo historiador a

alguns desses elementos está relacionada justamente com a possibilidade de encaixá-los em

um padrão racional de explicação e interpretação. Se não puder ser feito assim as outras

ocorrências de causa-efeito devem ser consideradas simplesmente como acidentais (uma tal

sequêcia é irrelevante), não participando da lógica daquela explicação causal.

Cabe menção também ressaltar que junto ao processo de seleção dos fatos estãos os

chamados juízos de valores. Carr coloca que a hierarquização dos fatos e os argumentos

explicativos são em última instância uma maneira do historiador tomar juízos sobre eles,

julgá-los e promovendo nossa compreensão sobre o passado sob a óptica do presente e a do

presente iluminada pelo passado. Aqui reside uma crucial problemática da possibilidade da

história objetiva. Penso que podemos solucionar essa questão afirmando que ao fazer a

seleção o historiador não toma necessariamente juízos causais sobre os elementos, mas

relaciona-os de forma a tornar a seqüência passível de formar uma explicação racional e

justificável para algo. A história nunca será totalmente objetiva, mas busca não afastar-se da

objetividade.

Os juízos de valor são fundamentais à construção de uma história crítica e podem

coexistir com a intenção de objetividade, lembrando que essa objetividade reside

precisamente em atermo-nos àquilo que os fatos coletados nos permitem dizer racionalmente.

Há que se lembrar sempre que por crítica não se deve nunca entender ‘militantemente

comprometida’, o que retiraria dela toda a intenção de objetividade.

Sobre essa questão considero que alguns apontamentos são importantes. Lembro-me

de ter assistido a uma conferência sobre os 500 anos da viagem de Vasco da Gama às Índias.

Em 1998 palestrava na Universidade Federal de Santa Catarina um historiador português que

colocava a importância, para Portugal, da memória do ilustre navegador. Após a exposição

um estudante de história perguntou-lhe o que achava ele de ter um herói nacional sabidamente

tirânico e moralmente corrompido. Como ele poderia ser lembrado e seus feitos celebrados se

seus atos eram por vezes vis? A resposta foi bastante interessante: disse o ilustre professor que

a função do historiador não é julgar os homens do passado, mas simplesmente compreendê-

los como homens de seu tempo.

Durante anos o tema me impôs reflexões, parecia-me, em um primeiro momento, que

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a tomada de um juízo de valor sobre um personagem de cinco séculos atrás seria incorreta e

absolutamente imprecisa, em suma, não deveria mesmo ser feita. Contudo, vemos que na

prática quase nenhum historiador está isento dessas tomadas de juízo.

A função do historiador, assim, como acontece com todas as ciências humanas,

requer entre outras coisas virtudes como a tolerância. Ele não pode julgar os homens do

passado pelos valores de hoje, é preciso buscar compreendê-los dentro dos valores que

estavam em vigor na época em que viveram. Assim devemos entender que para muitas

daquelas pessoas que viveram a Revolução Francesa, por exemplo, era normal e mesmo

interessante assistir a uma execução em praça pública. Para eles isto era tão natural quanto o

é para nós hoje irmos a um espetáculo. Isso não significa que eu possa julgá-los como

pessoas más, que gostavam de ver cenas cruéis. Relativizando meus valores eu poderia

chegar à conclusão de que essas pessoas simplesmente entendiam esses episódios como

parte de seu cotidiano. Esse é o trabalho do historiador, reconstruir o contexto histórico,

social e cultural das épocas em questão, sendo assim mais tolerante com os seus objetos de

estudo e buscando o entendimento de como se pensava em épocas passadas. Dessa forma ao

invés de julgar os agentes com a moralidade presente, o historiador deve encarar com algum

distanciamento de que maneira o comportamento do agente histórico estudado deveria ter

sido visto dentro das concepções morais do período em que viveu.

É nesses momentos que um exercício empatético se torna interessante, e embora não

haja garantias de que a resposta sequer se aproxime da objetividade, é uma forma de agir

muito mais condizente com o discurso histórico do que simplesmente narrar, como um

cronista. Mas desejar maior objetividade não faz do historiador um cientista, pois a história

crítica faz surgir, muitas vezes, a chamada falácia antrópica – utilizar a interpretação do

passado para justificar sua visão do presente.

A emissão desse juízo de valor combina-se com a visão de que o agente histórico é

de certa forma livre para agir e moralmente responsável pela condução de seus atos. Seu

caráter, vontades e desejos são, sob esse ponto de vista, condições causais para alguma

ocorrência, mas a sua inserção em um sistema de explicação causal completo é muito difícil,

no caso da história.

Voltando ao exemplo do navegador português, temos que a maioria dos historiadores

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considera lícita a tomada de juízos de valores desde que se faça uso de certo relativismo

moral levando em conta os valores da época em que viveram seus agentes históricos em

questão. Por exemplo, se uma determinada ação considerada hoje como sendo imoral na

época fosse habitual (‘normal’ ou socialmente aceitável), então não poderíamos julgar nosso

objeto de inquérito como culpado, mas se mesmo recriando (e interpretando) os valores

morais do período, seria perfeitamente lícito (e desejável) que considerássemos o

personagem como alguém imoral ou até mesmo perverso.

O historiador não é meramente um cronista ou autor de anuários, ele precisa avaliar a

importância dos elementos observados dando-lhes um peso, e, quando parecer interessante

julgar seus agentes, mas sempre amparando seu julgamento com dados conhecidos acerca

dos eventos históricos e dos agentes envolvidos. Vale também dizer que nos seus

julgamentos e seleções reside invariavelmente alguma forma de uso da noção de

causalidade, e mais, se atribuirmos extrema responsabilidade moral ao agente acabamos por

tornar a história muito distante das teorias, já se atribuirmos grande responsabilidade ao

meio, perdoamos os deslizes de nossos objetos de estudo considerando que eram apenas

homens de seu tempo.

Mas é claro que o objetivo básico do historiador não é fazer juízos de valor

apreciativos, e quando o faz deve tomar o devido cuidado de não deixar que seus

julgamentos atrapalhem a objetividade de sua descrição. Em suma, a descrição deve permitir

que o leitor perceba o que é fato do que é pura interpretação e julgamento. Uma das críticas

normalmente atribuídas à historiografia afirma justamente que esta nunca poderá ser ciência,

pois o historiador está sempre comprometido com juízos de valor ou estéticos, mas isso é um

erro. É perfeitamente possível que um historiador consiga analisar as conseqüências

históricas da decisão moral de seu agente sem se comprometer de pronto43.

A distinção a seguir pode orientar melhor o historiador acerca de quais os juízos de

valor que melhor participam na formulação das explicações históricas.

43 Ver NAGEL, “Alguns problemas da Lógica da Análise Histórica”, In. GARDINER, 1969, p. 462.

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explicações de fenômenos e condutas humanas vem acompanhada de alguns problemas: 1º

um considerável número de enunciados descritivos fáticos acabam formulando algum juízo

de valor; 2º é difícil fazer a disntinção entre os enunciados fáticos e os ‘estimativos’ de muitos

termos utilizados na ciências sociais; 3º não apenas se formulam juízos de valor aos fins da

conduta humana, mas também aos meios47. Contudo, “admitir todo esto no obliga a la

conclusión de que hechos y valores se hallen fusionados, de una manera que sea exclusiva dei

estúdio de la conducta humana intencional, más alia de toda posibilidad de distinguirlos”

(Idem, p. 443). Na verdade a ‘fusão’ dos fatos com os próprios juízos de valor ocorre de uma

confusão entre os vários sentidos do termo “juízo de valor”. Para Nagel um juízo de valor

pode representar a aprovação ou não de uma idéia moral ou uma conduta, ou expressar uma

apreciação do grau de implicação de uma atitude ou característica com o caso estudado.

Nagel elaborou, portanto, uma distinção entre o que chamou de juízos caracterizadores

e juízos apreciativos. Os primeiros se referem à presença ou não de uma característica, e o

grau em que ela ocorre, e os segundos se referem à aprovação ou não de um estado de coisas

real ou imaginado. Claro que emitir um juízo caracterizador não implica que se aprove ou

desaprove um juízo apreciativo correspondente, e também é verdade que não se pode emitir

um juízo apreciativo sem conhecer o juízo caracterizador sobre o caso tratado. Já emitir juízos

apreciativos não é condição necessária para emitir juízos caracterizadores.

Mas a distinção apresentada não é assim tão simples em todas as ciências. Nagel

apresenta um exemplo tirado da biologia: um juizo caracterizador sobre a anemia apresentaria

um certo animal com número insuficiente de glóbulos vermelhos no sangue, e um juízo

apreciativo diria que a anemia é uma condição indesejável. Mas no caso das ciências sociais

isso é muito mais vago. Imaginemos um sociólogo tentando descrever o comportamento de

um grupo como mercenário ou não mercenário. Mesmo que ele se esforçasse em apenas

caracterizar o grupo fica difícil não apreciar este ou aquele comportamento como indesejável,

hostil, amável, e assim por diante. “...seria absurdo negar que al caracterizar diversas accio-

nes como mercenárias, crueles o enganosas, los sociólogos afirman frecuentemente tanto

juicios de valor apreciativos como caracterizadores” (NAGEL, 1978, p. 445).

É importante ressaltar que a simples escolha dos termos, depreciativos por vezes, já

47 Para Nagel a relação entre os meios e os fins está isenta de valorações.

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denota a presença de um juízo apreciativo, indo além da simples caracterização. Em outras

palavras, um cientista social ou mesmo um historiador, ao caracterizar irá, muitas vezes, fazer

uma valoração apreciativa dessas mesmas características, o que nem sempre ocorre de forma

consciente.

Contudo, apesar da dificuldade apresentada não há porque afirmar que a distinção

entre os sentidos de juízos de valor não possa estar presente nas ciências sociais ou humanas

em geral. Penso que no caso da historiografia a distinção é importante, pois permite que um

dado evento seja caracterizado sem que um juízo apreciativo necessariamente o acompanhe. E

mesmo quando o historiador emite juízos apreciativos ele é obrigado a caracterizar

satisfatoriamente o estado de coisas sobre o qual está falando, permitindo assim que o leitor

compreenda com base no que sustentou sua aprovação ou repúdio a essas características.

Também me atrevo a dizer que do ponto de vista ‘científico’ os juízos

caracterizadores, quando corretamente apresentados, não necessitam de valorações

apreciativas explícitas. Imagine, por exemplo, uma descrição da teoria racial do nazismo e da

defesa feita por esse sistema político sobre a necessidade do extermínio dos judeus. A simples

caracterização de seus procedimentos, o controle ideológico totalitário e a condução ao

extermínio em massa é mais do que suficiente para que o leitor valore a conduta dos nazistas

como cruel e desumana.

Isso não significa que o historiador deva sempre evitar os juízos apreciativos, penso

que eles apenas não são necessários como o são os juízos caracterizadores. Por conseguinte,

ao fazer juízos apreciativos ele deverá deixar claro de que maneira pensa a ética, em suma, ele

precisa apresentar uma teoria moral para julgar a conduta de seus agentes estudados, e de uma

boa dose de relativismo, como comentei no subtítulo anterior.

Finalmente, a formulação dos juízos de valor caracterizadores são fundamentais para o

emprego da noção de causa intencional, pois eles podem indicar quais as razões, diante do

contexto apresentado, que levaram o agente a optar por uma determinada conduta, ou mesmo

caracterizar seu estado psicológico indicando se ele tinha ou não consciência de seus atos48.

48 Retornarei à questão da causa intencional ao final do segundo capítulo.

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Afinal, faz sentido falarmos em causalidade na história?

Para tentar responder a essa questão terei de retomar alguns pontos. Apesar de todas

as limitações ao entendimento histórico e sua cientificidade, a noção de uma história baseada

em uma substantividade ou teleologia serviu como um elemento teórico dando apoio à

história e tornando-a uma atividade de pesquisa sólida, muito distinta de simples literatura.

Claro que esse apoio nada tinha de científico, e não tardou para que se procurasse aplicar os

mesmos métodos das ciências naturais nas ciências sociais e mesmo na história.

Repare que ciências naturais e sociais contribuíram com a história, mas cada uma

forneceu uma visão diferente de causalidade. Segundo Whitley, em “The Possibility and

Utility of Positive Accounting Theory” (1988) a essência de uma teoria de natureza científica

é a de que ela descreve com precisão uma grande classe de observações com base em um

modelo que contenha poucos elementos arbitrários, possibilitando a predição dos resultados

de observações futuras. Pesquisadores ditos neopositivistas usaram este tipo de noção de

causalidade na história. Segundo Whitley, isso foi feito ainda recentemente com algum

esforço na tentativa de se prever os resultados econômicos dos mercados financeiros ao

longo do tempo, e acabou se estendendo para o que se chamou de uma ‘positive accounting

theory’.

Já o emprego dos modelos sociais é carregado de valor (“value-laden”) devido à

necessidade que têm por descrições e termos com conotações positivas ou negativas, tanto

na cultura à qual o cientista pertence, quanto na cultura a ser analisada. E segundo David

Oldroyd em interessante artigo intitulado “Historiography, causality, and positioning: An

unsystematic view of accounting history” (1999) tais modelos têm sua aplicabilidade

limitada exatamente por causa das variações nas normas culturais. Ainda assim é comum os

cientistas sociais empregarem a noção de causalidade para estabelecer relações causais que

possam sofrer generalização, não se importando com a questão de estarem carregadas de

valor.

A relação da história com as ciências sociais já não é mais novidade, e teve seu ponto

áureo nos anos 60. Contudo, se a noção de causalidade científica nas ciências sociais já é

bastante discutível, na história esse emprego se torna ainda mais tortuoso. Oldroyd alerta

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que não é pequena a quantidade de historiadores que defende a utilidade de suas disciplinas

com base no argumento de que o estudo do passado ajudaria a iluminar problemas do

presente, levando a humanidade a encontrar soluções e, possível e desejosamente, não

repetir os mesmo erros. Bem, essa forma de defesa da historiografia é um equívoco, já que,

conforme comentei ainda há pouco, os erros nunca serão ‘os mesmos’, pois cada evento é

único.

Continuando, temos que sentenças ditas por historiadores vem acompanhadas de um

desejo natural de se encontrar justificativas teóricas para o que é dito, assim o termo

“'atheoretical' has tended to become derisory in accounting history literature. Arguably, the

postmodernist view that the past is essentially unknowable will never gain serious ground in

accounting history, as this would render the discipline redundant to accounting

researchers.” (OLDROYD, 199949).

Dessa forma a escrita da história é um processo dinâmico que procura, através de um

estudo criterioso, o que estava por detrás das mudanças históricas observadas e o que as

motivou. Não há como negar de todo que a história tem uma funcionalidade no presente, e

os adeptos dessa visão dinâmica “argue that we can learn from the past and see history as

being capable of supporting contemporary research into policy making and standard

setting, for example” (Idem).

Como sabemos, alguns historiadores em busca de uma maior cientificidade na escrita

da história buscaram ir além da simples apropriação do termo causalidade e expressaram o

desejo de poder prever o futuro. Mesmo sendo uma questão muito controversa e de alcance

bastante questionável, a vontade de predizer o futuro parece ser um objetivo que até

recentemente ainda encontrou perseguidores, e segundo apontado por Oldroyd “those

studies which offered 'the possibility for predicting or influencing future events' would be the

ones that stood the best chances of publication...” e prossegue afirmando que “theoretical

histories derive useful insights by making predictions about past relationships, and it will be

interesting to see whether the current trend towards theoretical history results in more

predictions of future ones” (Idem).

49 Sem referência de página, artigo retirado do “The Accounting Historians Journal”, junho de 1999, disponível na íntegra em: http://findarticles.com/p/articles/mi_qa3657/is_199906/ai_n8831710. Acessado em 24 de julho de 2007.

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Eis que a velha questão determinística novamente vem à tona. Embora sejam

esquemas causais interessantes e elucidativos, a causalidade na história nunca terá a mesma

forma da usada nas ciências naturais, pois seu caráter preditivo não funciona. Até é possível

afirmarmos que de certos acontecimentos normalmente outros se seguem, mas isso nunca

poderia ser feito de forma determinística, pois as variantes envolvidas são inúmeras e não

podem ser corretamente previstas ou inseridas na teoria em sua totalidade. Em outras

palavras, não é possível falar em causalidade entendida na sua forma determinística (com

referência a leis e capaz de predizer) e levar em conta, com propriedade, a personalidade, o

livre-arbítrio e o acaso na história. O máximo que a noção de causalidade atinge em relação

ao agente histórico individualmente é especificar, segundo constatações gerais, qual deveria

ter sido a disposição ou vontade para a ação de um dado agente histórico, mas muitas vezes

o resultado esperado não ocorre, ou ocorre de forma muito diferente. Isso porque “such

theories tend to assume a reduction in the number of acceptable choices, given similar

dispositions exposed to similar stimuli” (Idem). Além disso, é preciso lembrar que teorias

causais sobre o comportamento humano normalmente esperado caem na chamada falácia

antrópica, ou seja, o historiador utiliza-se do passado para justificar sua visão do presente:

“From an historical perspective, our understanding of the past is contingent on our location

in the present, and history is useful to us because it helps identify and explain who we are.

The tendency to place ourselves at the center of history accounts for the disparate nature of

the historical universe” (Idem).

Com base no que foi dito há que se aceitar algumas coisas: não há predições nem leis

na história, e existem eventos casuais com conseqüências causais, o que não significa que a

história seja uma relação de eventos fortuitos. Também não é totalmente satisfatória a

alternativa dualista de Collingwood que coloca que o uso da noção de causalidade na

história é simplesmente diverso50, não havendo nenhuma ligação a se considerar entre o

historiador e o cientista. O fato é que quando um historiador fala em relações causais ele

deseja sim incorporar em sua teoria um pouco daquele grau de objetividade e precisão

encontrado nas ciências exatas, e é precisamente a essa causalidade cuja paternidade é a

ciência que ele busca.

50 Para Collingwood o evento histórico é algo como o pensamento da pessoa por cujo ato gerou o evento.

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Mesmo assim, existe muita resistência por parte de historiadores contemporâneos em

utilizar a noção de causa. Temendo cair no determinismo, procuram alternativas semânticas

para escapar dessa situação (motivação, tendência, disposição, etc.) alegando que tais termos

não são causas. Ora, se eu digo que D. João VI estava motivado a fugir para o Brasil estou

dizendo que ele fugiu por causa de algo. E isso não é o mesmo que dizer que ele tinha de

fugir, não lhe restando outra opção. O temor do determinismo nesse caso é uma

ingenuidade, ele simplesmente não ocorre – só ocorreria, em termos de explicação formal, se

aceitássemos que existem regularidades bem confirmadas que me conduzam a leis. Uma

explicação causal não precisa implicar em leis51.

