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Artigo que trata da questão do descobrimento do Brasil na visão de diferentes autores de História do Rio Grande do Norte.

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAO, CINCIA E TECNOLOGIA

DO RIO GRANDE DO NORTE - CMPUS EAD

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

ESPECIALIZAO EM EDUCAO AMBIENTAL E GEOGRAFIA DO

SEMIRIDO

FLADEMIR GONALVES DANTAS

A QUESTO DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL NOS LIVROS DIDTICOS DE HISTRIA DO RIO GRANDE DO NORTE.

NATAL-RN

2014SUMRIO

1. INTRODUO ..................................................................................................... 3

2. DESENVOLVIMENTO ......................................................................................... 5

3. CONCLUSO ....................................................................................................... 14

REFERNCIAS ........................................................................................................ 171. INTRODUO

O ensino de Histria sofreu grandes transformaes nas ltimas dcadas do sculo XX que ocorreram articuladas s transformaes sociais, polticas e educacionais, bem como quelas ocorridas no interior dos espaos acadmicos, escolares e na indstria cultural. Portanto, se faz necessrio debater as diferentes temticas que envolvem o ensino-aprendizagem na disciplina Histria, e de acordo com Selva Guimares Fonseca: Discutir o ensino de histria, hoje, pensar os processos formativos que se desenvolvem nos diversos espaos, pensar fontes e formas de educar cidados, numa sociedade complexa marcada por diferenas e desigualdades. (FONSECA, 2003, p.15)

Podemos pensar que o ensino de Histria deixou de ser prioritariamente uma Histria Poltica e mera compilao de datas, nomes, locais e algumas palavras-chave que precisavam ser memorizadas para uma ampla e nova gama de novos elementos, principalmente com as contribuies advindas da escola dos Annales, corrente historiogrfica surgida na Frana nos anos de 1930 que buscou novos objetos e fontes, novas teorias, novas metodologias, novos problemas para a Histria e consequentemente para o ensino dela, provocando uma renovao e ampliao do conhecimento histrico e consequentemente, dos olhares da Histria.

Alm dos acontecimentos polticos, a Histria procura resgatar tambm o cotidiano, as estruturas econmicas, as prticas culturais e outros aspectos dos povos do passado. E conforme nos aponta Cludia Moreira e Jos Vasconcelos (2007):A Histria ensinada nas escolas tem respondido a essas mudanas incorporando esses novos interesses no currculo. Alm disso, novas teorias e mtodos educacionais tm contribudo para um redirecionamento das prticas pedaggicas no ensino de Histria. (Idem, 2007, p. 36).

A Histria deixou de ser meramente decorada para ser entendida, a repetio e memorizao de informaes isoladas, como nomes e datas, tem dado lugar a um processo mais complexo e, ao mesmo tempo, mais dinmico. Na viso desses autores, essas mudanas, implicam que, o aluno deixa de ser visto como um ser passivo, reprodutor de um conhecimento que recebe de modo pronto e acabado, e passa a ser entendido como agente na construo do saber. (Idem, 2007, p. 36).

E conforme as Orientaes curriculares para o Ensino Mdio, a Histria adquire seu pleno sentido para o ensino-aprendizagem quando procura contribuir, com sua potencialidade cognitiva e transformadora (BRASIL, 2006, p. 66). Nesse sentido, os usos de materiais didticos corroboram para com o que foi dito acima, estes so instrumentos de trabalho do aluno e do professor, participando como agentes na construo do saber e do suporte na mediao entre ensino e aprendizagem, sejam eles; livros - didticos, paradidticos, tcnicos, especializados filmes, excertos de jornais e revistas, mapas, dados estatsticos e tabelas, entre outros meios de informao, tm sido utilizados com frequncia nas aulas de Histria. (BITTENCOURT, 2004, p. 295).

