A questão de terras no início da República - o Registro Torrens e sua (in)aplicação

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    Almir Teubl Sanches

    A questo de terras no incio da Repblica:o Registro Torrens e sua (in)aplicao

    Dissertao apresentada como

    requisito parcial obteno do grau

    de !estre em Teoria "eral e

    #iloso$ia do Direito da #aculdade

    de Direito da %ni&ersidade de So

    'aulo sob a orientao do 'ro$ Dr

    *os+ Reinaldo de ,ima ,opes

    #aculdade de Direito

    So 'aulo

    -../

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    0Ah quem escre&er1 a hist2ria do que poderia ter sido3

    Ser1 essa se algu+m escre&er

    A &erdadeira hist2ria da humanidade4

    lvaro de Campos

    -

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    Aos meus pais que, com muito amor e

    delicadeza, me incutiram a sede de saber.

    Melina que, com muito amor e

    delicadeza, me ensinou a aplacar a dor

    que muitas vezes esta sede causa.

    5

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    ndice.

    Resumo.6

    7ntroduo.8

    Dimensionamento do estado atual da questo.9

    ap ; < %m legado imperial = a questo de terras no 7mp+rio--

    ap - < > problema do cr+dito agrcola na segunda metade do 7mp+rio-/

    ap 5 < > "o&erno 'ro&is2rio e a tentati&a de re$orma liberal66

    ap ? < > Registro Torrens no direito brasileiro@/

    ap 6 < A re$orma econmica de Rui Barbosa/9

    ap @ < A onstituio de ;/9; e a questo de terras;.@

    ap 8 < 'olticas estaduais de terras;5-

    oncluso;@.

    Bibliogra$ia;@6

    ?

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    Resumo.

    > presente trabalho te&e como obCeti&o mostrar como o cen1rio socioeconmico

    brasileiro da segunda metade do s+c 7 clama&a pela organiEao e moderniEao do

    sistema registral imobili1rio a $im de que a terra se inserisse de$initi&amente na es$era de

    circulao de capital passando a ter &alor de mercado e a substituir a propriedade escra&a

    na garantia do $inanciamento agrcola

    #ocando=se especi$icamente na questo de terras e na tentati&a de instituio do

    Registro Torrens esta pesquisa te&e ainda por obCeti&o demonstrar como as tentati&as

    progressistas de re$orma surgidas no incio da Republica graas a um &1cuo poltico

    ocasionado pela $ragilidade da aliana republicana $oram barradas pelo processo

    constituinte de ;/9; liderado por $oras polticas $ederalistasAl+m disso buscou=se aqui tamb+m demonstrar como o reapro&eitamento e a

    distoro das normas da ,ei de Terras pelos go&ernos republicanos estaduais possibilitaram

    uma poltica de terras liberaliEante cuCos bene$ici1rios eram cuidadosamente selecionados

    de acordo com seustatus e com seu alinhamento com o poder regional

    6

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    Abstract.

    The present ForG had the goal o$ shoFing in Fhich manner the braEilian social=

    economic setting in the second hal$ o$ the 7th centurH clamored $or the organiEation and

    moderniEation o$ the real=state registrH sHstem in order to de$initi&elH insert land into the

    sphere o$ circulating assets acquire marGet &alue and replace sla&e propertH as guarantees

    in agricultural $inancing

    #ocusing speci$icallH in the matter o$ land an in the attempt to institute the Torrens

    RegistrH this research also aimed to demonstrate hoF progressi&ist attempts o$ re$orm

    born in the beginning o$ the Republic due to a political &acuum occasioned bH the $ragilitH

    o$ the Republican Alliance Fere barred bH the onstituent process o$ ;/9; led bH

    $ederalist political $orces#urthermore it Fas here sought to demonstrate as Fell hoF the a&ailing and

    distortion o$Lei de TerrasI norms bH republican state go&ernments made possible a land

    liberaliEing policH Fhose bene$iciaries Fere care$ullH selected in accordance Fith their

    status and Fith their alignment Fith regional poFer

    @

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    Introduo.

    A presente pesquisa pretende analisar a poltica de terras no nascimento do Brasil

    republicano $ocando=se no registro da propriedade imobili1ria e especialmente na

    utiliEao do Registro Torrens

    'ara tanto antes de adentrar no estudo do regime republicano $aE=se necess1ria

    uma bre&e conteJtualiEao da situao da questo de terras e de outras a ela relacionadas

    nos ltimos anos do 7mp+rio A isso sero dedicados os dois primeiros captulos

    > primeiro captulo cuidar1 propriamente da questo de terras esboando o

    processo legislati&o da ,ei de Terras de ;/6. bem como as causas a que se de&eu a muito

    pequena e$eti&idade de sua aplicao Ainda no primeiro captulo &eremos como se

    encontra&a a situao da demarcao de terras nos anos $inais do 7mp+rio

    > segundo captulo por sua &eE cuidar1 de questKes relacionadas terraespecialmente do gra&e problema de escasseE de cr+dito agrcola que perpassou a segunda

    metade do s+culo 7 Leremos como a pequena o$erta de cr+dito agrcola de&eu=se

    notadamente crise de numer1rio decorrente da poltica econmica restriti&a adotada pelo

    go&erno $rente s crises $inanceiras dos anos ;/@. e ;/8. e ao acentuado endi&idamento

    pblico causado especialmente pela "uerra do 'araguai

    Mm seguida e agora C1 adentrando no estudo do regime republicano o terceiro

    captulo se dedicar1 a entender a conCuntura em que se deu a ascenso da Repblica omo

    &eremos a $ragilidade da aliana do mo&imento republicano bem como a ausNncia de um

    proCeto consensual de go&erno possibilitou a $ormao de um &1cuo poltico no qual

    classes progressistas at+ ento aliCadas do poder &iram a oportunidade de implementar suas

    re$ormas liberais

    O nesse conteJto que se dar1 a tentati&a de re$orma liberal de Rui Barbosa que

    tamb+m ser1 ali estudada Dentro dessa tentati&a de re$orma Rui Barbosa reser&ou um

    papel todo especial ao cr+dito hipotec1rio entendendo que seu aprimoramento e

    alargamento sanariam boa parte dos problemas herdados do 7mp+rio Mra necess1ria

    entretanto uma pro$unda re$orma do sistema registral brasileiro para que a terra se

    inserisse de$initi&amente na es$era de circulao de capital e assim passasse a ser uma

    garantia adequada aos empr+stimos agrcolas M no proCeto de Rui Barbosa essa re$orma

    registral caberia ao Registro Torrens

    8

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    > captulo quarto se dedicar1 ao estudo do decreto nP ?6;=B e de sua

    regulamentao analisando a con$ormao Curdica que o "o&erno 'ro&is2rio atribuiu ao

    sistema Torrens de registro e obser&ando como este realmente se presta&a no plano

    Curdico a garantir os ideais de segurana e certeEa dos ttulos de propriedade imobili1ria

    dos quais necessita&a a tentati&a de re$orma de Rui Barbosa

    Qo captulo quinto &eremos outro aspecto econmico da re$orma de Rui Barbosa e

    como os eJcessos de sua poltica emissionista acabaram por $omentar o ambiente

    especulati&o que &inha se desen&ol&endo desde os ltimos anos do 7mp+rio Ainda nesse

    captulo se cogitar1 da hip2tese de o &ertiginoso crescimento do cr+dito hipotec1rio ter

    in$luenciado na &otao do ongresso onstituinte por ter $eito com que se relegasse a um

    segundo plano a re$orma registral imobili1ria

    > processo constituinte ali1s ser1 obCeto de estudo do seJto captulo &endo=secomo a tentati&a de re$orma do "o&erno 'ro&is2rio $oi em boa parte minada pela emenda

    que deu no&a redao ao dispositi&o que pre&ia que a propriedade das terras de&olutas seria

    da %nio passando a atribu=la aos Mstados

    'or $im &eremos como ap2s a onstituio de ;/9; e a passagem das terras

    de&olutas aos Mstados as polticas de terra estaduais $oram em boa parte respons1&eis pela

    deteriorao do patrimnio imobili1rio pblico com medidas liberaliEantes que tinham

    destinat1rios cuidadosamente selecionados

    /

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    Dimensionamento do estado atual da questo.

    Qeste primeiro momento ser1 realiEada uma bre&e an1lise historiogr1$ica sobre a

    questo agr1ria no Brasil do $inal do oitocentos &alendo=se dos debates polticos

    produEidos a partir dos anos @. do s+culo no Brasil; umpre destacar que nesse tema

    a bibliogra$ia + bastante &asta ao tratar do 7mp+rio especialmente no que se re$ere ,ei de

    Terras de ;/6. e no to abundante ao tratar da Repblica Lelha 1 certa Custi$icati&a

    para isso: a lei de ;/6. + considerada um &erdadeiro marco de mudana sendo a poltica de

    terras da Repblica Lelha considerada mera continuao desta lei Acredito que tal

    entendimento seCa apenas parcialmente acertado como pretendo mostrar durante a

    pesquisa Dito isto passemos ento an1lise historiogr1$ica

    %m dos primeiros autores a tratar detidamente da questo de terras no Brasil +

    Qelson ernecG Sodr+ 7nclusi&e pode=se considerar Sodr+ um dos principais $undadores

    seno o principal de uma discusso que &iria atra&essar pelo menos por duas d+cadas os

    debates acadNmicos acerca da questo de terras Msta discusso giraria em torno do car1ter

    $eudal do modo de produo brasileiro

    om e$eito $oi Sodr+ quem primeiramente de$endeu que durante o regime

    escra&ista e mais do que isso por meio deste regime teria se implantado no Brasil um

    sistema de produo e de distribuio de terras que em muito se assemelha&a ao

    $eudalismo Desde ento por no ha&er ocorrido uma Re&oluo Democr1tico=Burguesa

    como se &eri$ica em outros pases de herana $eudal o Brasil ainda seria &tima de seu

    passado $eudal Desta maneira o autor busca&a nessa herana $eudal a eJplicao para toda

    a hist2ria do subdesen&ol&imento do Brasil sendo seus e$eitos sentidos at+ os anos ;96.