Mas talvez essa postura se explique pelo fato de que a causalidade é um tema

discutido pelos filósofos, e não pelos historiadores, daí a idéia de que toda causa é

determinística. Em geral é justo dizer que os historiadores, em considerável número, não se

prendem com a mesma ênfase à coerência interna e precisão dos termos utilizados em suas

teorias, sobretudo daqueles importados de outras áreas do conhecimento. Procurando

resolver essa questão por meio de um posicionamento dualista, Collingwood recebeu

críticas, sobretudo, dos adeptos do empirismo lógico, ou do “covering laws model”, que

desejavam aplicar na história a mesma noção de lei causal das ciências.

Uma possibilidade teórica em se manter o termo “causa” seria considerar que o

historiador fala apenas de causas necessárias, mas não suficientes (distinção explanada

anteriormente por Sober), o que evitaria falarmos em leis e determinismo puro e simples. O

adepto do “modelo de leis de cobertura” poderia dizer ainda que o medo do determinismo

causal parte da identificação incorreta entre determinismo e coerção e confinamento

externos. Essa é possivelmente a posição de Carr quando afirma que não existe, na vida real,

o dilema entre a liberdade e o determinismo, e que as ações humanas são ao mesmo tempo

livres e determinadas, dependendo da maneira como o investigador vê a questão.

Como afirma Isaiah Berlin, em seu livro “Historical Inevitability” (1954), as

tentativas de compatibilizar liberdade e responsabilidade moral com determinismo acabam

sempre sendo injustas com as implicações do pensamento e da linguagem comuns. Talvez

Carr tivesse sido mais enfático se dissesse que as ações humanas são fruto da interação entre

51 Esse é precisamente o tema do próximo capítulo.

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as razões individuais do agente (desejos, medos, etc.) e as causas do meio (sociedade,

geografia, economia, etc.) que o influenciam, tornando-se suas atitudes previsíveis, mas

nunca inevitáveis. Novamente, não há por que temer o determinismo.

Ainda sobre esse assunto, William Dray procurou reforçar e tornar mais

epistemológica a visão de Collingwood afirmando que as ações dos agentes históricos

devem ser entendidas como racionalmente justificadas ou necessárias e não como

ocorrências que possam ser previstas se tomarmos por base algumas uniformidades

estabelecidas indutivamente. Em outras palavras, a causalidade histórica é uma hipótese que

o historiador assume como sendo verdadeira e embasada nas provas por ele levantadas, não

sendo de forma alguma uma seqüência sem sentido de ocorrências fortuitas, mas ocorrências

que não podiam ser cientificamente previstas, mas cujas conseqüências devem poder ser

conhecidas. Claro que essas teorias sobre a causalidade histórica não estão sujeitas à

verificação (ou falseabilidade se quisermos remeter a Popper) como um experimento de

física, mas nem por isso perdem seu status de explicações causais.

Em suma, a história procura uma objetividade inspirada nas ciências, mas esbarra na

imprevisibilidade do espírito humano e na inclinação do seu pesquisador em valorar seus

elementos estudados de uma forma talvez não tão objetiva, além do que o historiador esbarra

na impossibilidade de lidar com um grande número de variáveis ignoradas por sua teoria.

Isso faz com que a história se localize a meio caminho entre a filosofia e a ciência, e nunca

se estabelecendo em seu discurso relações causais determinísticas, apenas apontam-se as

causas que parecem ter responsabilidade na ocorrência de um dado evento ou na tomada de

uma decisão.

É interessante reforçar aqui que não há nada de errado com a utilização do termo

‘causa’ pelos historiadores, pois é certo que para a maioria deles a noção de causa não está

necessariamente vinculada à questão de lei, embora esteja sim ligada à busca por elementos

concretos (reais e observáveis) que comprovem suas teorias. Também não há como negar

que em sua prática diária a noção de causalidade empregada pelo historiador seja inspirada

pelo sucesso obtido pela metodologia científica nas ciências naturais. Novamente, a noção

básica de causalidade na escrita da história não é totalmente antagônica ou estranha à

causalidade nas ciências físicas (o dualismo entre as ciências naturais e humanas é evidente),

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Em seu célebre livro “A Estrutura da Ciência”, Ernest Nagel aponta que podemos

fornecer explicações para eventos particulares, eventos recorrentes, regularidades invariáveis

e regularidades estatísticas. Claro que as ciências, dos mais diversos tipos, acabam diferindo

na ênfase que dão à estrutura lógica de seus esquemas explicativos, e acabam adquirindo

diferentes graus de sucesso nessa empreitada. Assim, podemos encontrar diferentes formas de

explicação nas mais diversas ciências. Vejamos alguns exemplos que Nagel aponta na referida

obra.

- Por que a soma de números inteiros ímpares começando com o 1 resulta em um

número quadrado perfeito? Ex. l + 3 + 5 + 7 = 16 = 42.

Nagel coloca que neste caso aquilo que se quer explicar, o chamado explicandum, é

um aspirante àquilo que se chama de ‘verdade necessária’, uma vez que negá-la seria

contraditório. Assim, para explicar essa questão o matemático teria de mostrar sua verdade

universal e porque ela é necessária. A prova lógica para demonstrar o que se pede fará uso de

premissas também necessárias, no caso postulados da artimética, e sua verdade necessária

será verificada em virtude dos significados das expressões que aparecem em sua formulação.

- Vejamos agora uma explicação de outra natureza: por que forma-se umidade no

exterior de frascos contendo água gelada?

O explicandum aqui é um evento isolado que poderia ser respondido da seguinte

forma: o vapor d’água presente no ar condensa quando em contato com a superfície gelada

do frasco. Novamente temos um exemplo de uma dedução, uma forma de estruturação da

resposta que geralmente é bastante clara e elucidativa. Mas neste presente problema o

explicandum não é uma verdade necessária, mas o resultado da utilização de premissas

obtidas pro meio da observação e experimentação.

- Por que a porcentagem de suicidas protestantes é maior do que a porcentagem de

suicidas católicos na Europa do último quarto do século XIX?

Nagel sugere que uma boa resposta a essa pergunta diria que a coesão social dos

católicos é maior do que a do protestantes. Assim, o maior vínculo pessoal entre os membros

da comunidade católica acaba gerando um certo apoio e conforto psicológico, o que reduziu

o número de suicídios. Sabidamente este problema tem uma natureza diversa dos dois

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primeiros pois se trata de um fenômeno histórico descrito de forma estatística, não se

referindo a nenhum suicídio em particular. Claro que as premissas estatísticas neste caso

estão incompletas e não nos permitem a formulação de uma estrutura lógica explicativa, mas

se estivessem completas e explícitas então poderíamos dar à explicação uma forma dedutiva.

- Por quê o gelo flutua sobre a água?

Desta vez o explicandum não é nem um evento histórico, nem um caso isolado ou

estatístico, mas uma lei universal da física que diz que a densidade do gelo é menor do que a

da água líquida e por isso ele flutua. A premissa explicativa tem a forma do enunciado de

uma lei universal.

- Por que ao colocarmos sal na água elevamos seu ponto de congelamento?

Aqui o explicandum também é uma lei, assim como no exemplo anterior, e a

explicação decorre da dedução das leis da termo dinâmica em associação com suposições

acerca da dissolução do sal na água. Todavia, as leis termodinâmicas são um caso especial,

pois seu conteúdo apresenta noções teóricas de maior amplitude, como energia e entropia,

que não estão associadas com nenhum experimento feito para identificar ou medir as

propriedades físicas representadas por essas noções. Talvez caiba aqui a distinção de chamá-

las de ‘teorias’, ao invés de ‘leis experimentais’. Segundo Nagel, “este ejemplo simplemente

registra una espécie presuntamente distinta de explicación deductiva en la ciência”

(NAGEL, 1978, p. 29). Curiosamente foi precisamente um exemplo da termodinâmica o

utilizado por Hempel ao discutir a possibilidade e o uso de leis gerais em história.

- Por que do resultado do cruzamento de ervilhas redondas com ervilhas enrugadas,

temos ervilhas híbridas na proporção de ¾ lisas e ¼ enrugadas?

Neste caso a explicação é oriunda da dedução a partir dos princípios gerais da teoria

de Mendel sobre a hereditariedade, acrescida de suposições acerca da constituição genética

dos tipos de ervilha que foram cruzados. Trata-se de uma reguladidade estatística formulada

a partir da ocorrência de uma dada característica em um certa população. Estamos falando de

explicações que fazem uso da noção de probabilidade e freqüência relativa, no caso sobre a

herança de uma característica física. Trata-se de um modelo dedutivo de explicação que

contém suposições teóricas em suas premissas, assim como o exemplo anterior, mas difere

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dele pois neste caso estamos falando de leis estatísticas que formulam regularidades também

estatísticas, e não invariáveis.

- Por que Cássio tramou a morte de César?

Temos aqui um evento histórico particular e isolado, e a explicação poderia dizer que

Cássio odiava tiranos. Contudo, Nagel aponta que tal resposta estaria visivelmente

incompleta, pois o ódio se manifesta diferentemente nas mais variadas culturas. É preciso

outras suposições gerais para dar conta de explicar este problema, e é improvável que

consigamos uma generalização universal, no máximo estatística, que poderia dizer que certo

tipo de homem em uma determinada sociedade tende a agir de tal maneira. A forma

estatística está inegavelmente presente e o explicandum não é uma conseqüência dedutiva,

mas apenas uma probabilidade com base nas premissas explicativas apresentadas. E agora o

mais interessante é que Nagel identifica nesta explicação de natureza histórica uma

característica distinta das demais explicações já apresentadas: “en este caso, mencionan una

disposición psicológica (es decir, un estado o actitud emocional) como uno de los resortes de

la acción” (NAGEL, 1978, p. 30). Dar uma explicação aqui prescinde de uma explicação

satisfatória sobre as disposições psicológicas do agente.

- Por que Henrique VIII, rei da Inglaterra, anulou seu casamento com Catarina de

Aragão?

Para explicarmos a atitude do monarca teríamos de sustentar que ele tinha um

objetivo conscientemente formulado e uma disposição psicológica para tanto. No caso, o rei

precisava de um herdeiro, e a rainha não era, ao que parecia, capaz de dar-lhe um.

Evidentemente que Herique VIII tinha as chamadas ‘disposições psicológicas’ para agir

assim, mas dispensando esse elemento podemos fundamentar a resposta tendo em vista que o

monarca tinha um fim em vista, um objetivo concreto perseguido de forma consciente, e

assim tomou as medidas necessárias para atingí-lo. Existe aqui uma distinção entre explicar

uma conduta como fizemos acima, ou simplesmente aludindo às características psicológicas

de alguém mas sem reconhecer nenhuma finalidade explícita em seus atos. Esta última

parece, em geral, carecer de maior inteligibilidade, pois queresmo ver na explicação para a

conduta dos agentes uma ação consciente com vistas a um determinado objetivo.

- Por que os seres humanos tem pulmões?

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A explicação pode aludir a um problema da evolução da espécie humana e da

necessidade dos pulmões se adaptarem a suas funções: cabem a eles o transporte do oxigênio

do ar até o sangue e, através dele, a todas as células do corpo, permitindo a alimentação

destas. A explicação, neste caso, é uma descrição da maneira como o funcionamento dos

pulmões contribui para a manutenção de outras atividades do corpo.

- Por que há tantas palavras de origem latina na língua inglesa atual?

A explicação diz respeito aqui a um conjunto de hábitos linguísticos de várias

populações durante um dado período. Repare-se que nesse caso a explicação necessita de

uma evolução histórica da língua, identificando suas transformações até tomar a forma atual.

Contudo, não possuímos ‘leis dinâmicas de desenvolvimento’ de caráter geral para aplicar

aqui, e teremos de nos contentar em apontar as mudanças ao longo do tempo fazendo

referências a eventos históricos, como a conquista da Inglaterra pelos normandos, e o que

aconteceu depois, e assim por diante. A explicação, segundo Nagel, pressupõe generalizações

um tanto vagas, nem sempre explícitas e muitas vezes estatísticas sobre a maneira como os

hábitos linguísticos se transformaram pelo contato entre diferentes comunidades – anglos,

saxões e normandos, por exemplo. Esta forma explicativa tem um caráter genético e é mais

complexa do que as anteriores.

Diante de tantas formas de explicação diferentes Nagel propõe a existência de quatro

modelos explicativos importantes, sob os quais os exemplos anteriores podem ser

classificados.

Modelo dedutivo – uma das formas explicativas mais comuns nas ciências naturais é a

chamada dedução. No caso da dedução o explicandum é uma conseqüência lógica necessária

das premissas. Wesley Salmon definiu a validade de uma argumento dedutivo dizendo que

isto equivale a dizer que “as premissas estão de tal maneira relacionadas com a conclusão que

a conclusão precisa ser verdadeira quando as premissas são verdadeiras” (SALMON, 1973, p.

34). Claro que válido não significa verdadeiro – esta propriedade (verdade) não se refere a

um argumento, mas a um enunciado isoladamente considerado. Dentro dessa estrutura

formal temos que as premissas expressam condições suficientes (mas nem sempre

necessárias) para afirmarmos a verdade do explicandum. Desde a antiguidade o argumento

dedutivo é considerado o paradigma para toda explicação genuína, e é sob essa estrutura

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indivíduos, e o explicandum se refere a um indivíduo de uma dessas classes. É o caso do

sétimo e do décimo exemplo apontado por Nagel. No sétimo a ocorrência é mais clara, e a

premissa estatística diria que elementos de alta classe social na Antiga Roma odeiam tiranos e

tendem a insurgir-se contra eles – o caso particular é Cássio, pertencente a esse grupo que,

diz-se, provavelmente tramará contra César.

Há quem sugira que explicações probabilísticas também fazem parte do modelo

dedutivo, contudo, Nagel discorda dessa visão. Ele acrescenta que não podemos simplesmente

substituir as premissas probabilísticas por outras adequadas a um enunciado universal e

invariável – lei. No caso das humanidades, sugerir a existência de uma lei ou enunciado

universal associando, como no exemplo de Cássio e César, associando características

psicosociológicas com a tentativa de assassinato não passa de algo trivial e inútil. Nagel

aponta que o melhor que se consegue é assegurar a existência de uma regularidade estatística,

por isso não podemos excluir as explicações probabilísticas e nem tampouco considerá-las um

caso do modelo dedutivo.

Explicações funcionais ou teleológicas – é bastante comum que as explicações de

questões humanas e também de biologia adotem a forma de explicações funcionais ou

teleológicas.

Explicações biológicas muitas vezes se referem ao funcionamento de um determinado

órgão, por exemplo, e sua função no corpo humano. Deve-se entender de que maneira a

unidade a ser explicada opera no sentido de compreender sua função em um sistema maior ao

qual essa unidade pertence – por exemplo, o papel dos pulmões dentro do sistema

respiratório.

Já uma explicação histórica pode ser entendida como teleológica se caracterizam as

atitudes de um sujeito com expressões do tipo: com o fim de, com o propósito de, etc. São

exemplos explicativos que aludem a algo que o sujeito histórico espera que aconteça no futuro

– de forma consciente, diferente do caso biológico –, e utiliza sua inteligência no sentido de

conseguir que isso se concretize. Dessa forma compreendemos as razões de seus atos e ele se

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torna inteligível para nós53. Repare-se que embora Nagel não faça menção, o exemplo por ele

dado anteriormente, a trama de Cássio contra César, também poderia ter esta estrutura

explicativa em questão, mas para isso além de sabermos que Cássio pertencia a alta classe e

que esta rivalizava com os tiranos, precisaríamos conhecer um pouco mais sobre suas

ambições, no sentido de vislumbrar alguma coisa específica que ele desejasse obter e

entendesse ser possível com a morte do ditador. Outro bom exemplo é a explicação das razões

do divórcio de Henrique VIII com Catarina de Aragão, pois sabemos que ele tinha o propósito

de casar-se com Ana Bolena, muito mais jovem, com quem poderia ter um filho e herdeiro

varão.

Uma nota muito importante de Nagel sobre este último exemplo recai exatamente

sobre uma velha questão da historiografia, se o propósito de Henrique VIII determinaria

causalmente o futuro. A resposta é que não, a única coisa evidenciada nessa forma explicativa

é que em um dado momento o monarca desejava a ocorrência de certo futuro, mas em

nenhuma hipótese foi o futuro que determinou suas ações. Seria um erro gravíssimo

argumentar, em história, utilizando o futuro para explicar o presente, isso nunca seria

possível, apenas podemos argumentar sobre o desejo que Henrique VIII tinha quanto ao

futuro antes mesmo de agir. A cronologia deve ser respeitada sempre. “Dar una explicación

teleológica54, por lo tanto, no equivale necesariamente a admitir la doctrina de que el futuro

es el agente de su propia realización” (NAGEL, 1978, p. 35).

Explicações genéticas – outra estrutura explicativa muito recorrente na história e

mesmo, novamente, na biologia, mais especificamente no caso da teoria da evolução, são as

explicações genéticas. Muitas vezes ao tentar explicar um problema histórico – as razões do

contexto ser do jeito que é, o porquê de apresentar tais características, etc. – o historiador

acaba desenvolvendo uma descrição da forma como a situação evoluiu a partir de outra

anterior. Tais explicações, quando bastante completas, costumam ser muito elucidativas e

convincentes, e há extensas áreas da história que se beneficiaram desta forma explicativa,

53 Dar as razões para o ato é o grande desafio da história ao falar de agentes particulares, voltaremos a isso quando discutirmos a teoria para a ação de Davidson. 54 Outra distinção importante que sinto necessária é dizer que a expressão teleologia também é utilizada por certas noções metafísicas da história, ou mesmo pelo marxismo. Essas visões entendem que existe um propósito por trás das ações humanas, ou que a humanidade caminha para um determinado fim, ou que tudo se fundamenta pela luta de classes, por exemplo. Claro que não é a isso que Nagel se refere quando utiliza o termo.

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como a história processual, por exemplo, que engloba estudos sobre as transformações

econômicas, sociedade, demografia, etc.

Outra ‘vantagem’ das explicações genéticas é que estas podem se referir a seres

inanimados ou animados, indivíduos ou grupos. O exemplo da evolução da linguagem, que

vimos há pouco, ilustra bem como se dá esse tipo de explicação, que para ser bem sucedida

precisa depreender a sequencia de eventos importantes que levaram um determinado sistema

linguístico a se transformar em outro.

John Wilkins, autor de “Evolução e Filosofia - uma introdução” (2006), argumenta

que a Evolução foi uma teoria muitas vezes criticada por não fazer referência a leis naturais.

Ele argumenta que se o modelo nomológico-dedutivo funciona bem na física o mesmo não

precisa ocorrer com a teoria evolutiva, pois existem outras formas explicativas. Ele argumenta

que uma das características do modelo dedutivo, como fora defendido por Hempel, é o da

predição. Como a teoria evolutiva não tem essa capacidade não poderia, como dizem seus

críticos, ser considerada uma ciência completa.