Devemos ainda considerar que o livro de Histria uma mercadoria do mundo editorial, sujeito s influncias sociais, econmicas, tcnicas, polticas e culturais como qualquer outra mercadoria que percorre os caminhos da produo, distribuio e consumo.

dentro desse contexto que faremos a anlise da questo do Descobrimento do Brasil em trs livros didticos de Histria do Rio Grande do Norte quais so eles: Para conhecer a Histria do Rio Grande do Norte das autoras Marlene da Silva Mariz e Valda Marcelino Tolkmitt (MARIZ e TOLKMITT, 2005); Rio Grande do Norte: Cultura e Identidade da Marlcia Galvo Brando (BRANDO, 2008); e o Histria do Rio Grande do Norte dos autores Aristotelina Pereira Barreto Rocha e Lemuel Rodrigues da Silva (ROCHA e SILVA, 2011)2. DESENVOLVIMENTO

Cremos que os livros examinados, obras de sntese da Histria Regional, com edies posteriores ao ano de 2002 e que representam uma nova produo historiogrfica, todos com indicaes para uso didtico, conforme definio de FREITAS (2009, p. 11-19): Livro didtico um artefato impresso em papel, que veicula imagens e textos em formato linear e sequencial, planejado, organizado e produzido especificamente para uso em situaes didticas, envolvendo predominantemente alunos e professores, e que tem a funo de transmitir saberes circunscritos a uma disciplina escolar.

Os livros listados acima so amplamente utilizados no ensino fundamental no Rio Grande do Norte, e levando-se em considerao levantamento realizado no Guia de Livros Didticos PNLD 2013, verificamos que o referido Estado possui apenas um livro didtico regional aprovado - Histria do Rio Grande do Norte dos autores Aristotelina Pereira Barreto Rocha e Lemuel Rodrigues da Silva (ROCHA e SILVA, 2011), pois nas edies anteriores, de 2004 (ano que se iniciou a avaliao dos livros regionais) a 2011 no encontramos nenhum livro didtico aprovado para uso nas escolas pblicas, ao contrrio de outros estados que possuem um nmero considervel de livros didticos regionais aprovados no PNLD, como a Bahia, Minas Gerais, Maranho, So Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paran, Par, entre outros. (BRASIL, 2011, p. 4)Posto isso, temos que os livros de Histria Regional do Rio Grande do Norte especficos para uso didtico, cuja funo, como j foi dito, servir de suporte para o ensino, um instrumento de trabalho para o professor e aluno e, portanto, carregam em si valores ideolgicos e culturais, que pretendem garantir o discurso supostamente verdadeiro dos autores. Em um processo pouco dinmico como o que se estabelece no sistema tradicional de ensino, cria-se um crculo vicioso: o professor torna-se um reprodutor desses mitos e imagens errneas como no caso do descobrimento do Brasil - e passa, ele tambm, a acreditar neles.

Argumentaremos sobre as representaes etnocntrica e eurocntrica, dominante, imperialista, ocidentalizante - nos livros de Histria do Rio Grande do Norte usados em sala de aula, ou seja, uma demanda intrnseca ao contedo e metodologia dos livros, referente s caractersticas do processo de sua elaborao, realizando desta forma uma anlise interna dos livros no tocante ao descobrimento do Brasil.

Para tanto, tomaremos como referencial terico as ideias defendidas por Roger Chartier, no livro Histria cultural - entre prticas e representaes - que define que as representaes do mundo social so construdas e que so sempre determinados pelos interesses dos grupos que as forjam (CHARTIER, 1990, p. 16). Da, para cada caso, o necessrio relacionamento dos discursos proferidos com a posio de quem os utiliza. CHARTIER, assim, aborda a questo das representaes como um conjunto de percepes do tecido social, sendo estes esquemas geradores de classificaes e percepes prprios de cada grupo, construdos em contraposio uns aos outros. Essas representaes tendem a produzir estratgias e prticas que tentam impor uma autoridade, legitimar um projeto ou justificar condutas, sendo matrizes de discursos e prticas.

Desta forma, podemos relacionar essa colocao terica com os diferentes discursos que esto presentes nos livros tratados nessa pesquisa, uma vez que, tais discursos procuram transmitir uma verdade histrica e uma representao daquilo que ficou cristalizado como descobrimento do Brasil. Importante frisar que outros trabalhos tambm observaram essas questes postas acima, mais especificamente nos livros didticos de Histria, como bem observou Oliveira (2009): Os trabalhos sobre livros didticos de Histria centraram-se nas denncias de uma ideologia dominante contida nestes, da ausncia de determinados temas nos mesmos, ou at de tratamentos errados de alguns temas ou fatos pelos autores de livros didticos. (Idem, 2009, p. 38)