    +poca em que escre&ia

    'ara Sodr+ nem a abolio da escra&ido nem a proclamao da Repblica nem

    mesmo o surto industrial que ocorreu a partir dos anos 5. equi&aleriam s re&oluKes

    burguesas ocorridas na Muropa o que de certa maneira deiJa&a o Brasil s margens da

    hist2ria A principal raEo disso + que nenhuma dessas mudanas $oi capaE de alterar

    ;Al+m dos li&ros aqui citados $oi de grande &alia para a elaborao deste captulo a consulta ao artigo dengela de astro "omes e !arieta de !oraes #erreira intitulado Primeira Repblica um balan!o"istorio#r$%ico(;9/9)

    9

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    $undamentalmente aquilo que o autor considera um dos principais $atores de con$ormao

    s2cio=econmica: a $orma de apropriao da terra

    A eJtino da escra&ido teria assim aberto caminho para um outro tipo de

    eJplorao do trabalho a semi=ser&ido "eogra$icamente o espao de eJplorao do

    trabalho semi=ser&il coincide quase que completamente s antigas regiKes escra&ocatas O

    bem &erdade e isso o admite Sodr+ que resta&a aos eJ=escra&os a opo dos espaos

    urbanos Qestes espaos por+m nada os espera&a al+m de uma condio de

    marginaliEao que acabaria por mantN=los eJcludos e irrele&antes ao sistema produti&o

    !esmo a imigrao dos trabalhadores europeus no teria sido capaE de

    trans$ormar as relaKes de trabalho pois estes trabalhadores ti&eram de se adequar a um

    sistema no qual a propriedade lati$undi1ria dita&a as regras de produo Desta $orma +

    interessante notar que para o autor ao in&+s de constituir $ator de trans$ormao social a

    &inda dos imigrantes ser&iu Custamente para o contr1rio a perpetuao do sistema $eudal

    baseado no lati$ndio

    Uuanto s pequenas apropriaKes territoriais de espaos &aEios Sodr+ as Culga

    como um agrupamento desordenado de aKes que encaradas como um todo permaneceu

    ineJpress&el e irrele&ante em relao ao mercado Assim no se trata&a da eJpanso de

    uma $ronteira m2&el mas antes de aKes isoladas e que no chega&am a trans$ormar o

    mercado produti&o e as relaKes de trabalho

    >utro aspecto interessante da obra de Sodr+ + a categoria de nao associada a

    um car1ter e&oluti&o e processual da etapa burguesa do processo re&olucion1rio brasileiro

    > historiador igualmente aponta&a para o papel do lati$ndio e do imperialismo como

    obst1culos ao desen&ol&imento econmico nacional Da as polNmicas pro&ocadas dentro

    do 'artido omunista Brasileiro ao qual ele era &inculado ao ad&ogar a tese de que

    $raKes da burguesia poderiam se situar no campo re&olucion1rio de um cen1rio

    antiimperialista e democr1tico na medida em que se proCeta&a um desen&ol&imento

    capitalista autnomo no Brasil

    A concepo te2rica de Sodr+ do Brasil como um sistema semi$eudal de produo

    lhe rendeu inmeros adeptos Dentre eles tal&eE o que mais se destaque seCa Alberto 'assos

    ;.

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    "uimares que &iria a apro$undar esta id+ia desen&ol&endo=a de $orma mais compleJa e

    completa

    M o $eE em seu li&ro &uatro s'culos de lati%ndio obra que pretendia mostrar os

    e$eitos perniciosos da concentrao $undi1ria no pas 'ara tanto busca&a encontrar as

    origens hist2ricas desta concentrao 7sso tudo tendo como base a id+ia legada por Sodr+

    de $eudalismo ou melhor semi$eudalismo brasileiro

    O importante lembrar que quando "uimares escre&eu o li&ro em ;9@5 ha&ia

    uma onda de otimismo gerada pela promessa de Re$orma Agr1ria do "o&erno *oo

    "oulart om e$eito o autor considera&a que a nica maneira de se estabelecer um

    capitalismo em bases nacionais que superasse o estado $eudal brasileiro seria a realiEao

    de uma re$orma agr1ria democr1tica a qual teria um duplo poder de destruio: (i) acabar

    com 0as relaKes semicoloniais de dependNncia ao imperalismo4 e (ii) romper com 0os

    &nculos semi$eudais de subordinao ao poder eJtraeconmico poltico e Curdico da

    classe lati$undi1ria4 ("%7!ARVMS ;988:5/)

    Apesar das semelhanas entre os trabalhos de Sodr+ e "uimares uma di$erena

    metodol2gica $undamental se $aE notar entre eles Ainda que "uimares &alha=se da id+ia

    de semi$eudalismo brasileiro ele no se contenta em analisar a relao escra&oWsenhor

    como o $aE Sodr+ mas sim a desen&ol&e atentando mais aos setores sociais estranhos a esta

    relao mostrando como mesmo nestes setores toda a produo seria tribut1ria de um

    modelo $eudal

    O neste sentido que "uimares &olta seus olhos ao pequeno posseiro encarado

    como smbolo de resistNncia $ace ao poder dos senhores lati$undi1rios onsidera assim a

    posse como 0a arma estrat+gica de maior alcance e maior e$ic1cia na batalha secular contra

    o monop2lio da terra4 ("%7!ARVMS ;988:;;5)

    #rustradas as esperanas de re$orma agr1ria com o golpe militar de ;9@? osintelectuais &iram a necessidade de re&er seus pressupostos te2ricos Ao contr1rio do que

    tais pressupostos indica&am o capitalismo no Brasil encontra&a=se em plena eJpanso no

    ha&endo amarras $eudais que o impedisse de se desen&ol&er 'ro&a maior disso + que o

    "olpe ha&ia sido apoiado pela burguesia nacional e estrangeira que h1 muito C1 se ha&iam

    aliado

    ;;

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    Qeste conteJto que ganha $ora o pensamento de aio 'rado *nior que insistia

    em negar caractersticas $eudais ou semi$eudais no sistema de produo brasileiro Mm seu

    li&ro Revolu!(o )rasileira, de ;9@@ o autor aponta alguns erros te2ricos daqueles que

    entendiam o Brasil como um sistema $eudal Sua principal crtica seria que eles partiam de

    um conceito pre&iamente $ormulado e depois olha&am para a realidade buscando encaiJ1=

    la neste conceito pr+&io Qo $undo a crtica de aio 'rado que por sinal ele dirigiu no s2

    aos de$ensores da 0tese $eudal4 mas tamb+m a boa parte da tradio intelectual marJista

    seria que se ha&ia cado em um idealismo no qual a $ormulao de id+ias antecede o eJame

    da realidade e se sobrepKe a ele

    Assim aio 'rado apontaria como um dos principais erros dos de$ensores da

    0tese $eudal4 o transplante descuidado de modelos cl1ssicos de interpretao hist2rica para

    a re$leJo sobre a sociedade brasileira aio 'rado entendia que no Brasil dos anos @.

    eram relaKes econmicas capitalistas que prendiam os trabalhadores terra e no

    relaKes $eudais de poder de $atores eJtra econmicos

    Mm suma para aio 'rado a teoria da re&oluo brasileira de&eria centrar=se na

    luta antiimperialista sem esquecer a &inculao estreita entre os interesses das grandes

    potNncias e a burguesia nacional

    !as se o Brasil nunca ha&ia sido um sistema $eudal como ento o entendia aio

    'rado3 Mle entendia que desde suas origens coloniais o Brasil ha&ia se desen&ol&ido

    dentro de relaKes capitalistas Mmbora entendesse que rigorosamente encarado o termo

    capitalismo era inadequado acredita&a em contrapartida que em comparao a um sistema

    $eudal o pas apresenta&a bem mais $ortemente caractersticas capitalistas *1 em ;9?-

    com seu li&ro*orma!(o do )rasil Contempor+neo aio 'rado &iu no sistema colonial

    adotado no Brasil uma empresa comercial com $ortes traos capitalistas portanto que

    &isa&a a eJplorao territorial e econmica da colnia para o enriquecimento da metr2pole

    europ+ia Desta $orma inserindo=a no plano internacional indubita&elmente capitalista

    tamb+m a colnia passaria a ser encarada como uma engrenagem no sistema capitalista

    om e$eito a grande di$erena metodol2gica eJistente entre os trabalhos de de

    um lado aio 'rado *nior e de outro Sodr+ e "uimares + que enquanto estes ltimos

    pareciam querer entender o Brasil isolando=o de todo o cen1rio internacional aio 'rado

    ;-

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    preocupa&a=se Custamente com o contr1rio isto + entendN=lo a partir de seus &nculos

    eJternos 'ode=se diEer que desta di$erena metodol2gica decorre boa parte das outras

    di$erenas te2ricas desses trabalhos

    O Custamente por se &oltar para as relaKes eJternas brasileiras que aio 'rado

    consegue entender grandes empresas monocultoras trabalhadas por escra&os como

    instrumentos que busca&am $aEer com que o Brasil pudesse ser&ir aos interesses comerciais

    europeus Mm ltima an1lise tanto o trabalho escra&o quanto o sistema lati$undi1rio seriam

    instrumentos capitalistas a ser&io da metr2pole > autor &ia na escra&ido e no lati$ndio

    obst1culos ao desen&ol&imento socioeconmico do homem li&re obst1culos estes que se

    mostra&am deseC1&eis aos interesses europeus Ambos atendiam duplamente a estes

    interesses pois no s2 su$oca&am o surgimento de um mercado interno que $iEesse $rente

    s demandas europ+ias como ainda $oca&am a produo numa monocultura que atendesse a

    essa demanda

    #orma&a=se assim um crculo &icioso no qual a propriedade lati$undi1ria ao

    in&+s de obst1culo eJpanso capitalista era $ator de $ortalecimento desse sistema

    econmico ao mesmo tempo em que esse sistema satis$eito com a dependNncia eJterna

    brasileira protegia o lati$ndio que gera&a tal dependNncia di$icultando o acesso a terra

    queles que no $ossem lati$undi1rios

    Apesar de todas as di$erenas at+ aqui colocadas no se pode deiJar de notar

    entretanto um ponto no qual os trabalhos de aio 'rado chegam a uma concluso muito

    pr2Jima daquela a que chegaram "uimares e Sodr+ em suas pesquisas 'ara todos eles

    embora a crise do regime escra&ista tenha sido uma ameaa concreta ao poder dos grandes

    propriet1rios de terra sua superao atra&+s do processo de imigrao europ+ia no $oi

    su$iciente para que o acesso propriedade de terra deiJasse de ser di$icultado o que $eE

    com que os imigrantes se manti&essem muitas &eEes em condiKes pr2Jimas ao regime

    ser&il

    Qo entanto mesmo nesse ponto pode=se encontrar uma importante di$erena entre

    os pensamentos de aio 'rado e dos outros dois autores aio 'rado parece mais propenso

    a aceitar que embora no tenha acabado totalmente com os obst1culos do acesso a terra o

    ;5

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    processo imigracionista ao permitir a eJpanso da pequena propriedade rompeu com os

    0primiti&os quadros econmicos e sociais do pas4('RAD> *XQ7>R ;98-:-?9)

    Aceitando e desen&ol&endo a &iso de aio 'rado de capitalismo na con$ormao

    hist2rica da sociedade brasileira !aria SHl&ia de ar&alho #ranco de$ende em ;9@? sua

    tese de doutorado 7ntitulada omens Livres na -rdem scravocata a obra procuraria

    analisar a &ida dos homens li&res pobres durante o s+culo 7 com um en$oque espec$ico

    na regio de "uaratinguet1

    Alguns aspectos metodol2gicos da pesquisa de ar&alho #ranco merecem ser

    destacados Mm primeiro lugar este corte espacial realiEado pela autora en$ocando a

    realidade hist2rica especi$ica de uma regio antecipa em certa medida uma tendNncia que

    &iria a se tornar dominante na historiogra$ia nacional algumas d+cadas depois entre a

    segunda metade dos anos /. at+ os dias de hoCe Mssa tendNncia + a opo dos historiadores

    pelos estudos regionais ou tem1ticos em detrimento das eJplicaKes gerais Acreditamos

    que nesse sentido ar&alho #ranco $oi uma das principais precursoras desta tendNncia

    Qo entanto o car1ter precursor dessa pesquisa de&e ser relati&iEado pois h1 uma

    di$erena $undamental entre ela e os trabalhos realiEados algumas d+cadas depois: enquanto

    estes busca&am mostrar as peculiaridades regionais contrapondo=as s generaliEaKes das

    grandes teorias eJplicati&as o trabalho de ar&alho #ranco busca partir de um eJemplo

    concreto os homens li&res da regio de "uaratinguet1 para dar uma eJplicao mais

    ampla mais geral da sociedade brasileira

    %m outro aspecto metodol2gico a ser ressaltado na pesquisa de ar&alho #ranco +

    a utiliEao de uma $onte bastante original: os processos crimes Mm suas pr2prias pala&ras

    com a utiliEao deste tipo de $onte a autora buscou entender 0o papel da &iolNncia

    enquanto uma $orma rotiniEada de aCustamento nas relaKes de &iEinhana4 (#RAQ>

    ;9/5:-/)

    'or $im mais um aspecto metodol2gico parece nos interessar Lalendo=se de

    eber a autora parte da construo de tipos ideais buscando eJplicar as relaKes sociais a

    partir destes tipos Assim para reconstruir as bases em que se da&a a dominao pessoal

    entre grandes e pequenos propriet1rios &ale=se das $iguras do sitiante e do $aEendeiro A

    relao de compadrio entre eles marca=se pela ausNncia de con$litos signi$icati&os 7sto por

    ;?