Para Wilkins, a defesa do modelo dedutivo acabou gerando uma visão muito

idealizada de como deve ser uma explicação científica: ele argumenta que qualquer conjunto

de leis é uma simplificação ideal, e que para predizermos onde um determinado planeta vai

estar daqui a 10 mil anos teríamos de ignorar uma série de coisas importantes, como os micro-

corpúsculos, a influência de outras galáxias e dos ventos solares, etc. Claro que a margem de

erro em uma previsão deste tipo será pequena, pois conhecemos bem várias leis aplicadas na

astronomia, mas o erro existirá. Em suma, tais sistemas da física são estáveis e dão respostas

satisfatórias, pois os fatores ignorados no conjunto das condições iniciais não afetam

significativamente o resultado. Mas a Evolução não funciona assim, pois é muito sensível às

condições iniciais e periféricas, em outras palavras, qualquer elemento por menor e mais

desprezível (aparentemente) que seja pode mudar drasticamente o resultado final. Não é

possível predizer com precisão quais mutações irão ocorrer. Além disso, as chamadas leis da

genética não são leis propriamente ditas, pois abaixo de cada um dos assim chamados

‘dogmas centrais’ da genética molecular há ao menos uma exceção.

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Ainda assim a biologia conhece muitas propriedades dos sistemas biológicos, e é

capaz de predizer o que eles farão na ausência ou ocorrência desta ou daquela influência, bem

o suficiente de forma que ninguém ousaria dizer que os biólogos não são cientistas

unicamente porque as explicações evolutivas não possuem leis naturais adequadas. Assim,

temos que a predição difere em graus da predição na física, por exemplo, todavia, cada vez

mais os físicos trabalham com sistemas instáveis e sensíveis e nem tudo pode ser predito. Por

exemplo, um físico é capaz de predizer o que um pequeno número de moléculas fará em uma

chama? O clima pode ser predito de forma precisa? Certamente que não, ou ao menos não na

forma dedutivo-nomológica que por muito se pretendeu.

Para Wilkins, ao invés de predições os evolucionistas fazem retrodições55, buscando

apoiar as transformações das espécies que já ocorreram em leis da genética. Contudo, embora

na forma o modelo dedutivo esteja presente, como leis de cobertura – como é chamado o

modelo nomológico-dedutivo associado à passagem do tempo (casos históricos) – Wilkins

duvida da eficácia forma de tal sistema, e acrescenta:

“...perceba que o modelo dedutivo-nomológico não é sofisticado o

suficiente para capturar tudo de importante sobre explicações

científicas. Uma boa quantidade de explicações científicas se apóia

não em leis, mas em propensões, isto é, possibilidade de se comportar

de uma determinada maneira. E muitas explicações científicas,

convenientes e perfeitamente aceitas, não são dedutivas, mas

indutivas. Isto é, o resultado provável das condições iniciais e das leis

não é de uma dedução rigorosa, mas uma indução com todos os

problemas que traz. Ainda assim, isso é o que ciência faz, quer os

filósofos gostem ou não” (WILKINS, 2006)56.

55 No caso da historiografia isso também ocorre, há quem defenda que no lugar da predição o historiador deva fazer uma retrodição. 56 Não há indicação da página, tradução de Fernando Lorenzon disponível em http://www.evoluindo.biociencia.org. Acessado em 9 de janeiro de 2008.

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Após esse provocativo argumento de Wilkins temos que o próprio Nagel faz

cometários importantes ao formato da explicação genética, isentando-o da necessidade de

conhecer todas as ocorrências anteriores na chamada evolução do sistema que se quer

explicar. Ele argumenta que os eventos são escolhidos de acordo com a importância causal

que têm no sistema e em seu desenvolvimento, e as premissas utilizadas também incluirão,

ainda que implicitamente, suposições gerais sobre a dependência causal dos vários tipos de

eventos.

Vale dizer que tais suposições gerais de desenvolvimento podem ser bastante precisas

e mesmo indicar como surgiram as características individuais de uma espécie, como se

fossem leis de desenvolvimento. Contudo, em outros tantos casos as suposições gerais são

apenas generalizações estatísticas sem a mesma precisão. Isso ocorre quando se investiga a

evolução ou desenvolvimento de uma cultura, por exemplo.

De uma forma ou de outra, ou seja, com mais ou menos precisão, as premissas

explicativas das explicações genéticas nunca formulam as condições suficientes para a

ocorrência do fenômeno ou evento ao qual se referem, apenas apontam condições que

normalmente se verificam quando o evento ocorre. Assim, explicações genéticas são sempre

probabilísticas, e em geral recorremos a elas quando o formato dedutivo-nomológico não é

passível de realização.

Em outras palavras, nas explicações genéticas pode haver referência a leis conhecidas,

mas nunca da forma ideal como o modelo nomológico-dedutivo pretende. No caso dos

eventos históricos as explicações genéticas são de grande utilidade, e não há, segundo penso,

qualquer razão em se aludir a idéia de lei, nem mesmo de lei probabilística, no máximo pode

haver uma certa regularidade estatística normalmente observada em eventos de semelhante

natureza.

É certo que os estudos históricos se utilizam de explicações genéticas, teleológicas e

também probabilísticas, e que em todas essas formas a noção de causalidade está presente no

sentido de relacionar as condições iniciais com as finais, tornando inteligível ao longo da

descrição do problema porque determinado agente histórico agiu dessa maneira, como

evoluíram as questões econômicas, etc. Repare que excluí da lista das explicações históricas o

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modelo dedutivo-nomológico. A natureza do estudo da história é singular e única, tratar de

eventos únicos ocorridos no passado. Não há razão para supor que problemas históricos

possam ser solucionados sob o modelo de leis de cobertura. É certo que a estrutura formal

dessa forma explicativa é interessante pois afasta a metafísica da história, mas as suposições

gerais acerca dos seus problemas são apenas generalizações imprecisas ou regularidades

estatísticas sem maior importância. Não há como submeter os eventos a leis gerais e

tampouco fazer predições. Por outro lado é possível formular explicações causais sem falar

em leis, e o próprio Nagel forneceu vários exemplos.

Ainda assim, filósofos como Carl Hempel procuraram aproximar a historiografia da

física, defendendo que a causalidade só pode ser corretamente afirmada se utilizarmos a

noção de lei. Ele sabia que no caso da história as leis teriam de ser probabilísticas, mas teriam

de ser leis. Vejamos agora a sugestão de Hempel, e depois voltaremos a Nagel, que trata do

problema em um conhecido artigo intitulado “Alguns Problemas da Lógica da Análise

Histórica” .

Uma concepção unitária entre Ciência e História

Durante o século XIX o positivismo ganhou força juntamente com os ganhos obtidos

pelas investigações nas ciências naturais. O desejo de encontrar leis ou padrões para melhor

entender (e até prever) o comportamento da sociedade fez surgir a sociologia.

Diante do sucesso e do crescimento das ciências sociais, surgiu a pergunta: quando a

história vai passar para a segunda fase do processo científico de investigação dos feitos

humanos: a fabricação das leis? Augusto Comte dava uma rápida resposta a esse problema,

para ele o historiador continuaria a ser o responsável pela catalogação e pesquisa dos fatos, e

o sociólogo, uma espécie de super-historiador, conseguiria interpretar esses fatos a fim de

desvendar essas forças sociais invisíveis que determinam os caminhos das ações humanas e

colocaria assim uma inteligibilidade crescente na interpretação das transformações ocorridas

nas diversas sociedades.

Claro que a história não ficaria satisfeita com a definição de Comte, e buscaria,

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sobretudo no mundo anglo-americano, discutir até que ponto as explicações causais em

história se aproximam das explicações causais das ciências naturais: surgia assim o embate

entre o unitarismo e o dualismo (ambos defendendo a racionalidade da história, mas com

estratégias diferentes), exemplificados respectivamente pelos pensamentos de Hempel e

Collingwood.

Hempel esforçou-se em defender a importância do modelo nomológico-dedutivo na

história como forma de afastar a metafísica. Com Hempel a escrita da história ganharia

objetividade e mesmo o status de atividade científica, contudo, também defendia uma visão da

estrutura da ciência que até mesmo os físicos entendem como sendo por demais idealizado.

O clássico artigo de Hempel – “A função de leis gerais em história”

Como vimos no capítulo anterior, o desejo de impor uma maior cientificidade na

história pareceu, em diversos momentos do século XIX e principalmente do XX, um aspecto

recorrente entre os filósofos e alguns historiadores. Claro que diferentes níveis ou concepções

de cientificidade foram pretendidos, mas ninguém chegou mais longe do que Carl Hempel57,

que procurou adequar a história com o modelo das covering laws, atestando que não há

significativas diferenças metodológicas entre a disciplina fundada por Heródoto e as demais

ciências. Afirmou ainda que seria interessante que o historiador também pudesse buscar por

leis causais, e que na impossibilidade disso deveria atentar talvez a leis probabilísticas

observando a relação entre causa e efeito e o poder de previsão histórica.

O seu artigo “A função de leis gerais em história”, publicado pela primeira vez em

1942, ficou bastante conhecido e polêmico, sendo até hoje referência para a filosofia da

história, e embora discorde dele na questão da possibilidade de uma história nomológica e

preditiva, entendo que suas propostas devem ser aqui explicitadas em detalhes para que as

críticas feitas ao seu modelo venham a fazer sentido.

Antes de entrarmos na análise do artigo de Hempel, é importante que saibamos que

57 Carl Gustav Hempel (1905 – 1997) era um filósofo alemão e um empirista lógico, rejeitando por isso a metafísica, que implica em hipóteses não testáveis.

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sua noção de leis causais é derivada diretamente da escola de pensamento da qual era oriundo:

o neopositivismo. Os neopositivistas tinham uma forte rejeição da idéia de causa com

conotações metafísicas – como mecanismos de produção, por exemplo. Ao falar de causa

Hempel está fazendo uma concessão à linguagem da época, mas o que lhe importa realmente

é que haja regularidades suficientemente bem estabelecidas. Em outras palavras, para

Hempel, leis, ou melhor dizendo, hipóteses gerais suficientemente bem atestadas, relacionam-

se com o que se costuma denominar de causa e com o que se costuma denominar de efeito.

Uma leitura apressada das idéias de Hempel poderia conduzir à noção de que Hempel

seja um defensor do mecanismo de causa e efeito, e não é este o caso. Hempel não estava

pensando que há uma causa e um efeito e uma “coisa” que os une, mas tão somente que

existem regularidades. Isso se torna ainda mais evidente na crítica feita ao seu modelo por

defensores do realismo, ou seja, aqueles que defendem que podemos identificar os

mecanismos de produção dos fenômenos, sob a alegação de que o modelo hempeliano é

simplesmente um esquema lógico: a relação entre os enunciados que descrevem as condições

iniciais do problema com a assim chamada lei e a explicação que dali se tira é algo meramente

lógico, ou seja, dedutivo-probabilístico, não fornecendo nenhum mecanismo de

funcionamento para o fenômeno.

Resumindo a questão, quando falamos que a causalidade é nomológica estamos

dizendo que eventos relacionados como causa e efeito devem cair sob leis determinísticas

estritas, ou em outras palavras, que a descrição de uma relação de causa e efeito exemplifica

uma lei estrita – que pertencem a um sistema fechado no qual todo elemento que possa afetar

o sistema está incluído nele.

Hempel inicia seu artigo afirmando que, contrariamente à opinião corrente de que a

história se preocupa, sobretudo, com a descrição de eventos, ela deveria na verdade buscar

leis gerais que participam na explicação de tais eventos, assim como acontece com as ciências

físicas. Contudo, mesmo em outros textos Hempel atesta que nem mesmo nas ciências físicas

as leis são perfeitamente exatas, preferindo então a sensatez de falar em lei causal

probabilística. De forma geral, em sua visão, as ciências físicas e a história têm leis com a

mesma função, sendo a base comum para os métodos de investigação utilizados.

Antes de prosseguirmos, é importante que vejamos o que nosso autor entendia por lei

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geral, no caso uma “afirmação de forma condicional e universal capaz de ser confirmada ou

infirmada por meio de adequadas descobertas empíricas. O termo ‘lei’ sugere a idéia de que a

afirmação em causa é de fato bem confirmada pelas provas relevantes ao nosso alcance...”

(HEMPEL, In. GARDINER, 1969, p. 422 ). Para simplificar, Hempel entendia lei geral e

hipótese universal como sendo na prática a mesma coisa, e cuja função era expressar as

chamadas regularidades no sentido lógico de causa e efeito, ou “em todos os casos em que um

evento de tipo C ocorra em determinado lugar e tempo, um outro evento de tipo E ocorrerá

num lugar e num tempo de modo típico relacionados com o lugar e o tempo da ocorrência do

primeiro evento” (Idem, p. 422).

As leis descobertas deveriam, como já comentado, criar combinações de eventos em

fórmulas que permitam a explicação e a previsão, em outras palavras, os efeitos estudados de

um dado evento devem dar lugar a uma explicação causal nas quais os fatores determinantes

para a ocorrência do evento sejam relacionados. Assim, as causas apontadas em conjunto com

as leis gerais aplicadas acabam logicamente conduzindo a observação dos mesmos efeitos.

Para uma explicação científica precisaríamos das causas para os eventos e das leis ou

hipóteses universais que se aplicam sobre elas, e ele acrescenta que tudo isso deve ser

confirmado por comprovação empírica. Dessa forma, pode-se afirmar logicamente que do

conjunto de causas pode-se deduzir os efeitos que vêm a seguir – ou, sempre que tivermos C,

segundo tal lei geral, teremos E. Para exemplificar essa questão Hempel não se utilizou de um

exemplo histórico, o que seria muito mais difícil, mas de um exemplo de física

(termodinâmica) que expressa uma lei empírica, sendo uma analogia muito fraca e de pouca

valia para sua teoria unitária da ciência como um todo. Vejamos:

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as que se seguem: A pressão atmosférica normal, a água gela abaixo de 32°

F. Abaixo de 39,2° F., a pressão de uma massa de água aumenta à medida

que a temperatura desce, se o volume se mantiver constante, ou se diminuir;

quando a água gela, a pressão eleva-se de novo. Finalmente, terá este grupo

de incluir uma lei quantitativa relativa à mudança de pressão da água como

sendo ela uma função da sua temperatura e volume.

A partir de afirmações destes dois tipos é possível deduzir por

raciocínios lógicos a conclusão de que o radiador rebentou durante a noite:

estabeleceu-se uma explicação para o evento em causa” (Idem, p. 423).

Com esse exemplo Hempel procura demonstrar que a mesma invariabilidade e

previsão da física, mais especificamente da termodinâmica, também deveria ocorrer na escrita

da história. Ele acrescenta que as causas e os efeitos são na verdade as propriedades dos

eventos, e não os eventos estudados individualmente. Essa distinção é importante para

permitir que a história fosse uma disciplina científica, pois se os objetos de estudo fossem

eventos particulares em si a máxima aristotélica de que não há ciência do particular iria acabar

com as pretensões de Hempel.

Assim, se quisermos realizar uma descrição completa de um evento individual

precisaríamos saber todas as propriedades do objeto em causa, e mesmo Hempel admite que

isto não é possível, pois simplesmente não há como saber todas as características que devem

ser submetidas às leis gerais.

A questão da incompletude e da seleção dos fatores causais relevantes é interessante e

acaba por ilustrar a dificuldade em se transpor o modelo nomológico das ciências físicas para

a história. Isso ocorre porque quando estamos estudando as propriedades físicas de um dado

objeto da natureza temos que o objeto se encontra à disposição e é passível de experimentação

em um sistema fechado, ou seja, livre de influências externas ao próprio processo investigado.

Dessa maneira é mais fácil verificarmos as condições iniciais que participam do processo em

questão, tais como a massa, a temperatura, a densidade do mesmo, a pressão em que se

encontra, e assim por diante. Mas e quando se trata de eventos históricos? Imaginemos por

exemplo a Revolução Francesa. Certamente houve em seu desenrolar a participação de uma

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série de condições importantes, intenções, desejos, estratagemas, agentes diplomáticos, causas

religiosas, econômicas, políticas dentre outras tantas que propiciaram o fato em questão. Seria

possível depreendermos todas as condições iniciais que propiciaram o desencadeamento do

processo revolucionário? Ou ao menos encontrarmos evidências empíricas de todas?

Certamente que não. Ao deparar-se com esse problema, Hempel assume que o importante não

é considerarmos todas as condições participantes no processo, mas apenas as relevantes, e

entende que a relevância surge em decorrência da adequação empírica entre as provas

encontradas e a teoria.

Sintetizando as posições de Hempel sobre as leis, temos que a explicação em história

somente ocorre quando temos leis do tipo causa-consequência (causa-efeito) e que necessitam

de comprovação empírica. Somente a utilização dessas leis garante a criação de uma

explicação genuína, afastando a história das chamadas pseudo-explicações que se utilizam de

outros expedientes (por exemplo a história que se utiliza das teorias substantivas, envolvendo

noções como finalidade, destino, missão, etc). Para ele uma explicação bem feita deve

repousar em condições iniciais razoavelmente bem constatadas, leis ou condições gerais

também previamente bem constatadas, e o enunciado a ser explicado deve poder ser deduzido

logicamente das leis em questão. Não se trata de testar uma lei, esta já é conhecida (como no

caso do radiador). Se não se conhece a lei isto é um problema científico e tal deve ser buscada

para que possa ser aplicada à história.

Assim, a previsão, que é um desejo da ciência empírica, consiste basicamente em se

poder deduzir de uma afirmação sobre um evento futuro se ele irá ou não ocorrer, uma vez

conhecidas suas condições iniciais e as leis gerais. Para Hempel a distinção epistemológica

entre uma previsão e uma explicação é mínima e de ordem prática: uma se refere a algo que

ainda não ocorreu e a outra a algo que já ocorreu – atestando assim que uma explicação só

seria completa se pudesse ter funcionado também como previsão do evento ocorrido, e

novamente usa um exemplo físico e não histórico para ilustrar o que diz: “as condições

iniciais e as leis gerais que o astrônomo aduziria para explicar um determinado eclipse do

sol são as mesmas que podiam igualmente ter bastado para prever o eclipse antes de ele ter

lugar” (Idem, p. 425).

Claro que uma afirmação desse tipo daria à ciência uma missão um tanto pretensiosa,

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e próprio Hempel concede, nesse sentido, que é muito difícil que uma explicação seja tão

completa que torne a predição plenamente possível, ou seja, a grande maioria das explicações

são incompletas.

Contudo, muitas vezes a incompletude de uma explicação não chega a ser um

problema para Hempel, bastando para que a explicação seja satisfatória, conhecermos as

condições determinantes e as leis no caso relevantes para o evento em questão. Claro que essa

incompletude traz consequências metodológicas, e soluções como o emprego da

probabilidade.