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    que o sistema de controle era to $orte que impedia que as tensKes rompessem o equilbrio

    estabelecido Assim uma situao em que o con$lito poderia surgir como quando o sitiante

    &ia sua posse esbulhada pelo grande propriet1rio local resol&ia=se normalmente com a

    retirada pac$ica do sitiante para no&as 1reas ainda no alcanadas pela grande propriedade

    lati$undi1ria

    O desta maneira que para a autora a grande propriedade mercantil impedia o

    homem li&re pobre de qualquer atuao autnoma destinando=o a acomodao ou a re&olta

    indi&idual in$rut$era Mn$im condena&a este homem a uma eJistNncia sem raEo

    'rosseguindo na an1lise do debate acadNmico nota=se que em $ins da d+cada de

    8. e incio da de /. este debate &oltou=se $undamentalmente a temas relacionados

    escra&ido deiJando=se um pouco de lado a questo da propriedade da terra nos estudos

    ento produEidos

    Qo entanto a hegemonia do tema da escra&ido no $oi su$iciente para impedir

    alguns autores de continuar debatendo sobre a questo da propriedade da terra omo

    eJemplo &emos que ainda na d+cada de 8. em sua obra intitulada/a 0enzala Col1nia

    Mmlia Liotti da osta analisa&a a 0marcha a&assaladora do lati$ndio4 no qual ela atenta

    para a maneira como os grandes lati$ndios a&anaram sobre as pequenas propriedades e

    como esse a&ano $unda&a=se ao lado do uso da $ora em um mecanismo Curdico de

    apropriao da terra A autora nota ainda que apesar de constiturem eJceKes no

    $altaram pequenos propriet1rios que se insurgiram contra essa dominao dos lati$ndios

    sobre suas propriedades assinalando que o processo de desapropriao daqueles por estes

    no se deu sem con$litos e embates Qeste ponto podemos notar uma discordYncia da autora

    com relao obra de ar&alho #ranco uma &eE que esta entendia que pelo equilbrio das

    relaKes de poder os con$litos quase nunca chega&am a emergir su$ocados pela

    dominao

    Uuanto aos estudos relacionados transio do trabalho escra&o para o trabalho

    li&re um dos principais + o realiEado por *os+ de SouEa !artins em especial em seu

    cl1ssico - Cativeiro da Terra. Mscrito em ;989 o principal en$oque do li&ro + a

    reconstruo hist2rica do regime de colonato surgido com a crise escra&ista !artins

    buscou mostrar como tal regime se caracteriEa&a Custamente por no se tratar de uma

    ;6

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    relao capitalista de produo Ainda que considere que no eJiste um modo capitalista de

    produo brasileiro o autor entende que o Brasil bem como toda a Am+rica ,atina de&e

    ser entendido como uma economia inserida em um 0capitalismo comercial4

    Assim o que se poderia chamar de capitalismo brasileiro < ou latino=americano =

    no se traduEiria necessariamente como relaKes capitalistas de produo 7sto por que em

    seu processo de eJpanso o capitalismo no s2 conseguiria criar no&as $ormas de

    produo como seria ainda capaE de recon$igurar antigas $ormas de produo

    M + Custamente dessa ltima maneira isto + da recon$igurao de no&as $ormas de

    produo que !artins entende a emergNncia do trabalho li&re no Brasil 'ara ele ha&eria

    nesta emergNncia uma contradio: a trans$ormao das relaKes de produo teria se dado

    Custamente para que $osse preser&ado o modelo colonial de nossa economia ou seCa

    Custamente para que se sal&asse o padro de realiEao do capitalismo no Brasil que se

    caracteriEa&a pela subordinao da produo ao com+rcio 'or isso a classi$icao do

    Brasil como um pas de capitalismo comercial

    O interessante notar como !artins demonstra essa manuteno do padro de

    realiEao do capitalismo no Brasil atra&+s do tratamento que ele d1 ao conceito de renda

    capitaliEada e sua trans$ormao com a crise do escra&ismo 'or renda capitaliEada de&e=se

    entender aquela utiliEada como garantia na obteno de cr+dito para $inanciar a produo

    'ara o autor com a crise do escra&ismo e posterior abolio da escra&ido teria ocorrido

    uma trans$ormao da renda capitaliEada deiJando essa de se identi$icar com a propriedade

    de escra&os para passar a sN=lo com a propriedade territorial

    O neste sentido que a ,ei de Terras de ;/6. adquire um signi$icado especial pois

    ao proibir outro meio de acesso terra que no a compra tal lei tornou poss&el que a terra

    passasse a ser considerada como $onte de renda capitalista Assim o capital antes in&estido

    em escra&os poderia ser in&estido em terras de maneira que com essa substituio

    mantinham=se os padrKes de acumulao dos $aEendeiros de ca$+ no mais agora

    consubstanciados na propriedade dos escra&os mas sim na da terra *usti$ica=se desta

    maneira o ttulo da obra de !artins < - Cativeiro da Terra< pela sua c+lebre $rase de que

    0num regime de terras li&res o trabalho tinha que ser cati&o num regime de trabalho li&re

    a terra tinha que ser cati&a4 (!ART7QS ;9/@:5-)

    ;@

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    omo C1 dito anteriormente a partir da segunda metade da d+cada de /. uma no&a

    le&a de autores deiJaria de buscar grandes esquemas eJplicati&os da $ormao hist2rica da

    sociedade brasileira gerando uma &erdadeira re&oluo metodol2gica ao adotarem em suas

    pesquisas temas espec$icos analisados sobre cortes regionais DeiJa&a=se de lado o

    simplismo no qual muitos dos grandes esquemas interpretati&os caam para se ressaltar a

    compleJidade da $ormao hist2rica de nosso pas A produo acadNmica ganhou e ganha

    nesse perodo numerosos e &aliosos trabalhos sendo imposs&el citar todos que aqueles

    que contriburam para con$irmar ou relati&iEar argumentos que antes di$icilmente poderiam

    ser &eri$icados

    Qeste mesmo conteJto podem ser apontados di&ersos brasilianistas cuCos

    trabalhos merecem destaque Dentre eles aren Dean *ames olston 'eter Misenberg

    Seus trabalhos destacam=se pela an1lise minuciosa das $ontes em especial cart2rios e

    arqui&os locais $aEendo &eri$icaKes empricas das eJplicaKes sobre aquilo que

    pretenderam estudar

    Dentre estas contribuiKes uma em especial ser1 bastante cara a esta pesquisa

    Trata=se do trabalho realiEado por *ames olston originalmente intitulado T"e Misrule o%

    La2 Land and 3surpation in )razil sendo traduEido posteriormente comoLe#alizando o

    4le#al Propriedade e 3surpa!(o no )rasil

    A pesquisa de olston gira em torno de uma questo inicial: como se pode

    entender o direito se o sistema Curdico que por princpio de&eria obCeti&ar resol&er

    con$litos mostra=se como 0um meio de perpetuar e obscurecer as disputas ao in&+s de

    resol&N=las34 (>,ST>Q ;995:@/)

    'ara re$letir sobre essa questo o autor $aE uma an1lise hist2rica do tratamento

    legal dispensado propriedade de terra hama a ateno a metodologia empregada por

    olston que para tal an1lise $oca=se em um caso espec$ico que o permite reconstruir boa

    parte da hist2ria da propriedade im2&el brasileira

    > caso tratado por olston + o da propriedade de terra no *ardim das am+lias

    regio peri$+rica da cidade de So 'aulo localiEada s margens do Rio TietN A hist2ria

    dessa regio + to compleJa que mesmo olston que passou dois anos (entre ;9/8 e ;99.)

    debruado sobre ela admite que 0$rente sua compleJidade sem limites no posso a$irmar

    ;8

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    que o entendo por inteiro tampouco seria prudente dirimir de erros e distorKes a an1lise de

    seus contornos4 eJpostos (>,ST>Q ;995:/?)

    Ap2s remontar toda a hist2ria das in$ind1&eis disputas pela propriedade da regio

    abordando di&ersas trans$erNncias realiEadas sobre ttulos de propriedade cuCas origens so

    quando pouco du&idosas o autor conclui mostrando como por tr1s das irresoluKes

    cuidadosamente orquestradas as leis de terras incenti&aram os con$litos a respeito delas

    0Qo decorrer deste processo pr1ticas ilegais produEem leis soluKes eJtralegais so

    incorporadas no processo Cudicial e a lei + con$irmada como um canal de desordem

    estrat+gica4 'ara o autor + assim por meio da desordem estrat+gica que a lei assegura a

    manuteno dos pri&il+gios daqueles que possuem poderes eJtralegais de manipulao da

    poltica da burocracia en$im da pr2pria hist2ria 'or $im diga=se a irresoluo Curdica

    acaba por se mostrar em especial no caso de terras brasileiro como um 0meio de

    dominao e$eti&o embora per&erso4 (>,ST>Q ;995:/8)

    Dentre outros brasilianistas que tamb+m realiEaram pesquisas quanto questo de

    terra ressalte=se o trabalho de arren Dean Mm seu Rio Claro um sistema brasileiro de

    #rande lavoura, o autor eJaminou a in$luNncia causada pela eJpanso da ca$eicultura na

    regio analisando ainda o surgimento da especulao com a terra &alendo=se da pesquisa

    dos Registros 'aroquiais de Terra Sua pesquisa conclui que a origem do sistema das

    grandes la&ouras em Rio laro $oi 0a usurpao da terra e a eliminao ou marginaliEao

    dos la&radores eJistentes por um grupo de pessoas que tinham acumulado capital nos

    neg2cios de eJportao agrcola +poca da colnia4 (DMAQ ;988:;/5)