Para Hempel, uma explicação histórica tem a mesma função de uma explicação

científica qualquer, ou seja, mostrar que um evento não ocorre fortuitamente mas já era

esperado em virtude de seus antecedentes. Não se trata de profetizar o futuro, mas de

antecipá-lo por meio da ciência e da razão graças à dedução por meio das leis gerais. Hempel

asserta que é difícil aceitar que a maioria dos historiadores procura explicar sem se valer deste

instrumento necessário à explicação que é a formulação de leis gerais ou mais modestamente

probabilísticas, apesar da dificuldade, nas ciências humanas, de chamarmos algum padrão de

regularidade ou certa tendência comumente observada de lei. Não é fácil concedermos o

status de lei para muitos desses enunciados, veja-se o exemplo:

“À medida que se vão alargando as actividades do governo, vai o povo

cultivando cada vez mais um interesse adquirido pela continuação e

expansão das funções governamentais. Quem tem emprego não quer

perdê-lo; quem está acostumado a determinada especialidade não

recebe de bom grado uma mudança; quem se habitua a exercer

determinada espécie de autoridade não gosta de ceder a pasta — a única

coisa que poderá acontecer é eles desejarem aumentar a sua autoridade e

o prestígio correspondente... Assim é que os escritórios e as repartições do

governo, uma vez instituídos, criam, por seu turno, forças organizadas, não

só para se fortificarem contra ataques, mas também para alargarem o seu

âmbito de acção” (Idem, p. 427. A parte em negrito é citação de

MCCONNEL, Donald, “Economic Behavior”, 1939, p. 894-895).

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Para McConnel existe uma tendência das ações governamentais procurarem se

perpetuar e expandir, mas isso não explicita uma lei propriamente dita, é por demais perigoso

tomá-la como tal. A dificuldade de se encontrar as leis acabou fazendo com que as

explicações históricas não se valessem desse modelo, ou porque as constatações são

demasiado óbvias ou porque é difícil explicitar com precisão a tal lei e em conformidade com

a comprovação empírica.

Não é, portanto, insensata a posição comumente adotada pelos historiadores, mesmo

os mais ligados à defesa da cientificidade de sua disciplina, de aceitar as regularidades como

elementos úteis a compreensão de um processo e formulação de uma explicação, mas sem

contudo referir-se a leis-gerais. Em geral, essa alusão ao que é regular está presente,

implicitamente, quando o historiador aponta a derrota de um certo exército em função de

determinadas causas (falta de comida, munição, etc) dizendo palavras como: daqui, portanto,

obviamente, etc.

Mas para Hempel, a dificuldade de considerar esses enunciados como leis não deveria

acabar com os esforços de se explicar uma questão histórica tendo em vista a utilização de leis

gerais, ainda que probabilísticas. Para ele mesmo que a única preocupação do historiador

fosse descrever e não explicar, ainda assim ele utilizaria, talvez sem saber, as leis gerais, ao

elaborar o que seria uma explicação causal genuína.

Além disso, a presença da idéia de lei na escrita da história decorre do uso que o

historiador faz de enunciados extraídos de outras ciências. Isso ocorre porque o objeto de

estudo da história é o passado, e diferentemente de um objeto da química sendo analisado sob

um microscópio (ou seja, perfeitamente ao alcance do pesquisador) a máteria da história tem

de ser alcançada por meio de métodos indiretos, de preferência pela utilização de hipóteses

universais que estabeleçam a relação entre os dados atuais com os dos eventos passados. Para

fazê-lo a história se utiliza de leis químicas, físicas, biológicas, etc, as chamadas ciências

auxiliares da história.

Neste último ponto Hempel tem plena razão, não há como imaginar o trabalho de um

arqueólogo, por exemplo, sem os recursos de datação importados da química. Assim, a busca

por um modelo como o das leis gerais na história e muitas das próprias leis utilizadas nas

explicações históricas são elementos importados de outros campos de estudo, mas isso é

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diferente de dizer que há leis históricas que explicam problemas históricos. Claro que muitos

historiadores desejariam encontrar leis apenas históricas, mas Hempel assinala que isso não a

tornaria mais autônoma, e encontrar leis genuínas da história não é assim tão importante.

Por isso tudo, para o autor em questão não há separação entre descrição pura e criação

de hipóteses generalizadoras; além do que é estéril a tentativa de se separar a história como

uma entidade autônoma das demais atividades de investigação científica, afinal, a visão

unitária de ciência de Hempel tem como 'vantagem' (ou desvantagem, dependendo do ponto

de vista adotado) a não demarcação entre as fronteiras das ciências.

Vejamos outro exemplo dado por Hempel: “os lavradores de Dust Bowl emigram para

a Califórnia ‘porque’ a seca e as tempestades de areia contínuas lhes tornam a existência cada

vez mais precária, e porque a Califórnia parece oferecer-lhes condições de vida muito

superiores” (Idem, p. 427-428). Qual seria a lei geral utilizada aqui? Possivelmente a de que

as populações em geral migram para lugares onde sua sobrevivência seja facilitada. Mas será

que podemos verificar isto empiricamente? Bem, é certo que de um grupo de habitantes há os

que migram e os que ficam, e não podemos dizer se a lei em questão foi aplicada a todos, com

precisão e sem margem de erro. O mesmo problema enfrentariam aqueles que tentassem

explicar guerras e revoluções por meio da miséria e dificuldade que o meio impõe aos mais

desfavorecidos.

Dessa forma, temos que nem sempre a lei (ou hipótese universal) atua de forma

determinística sobre os indivíduos, mas serve mais como uma explicação do tipo

probabilística (já vimos a solução probabilística no capítulo anterior, mas repare que para

Hempel o status de lei não é perdido), ou seja, em meio à seca é provável que o sertanejo do

nordeste brasileiro procure o sustento migrando para outras regiões, ou que tenha uma

inclinação para isso. Contudo, isso não invalida o esforço objetivo de Hempel em afirmar que

é função da história procurar por essas regularidades e entender de que forma podemos falar

em leis subjacentes, ou “quer as explicações em história sejam definidas, quanto à sua

natureza, como ‘causais’, quer como ‘probabilísticas’, a verdade é que as condições iniciais

de uma maneira geral e especialmente as hipóteses universais em causa não estão claramente

indicadas, nem podem ser inequivocamente acrescentadas” (Idem, p. 429). No caso

probabilístico temos que, para Hempel, o valor causal da explicação não é perfeitamente

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conhecido, mas sua função permanece a mesma.

Devido a essas imperfeições na explicação temos que ela dificilmente é completa

sendo antes um esboço de explicação que não é assim tão resistente ao teste empírico como

seria uma explicação causal completa. Mas um esboço de explicação tem seu valor científico

assegurado, não se tratando de uma pseudo-explicação, e tal tem como função se não explicar

satisfatoriamente ao menos indicar a direção para a solução de um dado problema (explicação

do evento em causa) além de indicar quais seriam as descobertas empíricas (podendo ser de

natureza diversa, não histórica) que ajudariam o investigador a comprovar suas hipóteses. A

ligação com o universo empírico não deve nunca ser quebrada, e a tentativa de encontrar

justificativas que fundamentem hipóteses não-empíricas (o destino da nação, por exemplo)

está fadada a fracassar do ponto de vista científico, pois tal alegação nunca encontrará provas

empíricas que a corroborem.

Claro que para tornar um esboço explicativo mais sólido o historiador deve, segundo

Hempel, completar sua hipótese e verificar o fundamento empírico das hipótese explicativas

subjacentes a sua. Hempel considera que nem sempre isso é feito, e uma explicação

aparentemente geral e universal muitas vezes trata apenas de aspectos particulares do evento e

nada nos diz a nível macroscópico. Neste ponto Hempel também tem novamente razão em

apontar que a história microscópica é menos interessante para a compreensão das grandes

transformações históricas, mas há que se lembrar que mesmo nas explicações macroscópicas

todas a descrições referir-se-ão a eventos particulares. Há é claro, diferenças nas explicações

macro e microscópicas, vejamos um exemplo.

Imagine que um dado historiador se ponha a estudar um certo evento, certamente

gostaria de pesquisá-lo em todos os seus pormentores (ou todos quanto possível), procurando

nas ruínas do passado evidências (ou provas empíricas) que digam algo mais sobre o dado

evento dando-lhe um valor explicativo individualizado. No entanto, se apenas agrupados

isoladamente, esses elementos não constituem senão uma grande coleção de evidências

empíricas que nada nos dizem em contextos que não sejam microscópicos. Por exemplo,

imagine que o evento em questão se desse durante a Revolução Francesa, no caso a tomada da

Bastilha. É certo que esse historiador especializado na tomada da prisão real trataria de reunir

todos os documentos que contivessem informações sobre esse fato, e conseguiria talvez

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depreender a data e hora em que isto se deu, quem participou, quem foi assim libertado, o

porquê de atacar a Bastilha, quem lhes havia feito oposição, quem se destacou como líder

enfim, conseguiria reunir o nome dos agentes envolvidos, talvez parte de suas biografias, faria

um compêndio pormenorizado de tudo aquilo que caísse em suas mãos e lhe servisse de

evidência empírica para fundamentar (na verdade descrever) a tomada em questão. Mas qual

seria a utilidade disso macroscopicamente? Pouca ou nenhuma, pois este pesquisador não

poderia a partir de seu trabalho localizado responder de forma explicativa e satisfatória a

questões como: Por que a tomada da Bastilha adquiriu tamanha importância simbólica para os

estudiosos da Revolução Francesa? Os ideais libertários dos revoltosos foram satisfeitos? O

caminho escolhido pelos rebeldes parecia na época ser o mais acertado ou o único possível?

Poderia a oposição ter agido diferente? Como esse fato se ligou a política internacional?

Hempel não foi tão longe a ponto de dizer que microscopicamente o historiador faz apenas

descrições, mas penso que é o caso.

Esses detalhes específicos dos eventos, embora sejam sinal de erudição, não são, para

Hempel e seus adeptos, sinal de cientificidade histórica, uma vez que não dariam origem a

nenhuma explicação científica. Parecia, assim, que a história só teria utilidade e valor

explicativo quando se referisse a leis gerais ou probabilísticas, e esta é precisamente a tese de

Hempel.

Voltamos ao assunto do começo desse argumento (explicação e previsão) é

importante, segundo Hempel, que não se considere apenas um fator causal como

determinante, mas o conjunto todo que se mostrar relevante. Também não se deve atestar a

validade de uma explicação histórica porque uma dada previsão se concretizou na prática,

pois pode ter sido simplesmente um palpite engenhoso, e não uma antecipação científica:

“embora o êxito de previsão de uma teoria seja sem dúvida prova relevante da sua solidez, é

importante ter a certeza de que de fato a feliz previsão se obtém mediante a teoria em causa”

(Idem, p. 431).

Em suma, qualquer outra explicação que não a obtida unicamente por meio da teoria é,

para nosso autor, uma pseudoconfirmação sem nenhuma cientificidade ou relevância. Hempel

sentia falta que o historiador se apoiasse mais em leis derivadas da economia, da sociologia,

da antropologia. Esse era seu ideal, e embora defendesse a noção de lei em história, do que

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discordo, suas propostas são extremamente úteis para a criação de uma historiografia mais

teórica, bem fundamentada empirica e logicamente e afastada das fantasias e ideologias tão

presentes em muitos textos.

De forma coerente ao que foi apresentado até aqui, Hempel critica as chamadas noções

de compreensão empatética, ao menos quanto à importância dada a elas, usada por alguns

historiadores. Nas suas palavras o historiador que faz uso de tal artifício “se imagina no lugar

das pessoas implicadas nos eventos que pretende explicar, ...(e) procura compreender o

melhor possível as circunstâncias em que agiram, e os motivos que influenciaram as suas

acções”. Para Hempel a validade dessa explicação se assenta tão somente em uma “auto-

identificação imaginária com os seus heróis”, o que novamente não tem valor científico uma

vez que não se utiliza nem de generalizações universais tampouco de comprovação empírica.

Trata-se de um “estratagema heurístico” no qual o historiador, na prática, “tenta imaginar

como é que ele próprio agiria nas condições dadas e com as motivações particulares dos seus

heróis” (Idem, p. 431) e procura por meio de tentativas criar uma regra geral para a ação dos

agentes em causa. Embora isso tenha algum valor heurístico e possa levar a textos

interessantes, Hempel não enxerga nisso qualquer garantia de rigor científico, embora possa,

por caminhos não convencionais, digamos assim, levar a generalizações que são verdadeiras.

Hempel acredita que esse método empatético é perfeitamente dispensável, uma vez

que há casos em que seria impensável o historiador se colocar no lugar do agente estudado,

pois basta que esse sofra de problemas psicológicos que o historiador não tenha (paranóia, por

exemplo), que o método empatético se transformaria em meras suposições sem nenhum

fundamento, ainda que se estudem as explicações da psicologia para o comportamento

considerado anormal. Uma boa explicação independe da capacidade do historiador se colocar

no lugar do seu objeto de estudo: “o que conta é a solidez das hipóteses gerais em causa, quer

elas tenham sido sugeridas por empatia quer por um método que estritamente se refira ao

comportamento”, ou seja, formular explicações que antes de agradarem a mente com belas

palavras e analogias sejam alicerçadas em “hipóteses empiricamente bem fundadas, relativas

a condições iniciais e leis gerais” (Idem, p. 432).

Apesar da proposta de Hempel ser sedutora à lógica do pensamento histórico, entendo

que na prática a procura por leis causais aplicadas à História seria impossível e conduziria a

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resultados pouco satisfatórios, e a perda do método empatético seria um fator prejudicial.

Imaginemos novamente um historiador preocupado em explicar a Revolução Francesa – ele

teria, segundo Hempel, que determinar quais as condições iniciais (ou causas) mais relevantes

participaram do processo. Ele teria de se ater unicamente ao que possa ser empiricamente

comprovado, sem fazer o tradicional exercício de se transportar mentalmente para a França do

século XVIII para compreender como o pensamento liberal influenciava as massas a acreditar

que a monarquia absolutista deveria ser suplantada por um novo estado liberal –

considerando que a massa tenha alcançado tamanha compreensão sobre o momento histórico

em que vivia.

Um exercício empatético aqui seria certamente de alguma utilidade, e se não desse

respostas concretas poderia informar ao historiador sobre quais tipos de fontes empíricas

procurar. Além disso, é por esse modelo empatético que o historiador procura tomar juízos

causais sobre seus agentes, não há como discernir sobre questões morais na história guiando-

se apenas à luz do empírico, há que se guiar pelo pensamento daqueles que já não existem há

séculos – um tanto quanto próximo à idéia de que a história seja a história do pensamento,

como vimos. E se pensarmos que depreender as causas relevantes da Revolução Francesa já

constitui algo bastante penoso, imagine-se a dificuldade (e plausibilidade) de se determinar as

causas iniciais relevantes a todo e qualquer processo revolucionário de natureza análoga, para

que após uma vasta coleta de dados possamos enunciar: sempre que tais condições iniciais

tomarem lugar teremos um revolução popular a seguir – isso com certeza parece tão

inverossímil quanto as tentativas de se encontrar uma teoria substantiva para a história.

Voltando ao artigo de Hempel temos que além da explicação, da previsão e da

compreensão histórica as leis gerais se apresentam (devem ser admitidas) também em outros

aspectos da atividade do historiador, segundo Hempel:

− a interpretação de fenômenos históricos devem “incluir os fenômenos em causa

numa explicação científica ou num esboço de explicação” (passível de exame

empírico, caso contrário será uma pseudoexplicação).

− Sobre o sentido histórico tomado pelos eventos é importante determinar quais

eventos se relacionam com o evento em causa sob a forma de causa e efeito gerando

um esboço de explicação.

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− Em uma dada descrição devem ser incluídos apenas os elementos relevantes

para tanto, e a relevância é uma questão objetiva para a análise causal, e não simples

fruto da valoração do historiador, fazendo-se referências a hipóteses universais.

Entenda-se aqui uma espécie de defesa da tese da imparcialidade científica, ou seja, o

historiador não escolhe a teoria que vai usar, mas sim é levado até ela por elementos

congitivos aceitos pela comunidade científica. Também as evidências empíricas

usadas para fundamentar a teoria que não são valoradas por sua vontade, mas são

classificadas simplesmente pela forma como se encaixam dentro da teoria.

− As leis gerais estão pressupostas em todas as ciências quando se fizer uso das

noções de determinação e dependência, e é preciso determinar também, através de leis

concretas, como que uma lei depende ou é subjacente a outras. Assim, a afirmação,

por exemplo, de que:

“as condições econômicas «determinam» o desenvolvimento e as

transformações de todos os outros aspectos de sociedade humana só tem

valor explanatório na medida em que for possível corroborá-la mediante

leis explícitas que definam exactamente que espécie de transformação na

cultura humana se seguirá regularmente a transformações específicas nas

condições econômicas” (Idem, p. 434).

Por fim, é interessante notar que apesar de todo o esforço de Hempel em assegurar a

nomologicidade da história, ele se mantém neutro no tocante ao problema das leis

especificamente históricas, e nem considera como válida (ou útil) a tentativa de distingüi-las

das leis sociológicas ou de outras ainda. Na verdade, ele sugere, a maioria das leis utilizadas

pela história são de natureza psicológica, econômica, sociológica, etc, e em parte, talvez

históricas. Mesmo que leis estritamente históricas venham a ser descobertas, isto não tornaria

a história uma disciplina autônoma, e ela continuaria, digamos, 'bebendo' em outras fontes que

não as genuinamente históricas.

Isso conduz claramenta a um problema, pois com o crescimento em complexidade

dessas teorias em cada campo do saber, até que ponto o historiador tem condições de

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apreender delas as leis empíricas que podem ser úteis para os problemas históricos que estão

sendo pesquisados? Para compreender bem e ser capaz de selecionar corretamente as

hipóteses gerais adequadas a cada caso o historiador teria de ser um superpesquisador, capaz

de transitar teoricamente em várias áreas, e sabemos que não é esse o caso.

Além disso, essa posição científica unitária de Hempel exige do historiador uma

grande abertura àquilo que é feito em outros campos do saber, para que sempre que seja

interessante e empiricamente bem fundamentado, uma dessas generalizações ou leis venha a

ser usada com sucesso em uma explicação causal histórica tal qual a ciência o gostaria – de

forma nomológica, ainda que não se formem explicações completas, apenas esboços. Tal é,

para Hempel, a unidade da ciência empírica.

Uma crítica à Hempel e sua visão unitária das ciências.

“It is perfectly clear that the phenomena of

the human world tend to be catalogued in accord

with the historically variable interests that different

societies take in their own world.”

Joseph Margolis, filósofo norte-americano

Como pudemos observar na análise de Hempel, a sua defesa da unidade entre a

história e as ciências naturais baseia-se na idéia de que as explicações históricas devem fazer

referência sempre que possível a leis gerais. E isso não é feito sem nenhum propósito

especialmente definido, mas como resposta a Maurice Mandelbaum, “who apparently favors

the "causal analysis" of singular historical events as opposed to the full "causal explanation"

of such events under scientific laws.” (MARGOLIS, 1993, p. 40). A resposta a Mandelbaum é

curiosa (as idéias antipositivistas de Collingwood certamente teriam sido um exemplo mais

evidente para se atacar), visto que este nunca rejeitou a idéia de que as conexões causais se

submetam a leis gerais, apenas sustentava que no caso da história não se poderia adotar o

modelo das covering laws, pois estas não figuram adequadamente nas explicações históricas.