    Qum outro trabalho Dean buscaria por meio da an1lise da ,ei de Terras

    demonstrar o porquN de sua ine$ic1cia e da incapacidade do go&erno imperial em proceder

    discriminao das terras pblicas das pri&adas (DMAQ ;988)

    Dentre as relati&iEaKes realiEadas graas a esses cortes regionais e tem1ticos

    &emos a &aloriEao do papel do homem li&re na sociedade escra&ocata sendo a partir de

    ento considerado co=respons1&el pela construo do mercado interno brasileiro e pela

    ino&ao na produo agrcola

    *ulgando que se por um lado as no&as pesquisas regionais trouJeram um

    apro$undamento da compleJidade do uni&erso rural brasileiro por outro estas mesmas

    ;/

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    pesquisas marginaliEaram a discusso sobre a dinYmica da luta pela posse da terra !1rcia

    !aria !enendes !otta apresenta seu trabalho5as *ronteiras do 'oder buscando rea&i&ar

    o debate sobre as disputas pelo direito a terra no s+culo 7 analisando os con$litos de

    terra e a legislao agr1ria produEida no perodo !otta acredita que a consagrao

    acadNmica da tese de aio 'rado le&ou ao esquecimento de importantes elementos dos

    con$litos agr1rios que eram apontados por Alberto 'assos "uimares

    A autora toma como pressuposto metodol2gico as id+ias eJtradas da obra do

    historiador inglNs Thompson que ao ressaltar o papel decisi&o da cultura buscou uma

    aproJimao crescente com as contribuiKes da antropologia no intuito de compreender o

    passado para al+m dos elementos de natureEa s2cio=econmica Assim a autora entende

    que h1 uma tradio cultural que eJplica quais so os elementos atra&+s dos quais os

    homens legitimam o acesso a terra

    Assim in&estigando concepKes de Custia e de embates que $undamentaram a

    luta pela terra no oitocentos !otta coloca=se em $orte contraposio com as a$irmaKes

    consolidadas a partir da obra de *os+ de SouEa !artins Mla entende que grande parte dos

    estudos realiEados na questo territorial brasileira tendeu a se preocupar $undamentalmente

    com os resultados dos territ2rios apropriados e do que nele se produEia sem quase nada

    indagarem sobre as di&ersas $ormas de acesso terra de legitimao do direito ao territ2rio

    ocupado e seus mltiplos e compleJos desdobramentos Desta $orma a autora insurge=se

    contra os estudos que partiram do pressuposto de que a ,ei de terras &iera to somente para

    assegurar os interesses dos grandes propriet1rios 'ara ela importa ressaltar que a ,ei de

    Terras consagra&a a propriedade pri&ada impedindo o acesso a terra por outros meios que

    no sua compra

    !otta atribui parte da culpa pela incapacidade de uma an1lise adequada dos

    con$litos agr1rios do s+culo 7 di$iculdade da $aEer perguntas a $ontes produEidas no

    Ymbito da Custia pois ao se considerar que os homens pobres e li&res 0no tinham raEo

    de ser4 tornou=se di$cil compreender as possibilidades de in&estigao dos processos

    c&eis de embargo despeCo e de medio de terras

    Qo entanto parece ha&er certo eJagero da autora ao a$irmar que a ,ei de Terras

    de ;/6. permitia 0uma possibilidade de democratiEar o acesso terra4 (!>TTA

    ;9

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    ;99/:;?-). O interessante que os dados coletados pela pr2pria autora mostram o contr1rio

    isto + apenas uma minoria de pequenos posseiros conseguiu legaliEar suas terras e hou&e

    uma substancial concentrao de propriedades atra&+s da trans$erNncia de terras de&olutas

    para as mos dos grandes $aEendeiros 7sto no compromete de maneira alguma a

    importYncia da pesquisa que + retomar uma &iso problematiEante do domnio da lei como

    componente da dinYmica dos con$litos sociais

    >utro trabalho recente que merece destaque + Terra Prometida 3ma ist6ria da

    &uest(o A#r$ria no )rasil de autoria de !aria Zedda ,inhares e #rancisco arlos

    TeiJeira da Sil&a Trata=se de um estudo bastante inspirado na linha de pesquisa

    desen&ol&ida na #rana por !arc Bloch na qual o m+todo comparati&o + bastante

    &aloriEado e as questKes hist2ricas so tratadas dentro de um panorama de longa durao

    Assim antes de adentrar hist2ria da questo agr1ria no Brasil os autores do uma &iso

    geral da hist2ria agr1ria europ+ia entre os s+cs L77 e 7 eJpondo modelos eJplicati&os

    da questo agr1ria e tentando adapt1=los ao conteJto latino=americano

    'or $im gostaria de dar destaque especial ao trabalho de uma pesquisadora Ao

    iniciar essa re&iso bibliogr1$ica atentei para o $ato de que grande parte dos estudos sobre a

    questo territorial no Brasil se concentra principalmente no perodo colonial com a

    questo das sesmarias e no perodo imperial com a ,ei de Terras de ;/6. Mm uma menor

    medida &N=se que alguns estudos que analisam a questo de terras a partir do incio da Mra

    Largas passando pelo Mstatuto da Terra > trabalho de ,gia !aria >s2rio Sil&a merece

    destaque no s2 por sua qualidade como tamb+m por eJcepcionar esta rare$ao tratando

    da questo de terras durante a Repblica Lelha

    Mm sua tese de doutoramento em iNncias Sociais denominadaA Lei da Terra 7

    3m studo sobre a ist6ria da Propriedade da Terra no )rasil a autora aborda desde o

    perodo colonial at+ o $im da Repblica Lelha procurando demonstrar 0o processo de

    constituio da propriedade pri&ada da terra no Brasil caracteriEado pela passagem das

    terras do domnio r+gio e depois do domnio pblico para o domnio pri&ado4 (;99.:?5?)

    Al+m disso a mesma autora publicou outro trabalho tamb+m de grande interesse para o

    presente estudo chamado A Apropria!(o Territorial na Primeira Repblica Dedicando

    boa ateno ao perodo imediatamente seguinte 'roclamao da Repblica com an1lise

    -.

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    da poltica de terras do "o&erno 'ro&is2rio este trabalho ser1 de grande &alia para esta

    pesquisa

    -;

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    Cap. 1 Um legado imperial - a questo de terras no Imprio.

    'ara que se possa dimensionar as continuidades e rupturas que o go&erno

    republicano promo&eu nos registros imobili1rios parece ser $undamental uma bre&e

    reconstruo da poltica de terras implementada pelo go&erno imperial Dessa $orma

    imprescind&el alguma remisso ,ei de Terras de ;/6. &erdadeiro marco hist2rico na

    poltica nacional de terras

    M&itando entretanto des&irtuar seu obCeto de estudo esta pesquisa no se

    apro$undar1 na an1lise da ,ei de Terras tantas &eEes estudada e debatida Mste captulo

    abordar1 a ,ei de Terras sem pretender eJaurir seu estudo contentando=se em toc1=la

    apenas naquilo que mais intimamente se relacione poltica de terras republicana seCa para

    contrast1=la seCa para reproduEi=la

    1.1. Distor!es entre o pro"eto de lei de 1#$% e a &ei de 'erras de 1#().

    Mmbora tenha se originado de um proCeto de lei de Cunho de ;/?5- a ,ei de

    Terras amargou um enga&etamento de mais de meia d+cada no Senado #ederal5 Uuando

    da sua apro&ao em ;/6. a lei se distancia&a em muitos pontos do proCeto que a

    impulsionara > proCeto de lei de ;/?5 entre outras questKes? trata&a ao lado da questo

    -DeiJada de lado em raEo das crises polticas da d+cada de ;/5. a questo da regulariEao de terras seriaretomada apenas em ;/?- M tal retomada se deu atra&+s de uma solicitao do ministro do 7mp+rio andido

    *os+ de AraCo Liana > ministro solicitou a elaborao de propostas concernentes questo de terras Seodos Qeg2cios do 7mp+rio do ento restaurado onselho de Mstado Mm Cunho de ;/?5 a proposta emanada daSeo dos Qeg2cios do 7mp+rio do onselho de Mstado de autoria de Bernardo 'ereira de Lasconcelos e *os+es1rio de !iranda Ribeiro $oi apresentada ligeiramente modi$icada como proCeto de lei ao Culgamento dosdeputados5Ap2s acirrados debates na Ymara o proCeto acabou sendo apro&ado 'ermaneceu no entanto enga&etadono Senado durante os anos de gabinetes liberais Al+m do car1ter ainda no to urgente do problema da mo=de=obra esse enga&etamento pode ser atribudo ao receio liberal em apoiar medidas centraliEadoras quere$orassem a autoridade imperial o que de certa $orma decorreria da regulamentao territorial (S7,LA:;99.:;58=;5/) om isso apenas ap2s a ascenso de um no&o gabinete conser&ador em ;/?/ seria dadacontinuidade discusso do proCeto o qual re&isto e re$ormulado se reapresentaria Ymara e ao Senado?Al+m desses pontos o proCeto de lei proibia a concesso de no&as sesmarias e encarrega&a o "o&erno7mperial da &enda de terras de&olutas em porKes nunca in$eriores a um quarto de l+gua quadrada >s

    recursos arrecadados com os impostos criados e as terras &endidas ser&iriam para $inanciar a &inda de colonosli&res >utro ponto importante do proCeto + a proibio dos imigrantes de comprar arrendar a$orar ou obter

    por qualquer outro modo o uso da terra por trNs anos contados de sua chegada!uito se $ala na inspirao desse proCeto na teoria de aGe$ield Alguns deputados chegam mesmo a cit1=lonos debates acerca do proCeto om e$eito nota=se que alguns de seus pontos realmente remetem a tal teoria

    principalmente no que re$ere s tentati&as de di$icultar a aquisio de terras e de estabelecer um preo Custo aser pago por elas Mntretanto tal inspirao tornou=se in2cua totalmente comprometida com a proibioainda que tempor1ria de compra de terra pelos imigrantes e com a atribuio ao "o&erno e no aos

    particulares interessados de arcar com as despesas da imigrao de mo=de=obra Assim constata=se que noBrasil hou&e uma distoro na aplicao da teoria de aGe$ield

    --

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    da imigrao6 da regulariEao da propriedade territorial Mm seus principais pontos o

    proCeto propugna&a pela (i) re&alidao das sesmarias cadas em comisso isto + aquelas

    que no cumpriram as condiKes de doao[ (ii) legitimao das posses de perodo superior

    a um ano e um dia e que no ultrapassem meia l+gua quadrada no terreno de cultura e duas

    l+guas nos campos de criao[ (iii) registro e demarcao das posses num praEo de seis

    meses ap2s o qual seriam aplicadas multas e passados seis anos sem demarcao ou

    registro se daria a incorporao das terras ao Mstado[ e (i&) criao de um imposto

    territorial anual e de uma taJa de re&alidao das sesmarias e legitimao das posses