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Apesar de Mandelbaum não ser um dualista, a rejeição de que o modelo da cobertura

por leis não se aplicava à história serviu para que Hempel atestasse que toda explicação é uma

busca por leis científicas, ou seja, as conexões causais só são suficientemente embasadas

quando fizerem referência a leis empíricas.

Margolis, em sua obra “The Flux of History and The Flux of Science”, aponta alguns

problemas no argumento de Hempel, muitos dos quais já brevemente comentados.

Primeiramente ele coloca que há uma grande diferença entre uma teoria da causalidade

e uma teoria de explicação causal (ele considera uma explicação causal a referência a leis de

alguma forma), e mesmo se aceitássemos que causas necessariamente implicam em leis

causais, disso não se seguiria que uma explicação causal aludisse a leis causais conforme o

modelo das covering laws. Isso não ocorre pois mesmo se desconhecessemos a lei geral sob a

qual o evento é descrito ainda assim poderíamos explicá-lo de uma forma satisfatória e

racional. Margolis nega, assim, que uma explicação, mesmo nas ciencias naturais, tenha

necessariamente de fazer referência a leis do tipo sugerido por Hempel, havendo uma lacuna

do pensamento de Hempel:

“Hempel concedes the first option when he introduces the notion of an

"explanation sketch": "a more or less vague indication of the laws and initial

conditions considered as relevant, [that] need 'filling out' in order to turn into

a full-fledged explanation." But he emphatically opposes the second, since,

on the unity theory, covering laws just are necessary to every causal

explanation, regardless of the nature of the events in question; also, such

laws just are exceptionless universals. Still, Hempel never actually

demonstrates that scientific explanations must or can always have this

particular logical feature. No one ever has. For instance, no one has ever

shown that causality entails nomologicality or a nomologicality rightly

captured by strictly exceptionless universal regularities58. In a sense, it is

an entirely unearned advantage. In another sense, it may simply be a serious

mistake” (Idem, p. 41).

58 Grifo meu. Repare que Margolis sustenta a visão de que o modelo das covering-laws refere-se a regularidades universais que não admitem exceção, mas em nenhum momento Hempel afirma tal coisa.

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A visão de Collingwood é a de que a história suporta regularidades empíricas, mas não

leis invariáveis, pois tais não se poderiam demonstrar, na história, como necessariamente

invariáveis (em princípio), e também pela sua idéia controversa de que as ‘causas’ estão na

mente da pessoa por cujo ato o evento se originou. A tese de Hempel de que apenas leis

empíricas dão origem a explicações causais é complicada de ser aceita até mesmo pelas

ciências físicas.

Margolis ainda lembra que boa parte das dificuldades surgem da diversidade de

entendimentos sobre a causalidade, e coloca que:

“...there is no single settled notion of causality suitable for the

physical sciences, and there is none suited to both the physical and the

human sciences or to the human sciences taken by themselves. Every

account of what a cause is is, effectively, a theory of how to model causes in

this or that sector of the real world: change the picture of the world and you

risk changing the picture of the nature of a cause. There is no viable sense

of causality that is not semantically affected by our theory of the

processes of the real world...

...causality is an interpretive category”59 (Idem, p. 42).

O que Margolis aponta é na verdade (ou ao menos deveria ser) o ponto de partida para

a discussão sobre a cientificidade ou não da história. Em outras palavras, se causalidade não

pode ser definida igualmente para todas as ciências – e nem sequer estou incluindo a história

como uma delas – então não se pode afirmar que uma explicação deva fazer referência a leis

causais invariáveis, talvez nem precise fazer referência a leis, mas apenas regularidades, como

sugere Collingwood no caso da história. Esse ponto já ilustra como a visão unitária das

ciências esbarra nas diferenças entre a teoria e a prática científica, ou seja, se entre um físico e

um biólogo a noção de causalidade já requer diferentes interpretações, quanto mais entre a

história e as ciências. 59 Grifo meu.

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Em contraste a isso Hempel defende que não é possível formular uma noção operativa

de causa sem reconhecer a referência às leis causais invariáveis, e para Margolis essa tese não

é verdadeira dada “the distinction between causality and nomologicality and given the mere

coherence and admissibility of Collingwood's model, regardless of whether we should

ultimately favor it or not” (Idem, p. 43). Em suma, se admitirmos a definição de causalidade

de Collingwood, então mesmo uma explicação causal não poderia fazer referência ao modelo

das covering laws.

Para Margolis, outro problema na argumentação de Hempel reside do que ele chama

de lei gerais, pois em um primeiro momento ele é claramente determinista, atestando que de

posse de uma lei geral, sempre que uma causa C ocorer teremos um efeito E, invariavelmente,

algo que Margolis retruca dizendo que seria difícil de satisfazer em qualquer ciência. Depois

de defender a importância de seu modelo, Hempel concede que uma explicação causal

completa é muito difícil de ser obtida, e fala assim em leis probabilísticas. Mas repare-se que

já fiz a crítica de que leis probabilísticas não devem ter o status de lei, pois a estatística

trabalha com associação e não causalidade. Segundo Margolis “if probabilized 'laws' are

laws, even where they cannot, in principle, be assigned an invariant or universalized limit of

variation, then it is false to hold that causal explanation conceptually requires the covering

law model or that causality requires that there be true nomic universals” (Idem, p. 44).

Penso que alguns pontos da crítica de Margolis a Hempel são um tanto equivocados,

pois se o próprio Hempel concede que explicações causais na história são incompletas, e fala

assim em leis probabilísticas, isso não é uma contradição, mas uma mostra de sensatez.

Apesar de Hempel defender uma visão unitária da ciência ele sabia que as limitações

científicas do historiador são maiores do que as do físico ou mesmo do biólogo, ainda assim

defendia que leis probabilísticas, ao menos, poderiam ser utilizadas na explicação histórica.

O problema da definição de Hempel em querer defender a existência de leis causais

que não admitem exceção é que estas nunca poderão ser empiricamente comprovadas de todo,

pois a explicação causal sempre será incompleta. E mais, a redução ou eliminação na história

de ações, intenções, tradições, etc., não pode ser feita, pois a influência desses elementos é

óbvia, e isso gera um novo problema para Hempel: a causalidade enquanto fruto das decisões

e ações humanas dificilmente se encaixaria em leis. Este ponto faz com que Hempel não

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insista no fisicalismo na história, embora o defenda quando fala da lógica da explicação em

geral.

Margolis chega a dizer que a noção de explicação causal de Hempel para a história é

ingênua, e exemplifica com o caso da emigração dos fazendeiros de Dust Bowl para a

Califórnia em busca de condições de vida melhores. Nesse exemplo a ‘ingenuidade’ (segundo

Margolis) de Hempel reside no fato de que não há razão para acreditar que categorias como

agentes humanos “ever function as the designata of universal laws; furthermore, no reason

has been given for believing that such categories can be suitably replaced or made more

precise in the service of genuine lawlike statements” (Idem, p. 46).

Desse modo, Hempel deveria ter concluído que a história não é uma ciência

propriamente dita, e que sua visão unitária não poderia incluir a história, e Margolis conclui

acertadamente sobre o colapso necessário da teoria de Hempel resumindo a questão assim:

“For, consider that the kinds of events that enter into scientific

descriptions , according to the unity model, are "natural-kind" kinds, that is,

kinds known to be analyzable (or replaceable) congruently with the

explanatory kinds that are the designata of covering-law explanations. The

only "kinds" that (on Hempel's argument) could yield a "scientific" history

are "natural-kind" (or "homonomic") kinds, that is, kinds that, ideally, could

serve, in both descriptive and explanatory contexts, as the designata of valid

laws. If we lacked grounds for believing that we could satisfy that constraint

(by approximation, say), it would be utterly point-less to claim that "the

methodological unity of empirical science" ranges over physics and history

equally, or that "general laws have quite analogous forms in history and the

natural sciences," or that general laws "form an indispensable instrument of

historical research" or "the common basis of various procedures which are

often considered as characteristic of the social in contradiction to the natural

sciences.

Hempel's account cannot but collapse. He has nowhere shown that

the "kinds" of events central to human history are (or could be) of the

same kind of "kinds" he says are required in the physical sciences. We

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may as well say that the general presumptions of the unity of science model

have absolutely nothing to do with demonstrating, piecemeal, the required

reduction. They are no more than articles of faith60”. (Idem, p. 46-47)

Resumindo a questão e reforçando o meu argumento de que o abismo entre a história e

a ciência não deva ser nem tão grande nem tão pequeno (uma definição precisa de limites não

é possível), Margolis sustenta que se o pensamento de Hempel fosse válido então a narrativa

histórica não passaria de uma ficção, já que não entra na questão científica da explicação

causal histórica. Por outro lado se aderirmos ao dualismo radical de Collingwood a defesa da

objetividade na investigação histórica fica bastante comprometida.

Margolis ainda abre uma outra questão que é extremamente abrangente e não consiste

no objetivo deste trabalho. Ele sustenta que o modelo proposto por Hempel não é realizável

dentro da própria física, por exemplo, pois sua noção de lei atemporal exclui a historicidade

da própria ciência física – “which is itself a historical practice, an actual way of exploring the

world. The unity model is an idealization of some sort, a rogue conception that erases the

marks of its own historical structure and makes itself fatally alluring to the modern

imagination” (Idem, p. 48).

Margolis defende que não se pode separar o trabalho da ciência de sua prática

histórica61 e é importante que se crie uma nova concepção da ciência sem se cair na

tradicional bifurcação entre as ciências humanas e as naturais, uma vez que “there is no single

methodology that fits each 'single' science, or the 'whole' of any one science, or the system of

'all' the sciences together...” e no tocante ao método sugere que “there is no method

separable from any and every contingent historical practice addressed to the question of the

truth about the world” (Idem, p. 48).

Tanto Hempel quanto o próprio Collingwood, cada qual a sua maneira, procuraram

defender a ligação da história com a ciência atribuindo a existência de algum tipo de elemento

invariável na análise histórica – embora a noção de história científica de Collingwood seja um

pouco frágil, devida a sua insistência na questão de que toda a história é a história do

60 Grifo meu. 61 Esta questão é muito controversa: se os valores afetam a autonomia, neutralidade e imparcialidade científicas.

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pensamento. Uma vez que na proposta de Hempel o elemento invariável está esclarecido (a

regularidade) vale dizer que no caso de Collingwood a invariabilidade está na própria razão

humana: a razão seria atemporal – repare que a visão de Collingwood traz consigo uma certa

determinação metafísica, como se a razão fosse uma entidade ideal ou transcendental.

Diante da problemática apresentada não resta a Margolis outra alternativa a não ser

desconsiderar a história como ciência (com o que concordo), mas ele vai além e atesta

lamentavelmente que “history is at best an intuitive holding action employed in the context of

human ignorance”. E mais adiante em sua obra complementa: “it provides no more than a

temporal summary of some sort, of some extrinsic interests in the actual world”. Ele

desconsidera assim que a noção da causalidade na história – e a tentativa da explicação

histórica adotar elementos metodológicos da ciência e buscar em muitos casos a verificação

empírica de sua teorias – possa ser algo além de uma mera intuição.

Não posso evidentemente concordar com isso, os eventos ou fatos históricos são

objetos de estudo reais e acessíveis indiretamente através da pesquisa metodológica adequada,

e o resultado dessa pesquisa, incluindo as causas encontradas, levam o historiador para perto,

ainda que em pensamento, da verdade histórica – assim como um investigador reencena um

crime e conclui sobre quem o protagonizou e como o fez – quão perto jamais saberemos.

Nagel e a possibilidade da história científica

Em uma interessante artigo intitulado “Alguns Problemas da Lógica da Análise

Histórica”, Ernest Nagel faz importantes afirmações acerca da possibilidade de uma história

científica. Primeiramente ele coloca a comum distinção entre as ciencias nomotéticas – que

procuram “estabelecer leis gerais abstractas para métodos que se repetem indefinidamente” –,

e as ideográficas – que visam “compreender o que é único e irrecorrente” (NAGEL In.

GARDINER, 1969, p 457). Considerando essa distinção é usual que se diga que a explicação

histórica cai no segundo grupo, sendo substancialmente diferente de uma ciência física

(chamaremos de ciência teórica) – ou seja, a visão dualista é a dominante.

Contudo, esse dualismo não é assim tão forte, segundo Nagel. Ele explica que apesar

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da ciência nomotética ocupar-se daquilo que é geral e fazendo pouquíssimas referências ao

que é particular, ao passo que uma ciência ideográfica trata do que é particular, isso não se dá

de um modo radical. Segundo Nagel, as afirmações particulares tem um importante papel

dentro das ciências teóricas, e a história, por sua vez, faz referências a afirmações gerais:

“quando as ciências naturais tentam explicar uma determinada ocorrência, devem as teorias e

as leis ser completadas por condições iniciais ou de limite” (Idem, p. 458). Assim, na visão

desse autor a comprovação empírica de uma teoria, tão importante nas ciências, remete-se ao

particular, àquilo que é concreto, e temos portanto que “nem as ciências naturais na sua

totalidade nem as suas subdivisões puramente teoréticas se podem considerar exclusivamente

nomotéticas” (Idem, p. 458).

No caso da história Nagel acredita que ao fazer as seleções e abstrações de certas

ocorrências ou eventos, o historiador acaba por admitir afirmações universais (não quer dizer

necessariamente que as admita como leis, mas como regularidades ou padrões) ou descrições

gerais para referir-se ao individual: “tais caracterizações andam associadas ao reconhecimento

de várias espécies ou tipos de coisas e ocorrências e, portanto, à admissão implícita de

numerosas regularidades empíricas” (Idem, p. 458). Para poder estudar os documentos do

passado e fazer um estudo crítico de suas fontes o historiador precisa, segundo Nagel, saber

manejar leis tiradas das ciências naturais ou sociais afim de tirar a história do campo da

crônica e dar a ela leis de dependência causal que supõe serem cabíveis, daí decorre que a

história não é puramente ideográfica.

Todavia, Nagel admite a dualidade entre as ciências teoréticas e a história colocando

que as primeiras procuram definir suas teses (gerais e particulares), ao passo que um

historiador intenta produzir “afirmações singulares fundamentadas sobre a ocorrência e inter-

relações de acções específicas; e, se bem que a realização de tal tarefa só seja possível

mediante a aceitação e utilização de leis gerais”, mas contraditoriamente “os historiadores

não consideram que faça parte da sua tarefa o estabelecimento dessas leis” (Idem, p. 459).

Sem dúvida essa resistência do historiador em aceitar a formulação de leis se dá entre outras

coisas pelo medo de se cair em determinismos, e embora Nagel sustente que as leis não

implicam em determinação, penso que no discurso histórico essa afirmação seria

extremamento indesejável, anulando ou minimizando a importância das ações individuais.

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Considero que ainda que probabilísticas, o emprego de leis remete a regularidades bem

confirmadas, levando invariavelmente a alguma forma de determinação como se espera que

aconteça nas ciências naturais, não há como evitar essa cilada. É bem verdade que

determinação não implica em fatalismo, como já comentei, de todo modo acaba conduzindo o

leitor a uma visão de que a história uma vez determinada levaria inevitavelente àquele fim.

Portanto, uma implicação causal não deve ser vista em história como uma lei causal.

Voltando para a questão da dualidade, Nagel asserta que pelo fato da história “se

ocupar daquilo que é singular e procurar verificar as dependências causais entre ocorrências

específicas, não justifica a divulgada controvérsia de que há uma diferença radical de

estrutura lógica entre explicações nas ciências históricas e explicações nas ciências

generalizantes” (Idem, p. 459) e mais adiante em seu artigo Nagel complementa essa questão

dizendo que em ambas as 'ciências' as “premissas explanatórias incluem numerosas leis

implicitamente aceitas, bem como muitas afirmações singulares de condições iniciais,

explicitamente formuladas (embora normalmente de modo incompleto)” (Idem, p. 460). As

leis usadas na história não são necessariamente, segundo Nagel, explícitas, mas sim

tacitamente subentendidas, muitas vezes simples pressuposições que o historiador toma da

experiência comum ou leis gerais que provenham da estatística62 e que podem afirmar certas

relações de dependência. Já no tocante às afirmações sobre aspectos individuais ou

particulares na história e a importância disso, Nagel coloca que os historiadores não são, em

geral, capazes de resolver, e adquirem normalmente o status de conjecturas – dessa forma ele

entende, assim como Hempel, que o verdadeiro objetivo do historiador é a busca do geral.

Claro que isso é um problema, pois apesar dos historiadores procurarem algum grau de

objetividade a história não é plenamente objetiva, sendo antes mas uma atividade que se

utiliza, com algum sucesso, de expedientes e algumas lógicas de pensamento e metodologia

de trabalho extraídas das ciências físicas e sociais.

No mesmo artigo Nagel identifica alguns problemas enfrentados pelos historiadores na

investigação e análise histórica. A questão começa com a seleção, feita pelo historiador, dos

62 É sempre bom lembrar que a estatística é uma forma de associação que é diferente de causalidade, e penso, portanto, que não se deva falar em leis probabilístcas para a ação humana. A noção de lei, derivada das ciências físicas, não cabe na escrita da história, sobretudo na descrição dos eventos particulares, a não ser que em algum momento a filosofia da mente consiga desenvolver uma teoria da ação satisfatória com base na estrutura física do cérebro, por exemplo, verificando a presença de regularidades precisas e bem confirmadas.

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problemas que ele irá estudar – muitos consideram que essa seleção acaba levando a história

para um caminho que não é objetivo.

A primeira dificuldade reside no fato mais do que óbvio de que nem todos os

historiadores têm as mesmas preocupações ou interesses, daí a divisão da história nas mais

diversas áreas: Antiga Clássica, Antiga Oriental, Medieval, etc. Mas essas diferenças de

'gosto', normalmente ligadas a preferências, talento, influências de outros profissionais, etc.,

não implicam no comprometimento da objetividade histórica apenas pela escolha a priori do

tema de estudo. Nas palavras acertadas de Nagel não existe “razão para se supor que o

historiador esteja em princípio impedido... ...de apresentar uma narrativa exata dos assuntos

que investiga, só porque uma investigação histórica começa por um problema específico ou

porque há determinantes causais a presidir à escolha do historiador” (Idem, p. 461).

Reforçando sua tese em favor da objetividade, Nagel também repudia a afirmação de que em

história tudo esteja impregnado de valor (juízos subjetivos) e coloca que não há fundamento

em “afirmar que o estudo histórico incide exclusivamente sobre ocorrências impregnadas de

valor, a não ser de fato que arbitrariamente se redefina a palavra 'história' de modo a adaptá-la

a essa afirmação” (Idem, p. 462).

Segue-se daí que Nagel nega que haja nas ocorrências estudadas qualquer diferença ou

característica própria que as distingam umas das outras (como se uns temas se prestassem ao

exame objetivo e outros não – umas de natureza eminentemente científicas e outras de

natureza históricas) e “quando um historiador se ocupa de temas que comumente se

consideram impregnados de valor ou quando trata de ocorrências que denunciam várias

paixões, de modo algum se conclui que ele próprio tenha de participar desses valores ou

paixões, ou de os julgar” (Idem, p. 462).

Outro problema infligido à seleção feita pelo historiador, é a de que a história nunca

será completa, e os problemas explicados são de âmbito limitado. Mas isso não acontece com

todas as disciplinas? Há muito que se abandonou a noção de que para se conhecer algo deve

se conhecer esse algo em sua totalidade. Nada restaria como válido, nem qualquer ciência.

Essa crítica sobre a seleção dos problemas a serem estudados também incide na

seleção das soluções apresentadas pelos historiadores, aumentando-se o ceticismo quanto à

objetividade da história ser um alvo atingível. O ceticismo pode ter a seguinte forma:

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“...em vista das relações inesgotavelmente numerosas em que um dado

evento se encontra para com outros eventos, nenhuma narrativa poderá

jamais transmitir a «plena realidade» do que aconteceu. De acordo com isto,

visto que toda a narrativa histórica abrange apenas alguns aspectos de uma

ocorrência e se detém em qualquer ponto do passado na descoberta dos seus

antecedentes, diz-se então que toda a explicação proposta traz a marca de

arbitrariedade e da subjectividade” (Idem, p. 463).

Claro que essa objeção carece de sentido, pois a função da investigação histórica não é

a reprodução integral de seu tema, e se as conclusões tomadas pelos historiadores não forem

seletivas nunca se chegaria a resposta alguma sobre nada, nem sobre as questões mais

específicas. Vale dizer também que muitas vezes uma dada investigação específica levanta

outras questões, o que segundo Nagel não invalida a objetividade da pesquisa, mas mostra que

a atividade científica é progressiva, e se uma das novas questões não puder ser respondida

isso não anula as demais respostas às quais já se chegou.

Influências culturais nas conclusões tiradas também não são um problema

intransponível para Nagel, que defende que essas influências externas não determinam que ele

vá preferir uma conclusão em prejuízo de outra. Entendo que isso se traduz por: qual a melhor

explicação em termos racionais que se ampare empiricamente nas provas concretas que tenho

a minha disposição para acessar o passado? Nagel reconhece que o pensamento tendencioso é

a todo tempo “um desafio constante ao historiador crítico dos problemas humanos; e o estudo

das determinantes causais das tendências”- culturais por exemplo – “é sem dúvida importante,

na medida em que nos obriga a reconhecer a sua existência e a mitigar, se nem sempre a

eliminar, a sua influência” (Idem, p. 465).

Podemos entender essa tentativa de isenção como o comportamento de um júri que

deve decidir sobre a culpabilidade ou inocência do réu apenas tendo por base as evidências

devidamente credenciadas que lhes foram apresentadas tanto pela promotoria quanto pela

defesa. É um exercício difícil, não completamente realizável, mas desejável. E mesmo que

percebamos uma escrita historiográfica tendenciosa, a simples observação da existência de tal

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tendência é uma prova, para Nagel, de que um discurso tendencioso é diferente de um não

tendencioso, e de que isto é perceptível. Assim é possível “corrigir a tendência e obter

conclusões mais conformes à comprovação factual” (Idem, p. 466).

De qualquer forma o zelo sempre é válido para que se determine corretamente a

origem dos fatores causais identificados (se factual ou tendenciosa), mas isso não invalida a

possibilidade de que a história alcance formular explicações causais satisfatórias e, até onde

for possível, objetivas: “...embora o historiador utilize a selecção quando procede às suas

investigações, e embora as tendências sociais e pessoais lhe tinjam muitas vezes os juízos e

determinem as conclusões que ele aceita, nenhum destes factos destrói a possibilidade de

explicações fundamentadas para os eventos...” (Idem, p. 467).

A abordagem de Nagel às leis na história

A solução proposta por Nagel para o entendimento de lei na história é semelhante mas

um tanto mais cuidadosa do que a de Hempel. Para Nagel, grande parte da pesquisa em

história requer que o historiador faça uma apropriação cuidadosa dos elementos relacionados

aos eventos por ele estudados. Essa apropriação, no entanto, não pode ser comprometida

ideologicamente, por exemplo, mas precisa ser evidenciada a partir das evidências empíricas

apresentadas (até aqui nenhuma novidade). Em outras palavras, para que a história por ele

escrita seja científica, é necessário que suas sentenças sejam expressas de forma lógica e que

busque por leis, ainda que probabilísticas.

Nagel sabia, assim como Hempel, que em História nunca teríamos reunidas todas as

condições iniciais que nos permitissem evidenciar quais as causas de um evento necessárias

para uma explicação completa, e achava difícil que com os estudos de casos (eventos) de

natureza semelhante pudéssemos desvendar as leis universais e sem exceção que explicam as

ações tomadas pelos agentes históricos. Mas ele acreditava, contudo, que um profissional da

história saberia encontrar relações causais nos fenômenos históricos e aplicar-lhes leis

expressas de forma probabilística. Por exemplo, se reunidas as condições iniciais da

Revolução Francesa novamente em outro cenário de mesma natureza, é bastante provável que

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teríamos um nova revolução. O que ele procura é na verdade uma expressão de regularidade

em história, algo próximo (mas não idêntico) ao que Hempel procurava. Hempel também

admitia a possibilidade das leis probabilísticas, mas apenas devido a incompletude das

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outra revolução. Mas e se ao invés de Danton e Robespierre tivéssemos outros líderes? O que

nos garante que tomariam eles decisões próximas às dos primeiros mais famosos? Nada. É

exatamente aí que reside o papel do sujeito na História: é sujeito aquele que tem nas mãos o

poder de fazer a História tomar um rumo diferente daquele para o qual as pretensas forças

sociais, econômicas, geográficas, regularidades históricas ou mesmo leis orgânicas parecem

impelir. Portanto, mesmo para Nagel, no que se refere às ações individuais o máximo que

podemos dizer sobre uma causalidade baseada no indivíduo é, por exemplo: é provável que

alguém de formação liberal vivendo em uma monarquia em um estado revolucionário irá

apoiar a facção que está contra o poder do monarca absoluto, e nada além disso.

Claro que do ponto de vista científico essa incerteza da lei probabilística é um

problema, pois não é desejável para o cientista que uma lei por vezes seja verificada na prática

e noutras não – afinal, isso prejudicaria uma das funções da história, segundo Hempel, que é a

predição. Nagel procura ainda resolver o problema no sentido de diminuir o leque de

possibilidades para o que pode ocorrer. Ele faz afirmações parecidas com as que se seguem:

não podemos dizer que amanhã não teremos nenhum confronto armado nos EUA, mas

podemos sim ter certeza de que o próximo presidente não será uma mulher (pois a sociedade é

em sua grande parte machista, e em um sistema democrático é a maioria que decide, por

exemplo), e também não será negro (devido ao racismo existente na sociedade, por exemplo),

dentre outras coisas. Parece-me que a predição fica dividida entre aquilo que não podemos

precisar e o mais ou menos óbvio. Mas cabe aqui a aplicação de alguma lei? E a quem

compete interpretar o mais e o menos óbvio? Não parece ser essa uma apropriação que não é

de todo objetiva? Ainda assim, Nagel mantém-se na defesa da utilidade das regularidades

históricas, e embora seja mais dinâmico do que Hempel, parece estar preso ainda a toda

complexidade epistemológica que envolve a adoção da idéia lógica de lei, que pelo que pude

observar é ainda mais temida pelos historiadores do que o estabelecimento de algum vínculo

causal aparentemente necessário mas não suficiente para a ocorrência de um evento histórico.

Atenuando o problema, Nagel foi sábio ao reservar o termo lei em sua totalidade para

coisas bastante macroscópicas e inevitáveis, por exemplo, que a estágios inferiores de uma

civilização, como uma tribo, sucederá outro mais complexo ao qual chamamos de cidade, e

assim por diante. O termo lei não serve, portanto, para o estudo dos fatos menores e isolados,

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mas das grandes transformações, em largos espaços de tempo. Segundo Nagel saber que não é

possível irmos de tribos para uma complexa civilização sem nesse meio tempo termos o

desenvolvimento de cidades seria uma lei63.

Nagel corretamente concedia que a predição dita como algo probabilístico não dava

margem à criação de leis em história tal qual o cientista natural o faz, ou seja, com a mesma

precisão, muito embora o historiador faça menção a leis que apreendeu de outros campos do

saber. Também é praticamente consenso hoje que o poder de predizer os eventos nunca foi

efetivado na história, simplesmente não funciona por vários motivos, por exemplo: não

podemos determinar todas as condições iniciais64, nunca iremos encontrar dois

acontecimentos distintos e de idêntica natureza, não podemos experimentar a lei histórica a

fim de observar sua funcionalidade, não podemos manipular tampouco a causa ou o efeito

observados para verificar de que modo estão logicamente implicados, e assim por diante, e

Nagel sabia disso.

Resumindo, Nagel afirmava que os problemas epistemológicos nas ciências sociais e

na historiografia surgem de alguns condicionantes negativos reais para a compreensão dos

fenômenos humanos, são eles: a relatividade das formações culturais e das leis sociais, a

subjetividade da observação e os juízos de valor presentes na explicação de problemas sociais

e históricos. Ele entendia que era necessária a investigação controlada e a consciência de que

os fenômenos sociais estão, durante todo o tempo, sujeitos a transformações importantes.

Como representante da tradição neopositivista e empirista Nagel concluiu que apesar das

restrições e das problemáticas apontadas há lugar para os procedimentos das ciências naturais

mesmo nas ciências sociais e históricas.

63 Contudo, como boa parte da historiografia se refere a acontecimentos isolados, atos individuais, problemas locais e específicos, a possibilidade de encontrarmos padrões recorrentes de comportamento é mínima ou inexistente. E mesmo nas questões ditas gerais as regularidades estatísticas históricas são tão imprecisas e vagas que seria preciso bastante coragem para se falar em lei. Como salvaguardar a racionalidade nas ciências humanas sem recorrer a lei ou a padrões de regularidade? Através do uso de outras noções de causa não-nomológica, como a causa intencional, desenvolvida entre outros por Donald Davidson. 64 E não há nenhuma garantia de que as consideradas relevantes pelo historiador realmente o sejam.

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Afinal, podemos falar em leis na história?

Mesmo que o historiador considere a possibilidade de falarmos em leis aplicadas à

história, fica claro que a explicação causal não se submete a leis explícitas – isto não é

necessário como acabamos de ver. De forma geral, a história contemporânea deveria

continuar relutando em aceitar a existência de leis históricas, mas permanecer com a noção de

causalidade, ainda que disso decorram algumas confusões epistemológicas. A não utilização

do conceito de lei de modo algum implica que as evidências empíricas se tornaram menos

importantes. É justamente a pesquisa criteriosa com base na procura e descrição das causas,

ainda que intencionais, que permite que a atividade do historiador saia do campo da crônica

histórica e procure encontrar elementos explicativos que, se não remetam a mesma noção de

causa que o modelo proposto por Hempel, são explicações satisfatórias do ponto de vista das

justificativas racionais que tornam mais claras as causas de um determinado evento, ou

mesmo as razões que levaram os agentes a decidir-se por esta ou aquela atitude. Qual a maior

diferença da história praticada hoje da sugerida por Hempel na década de 40? A aceitação de

que existam causas de outra natureza que as causas ditas científicas, não totalmente apoiadas

em evidências empíricas, por exemplo, sendo mais interpretativos – o que o modelo das

covering laws classificaria como uma pseudoexplicação.

Apesar de suas limitações e problemas, a contribuição dada por Hempel, Nagel, e

outros filósofos empiristas foi vasta, e aproximou o historiador do cientista. Essa aproximação

é fundamental para a construção de uma histórica comprometida com a atividade teórica.

Décadas após Hempel ter escrito seu famoso artigo a historiografia se encontra novamente em

uma encruzilhada, e a preguiça intelectual de alguns pesquisadores, ou o repúdio a filosofia da

história por outros, acabou valorizando a chamada história-literatura e desprezando o rigor

formal com que as pesquisas em história deveriam ser conduzidas.

Algumas analogias com a atividade propriamente científica parecem-me

extremamente importantes para o historiador, e me permito destacar: o abandono da História

enquanto simples crônica do passado; a valorização do fato empírico; a necessidade de adoção

de uma metodologia de trabalho uniforme; o cuidado criterioso na escolha das fontes e na

eleição das mais confiáveis em relação às circunstanciais; o desprezo pela história enquanto

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atividade ideologicamente comprometida – dita panfletária – por não desejar explicar os

eventos à luz das evidências, mas criar evidências à luz das suas idéias; a enorme erudição por

eles criada; a pormenorização do estudo e as reflexões sobre a causalidade em história

Embora Hempel nunca tenha dito nada disso penso que ele concordaria com o que acabo de

dizer.

Em relação à busca pela causalidade na história vale dizer que procurar as causas não

se restringe à procura por leis ou mesmo por padrões de regularidade, mas a elementos

concretos que possam racionalmente justificar a ocorrência de um evento. A impossibilidade

dos fatores causais em darem luz a leis históricas não significa que as conexões causais

tenham perdido seu poder explicativo, além disso, o modelo de leis de ação individual

probabilístico apresentado por Nagel se não cativou aos historiadores em geral há que se

admitir que é uma forma de trabalho lógica e perfeitamente funcional, e, além disso, manter-

se uma postura inflexível diante da necessidade de obedecer-se a um método e rotina de

trabalho e a tentativa de manter-se, na medida do possível, afastado emocionalmente dos

objetos pesquisados, deixando claro em quais pontos a interpretação é subjetiva e em quais ela

se ilumina à luz da evidência empírica são, a qualquer tempo, elementos desejáveis a qualquer

pesquisador, sobretudo na história.

Também permanece perfeitamente lícito para o historiador que ele faça uso das leis e

estruturas causais e lógicas utilizadas por outras ciências. Mas uma vez que sua preocupação

não será verificar a estrutura lógica e a cientificidade dessas leis, e sim sua correta utilização

teórica na história, decorre que não será possível verificar empiricamente na obra

historiográfica a lei (de qualquer tipo, sociológica, geográfica, etc.) utilizada. Também não há

garantias de que a utilização de uma lei econômica, por exemplo, continue válida quando

inserida em um contexto histórico diverso – uma vez que este contexto não é diretamente

observável (trata-se do passado) e acessível somente através da mente do historiador que lê

suas evidências.

É preciso deixar claro que o historiador não está em busca de leis gerais e muito

menos leis genuinamente históricas – que ninguém até hoje conseguiu encontrar –, mas por

vezes encontra certas regularidades sobre as quais sustenta algumas de suas conclusões a

respeito da causalidade dos eventos estudados. Essa é a opinião de Collingwood quando

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afirma que “a positive science of mind will, no doubt, be able to establish uniformities and

recurrences, but it can have no guarantee that the laws it establishes will hold good beyond

the historical period from which its facts are drawn” (COLLINGWOOD citado por

MARGOLIS, 1993, p. 38). A referência de Collingwood a uma ciência da mente é importante

para a negação da possibilidade de encontrarmos leis nas ciências humanas, visto que não é

certo que as operações mentais possam ser reduzidas a um vocabulário científico, como o da

física. Veremos isso logo adiante ao tratarmos sobre Donald Davidson.

Há sim certo abismo entre as concepções das ciências naturais e da história, e ele não é

nem mínimo (ou inexistente) – como sugere Hempel – e tampouco tão grande como propõem

certas visões relativistas da história – nas quais, ao que parece, toda teoria pode ser válida,

dependendo de como ela é aceita pela sociedade, pelos padrões culturais, etc. Os defensores

dessa visão menos teórica da história agem como se o próprio evento histórico fosse apenas

uma construção imaginária da mente do historiador, uma espécie de literatura na qual o

explicar dá lugar a narrativas belamente contadas e enfeitadas.

Penso que a única maneira da historiografia permanecer nos trilhos da produção

intelectual dita racional e objetivada é a defesa da noção de causa e o devido afastamento do

modelo das leis de cobertura. Apesar da proposta de Hempel e Nagel sobre o papel das leis-

gerais em História ser apenas conceitual, ou seja, uma operação lógica, não há até o momento

nenhuma explicação histórica que tenha sido satisfatoriamente apresentada por meio desse

modelo. Passados 25 séculos a crítica de Aristóteles à possibilidade da história como ciência

continua sendo válida, ela se refere ao que é particular e muitas vezes mental, e não pode

sofrer generalização. Embora seja lícito ao historiador procurar padrões ou regularidades, isto

de dá de uma forma muito subjetiva, cabendo ao pesquisador desenvolver ele mesmo uma

estrutura ou teoria de interpretação dos eventos históricos. Assim, até é razoável pensar que

em uma dada explicação histórica haja a estrutura lógica ‘causa e efeito’, mas ela seria obtida

após a interpretação do historiador sobre os possíveis fatores causais que levaram o agente em

questão a agir de fato, e de nenhum modo recai sob as circunstâncias de um sistema fechado –

próprio para a aplicação das assim chamadas ‘leis de cobertura’.

A causa de um evento histórico consiste em encontrarmos um padrão de racionalidade

para a ação humana, de modo que um determinado evento possa ser compreendido a partir da

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compreensão e apresentação de seus elementos causais. A unicidade de tudo isso impede

qualquer referência a lei, e a inoperância do modelo das leis de cobertura na história parece

reforçar ainda mais a missão de defendermos o emprego da causalidade, preservando de

alguma forma a direção objetiva dos estudos históricos.

Resumindo a questão e remontando ao que foi analisado no primeiro capítulo,

proponho que a causalidade em história é possível, e que sua natureza tem a mesma origem da

causalidade utilizada em outros modelos explicativos empregados também nas ciências

naturais (genéticas, por exemplo) – e não uma categoria de causa completamente diversa,

como proposto por alguns filósofos da escola britânica. Contudo, devemos atentar para o fato

de que não se trata de uma causalidade determinística65, e sim probabilística ou mesmo

intencional, dependendo da natureza do problema histórico. Tal noção de inferência é inerente

ao que Collingwood, Walsh, Carr e Dray chamariam de ‘racionalmente justificável’. Onde

fica o espaço para a atuação dos indivíduos? Precisamente nas indeterminações, nas

ocorrências imprevistas, nas tomadas de decisão, nas escolhas morais, enfim, toda sorte de

variantes que impõem desafios para a explicação causal que sempre atenta às condições

aparentemente necessárias, e nunca suficientes para a explicação de um problema histórico.