    'or sua &eE a ,ei de Terras e$eti&amente apro&ada promo&eu uma s+rie de

    modi$icaKes no proCeto de ;/?5 M $oi Custamente por meio de tais modi$icaKes que a ,ei

    de Terras tornou=se uma importante engrenagem da estrat+gia poltica dos conser&adores

    chamada por ,gia !aria >s2rio da Sil&a de 0estrat+gia saquarema4@ omo bem nota

    S7,LA (;99.:;89) tais mudanas ti&eram um $orte car1ter conciliat2rio buscando compor

    e aCustar os interesses das classes economicamente dominantes Msse car1ter conciliat2rio

    transparece especialmente em algumas di$erenas $undamentais guardadas pela lei em

    relao ao proCeto

    'rimeiramente a alterao dos limites das posses a serem legaliEadas > proCeto

    de ;/?5 $oi acusado pelos deputados de querer eJpropriar os possuidores de terras por

    6onsiderando o problema de terras e o de coloniEao assuntos imbricados o proCeto de lei solicitoutamb+m propostas quanto ao processo coloniEat2rio processo este que ap2s ;/5. ha&ia sido praticamenteestancado ha&endo inclusi&e em ;/5; proibio do "o&erno de realiEar despesas com a imigrao Ali1s oentendimento de que as questKes de terras e coloniEao de&eriam ser tratadas conCuntamente consolidaria naopinio de ,gia !aria >s2rio Sil&a a tendNncia a pri&ilegiar como 0moti&ao principal da inter&eno doMstado a preocupao com a mo=de=obra e a relegar a segundo plano a questo do ordenamento territorial4(S7,LA ;99.: ;;6)@A 0estrat+gia saquarema4 de&e ser entendida no conteJto hist2rico em que $oi implementada Desde seu

    proCeto inicial de ;/?5 a ,ei de Terras pretendeu tratar como assuntos imbricados a questo da regulariEaoda propriedade de terras e da coloniEao Tendo a ,ei Mus+bio de UueiroE em ;/6. posto no horiEonte aabolio da escra&ido a preocupao mais presente nas discussKes polticas era a $orma de substituio dotrabalho escra&o om isso a ,ei de Terras passou a ter a coloniEao como problema principal a responder

    relegando a um segundo plano a regulariEao das terras a ser desen&ol&ido apenas na medida em que$acilitasse e principalmente at+ onde no atrapalhasse a coloniEaoA &iso poltica de &inculao estreita entre esses dois problemas a coloniEao e a regulariEao imobili1riade&e=se ao que ,gia !aria >s2rio da Sil&a chamou de 0estrat+gia saquarema4 Tal estrat+gia consistiriaresumidamente nas seguintes posturas: (i) de$esa do gradualismo da substituio do trabalho escra&o pelamo=de=obra li&re mantendo=se a escra&ido paralelamente ao programa de introduo de imigrantes pelogo&erno[ (ii) incenti&o da imigrao europ+ia no s2 para substituio do trabalho escra&o mas tamb+m coma $inalidade de po&oamento do eJtenso territ2rio nacional e branqueamento da populao[ (iii) empenho emregulariEar a demarcao das terras de&olutas para que as terras demarcadas pudessem ser &endidas e$inanciassem a imigrao regular isto + subsidiada pelo go&erno (S7,LA ;99.:;68=;8?)

    -5

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    $iJar limites m1Jimos para os tamanhos das posses Qa +poca da discusso do proCeto as

    crticas a esses limites conseguiram apenas $leJibiliEar a norma no sentido de que as

    posses e$eti&adas at+ ;/-- seriam completamente legitimadas no estando suCeitas a

    limites de tamanho A ,ei de Terras por sua &eE no $iJou limite algum para a

    legitimao das posses Al+m disso a lei ainda mantinha na posse da terra o posseiro cado

    em comisso 7sso tranq\iliEou inmeros grandes possuidores que se sentiriam preCudicados

    por uma norma mais rgida

    Mm segundo lugar a ,ei de Terras se adaptou aos interesses econmicos

    dominantes ao abandonar a id+ia de instituio do imposto territorial pre&ista no proCeto

    de ;/?5 >s senadores conseguiram a retirada dos dispositi&os relati&os a tal id+ia Qesse

    sentido a lei mereceu di&ersas crticas de seus contemporYneos crticas estas importantes

    por C1 demonstrarem a clara preocupao em restringir de alguma $orma a indiscriminada

    apropriao territorial

    'or $im h1 de se $aEer uma ressal&a Qem todas as modi$icaKes operadas no

    proCeto de lei de ;/?5 durante sua discusso parlamentar atendiam aos interesses

    conser&adores8 Tal&eE a principal eJceo seCa a descentraliEao operada pela ,ei de

    ;/6. 7nicialmente o proCeto de lei tinha uma acentuada tendNncia centraliEadora

    concentrando nas mos da burocracia imperial tanto o processo de imigrao como o de

    demarcao das terras Mmbora longe de abandonar essa tendNncia o processo de

    $leJibiliEao pelo qual o proCeto passou $eE com que buscando um car1ter conciliat2rio a

    lei concedesse aos 'residentes da 'ro&ncia a prerrogati&a de comandar a demarcao de

    terras particulares Tal mudana te&e como e$eito suCeitar na demarcao de terras a

    atuao do go&erno imperial dos go&ernos pro&inciais

    1.*. Da +in,aplicao da &ei de 'erras de 1#().

    8 'ossi&elmente se possa atribuir estas concessKes $eita pelos conser&adores a um importante aspectodestacado por *os+ !urilo de ar&alho: ha&ia na +poca uma $orte tendNncia a entender impratic1&el aimplementao da lei Qeste sentido:0> radicalismo do proCeto < para as circunstYncias da +poca < tal&eE tenha contribudo para sua apro&ao:muitos no acredita&am na possibilidade de implementao caso passasse pelo Senado Da tal&eE tamb+ma pouca cobertura dada pela imprensa aos debates > Cornal - )rasil de *ustiniano *os+ da Rocha queapoia&a o gabinete de ;/?5 deu apenas duas notcias Acha&a o proCeto muito importante mas irrealista

    parecendo=lhe mais um meio de distrair a ateno pblica das questKes polticas Qo acredita&a poder eJistir]go&erno to temer1rio que quisesse eJecutar essa lei de pronto em poucos meses em todo o 7mp+rio^ AeJecuo acha&a ]le&aria anos deEenas de anos^4 (ARLA,> ;9//:9;)

    -?

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    Se o comentado car1ter conciliador da ,ei de Terras por um lado possibilitou

    sua apro&ao por outro impossibilitou em certa medida sua aplicao 7sso porque

    como insinua S7,LA (;99.:;/5) os problemas que a lei pretendia conciliar eram em boa

    parte inconcili1&eis 'or um lado para atender ao interesse dos grandes propriet1rios de

    terras a lei precisa&a &edar o acesso propriedade de terras para os imigrantes garantindo

    que suas mos esti&essem dispon&eis para o trabalho na grande la&oura 'or outro a

    mesma lei pretendia incenti&ar a imigrao espontYnea atraindo imigrantes estrangeiros

    com a $inalidade de deiJar de comprometer com a imigrao regular o minguado

    oramento imperial e para tanto acena&a aos estrangeiros com a promessa de compra de

    certa poro de terra

    Al+m disso outro $ator que di$icultou a e$eti&ao da regulamentao de terras

    pretendida pela ,ei de ;/6. $oi a suCeio da atuao do go&erno imperial dos go&ernos

    pro&inciais na demarcao de terras uma &eE que a demarcao das terras particulares

    de&eria ser comandada por estes ltimos e a demarcao das terras de&olutas dependia da

    das terras particulares Assim submetida atuao dos go&ernos pro&inciais toda

    centraliEao promo&ida pela ,ei de Terras restou comprometida/

    om isso durante a segunda metade do s+c 7 assiste=se a uma seq\Nncia de

    criaKes e eJtinKes de 2rgos da Administrao 'blica encarregados da demarcao de

    terras sem que essas di&ersas substituiKes tenham surtido e$eitos rele&antes por no

    atingirem o cerne do problema

    /0> ponto $raco de todo sistema era o $ato de que a iniciati&a primeira que desencadearia todo o processo dedemarcao de terras esta&a nas mos dos particulares Tudo dependia da in$ormao pretendida pelo

    go&erno sobre a eJistNncia ou no de terras de&olutas em tal ou qual termo comarca ou municpio Mnto osorganismos competentes iniciariam a de&ida medio e demarcao e isto tornaria poss&el a destinaodestas terras para a &enda e a coloniEao Mntretanto esta in$ormao $ica&a na dependNncia da demarcaodas terras sob o domnio dos particulares que por e$eito da lei seriam legitimadas ou re&alidadas > CuiEcomiss1rio encarregado da medio e demarcao destas terras por sua &eE tinha que esperar o requerimentodos particulares para dar incio ao processo Mstas in$ormaKes s2 ento chegariam ao 'residente da'ro&ncia que in$ormaria os 2rgos competentes #inalmente estes 2rgos saberiam quais as terras quenaquele termo comarca ou municpio esta&am apropriadas e em processo de legaliEao > que sobrasseeram terras de&olutas Qo centro portanto de todo o processo esta&a o $ator que acionaria todo o mecanismo:o requerimento do posseiro ou sesmeiro para medir e demarcar suas terras4 (S7,LA ;99.:--@=--8)

    -6

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    MJemplos das criaKes e eJtinKes de 2rgos so a Repartio "eral de Terras

    'blicas9as RepartiKes Mspeciais das Terras 'blicas;.e o Registro "eral e Mstatstica

    das Terras 'blicas e 'ossudas;;

    1.%. A situao da demarcao de terras no inal do Imprio.

    7mpulsionado pela discusso gerada com a ,ei do Lentre ,i&re o decreto n_

    @;-9 de -5 de $e&ereiro de ;/8@ &iria a criar a 7nspetoria de Terras e oloniEao >

    mesmo ato que criou nas pro&ncias as 7nspetorias Mspeciais eJtinguiu as RepartiKes

    Mspeciais entregando quelas a $iscaliEao das colnias e das comissKes de medio

    om a criao da 7nspetoria o go&erno imperial eliminou a intermediao dos 'residentes

    das 'ro&ncias no processo de demarcao passando o !inist+rio da Agricultura a se

    comunicar diretamente com a 7nspetoria que por sua &eE recebia as in$ormaKes

    diretamente dos delegados das 7nspetorias Mspeciais de cada 'ro&ncia

    A 7nspetoria de Terras buscou concentrar seus es$oros na demarcao das 1reas

    onde se suspeita&a hou&esse maior quantidade de terras de&olutas pr2prias para

    coloniEao Apesar da estrat+gia interessante os resultados alcanados pouco se

    di$erenciaram daqueles atingidos pelos 2rgos anteriores

    A ad&ersa situao do ser&io de terras do $im do perodo imperial + bem descrita

    pelo ltimo relat2rio da 7nspetoria "eral de Terras e oloniEao datado de ;/// eassinado pelo ento 7nspetor "eral tenente=coronel #rancisco de Barros Accioli e

    Lasconcellos que &iria a ser deposto com a 'roclamao da Repblica:

    9#oi o que aconteceu com a Repartio "eral de Terras 'blicas criada pelo art -; da lei de ;/6. Trata&a=se de uma repartio especial dirigida medio di&iso e descrio das terras de&olutas al+m de suaconser&ao $iscaliEao &enda e distribuio Ademais a Repartio "eral ainda se responsabiliEa&a pela

    promoo da coloniEao Sem quase nada ter $eito pela demarcao de terras tal repartio $oi eJtinta em;/@; com a criao do !inist+rio da Agricultura om+rcio e >bras 'blicas;. om a criao do !inist+rio da Agricultura om+rcio e >bras 'blicas passou=se aos go&ernos

    pro&inciais por meio das RepartiKes Mspeciais das Terras 'blicas a responsabilidade pela manuteno deum Registro de Terras o que praticamente estancou os trabalhos de demarcao;;A percepo do agra&emento do problema da demarcao de terras e a esperana de conhecer as terrasde&olutas que lhe ha&iam sobrado le&ou o go&erno imperial a eJpedir em ? de outubro de ;/85 um a&iso

    pelo qual os posseiros que ocupassem terras antes de ;/6? $ica&am autoriEados a compr1=las Qo anoseguinte seria ainda criado o Registro "eral e Mstatstica das Terras 'blicas e 'ossudas eJtinto semalcanar sucesso

    -@

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    0`> ser&io de medio e discriminao das terras de&olutas

    durante o ano $indo te&e limitado desen&ol&imento restringindo=

    se com poucas eJceKes os trabalhos das comissKes

    discriminao das Eonas necess1rias para o estabelecimento de

    ncleos coloniais ontinua esta 7nspetoria sem elementos para

    organiEar con&enientemente o mo&imento relati&o s legitimaKes

    e re&alidaKes de posses assim como &enda das terras de&olutas

    $eitas nas 'ro&ncias por no receber as de&idas in$ormaKes o

    que ali1s no parece di$cil ministrar &isto que todos esses

    trabalhos dependem de uma s2 repartio4 (apud S7,LA

    ;99.:-9-)

    Mm seu cl1ssico li&ro intitulado Teatro de sombras a pol8tica imperial (;9//)

    *os+ !urilo de ar&alho dedica um captulo especialmente poltica de terras imperial

    artigo este que inclusi&e seria publicado com algumas alteraKes na Re&ista Brasileira de

    ist2ria como artigo autnomo intituladoModerniza!(o *rustrada a Pol8tica de Terras

    no 4mp'rio Ao comparar a poltica de terras poltica abolicionista o autor entende que

    embora ambas atingissem de maneira pro$unda os interesses de boa parcela dos

    propriet1rios de terras h1 di$erenas marcantes elas Ao contr1rio da poltica abolicionista

    a poltica de terras teria pro&ocado o alinhamento de propriet1rios de di$erentes setores

    agr1rios om isso alcanou $ora poltica tal que permitiu que a poltica de terras quase

    no sasse do debate legislati&o e dos relat2rios dos burocratas dos minist+rios do 7mp+rio

    e da Agricultura om+rcio e >bras 'blicas (ARLA,> ;9//:/?) Desta $orma a

    poltica de terras teria sido &etada pelos barKes da o ttulo do captulo: A pol8tica de

    terras o veto dos bar9es.

    om e$eito &N=se que durante todo o 7mp+rio permaneceram sem mapeamento as

    terras de&olutas e conseq\entemente continua&am as in&asKes e apropriaKes sobre elas

    chegando nessa situao o problema quando da 'roclamao da Repblica

    -8

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    Cap. * problema do crdito agr/cola na segunda metade do Imprio.

    *.1. Introduo.

    Qeste captulo pretende=se analisar o problema do cr+dito agrcola durante o regime

    imperial Mntretanto a $im de que no se des&irtue a $inalidade da presente pesquisa $aE=senecess1ria a realiEao de umcorte hist2rico 'ara tanto parece interessante principiar esta

    an1lise pelo ano de ;/@? A escolha desse ano de&e=se $undamentalmente apro&ao da

    ,ei ipotec1ria ocorrida nele em -? de setembro #oi tamb+m nesse ano que se deu a

    rise #inanceira cuCos e$eitos em grande parte se prolongariam durante todo o $im do

    7mp+rio chegando a atingir a Repblica nascente >utro $ator importante que pesa na

    escolha desse marco inicial + a proJimidade com que esse ano precede o de ;/@@ em que

    se deu a re$orma do Banco do Brasil

    *.*. A crise comercial de 1#(0.

    Antes no entanto + preciso uma r1pida remisso crise comercial de ;/68

    onsiderada a primeira crise comercial de rele&Yncia do 7mp+rio tal crise $oi encarada por

    muitos como de origem monet1ria;-=;5 ligando=se sua causa diretamente s eJcessi&as

    emissKes realiEadas pelo Banco do Brasil;?A reao imediata do go&erno distanciou=se do

    ;-A tese monetarista de eJplicao da crise consistia basicamente em atribu=la ao eJcesso de moeda poiscom a retomada do monop2lio da emisso pelo Banco do Brasil este passara a emitir moedas numaquantidade maior que a de seus $undos trabalhando com uma proporo multiplicadora o que $aEia com queno e&entual caso de uma repentina procura por troco ele no pudesse honrar suas notas de $orma imediata'ara um dos de$ensores dessa tese A,"MRAS a crise comercial internacional $uncionaria assim apenascomo estopim de uma crise C1 anunciada (;9@.:;.?);5>utros $atores apontados como causa da crise de ;/68 seriam (i) a intensi$icao das relaKes comerciais e$inanceiras na segunda metade do s+culo 7 a qual trouJe como conseq\Nncia a intensi$icao dasespeculaKes < al+m disso o arroCamento do comportamento dos comerciantes estimulado segundo alguns

    pela $acilidade creditcia propiciada pelo ento no&o 2digo omercial (promulgado em ;/6.) o qual teria

    aumentado as quebras de contrato (S>ARMS ;/@6)[ (ii) o $im do tr1$ico negreiro em ;/6. que liberou parano&os in&estimentos o capital antes empregado nessa ati&idade embora seCa certo que parte desse capital sedirecionou ao tr1$ico interpro&incial e outra parte emigrou com a deportao dos tra$icantes portugueses(,% ;9@.:88)[ (iii) um repentino e &olumoso aumento das transaKes na Bolsa de Lalores do Rio de*aneiro pro&a&elmente in$luenciado pelas causas anteriormente apontadas (,MLZ ;988)[ e por $im (i&)uma crise comercial internacional que atingiu o mercado norte=americano e europeu e re$leJamente o

    brasileiro com a no=reno&ao dos cr+ditos de curto praEo que $inancia&am o com+rcio de importao(B>TM,> *R -..-:8);?Segundo B>TM,> *R (-..-:/) as emissKes totais aumentaram /5 entre o segundo semestre de ;/65 eo primeiro semestre de ;/6/

    -/

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    esperado pela ortodoJia da +poca;6=;@ mas passada a crise no tardou para que essa tese

    monetarista implicasse uma esp+cie de contra=re$orma econmica especialmente por seus

    de$ensores assumirem cargos direti&os do go&erno;8 Tal contra=re$orma consistiu

    basicamente na adoo de medidas que &isaram reduo das emissKes realiEadas pelo

    Banco do Brasil;/ adoo da con&ersibilidade=ouro;9 restrio criao de no&as

    companhias e poltica de alta taJa de cYmbio Mssas medidas ti&eram como seu mais

    representati&o &eculo Curdico a ,ei de -- de Agosto de ;/@. cuCo proCeto $ora

    apresentado pelo ministro da #aEenda Sil&a #erraE-.

    A lei de ;/@. te&e um $orte e$eito recessi&o diminuindo sensi&elmente as

    iniciati&as de no&os empreendimentos e aumentando o nmero de $alNncias-; > go&erno

    de$endeu=se alegando que apenas os empreendimentos de car1ter especulati&o no teriam

    resistido lei de ;/@.*.%. A crise inanceira de 1#$.

    M $oi basicamente essa poltica econmica restriti&a que se mante&e at+ o pas ser

    atingido pela crise $inanceira de ;/@? Tal crise + marcada sobretudo pela $alNncia de uma

    das mais importantes casas banc1rias brasileiras do 7mp+rio: a asa Souto Ainda que

    $req\ente e intensamente socorrida pelo Banco do Brasil-- a asa Souto no conseguiu

    arcar com o pagamento de seus bilhetes suspendendo=o em .9 de setembro de ;/@? A essa;6Ao in&+s da postura econmica restriti&a esperada pela ortodoJia econmica da +poca a presena de Sousa

    #ranco no !inist+rio da #aEenda a partir de ;/68 reconhecidamente adepto da liberdade banc1ria $eE comque se criassem cinco bancos com direito de emisso e um outro C1 eJistente $osse autoriEado a emitir;@ 0A ao do "o&erno na crise distanciou=se da ortodoJia comum ao perodo Diminuiu as taJas de Curossocorreu casas banc1rias e sustentou o cYmbio por meio de operaKes $inanceiras em ,ondres intermediadas

    pelo Banco de !au1 < diante da recusa do Banco do Brasil que insistia numa poltica restriti&a4 (B>TM,>*R -..-:;.);8Mm ;/69 o !inist+rio da #aEenda $ora assumido por Torres omem um dos principais opositores do eJ=ministro da #aEenda Sousa #ranco um dos principais respons1&eis pela poltica econmica heterodoJa do"o&erno;/Mm abril de ;/69 as emissKes do Banco do Brasil $oram reduEidas ao dobro de seus $undos estando ainstituio a emitir pelo triplo at+ ento;9>s de$ensores da tese monetarista da crise de ;/68 con$undem=se de uma $orma geral com os metalistasisto + com aqueles que entediam que a moeda de&eria ser con&ers&el lastreada em ouro ou em uma di&isa

    $orte como a libra Al+m disso os metalistas eram $a&or1&eis instituio do monop2lio de emisso(B>TM,> *R -..-:85)-.Mm Cunho de ;/@. Torres omem ha&ia proposto um proCeto de lei com medidas restriti&as o qual so$reu$orte oposio a qual inclusi&e culminou na renncia do ministro Sil&a #erraE o sucedeu na pasta atuandosob pressupostos econmicos muito semelhantes aos de seu antecessor mas com maior habilidade poltica aqual lhe permitiu apro&ar proCeto bastante pr2Jimo ao de Torres omem com apenas algumas pequenasmudanas ("RAQ7MRA ;989 p /6)-;> economista $rancNs * "ranier contemporYneo da lei de ;/@. a apelidou em ;/@- de ,ei dos Mntra&esapelido pelo qual ela $icaria conhecida em boa parte do meio acadNmico que a estudou $ A,"MRAS(;9@. p ;-9)

    -9

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    suspenso sucedeu=se uma corrida a outras casas banc1rias buscando reembolso de seus

    bilhetes Dada a impossibilidade de os $undos das casas banc1rias arcarem com a repentina

    demanda em ;5 de setembro de ;/@? tamb+m hou&e a suspenso dos pagamentos de seus

    bilhetes Qesse momento quando a corrida principiara a direcionar=se ao Banco do Brasil

    o go&erno inter&eio e decretou o curso $orado dos bilhetes do banco em ;? de setembro

    de ;/@?