Quanto à noção de lei histórica proponho que tal denominação permaneça afastada do

vocabulário historiográfico, pois por mais semelhanças e padrões que encontremos, a

regularidade histórica é impossível de ser corretamente verificada uma vez que cada

acontecimento é único e irreprodutível, podendo-se constatar apenas algumas vagas

regularidades estatísticas – no caso de referir-se ao que é geral. Deve-se ainda elaborar melhor

a noção de causalidade quando esta se referir à explicação dos atos dos agentes individuais:

causa intencional. Qualquer que seja o caso a ‘lei’ não se aplica.

65 Determinismo entendido como o inevitável.

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Donald Davidson e a causa intencional: uma alternativa ao modelo nomológico-

dedutivo

“Como obedecer a realidade? Vendo as conexões

causais. Elas são de dois tipos, dependendo da direção da

causalidade: a ação revela os efeitos do pensamento de um

agente sobre o mundo exterior a ele; as sensações mediam

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“Essays on Actions and Events”, 1980), Davidson coloca três princípios importantes da

relação entre o mental e o físico no tocante à causalidade:

(1) Princípio da interação causal entre o físico e o mental: pelo menos alguns eventos

mentais interagem de forma causal com eventos físicos. “if someone sank the Bismarck, then

various mental events such as perceivings, notings, calculations, judgements, decisions,

intentional actions, and changes of belief played a causal role in the sinking of the Bismarck”

(Idem, p. 208). Davidson acredita que a percepção ilustra a maneira como a causaidade vai do

físico ao mental: “if a man perceives that a ship is approaching, then a ship approaching

must have caused him to come to believe that a ship is approaching” (Idem, p. 208).

(2) Princípio do caráter nomológico da causalidade: onde há causalidade deve haver

uma lei e eventos relacionados na forma causa – efeito devem cair sob leis determinísticas

estritas

(3) Princípio do anomalismo do mental: não há lei determinística estrita que possa

cobrir eventos mentais, tais não podem ser preditos tampouco explicados por meio destas.

Voltarei a esse conceito mais à frente.

Reparem que Davidson não nega que existam leis e que estas tenham um papel

fundamental para a explicação de eventos físicos que recaiam no binômio causa e efeito,

contudo, existe uma clara distinção entre fornecer explicações para eventos particulares, que é

o caso da história, e explicar eventos gerais. Davidson tratou disso no que chamou de ‘tipos

de eventos’. Em “Events as Particulars” (In. “Essays on Actions and Events”, 1980)

Davidson também assinala que os eventos são compreendidos por nós como particulares e

únicos: “a pebble moves, an island is born, a land slides, a star explodes” etc., e a nossa

linguagem nos encoraja em pensá-los dessa forma “by suplying not only appropriate singular

terms, but the full apparatus of definite and indefinite articles, sortal predicates, counting,

quantification, and identity-statements; ali the machinery, it seems, of reference”... e

prossegue afirmando que se nós aceitamos tais sentenças como tendo uma forma lógica, então

estamos comprometidos com “an ontology of events as unrepeatable particulars ('concrete

individuais'66)” (Idem, p. 181).

Existe muito para se falar sobre a teoria de Davidson, em especial sobre o longo 66 Grifo meu.

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estudo que dedica à filosofia da linguagem criando uma teoria da interpretação. Contudo, o

objetivo desta breve menção de sua obra neste trabalho é apresentar uma defesa da

possibilidade da história fornecer descrições racionais e até mesmo causais, fugindo do uso de

leis gerais ou leis de cobertura.

Em outro interessante artigo intitulado “Making Something Happen – Where

Causation and Agency Meet” (2007), de Geert Keil, a visão de Davidson para as ciências

humanas é reavaliada e o ponto mais importante para o autor parece ser justamente o fato de

que, segundo Davidson, “a logical or conceptual connection between descriptions can never

eliminate a causal relation, which holds between events simpliciter, not between events under

certain descriptions.” (KEIL, 2007, p. 19-20). É precisamente desse modo que as razões se

tornam causas e quando alguém age por alguma intenção, esta última é a causa do movimento

de seu corpo em direção ao objetivo perseguido. Para Davidson a racionalização é uma

espécie de explicação causal, ou seja, podemos ter explicações causais genuínas de outra

forma que não a concepção clássica apresentada por Hempel.

É interessante notar que Davidson coloca os eventos mentais como elementos causais

para os eventos, colocando o historiador por vezes no papel do psicólogo, que procura

interpretar, a partir do que dispõe, como pensava seu agente estudado. A abordagem de

Davidson joga uma luz sobre a possibilidade de estabelecermos formas de explicação que

envolvam ações e eventos, sobretudo no que se refere a investigação de um agente histórico

em particular, um ato individual. Tudo isto entra na sua noção de causalidade para os eventos

particulares, e pela sua originalidade cabe menção aqui.

De um modo geral a filosofia proposta por Davidson é original, sobretudo por ser

amplamente descritiva, ou seja: se podemos criar um modelo explicativo para descrever um

determinado fenômeno então já explicamos praticamente tudo o que é dado a explicar;

Diante disso penso que a noção de causalidade davidsoniana se aproxima bastante com

o que proponho, manter a causalidade na escrita da história, mas fugir da noção usual que

fazemos de lei, já que os casos descritos são eventos particulares e as fracas generalizações

possíveis não nos permitem ir além de meras comparações entre os eventos.

Atacando a nomologicidade nas ciências humanas, sobretudo na História - visto que

esta é composta de uma sucessão de eventos particulares -, Davidson não aceitava que eventos

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mentais pudessem cair sob as assim chamadas leis causais, como acontece na física. Sobre

essa questão ele identificou quatro teorias para explicar a relação entre eventos do tipo mental

e físico:

- monismo nomológico, há leis que correlacionam eventos mentais e físicos, e

tais eventos são da mesma ordem (idéia dos materialistas);

- dualismo nomológico, agrupando formas de paralelismo, interacionismo e

epifenomenalismo;

- dualismo anômalo, que combina o dualismo ontológico com a falta de leis

para correlacionar o mental e o físico (como é o caso do cartesianismo);

- monismo anômalo, teoria defendida por Davidson (fisicalista e não-

reducionista), que afirma que há uma identidade entre eventos mentais e físicos, mas

que os primeiros não podem ser reduzidos ao nível dos segundos. Segundo Paulo

Ghiraldelli Jr., Davidson insiste que os eventos mentais “não se apresentam segundo

regularidades cabíveis em descrições formuladas em leis estritas, como as que se

encaixam em formulações matemáticas, por exemplo” (GHIRALDELLI JR., 2007, p.

10). Isso não significa dizer que os eventos mentais não estão sob qualquer forma de

causalidade, muito pelo contrário, estão sob causalidade assim como qualquer outro

evento físico, mas uma causalidade que não pode ser reduzida ao outro tipo - mas

talvez até se possa falar da existência de leis mentais.

Davidson acredita que mesmo nos afastando do modelo reducionista ainda podemos

descrever nossas atividades de forma bastante geral, em especial nos dois mundos em que

habitamos, o físico e o social – no primeiro agimos, e no segundo conversamos com outros

seres humanos, ou seja, estabelecemos a relação complicada entre linguagem e entendimento.

Ambas as atividades estão de certa forma relacionadas, e Davidson tem diante de si a difícil

tarefa de desenvolver uma teoria da ação e uma teoria do entendimento mútuo, ou a

interpretação que fazemos do que somos e de como nos ligamos ao mundo. No nosso caso

iremos nos deter um pouco na questão da teoria para a ação.

Uma boa definição do que seja uma teoria para a ação é dada por Ghiraldelli Jr,

quando ele afirma que quando a filosofia fala em teoria da ação, o que em geral se quer é

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“uma exposição da estrutura básica da nossa ação, as formas e processos pela qual a ação

ocorre e os modos em que é descrita e explicada”, ou seja, procura-se expor de forma

satisfatória “um determinado comportamento do agente – aquele que desempenha uma ação

– mostrando um elo específico entre três elementos: o que o agente faz, a causa da ação do

agente e, enfim, a razão do agente para tal ação” (Idem, p. 14).

A teoria da ação é extremamente interessante para o historiador, pois ao fornecer uma

explicação racional para a ação individual Davidson acaba salvando a racionalidade das

ciências humanas, refutando a necessidade da nomologicidade nas ciências humanas e

fornecendo ao universo teórico do historiador uma nova categoria de causa para o agente

estudado – a causa intencional: “o caráter distintivo do mental não é seu ser privado,

subjetivo ou imaterial, mas o de exibir o que Brentano chamou ‘intencionalidade’”

(DAVIDSON, 1980, p. 211).

Mas o que seria uma teoria da ação fora do universo da ciência? Apenas uma

exposição da estrutura de nossas ações, o processo como ocorre e o modo como a ação pode

ser descrita e explicada. Desde o naturalismo, ao se falar de causalidade ligada a um agente

individual o que se queria era fornecer as causas e as razões para o ato – causas e razões como

categorias diferenciadas, as primeiras observáveis e seguras, e as segundas não. Também é

importante ressaltar que a filosofia sempre se esforçou em diferenciar causas de razões, como

se fossem classes diferentes de poder explicativo, a primeira típica das ciências naturais e a

segunda das ciências humanas. No tocante à ação, tanto os historicistas quanto os positivistas

sempre tiveram em suas definições noções bastante distintas entre causas e razões. Seguindo a

tradição naturalista explicar uma ação era apresentar as causas para os atos, e suas razões,

tomando o devido cuidado de não confundir as duas coisas. Vemos essa preocupação na

história da filosofia desde David Hume até os empiristas lógicos. Já o historicismo

argumentaria contra os positivistas lógicos atestando que a causa fornece a explicação, e a

razão fornece a interpretação ou compreensão do problema, como é própria das ciências

humanas.

O grande feito de Davidson foi simplificar essa questão atestando que razões são

causas67, ou seja, a razão que explica é a causa da ação. Em outras palavras Davidson coloca

67 A noção de causa racional é de difícil formulação, e resulta muitas vezes em algo um tanto vago. Daí a forma

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que a causa que fundamenta uma ação, ou a razão que a explica sob uma descrição, são

fundamentalmente a mesma coisa. “...it is not events that are necessary or sufficient as

causes, but events are described in one way or another” (Idem, p. 172).

Claro que encontrar uma teoria da ação adequada para explicar o comportamento de

um determinado agente histórico e as razões/causas que motivam seus atos é uma tarefa

considerável, visto que há os elementos visíveis no contexto em que o agente se encontra, e os

assim chamados invisíveis (vontades, medos, valores, etc.). Diante de uma gama tão variada

de possíveis explicações não há como isolarmos uma causa, singular ou exclusiva. Como

escolher então a causa que iremos apresentar como mais apropriada para explicar o

comportamento do agente?

Davidson coloca que a teoria causal utiliza-se da noção de razão primária68 (“primary

reason”), ou seja, aquela que gostaríamos de apontar como sendo o fundamento para a

explicação/descrição do fenômeno ou evento observado. A razão primária, quando apontada

por uma explicação que teve origem na teoria causal da ação (segundo Davidson) é a causa

que explica o próprio evento.

Em outras palavras, a razão primária é precisamente aquela que racionaliza, explica e

fundamenta uma ação. Uma vez apontada essa razão primária passamos a compreende uma

determinada atitude de um agente como razoável. A principal diferença em se buscar a

causalidade de eventos individuais, é que ao invés de procedermos a generalizações,

associações, dados estatísticos, etc., o historiador deve levar em conta na sua teoria causal da

ação elementos como as crenças e os desejos que o agente tinha quando se colocou a agir. Em

outras palavras, crença e desejo são os elementos mentais que precisamos acessar para

fornecer uma causa intencional.

Voltando novamente ao exemplo de Gravilo ao decidir-se por assassinar Ferdinando,

temos que Gravilo tinha um desejo: a liberação e união dos povos eslavos sob domínio

austríaco, e tinha a crença de que somente um ato hostil poderia dar início a essa revolução.

Em outras palavras, acreditava que se Ferdinando vivesse tudo continuaria como estava. Essa

como Davidson aborda ser bastante funcional: razões são causas que se apresentam no universo físico e podem ser conhecidas, ainda que tenhamos de nos deter em certos elementos não visíveis (filosofia da mente). 68 Uma das principais idéias apresentadas por Davidson em seu famoso artigo “Actions, Reasons and Causes”,

de 1963.

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breve descrição que acabo de fazer é na verdade a formulação de uma razão primária para a

ação de Gravilo, uma explicação “causal” (do tipo davidsoniano) que torna razoável a ação do

jovem ativista sérvio.

Mas isso significa dizer que outra pessoa, que não Gravilo, munida da mesma crença e

desejo (razão primária) também estaria fadada a cometer um homicício? Certamente que não,

se assim o fosse de nada valeriam os esforços de Davidson de se afastar do determinismo

nomológico. Ele sai dessa enrascada epistemológica colocando que o agente munido de tal

crença e desejo precisa estar predisposto a cometer tal ato. Essa predisposição é uma coleção

muito ampla de valores, necessidades, estímulos, aspectos morais, condição econômica,

princípios estéticos, e assim por diante. Também é certo dizer que duas pessoas nunca

apresentarão a mesma predisposição para algo, embora possam desejar e crer na mesma coisa.

A racionalização deve servir aos observadores como a apresentação de um porquê para

a ação do agente, e deve haver uma razão primária para cada ação tomada, razão esta que

fornece a explicação. No caso da história poderíamos dizer que as explicações surgem quando

identificamos a crença e o desejo por trás de cada ação do agente em causa, e que a

racionalidade do discurso consiste exatamente no fornecimento de razões primárias que

esbocem um padrão de comportamento para esse mesmo agente, de modo que possamos

conhecê-lo melhor e até mesmo fazer suposições do tipo: se ele estivesse aqui agiria de tal

modo; se não tivesse morrido naquelas circunstâncias certamente não viveria muito, levando-

se em conta o estilo de vida que levava; etc. Claro que essas suposições não são conhecimento

legítimo, mas derivam do padrão de racionalidade que apresentamos para o agente.

Em associação com o desejo e a crença Davidson propõe mais um elemento para sua

teoria da ação: a intenção. Esta tem uma natureza similar à crença e ao desejo, sendo diferente

apenas no enunciado lógico que formula, e não deve ser vista como uma força exterior ou

estranha aos outros elementos envolvidos na ação. De forma geral, interessa saber que o

historiador que fizesse uso da noção de causa intencional, diria que a intenção, quando

precede o ato e influencia seu agente, funciona como uma ponderação entre o desejo e a

crença que levaram o agente a operar. Em outras palavras, a intenção de Gravilo de matar

Ferdinando partiu da ponderação que fez com o desejo de ver os sérvios unidos sob o mesmo

território e a crença de que somente um ato hostil seguido de suicídio (uma vez que ao

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ponderar ele pensa nas conseqüências), como um martírio, iria funcionar. Se não

conhecêssemos a crença e o desejo de Gravilo a sentença ‘ele tinha intenção de matar

Ferdinando’ fica desprovida de sentido uma vez que não é ela que causa a ação, a intenção

precisa operar em conjunto com o par ‘desejo e crença’, ou seja, com a razão primária para a

ação segundo a teoria.

A noção de intenção é importante, sobretudo, quando temos diferentes descrições para

o mesmo evento, por exemplo, dizer Ferdinando foi baleado é o mesmo que dizer Gravilo

atirou em Ferdinando? Ambas parecem se referir ao mesmo evento, mas é a segunda que nos

fornece a mais preciosa descrição do mesmo evento, pois existe nela a noção de intenção.

Outro exemplo é dado por Davidson em “The Individuation of Events” (mais um artigo de

“Essays on Actions and Events”, 1980) ao argumentar sobre a teoria de Jaegwon Kim69 e seu

trabalho “On the Psycho-Phisical Identity Theory”. Kim enfatiza que dizer Brutus apunhalou

César é diferente de dizer que Brutus assassinou César e, portanto, cada descrição aponta para

um evento diferente. De fato não é absurdo dizer que tais sentenças são diferentes, visto que

nem sempre que apunhalamos alguém essa pessoa morre. Contudo, Davidson coloca que

Brutus's stabbing of Caesar did result in Caesar's death; só it was in fact, though of course

not necessarily, identical with Brutus's killing of Caesar70 (Idem, p. 171). Em suma, ambas

as descrições apontam inevitavelmente para o mesmo evento histórico, embora uma das

descrições seja mais elucidativa por conter o elemento intencional.

Segundo Ghiraldelli ao descrever a teoria de Davidson, “uma ação (para a qual

cabem várias descrições) é considerada intencional se há ao menos uma descrição que revela

uma característica da ação responsável pela motivação do agente em realizá-la”

(GHIRALDELLI JR, 2007, p. 20). Dentro da perspectiva filosófica de Davidson a intenção

atua como um diferenciador dentro do conjunto das descrições, mas semanticamente é igual

aos desejos e as crenças.

Até aqui a proposta de Davidson tem se sustentado sem maiores problemas ou

69 Jaegwon Kim (1934 - ) é um filósofo americano que em seus últimos trabalhos, como Physicalism, or Something Near Enough (2005), afirma que o fisicalismo é insuficiente para resolver certos aspectos da mente. Por exemplo, ele defende que estados intencionais da mente (crenças e desejos) podem ser funcionalmente reduzidos à compreensão de seus operadores neurológicos, mas que os estados qualitativos ou fenomenais da mente são irredutivelmente não físicos. 70 Grifo meu.

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oposições, mas eis que surge o problema, diante de uma infinidade de razões para a ação,

como escolher a razão primária? Ou seja, o par desejo e crença que melhor fundamenta a

ação?

A solução deriva de outra teoria, a teoria da decisão de Frank Ramsey71, que consiste

em dizer que existem diferentes graus de certeza da parte do agente sobre suas próprias

crenças. Em outras palavras, o grau de certeza de um ativista terrorista, como Gravilo, sobre

suas crenças parece bastante sólido, e o mesmo grau de solidez não se apresenta em outras

razões primárias possíveis. Cabe ao observador entender o agente como alguém que pondera

sobre suas escolhas, e que este ao decidir por uma delas avaliou certamente a magnitude de

suas conseqüências e a probabilidade delas virem a ocorrer – uma visão certamente

pragmática sobre a questão da tomada de decisão.

Mas é claro que quando o agente toma uma decisão esperando certas conseqüências,

não é certo que estas venham a ocorrer, ou se ocorrerem que o seja da forma esperada, e o

agente não é, espera-se, ingênuo quanto a isso. Em outras palavras, o agente aposta com as

conseqüências de seus atos esperando um resultado positivo para si, como é uma aposta não

se trata tanto de uma crença, mas sim de uma probabilidade subjetiva. Torna-se válido falar

em graus de crença e graus de desejo que levam o agente a agir preferencialmente de um

modo do que por outro. Conhecendo os diferentes níveis de certezas e o quanto o agente

aposta no resultado esperado, podemos escolher mais apropriadamente o melhor, ou mais

forte, par de crença e desejo que explica a ação. A partir disso também podemos traçar mais

corretamente o perfil do agente e melhor racionalizá-lo, ou seja, quão melhor for a descrição

do seu perfil, maior o grau alcançado de racionalização e de previsibilidade para seus atos.