    Qo entanto pode=se diEer que a quebra da asa Souto $oi apenas o estopim de uma

    crise que se de&eu dentre outras causas-5 s polticas econmicas aplicadas pelo go&erno

    imperial desde a crise de ;/68 om e$eito aponta=se como uma das principais causas da

    rise de ;/@? a poltica monet1ria com a eJcessi&a &aloriEao da moeda nacional $rente

    libra esterlina conseq\Nncia da restriti&a poltica de emisso de moeda Lale lembrar que

    desde ;/@. o go&erno ha&ia adotado a con&ersibilidade da moeda o que teria in$luenciadona acentuada escasseE de que padecia o meio circulante em ;/@?

    Al+m disso uma outra causa para a crise + apontada M essa tem uma importYncia

    especial para a presente pesquisa Trata=se dos problemas en$rentados pelos $inanciadores

    na concesso de empr+stimos sem que hou&esse garantias adequadas do pagamento

    Tratando da relao desses problemas com a rise de ;/@? B>TM,> *R diE:

    0'or $im no se pode despreEar o $ato de que a concesso de

    empr+stimos com garantias du&idosas e eJistNncia de $raudes

    di&ersas tamb+m contriburam para abalar a sade $inanceira das

    casas banc1rias desde o curto pYnico de ;/@- em situao de

    perigo4 (-..-:;@)

    --

    S>ARMS um autor contemporYneo da quebra da casa estima que quando esta ocorreu aproJimadamente@@ do capital do Banco do Brasil esta&a a ela emprestado (;/@6 p 6.=;)-5Ao lado das causas de poltica econmica a crise de ;/@8 de&eu=se tamb+m a uma causa natural Trata=sede uma praga que atingiu os cana&iais $luminenses B>TM,> *R eJplica da seguinte maneira a relaoentre a praga e a crise:0A praga que atingiu os ca$eEais $luminenses = reduEindo assim sua produti&idade C1 comprometida pela$ertilidade decrescente do solo = pro&ocou uma quebra de sa$ra e por conseguinte da renda dos ca$eicultoresomo estes eram clientes dos comiss1rios suas di$iculdades rapidamente os alcanaram 'or sua &eE oscomiss1rios eram clientes das casas banc1rias sendo estas ento tamb+m atingidas pelos problemas nosca$eEais4 (-..-:;?)

    5.

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    om e$eito o $inanciamento agrcola era ao mesmo tempo uma das necessidades

    mais prementes e um dos problemas mais urgentes a ser en$rentado pelo go&erno

    'ela 2tica dos $inanciadores os empr+stimos tinham garantias bastante de$icientes

    tendo em &ista que at+ ento as d&idas eram normalmente garantidas pela propriedade de

    escra&os-? a qual se encontra&a em $ranca decadNncia pelo paulatino processo de

    ilegitimao a que se submetia de&ido em grande parte presso internacional para a

    abolio A propriedade que naturalmente poderia substituir a de escra&os enquanto

    garantia de empr+stimos seria a propriedade de terra Qo entanto certas di$iculdades

    obstaram a imediatidade dessa substituio-6 A ineJistNncia de um sistema minimamente

    adequado de registro de propriedade imobili1ria torna&a altamente arriscado o empr+stimo

    por ela garantido Al+m disso a $acilidade na apropriao de terras s margens da lei por

    meio de &iolNncia e $raude diminua sensi&elmente o &alor da terra tornando=o muitoin$erior propriedade ser&il

    'or outro lado pela 2tica dos tomadores de empr+stimo a de$iciNncia do sistema

    banc1rio da +poca torna&a os empr+stimos agrcolas altamente dispendiosos para os

    de&edores-@> insatis$at2rio desen&ol&imento do sistema banc1rio abria espao para a

    -?De acordo com a lei da escra&atura o escra&o era um semo&ente omo tal o seu propriet1rio ou possuidoral+m de poder &endN=lo poderia alug1=lo emprest1=lo gra&1=lo em garantia de uma d&ida Qote=seentretanto que pela lei somente esta&am suCeitos hipoteca os escra&os pertencentes a estabelecimentosagrcolas-6Ao comentar a dependNncia do sistema escra&ista a que se submetiam os ca$eicultores entendendo estaremestes inclusos em um crculo &icioso de todo um modo de produo (e reproduo) escra&ista SAMS escre&esobre a importYncia da propriedade escra&agista no $inanciamento da produo e a correlata incapacidade da

    propriedade imobili1ria em substitu=la (note=se que os gri$os do trecho so de autoria do pr2prio SAMS):0() para que se possa entender em toda as suas dimensKes o interesse dos ca$eicultores em conser&ar aeJistNncia do trabalho escra&o + preciso ir al+m da es$era de produo escra&ista (a&aliao da rentabilidadedo trabalho escra&o) e obser&ar igualmente a es$era de circulao Msta possui no modo de produoescra&ista moderno uma particularidade: a propriedade escrava ' a base de todo o cr'dito 'ara que possamobter dinheiro de banqueiros usu1rios ou eJportadores os plantadores de&em $undamentalmente apresentar s ca$eicultores pressiona&am

    por $ormas de $inanciamento menos onerosas e a mais longo praEo4 (-..-:;?9)-8A respeito da intermediao realiEada pelos comiss1rios entre os tomadores de empr+stimo e os bancosen$atiEando a $uno destes enquanto prestamistas daqueles STM7Q disse:

    0onstituindo de longe o mais ati&o e poderoso setor do com+rcio do Rio de *aneiro os comiss1rios saca&amabundantemente sbre as &inte e uma casas banc1rias $undadas na d+cada de 6. e @. A despeito dos ser&ios

    prestados pelos estabelecimentos banc1rios aos comiss1rios os capitais de que dispunham eram relati&amenterestritos[ indi&idualmente nenhum dNles possua o capital do Banco do Brasil instituio o$icial com seus5.... contos Redesconta&am no Banco do Brasil ttulos de cr+dito assinados pelos comiss1rios > Banco doBrasil se trans$ormou assim de $ato em ]banqueiro dos bancos^4 (STM7Q ;9@;: -66=-6@)-/Alguns pesquisadores buscaram le&antar as taJas regionais de Curos da +poca Mstudando So 'aulo demeados do s+culo 7 SAMS encontra 0o n&el &igente da taJa de Curos no inter&alo de ;- a ;/ ao ano4(SAMS ;9/@:@/)Mm ,orena !AR>QDMS &eri$icou taJas ao redor de -. para o perodo de ;/5. a ;/?9e de ;@ para o momento de ;/6. a ;/8- nos cr+ditos registrados nos in&ent1rios compulsados(!AR>QDMS ;99/:-5.)-9Qo Relat2rio da omisso de 7nqu+rito sobre a crise $inanceira de ;/@? Sebastio #erreira Soares procuroueJplicar os moti&os das ele&adas taJas de Curos para os agricultores nos anos anteriores lei hipotec1ria em

    $uno da presena de intermedi1rios:0Mm sua maior parte os dinheiros para suprimento dos $aEendeiros so tomados pelos comiss1rios aos seus

    banqueiros aos Curos correntes e sobre eles carregam mais - de garantia aos $aEendeiros de sorte que estessempre pagam pelo menos mais ? que o desconto estipulado pelo Banco do Brasil porquanto no tendo nocadastro do Banco do Brasil cr+dito aberto ao $aEendeiros as $irmas destes no so aceitas naqueleestabelecimento pelo que s2 com as $irmas dos comiss1rios so descontados os seus ttulos nos banqueirosque assim se constituram intermedi1rios dos $aEendeiros e do Banco regulador de cr+dito e por isso mais -carregam que o Banco pela sua garantia >ra sendo o desconto mais geral do Banco do Brasil na raEo de 9 a;. ao ano segue=se que os $aEendeiros mais $a&orecidos no obtNm dinheiro na praa com menores Curos de;5 e ;? ao ano o que lhes + eJtremamente gra&oso4

    5-

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    e da ampliao do instituto da hipoteca5.como garantia dos empr+stimos promulgando em

    -? de setembro de ;/@? uma lei que estabelecia as normas que a regulariam

    Segundo S%, (;99@:6.) at+ ;/@? &1rias raEKes praticamente in&iabiliEa&am

    as hipotecas sobre a terra dentre as quais se destacam a $alta de mercado para as terras e a

    insegurana que as de$iciNncias do sistema registral gera&am sobre os ttulos de propriedade

    de terra Al+m disso ha&ia uma lei que eJigia que as hipotecas no ultrapassassem metade

    do &alor da terra ,ei esta que &isando proteo dos agricultores acabou por inibir ainda

    mais as hipotecas sobre im2&eis

    A respeito da importYncia dessa lei A,"MRAS diria que:

    0A lei de -? de setembro de ;/@? estabelecera as normas para os

    empr+stimos sobre hipotecas[ era poss&el portanto le&ar carteira de emissKes hipotec1rias inteiramente distinta da carteira

    comercial esses ttulos de liquidao remota pro&indo na

    realidade e em sua grande maioria de empr+stimos concedidos aos

    agricultores os quais desse modo entender=se=iam diretamente

    com o banqueiro sem o interm+dio de terceiros nem o desembolso

    de corretagens especiais4 (;9@.:;6?)

    5.A crise apenas agra&ou uma situao preeJistente pois C1 na primeira metade do s+culo 7 se agita&amos debates parlamentares em torno da necessidade de dotar o mercado de uma $erramenta e$icaE para garantiados empr+stimos Mm ;/5/ $oi apresentado por proposta do deputado Aureliano de SouEa e >li&eiraoutinho um proCeto de criao de o$cio pri&ati&o de hipotecas apontamentos e protesto de letras Ap2slongo debate parlamentar tal proCeto $oi trans$ormado em lei de ;? de no&embro de ;/?@ Seu autor assim

    Custi$ica&a o proCeto:0() parece da necessidade uma lei que criando em cada municpio um o$cio e registro especial dehipotecas e de protesto de letras ponha os cidados e particularmente o com+rcio a abrigo das contnuas$raudes que diariamente se praticam hipotecando=se a indi&duos por um cart2rio pr+dios C1 hipotecados aoutros por cart2rios di$erentes[ e bem assim o habilite a conhecer prontamente aqueles que pouco pontuaisem seus pagamentos deiJam apontar e protestar suas letras a $im de que estabelecida a con$iana me docom+rcio possa esse prosperar como muito con&+m aos interesses do pas4 !uito antes disso 0parece danecessidade uma lei que criando em cada municpio um o$cio e registro especial de hipotecas e de protesto

    de letras ponha os cidados e particularmente o com+rcio a abrigo das contnuas $raudes que diariamente sepraticam hipotecando=se a indi&duos por um cart2rio pr+dios C1 hipotecados a outros por cart2rios di$erentes[e bem assim o habilite a conhecer prontamente aqueles que pouco pontuais em seus pagamentos deiJamapontar e protestar suas letras a $im de que estabelecida a con$iana me do com+rcio possa esse prosperarcomo muito con&+m aos interesses do pas () + sabido que muitos suCeitos que ali1s deseCariam $aEer girare reproduEir seus $undos recusam d1=los sobre hipotecas de bens de raiE por ignorarem se tais bens estosuCeitos em todo ou em parte a outros contratos e por temerem os preCuEos que de tais $raudes se tNmseguido[ donde tamb+m resulta que muitos propriet1rios so pri&ados de $aEer duplicadamente produti&assuas propriedades obtendo sobre elas $undos com que as possam melhorar aumentar ou entrar em outrasespeculaKes4