Claro que qualquer teoria da ação pressupõe que o investigador saiba comparar os

vários pares de crença – desejo, e para isso ele precisa conhecer o conteúdo das atitudes

proposicionais do seu agente. Davidson alerta que não devemos supor conhecer o agente, mas

investigá-lo sob a luz de uma nova teoria da qual a teoria da ação depende: a teoria da

interpretação, uma forma de investigação que permita ao investigador conhecer o agente e o

71 Frank Ramsey (1903 – 1930) foi um jovem matemático inglês, que discordava do ponto de vista de John Keynes sobre a possibilidade da probabilidade subjetiva. Ramsey acreditava que elementos subjetivos influenciavam na tomada da decisão do indivíduo, e conseqüentemente deveriam fazer parte da teoria.

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conteúdo proposicional de suas atitudes. É claro que no início de toda investigação causal o

investigador pode avançar sem conhecer tão a fundo seu agente, mas vai chegar o momento

em que ele tem de ser capaz de dizer como pensava e o que queria seu agente, e mais, tornar

inteligível essa mesma forma de pensar, de modo que seja possível comunicar esse

pensamento. Em outras palavras, meu agente em questão pensa desse modo e isso faz

plenamente sentido para mim, podendo ser comunicado de forma racional e plenamente

compreensível. Somente assim o investigador poderia se colocar no direito de escolher o

melhor par crença-desejo para fornecer a razão primária do agente e, conseqüentemente,

enunciar qual é a causa da ação.

Claro que para compreender a teoria da interpretação de Davidson precisamos recorrer

ao longo estudo que faz sobre a filosofia da linguagem, o que extrapola o conteúdo deste

trabalho. De qualquer modo, fica claro que, ao menos para ele, a racionalidade e a causalidade

não dependem do modelo de leis de cobertura, e os eventos mentais também desempenham

um importante papel causal para os eventos físicos (e históricos, portanto). Para Davidson,

existem as chamadas causas naturais e as razões, ou causas, ligadas ao comportamento do

indivíduo, e estas últimas não podem sofrer generalização – por isso não há lei nas ciências

humanas, e era precisamente esse respaldo que procurava.

A questão das regularidades históricas

O que seria uma regularidade histórica? Vejamos um exemplo: ‘revoluções populares

são acompanhadas de violência’. Bem, violência parece ser uma das características básicas de

uma revolução, ou seja, ao alterar de forma radical e profunda muitas das conjunturas de um

lugar em um curto espaço de tempo é natural que muitos considerem isso como algo violento,

quer no sentido físico, quer no sentido moral ou cultural. Não se trata de uma regularidade,

mas simplesmente de uma característica que faz parte da própria definição do que se está a

dizer. Uma regularidade satisfatória diria que generais em meio a revoluções populares de

semelhantes características tendem a agir deste ou daquele modo, mas isso simplesmente não

ocorre e se ocorrer poderia muito bem ser simples coincidência. Seria preciso conhecer os

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generais em causa, suas crenças e ambições, para então falarmos em uma causa intencional72

e determinarmos o que seria uma provável conduta. Assim, um historiador procura

depreender como pensava seu agente em causa, mas sua explicação não assume a forma de

uma determinação nomológica, mas apenas apresenta ou descreve o comportamento do

mesmo de uma forma racionalmente aceitável.

Dessa maneira, segue-se que a natureza das explicações históricas é dotada de algumas

sutilezas e contrapontos que não são tão evidentes nas ciências em geral. Em um interessante

artigo de Charles Frankel, “Explicação e Interpretação em História” (1957, In GARDINER,

1969) algumas dessas questões se encontram bem resumidas. Ele afirma que embora os

historiadores façam generalizações e analogias, sobretudo quando se referem às relações entre

as diversas instituições sociais, é certo que suas obras conterão um sem número de dados e

eventos específicos, únicos, portanto. Assim, também é certo que sua maior função seja

descrever acontecimentos particulares, mas seria errado conceder que a explicação por ele

criada seja radicalmente diferente das formas de explicação encontradas nas outras ciências.

Há ciências como a geologia, que também se preocupam em descobrir ocorrências

específicas, em um dado tempo e lugar, ao passo que mesmo a física, por mais referências

gerais que faça, refere-se na maioria das vezes a problemas ‘deste’ mundo, e não a mundos

possíveis.

Como em qualquer área do conhecimento, o historiador é obrigado a trabalhar com as

crenças que possui sobre o mundo físico, é o que ocorre quando ele analisa, por exemplo, a

autenticidade dos documentos estudados. Mas na historiografia esse problema adquire uma

maior proporção, de modo que muitos digam tratar-se de uma explicação não-científica, pois

está impregnada de interpretação e subjetividade. Em geral, Frankel enuncia cinco

características distintivas na natureza da explicação histórica.

1ª. – Muito mais do que ocorre em outros campos do saber, as explicações históricas

não apresentam ou sequer pressupõem generalizações bem acabadas e precisas a partir das

quais os eventos em causa possam ser relatados. São antes um ‘esboço de explicação’, como

diria Hempel. Assim, devido a essa fragilidade natural do argumento dedutivo histórico,

temos que é muito mais difícil para o historiador, do que para o cientista, demonstrar as suas

72 Ver no segundo capítulo a definição de causa intencional apresentada por Davidson.

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imputações causais, ainda mais se levarmos em conta que os eventos não são observados

diretamente, mas de forma indireta, por meio de vestígios. Suas conjecturas são difíceis de

provar, e as provas apresentadas são de valor epistemológico inferior, cabendo uma boa dose

de ceticismo da parte do leitor.

Contudo, seria errado supor que o historiador não faça explicações utilizando uma

lógica semelhante à do cientista, apenas ressalta-se a importância de se acrescentarem os

pormenores das “generalizações em esboço” (Frankel In Gardiner, 1969, p. 505). Em relação

a isso sugeri que as generalizações deveriam ser vistas, no caso da história, simplesmente

como regularidades estatísticas, e não como forma de imputação causal da maneira como o

modelo nomológico-dedutivo pretende.

2ª. – As explicações históricas não são capazes de fazer predições ou mesmo

retrodições. Isso significa dizer que os historiadores se esforçam em apresentar as condições

necessárias para um determinado evento, mas nunca as suficientes. Ou seja, se quisermos

explicar a fuga de D. João VI para o Brasil, como exemplifiquei no primeiro capítulo,

poderíamos reunir várias dessas condições ditas essenciais: a invasão napoleônica, a aliança

com a política externa da Inglaterra, a atuação da diplomacia inglesa sobre o monarca, etc.

Diante de uma explicação tal o leitor normalmente ficará satisfeito, contudo, na melhor das

hipóteses essas explanações exprimem condições sem as quais o evento não teria lugar, e não

exprimem condições com as quais se possa deduzir o que de fato teve lugar.

Assim, os historiadores e mesmo os filósofos já concederam que as explicações

históricas nunca serão de todo completas, contudo, parecem ser capazes de atingir as

exigências dos leitores e serem satisfatórias. Também vale dizer que o fato de não serem

completas não as distingue logicamente de outras formas de explicação ditas científicas,

apenas as tornam menos determinadas. Se por um lado isso impede que se crie uma

padronização das explicações históricas, por outro não anula os esforços em se afirmar as

explicações dadas pelos historiadores como um tipo perfeitamente aceitável de explicação

causal.

Um bom exemplo são as explicações do tipo genéticas, como apresentado por Nagel

no segundo capítulo, que em determinadas áreas do conhecimento – ao descrever as fases de

um processo – acabam se fundamentando como explicações de alguma maneira preditiva: no

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caso da embriologia, por exemplo.

No caso da história penso que não cabe afirmar o mesmo (a possibilidade da

predição), mas cabe dizer que as explicações causais do tipo genéticas legam uma

compreensão sobre os eventos até maior, por vezes, do que se atinge em outras formas de

explicação: são elas que nos permitem distinguir entre uma mera sucessão de eventos

quaisquer, e uma sucessão de eventos conexos, evidenciando a ligação causal entre eles.

3ª. Outro argumento bastante freqüente a respeito da fragilidade das explicações

históricas é o de que muitas delas não parecem desejar exprimir sequer as chamadas

condições necessárias para a ocorrência dos eventos, em geral contentam-se com as condições

que julgam mais essenciais ou importantes de todas.

Não vejo como isso pode ser realmente um problema, visto que nunca serão

conhecidas todas as condições que participam de uma questão histórica. O objeto de estudo da

história é a própria conduta humana, e esta não pode ser colocada sob um microscópio ou

testada em experimentos fechados onde todas as variantes são conhecidas. Claro que os

historiadores tendem a dar pesos diferentes às condições iniciais encontradas e assim é normal

que suas explicações não sejam de todo suficientes, que surjam diferentes explicações para o

mesmo problema e que certa dose de vaguidade acabe persistindo. Todavia, estando cientes

dessa imprecisão que cerca todos os problemas ditos humanos, não há razão em supor que as

explicações do gênero histórico tenham uma natureza completamente estranha àquelas

empregadas pelos cientistas.

- 4ª. O tópico anterior conduz-nos diretamente a esta outra asserção: a de que o

historiador empregar uma linguagem retirada da língua corrente, não implantada por um

sistema rígido de regras como o é a linguagem científica. Sua função é falar acerca do que

aconteceu em casos particulares, procurando racionalizar a complexidade dos problemas

humanos por meio de uma linguagem elástica e bastante maleável. Daí os filósofos de

tradição analítica afirmarem com freqüência que quando o historiador fala em causas ele tem

um entendimento diferente desse termo científico, querendo dizer na verdade razões. Daí

decorre também que as generalizações apresentadas pelos historiadores serem inevitavelmente

vagas, abrangendo uma série de acontecimentos e aceitando uma série de ressalvas e

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exceções. Patrick Gardiner chamou a essas generalizações de “guias da compreensão”73.

Isso seria o mesmo que dizer que muitas das expressões tomadas de empréstimo da

ciência tornam-se outra coisa, como elementos da linguagem popular ou de senso comum,

perdendo totalmente o grau de exatidão e verdade que tinham anteriormente. Também não é

possível transformar as sentenças em axiomas, ou construir tabelas de verdade, e assim por

diante. Em sua “Apologia da História” Marc Bloch disse: “Nossa ciência não dispõe, como a

matemática e a química, de um sistema de símbolos completamente separado da nossa língua

nacional. O historiador fala unicamente com palavras...” (BLOCH, 2002, p. 138). Em outro

excerto bastante poético, ao se indagar sobre a história ser uma ciência ou arte em relação à

linguagem que emprega disse: “não há menos beleza numa equação exata do que numa frase

correta. Mas cada ciência tem sua estética de linguagem, que lhe é própria”, e no caso da

história “os fatos humanos são, por essência, fenômenos muito delicados, entre os quais

muitos escapam à medida matemática” (Idem, p. 54).

Mas também é verdade que na descrição dos eventos e problemas humanos essa forma

de linguagem seja preferível a da ciência propriamente dita, afinal, um cientista

completamente preso ao uso correto e restrito da sua terminologia teria muito pouco para

dizer sobre a história, e não se atreveria, provavelmente, a enunciar nenhuma generalização

sobre qualquer coisa. Em geral, julgamos a qualidade de um texto historiográfico não pelo seu

rigor conceitual, mas sim pela qualidade com que descreve um evento ou problema e elenca

soluções para ele.

Não há dúvidas de que isso impeça que a história seja formalmente uma ciência, mas

também, segundo penso, não obriga tampouco que todas as explicações históricas tornem-se

vagas e imprecisas quando utilizados termos ditos da nomenclatura científica – que acabam

sendo empregados fora do contexto teórico no qual foram concebidos. Em outras palavras,

não há um impedimento teórico para que uma explicação histórica seja de fato exata, apenas

acreditamos que não o seja por carecer de uma sólida fundamentação como ocorre nas

ciências físicas.

A afirmação corrente de que a noção de causa tem para os historiadores uma noção

73 Ver GARDINER, “The Nature of Historical Explanation”, citado por FRANKEL In GARDINER, 1969, p. 508.

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completamente estranha às ciências também não me parece confiável, é certo que muitos

deles entendem que suas explicações se refiram a eventos tão reais e verdadeiros quanto

acontece nas demais ciências. Também é bom acrescentar que a linguagem corrente

incorporou ao longo dos anos vários termos científicos, tornando-a mais precisa em suas

colocações, mas mantendo o seu grau de flexibilidade. Ou seja, as explicações dos

historiadores estão mais ligadas ao sentido prático de descrever, do que ao teórico, mas a

separação entre teoria e prática não é tão rígida assim, e não faltariam exemplos de teorias

científicas às quais caberia um grau maior de exatidão.

No caso da história a imprecisão é inevitável, pois como já comentei anteriormente seu

objetivo é descrever os eventos particulares, fazendo vez por outras generalizações como

estratégia lingüística para dar maior inteligibilidade às suas asserções, e nunca objetivando

encontrar leis para o comportamento humano. Aliás, a maior parte das assim chamadas

generalizações são tomadas de empréstimo da sociologia, uma atividade de natureza distinta

da história e mais próxima do que se chamaria de propriamente científico.

- 5ª. Por fim, Frankel salientou em seu artigo que existem nas expressões do tipo – ‘o

oficial prussiano’ ou o ‘homem vitoriano’ – aparentes regras de organização dos ‘materiais’ a

serem estudados. Sabemos que essas regras existem em outros domínios do conhecimento –

tomemos de exemplo a biologia, que durante muitos anos alimentou uma verdadeira fúria

classificatória. Cumpre saber que essas ‘regras’ são uma decorrência do avanço da própria

ciência, que se torna cada vez mais especializada e complexa.

No caso da escrita da história essas regras não são bem definidas, sendo por vezes

meras abstrações que, conforme penso, também atuam como estratégias lingüísticas nas

explicações desenvolvidas. Todavia, não há como negar que essas ‘regras’ tenham uma

utilidade importante mesmo na história.

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Considerações Finais

________________________________________________________

Depois de me deter em alguns dos problemas que atingem a filosofia da história no

tocante à estrutura das explicações causais, temos que o emprego da noção de causalidade

permanece ainda hoje como um tema de fundamental importância, e cujas implicações ainda

não foram de todo solucionadas.

Em resumo, procurei demonstrar que o conhecimento histórico não é produto da

imaginação fértil de seus pesquisadores, e nem resultado de analogias belas do ponto de vista

literário. É antes disso um procedimento metódico que visa gerar explicações de problemas

específicos ancorando-se em observações empíricas e hipóteses que procuram por

confirmação. Essa confirmação acabará levando o historiador à crença de que entre dois ou

mais eventos em causa existe uma ligação causal de algum tipo. Essa ligação causal é parte da

lógica da explicação, não devendo ser vista como um mecanismo. Esta última afirmação é

precisamente a mais preciosa contribuição dos neopositivistas para a história: o abandono das

concepções metafísicas ou substantivas.

Contudo, falar em causas não nos conduzirá a encontrar leis históricas. A noção de lei

requer que encontremos alguma regularidade ou padrão bem confirmado na conduta humana,

e isso simplesmente não ocorre. É interessante notar que em nenhum dos textos comentados

qualquer dos autores exemplificou de forma satisfatória essa condição.

De uma forma ou de outra não me parece que a existência dessas características ou

problemas da lógica da análise histórica deva alimentar uma grande desconfiança sobre a

possibilidade de um historiador desenvolver explicações com razoável grau de precisão,

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desenvolvendo uma narrativa e descrições ditas racionais e satisfatórias sobre os eventos

históricos. Tampouco me parece que as explicações históricas tenham uma lógica própria e

diferente, estando ancoradas em vestígios do passado, ou seja, elementos empíricos.

Na correta colocação de Michel de Certeau em sua obra “A Escrita da História”, ele

enuncia que historiar é uma prática que não tem como material o ‘tempo’, como poeticamente

se costuma dizer, mas sim que o historiador “trabalha, de acordo com seus métodos, os

objetos físicos (papéis, pedras, imagens, sons, etc.) que distinguem, no continuum do

percebido, a organização de uma sociedade e o sistema de pertinências próprias de uma

‘ciência’” (CERTEAU, M. 2006, p. 79). Talvez a menção a Certeau pareça deslocada, já que

esse autor percebe o evento histórico como resultado de uma espécie de fabricação do

discurso – algo um tanto diferente dos autores que comentei –, mas repare-se que mesmo ele

não pode negar a importância do material empírico, daí a razão de minha menção.

Curiosamente, toda a discussão sobre a causalidade nas explicações históricas acaba

esbarrando na antiga distinção entre causas e razões, ou seja, entre a idéia de que a ciência

trata do geral e enuncia a causalidade utilizando-se do modelo dedutivo, e a de que história

falaria daquilo que é próprio do ser humano de uma forma vaga e imprecisa. De todas as

formas de explicação mencionadas ao longo do texto (genéticas, probabilísticas, nomológico-

dedutivas, etc.) a única que de fato não se aplica de forma totalmente satisfatória à história é

exatamente o modelo proposto por Hempel e Nagel.

É certo que a discussão de se a história é ou não uma ciência, é uma nova proposta de

trabalho que não foi aqui devidamente analisada. De todo modo, encerro minha argumentação

com a conclusão clara de que o historiador, ainda que não possa ser considerado um cientista

na concepção máxima do termo, não deve ser tão melindroso ao utilizar a noção de causa.

Tudo o que já foi escrito em termos de historiografia, de qualidade é claro, trouxe consigo de

uma forma ou de outra a construção de relações causais. Não há como resolver problemas

históricos sem entender que existam fatores precedentes que nos conduzem racionalmente aos

eventos posteriores, e que nessa condução somos tentados a encontrar relações causais – não

como mecanismos de causa, mas como elementos ligados ao entendimento, e volto a insistir

que essa é a principal contribuição e Hempel e Nagel para a história. E se Davidson estiver

correto, as razões que motivam o agente a agir são também causas que antecedem os eventos

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e os explicam satisfatoriamente, não sendo simples “construções” mentais ou parte do

“discurso” do historiador, como comentei na introdução deste trabalho.

Ignorar que explicações satisfatórias surgem da nossa crença nas relações causais seria

o mesmo que voltarmos séculos no tempo e perdermos toda a solidez e confiabilidade que a

ciência conquistou ao longo dos tempos. Dizer que o historiador não explica, mas apenas

compreende de alguma forma não muito bem explicável as coisas ao seu redor, seria além de

inútil, nocivo para a atividade de historiar. Assim, não estou convencido de que uma visão

unitária entre as ciências humanas e as naturais seja possível, mas estou seguro em afirmar

que a causalidade (em suas múltiplas formas) é um conceito que de alguma maneira une esses

dois mundos de investigação, e ignorá-lo é o mesmo que desistir de explicar qualquer coisa

sobre o mundo real.

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