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    Mm algumas regiKes a introduo da hipoteca como garantia de empr+stimo te&e

    e$eitos ben+$icos imediatos no sistema de cr+dito da economia ca$eeira Mm estudo sobre o

    $inanciamento da ca$eicultura no Lale do 'araba #luminense mais especi$icamente em

    Lassouras SM7"ART nos d1 certa dimenso dessa alterao:

    0%ma no&a era em $inanciamento agrcola chegou ao Brasil com a

    con&erso do Banco do Brasil e do Banco 'redial em instituiKes

    hipotec1rias A guerra com o 'araguai ha&ia sido ganha e os altos

    preos do ca$+ eram propcios para os bancos hipotec1rios

    en&isionados na legislao de ;/@? e ;/@6 () ompanhias

    angariariam grandes quantidades de capital para in&estir emplantaKes a longo praEo sob condiKes de cr+dito melhores

    criadas pelo claro registro de garantias: terra e escra&os om o

    risco diminudo os plantadores pagariam taJa de Curos menor ou

    igual taJa de desconto eliminando assim o lucro do mediador45;

    omo obser&a !M,,> tamb+m ele se re$erindo regio de Lassouras a hipoteca

    era uma das principais $ontes de capital ad&indo grande parte desses empr+stimos de $ontes

    locais:

    0() os $aEendeiros de ca$+ obtinham cerca de ?. de suas

    necessidades de capital das $ontes locais A maior parte desses

    emprestadores eram outros $aEendeiros ou ento comerciantes da

    cidade >s empr+stimos tinham por garantia hipotecas das

    propriedades rurais o praEo era em geral de - a ? anos e a taJa de

    Curos oscila&a entre ;. e ;-4 (!M,,> ;9/?:-??)

    5;0A neF era in agricultural $inance in BraEil arri&ed Fith the con&ersion o$ the Banco do Brasil and theBanco 'redial into mortgage institutions The Far Fith 'araguaH had been Fon and high co$$ee prices Fere

    propitius $or the mortgate banGs en&isioned in the legislation o$ ;/@? and ;/@6 () ompanies Fould amasslarge amounts o$ capital to in&est in plantations $or long terms under the impro&ed credit conditions created

    bH the clear registration o$ collateral: land and sla&es ith risG diminished planters Fould paH interest ratesat or beloF the discount rate thus eliminating the pro$it o$ the middleman4 (SM7"ART apud!AR>QDMS -..6:.5 traduo li&re)

    5?

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    Mm re$oro s normas estabelecidas por essa lei a instituio da hipoteca tamb+m

    seria incenti&ada por uma re$orma so$rida pelo Banco do Brasil implementada em ;/@@

    Tal re$orma instituda pela lei n_ ;5?9 de ;- de setembro de ;/@@ ap2s intenso debate

    poltico5- buscou trans$ormar parte da carteira comercial do banco em carteira hipotec1ria e

    de penhor agrcola ('M,M e S%7"AQ ;9/;:;;6=;;@)

    Basicamente a lei n_ ;5?9 tinha como principais pontos: (i) o $im da capacidade

    emissora do Banco do Brasil que apenas continuaria com as operaKes autoriEadas e os

    empr+stimos hipotec1rios[ (ii) a di&iso do banco em duas repartiKes a arteira omercial

    e a arteira ipotec1ria55 as quais responderiam a uma mesma administrao por+m

    teriam $undos separados

    Ap2s certo adiamento na criao da arteira ipotec1ria5? somente em ;/@8 seriaregulamentada pela direo do Banco do Brasil a repartio das hipotecas $iJando regras

    que na pr1tica &iriam a limit1=las sobremodo 'or eJemplo como regra somente seriam

    aceitas hipotecas de im2&eis localiEados no 0municpio neutro da corte na 'ro&ncia do Rio

    de *aneiro e nos municpios que com ela $ossem limtro$es em So 'aulo !inas "erais e

    Msprito Santo4 e hipotecas sobre im2&eis de outras localidades somente seriam aceitas

    eJcepcionalmente e mesmo assim para garantir os ttulos C1 eJistentes na arteira

    ('7fM7R> ;99@:?8) Tal regulamentao limitadora da utiliEao da hipoteca somada

    5-Ao comentar o debate em torno do proCeto de lei '7fM7R> descre&e o $orte impasse entre o ento ministroda #aEenda arro contr1rio re$orma e o ministro da Agricultura 'aula e SouEa $a&or1&el ao proCeto Talimpasse terminou com a renncia daquele que te&e como conseq\Nncia a sada de outros ministros do"o&ernoA respeito do debate poltico '7fM7R> ainda acrescenta:0As questKes que $aEiam oporem=se as $raKes que compunham o ]bloco no poder^ relaciona&am=se por umlado de$esa da capacidade emissora pelo Banco do Brasil pois esta ati&idade era altamente lucrati&a e poroutro s necessidades de $inanciamento das ati&idades urbanas at+ ento bastante protegidas por aqueleestabelecimento como nas crises de ;/68 e ;/@? Ap2s inmeros debates no Senado e na Ymara tratadoscom grande rapideE pela presso dos interessados e incorporando sugestKes da omisso do Senado o

    proCeto $oi apro&ado4 (;99@:?@)55A $im de atender demanda do setor agrcola a arteira ipotec1ria do Banco do Brasil recebeu quandoda sua criao a importYncia de 56... contos os quais de&eriam ser con&ertidos em ttulos hipotec1rios5?'7fM7R> aponta quais as causas do re$erido adiamento na implantao da arteira ipotec1ria:0Mntretanto a empresa `Banco do Brasil no demonstra&a grande interesse na arteira ipotec1ria e apesarda presso dos propriet1rios de terra o Banco buscou adiar ao m1Jimo a implantao da mesma Tamb+m por

    parte das $oras polticas a implementao no pde ser apressada uma &eE apro&ada a ,ei de Re$orma de;/@@ pois o controle das emissKes passa&a de $ato para o go&erno do imp+rio e a manuteno da unicidadedas emissKes di&idia os grupos que ha&iam apoiado a no&a legislao Msta di&iso no grupo que ha&ia

    propiciado a apro&ao das no&as regras que iriam reger o $uncionamento do Banco do Brasil do tesouro edas emissKes permitiu a atuao dos ad&ers1rios da criao da arteira ipotec1ria4 (;99@:?8)

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    relati&amente pequena concesso de empr+stimos hipotec1rios quando comparados

    dotao do Banco e ainda ao uso dos recursos que de&eriam ser destinados agricultura

    para realiEao de empr+stimos ao go&erno $eE com que a arteira ipotec1ria $osse

    relegada a segundo plano ainda que sob $ortes crticas do setor agrcola

    Apenas em ;/8; se acenaria uma mudana quanto a essa postura Qesse ano a

    diretoria do Banco props ao go&erno que $osse ampliado e aprimorado o cr+dito agrcola

    atra&+s da arteira ipotec1ria com a concesso de empr+stimos de longo praEo e a baiJos

    Curos Mm contrapartida o Banco pleitea&a a prorrogao de autoriEao para seu

    $uncionamento por mais quatorEe anos e a diminuio do resgate de suas notas que ainda se

    encontra&am em circulao >u seCa o banco pretendia compensar os cr+ditos concedidos

    la&oura com a reduo do resgate dos bilhetes

    Apesar de so$rer intensas crticas $oi apro&ado o proCeto de lei de autoria doministro da #aEenda que contempla&a as mudanas legislati&as pretendidas pelo Banco56

    Ap2s essa no&a mudana legislati&a agora sim o Banco do Brasil comea&a a promo&er a

    implementao da hipoteca complementando a totalidade de sua dotao com as letras

    hipotec1rias lanadas a partir de ;/8?

    *.$. A crise inanceira de 1#0(.

    Mm ;/86 a economia brasileira $oi assolada por uma $orte crise De uma maneira

    geral duas so as principais causas apontadas pelos historiadores econmicos para a crise

    de ;/86: (i) o cen1rio internacional des$a&or1&el5@=58 e (ii) a escasseE interna do meio

    circulante Msta ltima causa interessa especialmente presente pesquisa

    56 0> resgate das notas era reduEido a -6 ao ano[ o praEo de $uncionamento do Banco do Brasil eraprorrogado por quatorEe anos[ estipula&a em -6...... o mnimo do &olume de recursos que de&eriam seremprestados agricultura (logo uma reduo de quase 5. da dotao origin1ria) e $iJa&a em @ aamortiEao e 6 de Curos ao ano estendendo as condiKes aos contratos ainda em &igor4 ('7fM7R>;99@:?/)5@Apesar da relati&a prosperidade eJperimentada no incio da d+cada de 8. a partir do ano de ;/85 aeconomia mundial se retrai entrando em crise O apontado como momento decisi&o da gNnese dessa crise a

    quebra da Bolsa de Lalores de Liena qual se seguiu uma ele&ao da taJa de descontos do Banco da7nglaterra58S%, (;99@) associa a crise de ;/86 a este mo&imento da economia mundial cuCos e$eitos teriamchegado de $orma retardada ao Brasil $aEendo com que o preo do ca$+ casse 'or outro lado B>TM,>*R (-..-) embora no despreEe a in$luNncia eJterna na crise brasileira relati&iEa essa hip2tese 0eJogenista4da causa da crise entendendo que a queda nos preos do ca$+ a partir de ;/86 teria sido em certa medidacompensada pelo comportamento dos preos de outros produtos de eJportao no ha&endo e&idNncias de

    problemas na balana comercial na intensidade necess1ria para que se pro&ocasse uma crise $inanceira Al+mdisso o mesmo autor questiona a que se de&eria o retardamento do re$leJo da crise internacional no Brasildescon$iando da de$asagem de dois anos entre uma e outra crise

    5@

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    A "uerra do 'araguai + apontada como uma das principais raEKes do problema da

    escasseE do meio circulante !ais especi$icamente o problema teria sido causado pelos

    &ultosos gastos pblicos empregados no $inanciamento do con$lito om e$eito o alto custo

    da mobiliEao de grande nmero de soldados bem como da disponibiliEao de muniKes

    e &&eres aumentou de $orma acentuada as despesas estatais Mmbora no mesmo perodo

    tenha ocorrido um signi$icati&o aumento da arrecadao tal no $oi su$iciente para $aEer

    $rente aos gastos b+licos gerando d+$icit estatal

    Ao tratarmos como $ator $undamental da crise do 7mp+rio da relao entre a

    "uerra do 'araguai e a deteriorao das $inanas pblicas + obrigat2ria a re$erNncia ao

    trabalho de ilma 'eres osta intituladoA quest(o %iscal na trans%orma!(o republicana 7

    continuidade e descontinuidade

    A autora encara a "uerra do 'araguai ao lado da di&ersi$icao da basesocioeconmica5/como um dos $undamentos da crise poltica da d+cada de 8.:

    0A crise da d+cada de ;/8. tem portanto um de seus $undamentos

    na di&ersi$icao da base socioeconmica > outro $undamento da

    crise que