Pensar acerca das representaes que estes livros transmitem sobre o perodo da chegada dos portugueses ao que viria a ser o Brasil refletir sobre o papel dos indgenas na construo social e cultural da Histria do pas, parafraseando DAVEIS (2009) essa abordagem da Histria vista nos livros de Histria nega a existncia de sociedades indgenas antes da chegada dos portugueses e privilegia a iniciativa europeia. (Idem, 2009, p. 127). E de acordo com que Ferro (1983) mostra-nos em enfticas linhas:

No nos enganemos: a imagem que temos de outros povos, e at de ns mesmos, est associada Histria que nos ensinaram quando ramos crianas. Ela nos marca para o resto da vida. Sobre essa representao, que para cada um de ns uma descoberta do mundo e do passado das sociedades, enxertam-se depois opinies, ideias fugazes ou duradouras, como um amor..., mas permanecem indelveis as marcas de nossas primeiras curiosidades, das nossas primeiras emoes. (Idem, 1983, p.11)

O discurso contido nos livros se amplia de importncia, por isso se faz necessrio esclarecer o que vem a ser descobrimento, pois conforme nos aponta Francisco Iglsias em artigo intitulado Encontro de duas culturas: Amrica e Europa a palavra descobrimento, empregada com relao a continentes e pases, um equvoco e deve ser evitada (IGLSIAS , 1992, p. 23). Ou seja, de acordo com o historiador, s se descobre uma terra sem habitantes; se ela ocupada por homens, no importa em que estgio cultural se encontrem, j existe e no descoberta. Apenas se estabelece seu contato com outro povo.

A temtica dos descobrimentos nos remete a uma ordem de significao que corresponde ao imaginrio europeu do sculo XV, para o qual a Amrica, habitada por povos brbaros, deveria transformar-se em um "Novo Mundo". Nela, os descobridores e colonizadores deveriam implantar todos os padres bsicos da cultura europeia, soterrando a barbrie. As cidades construdas, segundo as determinaes dos europeus, representariam a implantao dos padres bsicos da cultura europeia. Seriam a expresso primeira de um Novo Mundo criado imagem e semelhana do velho. Assim, o Brasil refeito, segundo os moldes europeus, tornar-se-ia parte substancial na montagem de uma economia mundial, centralizada em Portugal.

A utilizao da expresso "descobrimento do Brasil", que denuncia a maneira pela qual a chegada dos portugueses em terras do continente americano interpretada, tendo os europeus como protagonistas de um encontro entre povos que estabelece a insero dessas terras e das populaes que as habitavam na Histria Ocidental. Como afirma SILVA (2000, p. 197), "a viso de paraso e a noo de descobrimento e no fundao produz uma naturalizao da histria". Ou seja, o descobrimento visto como algo positivo, que trouxe a civilizao aos trpicos, a Histria, e permitiu avanos aos indgenas em termos de sua melhora na qualidade de vida.

No nosso caso especfico, podemos observar que (MARIZ e TOLKMITT, 2005) em seu livro Para conhecer a Histria do Rio Grande do Norte inicia da seguinte forma a sua narrativa:

O Rio Grande do Norte um dos estados brasileiros localizados na regio nordeste. A oeste, limita-se com o estado do Cear, separado pelo rio Jaguaribe e, ao sul, com o estado da Paraba. um dos menores estados do Brasil, com 53.015 km, mas com grandes recursos naturais. No passado, seu litoral era repleto de pau-brasil, bastante valorizado na poca do descobrimento, o que motivou os franceses a se instalarem na costa, e fazerem o trfico daquela madeira. Isto aconteceu antes de se formar a Capitania do Rio Grande. (Idem, 2005, p. 10)

J na Segunda Unidade, intitulada de Como era no incio territrio dos ndios, encontramos essa passagem:

A colonizao do Brasil s comeou, de fato, 30 anos aps o seu descobrimento, quando foi institudo o sistema de Capitanias Hereditrias. Esse sistema consistiu na diviso do territrio brasileiro em vrios lotes. (Idem, 2005, p. 20)

Logo em seguida, as autoras nos esclarece que:

Nos tempos do descobrimento, a extenso territorial do Brasil era muito menor do que a atual, porque as terras brasileiras haviam sido divididas por um tratado assinado entre Portugal e Espanha: o Tratado de Tordesilhas. Esse tratado dividiu a Amrica em duas partes: o lado oeste ficou para a Espanha, porque em 1492 oito anos antes de Pedro lvares Cabral chegar ao Brasil Cristvo Colombo, com recursos que lhe foram dados pelos reis da Espanha, havia descoberto a Amrica. O lado leste, banhado pelo oceano Atlntico, ficou para Portugal. Isso explica por que, no Brasil, se fala portugus e, nos demais pases da Amrica do Sul, se fala espanhol. (Idem, 2005, p. 21)

Em nosso segundo livro de anlise Rio Grande do Norte: Cultura e Identidade da Marlcia Galvo Brando (BRANDO, 2008) encontramos um cuidado maior com a questo do descobrimento do Brasil, sendo tratado da seguinte forma nas palavras da autora:

Quando os portugueses se aproximaram do litoral da terra descoberta e aportaram suas caravelas, ficaram surpresos e curiosos com a fauna, a flora, as riquezas da terra e com a maneira de viver dos povos que nela habitavam. (Idem, 2008, p. 37)

Na Unidade 3 Indgenas no Rio Grande do Norte, Brando assim se pronuncia acerca da sociedade indgena:

Quando o Brasil foi encontrado pelos portugueses, era habitado pelos povos tupi e guarani. Vamos estudar apenas as tribos indgenas que habitavam o espao que hoje corresponde ao Rio Grande do Norte. No litoral, habitava o povo potiguar, pertencente ao grupo tupi. E, no interior, habitava o povo tapuia, dividido em vrias tribos, sendo as principais: cariri e tarairiu. (Idem, 2008, p. 42)

Brando procura se utilizar das aspas para tratar da questo do descobrimento do Brasil, como podemos observar no trecho:

Quando os portugueses chegaram s terras que denominaram Brasil, mandaram divulgar, no continente europeu, que tinham descoberto e que, daquele dia em diante, essas terras, suas riquezas e seus habitantes lhes pertenciam. (Idem, 2008, p. 62)

Da mesma forma, assim se pronuncia sobre os marcos de pedra colocados pelos portugueses para assegurar a posse da terra:

Para garantir a posse da terra descoberta, os portugueses colocaram marcos de pedra em diversas regies. E no litoral, que hoje corresponde ao estado do Rio Grande do Norte, precisamente no municpio de Pedra Grande, atualmente, foi colocado um marco de posse que se encontra hoje dentro da Fortaleza dos Reis Magos. Esse documento foi tombado como patrimnio histrico nacional pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. (Idem, 2008, p. 62)

Logo em seguida vemos o termo encontrado, substituindo o descobrimento: Durante os trinta primeiros anos, aps terem encontrado as terras dos Brasil, o rei de Portugal tentou afugentar os povos europeus com expedies guarda-costeiras, objetivando impedir o escambo (troca de mercadorias entre indgenas e povos da Europa), mas no conseguiu resultados satisfatrios. (Idem, 2008, p. 63)

Ainda observamos o seguinte trecho na obra de BRANDO:

J se havia convencionado, na Europa, que o pas que se declarasse descobridor de terras, e no as colonizasse, perderia para o pas colonizador, mesmo que esse ltimo no tivesse sido o descobridor oficial. Isso se chamava Uti possidetis. (Idem, 2008, p. 65)

No livro Histria do Rio Grande do Norte dos autores Aristotelina Pereira Barreto Rocha e Lemuel Rodrigues da Silva (ROCHA e SILVA, 2011) encontramos a referncia ao termo descobrimento da seguinte forma: A esquadra de Cabral chegou ao litoral brasileiro exatamente onde hoje a Bahia e tomou posse da terra descoberta em nome do rei de Portugal. Contudo, faz uma ressalva, apontando que j estudamos no incio da unidade que a terra que os portugueses consideraram como propriedade de Portugal j era habitada pelos indgenas, os verdadeiros donos da terra (ROCHA e SILVA, 2011, p. 52).

Mais adiante, ROCHA e SILVA, afirmam que:

Em 1501 chegou ao litoral da colnia portuguesa na Amrica uma expedio comandada por Gaspar de Lemos para conhecer melhor a terra descoberta. Essa expedio seguiu viagem por todo o litoral e nomeando os acidentes geogrficos de formas expressivas que viam com nomes dos santos do dia. (ROCHA e SILVA, 2011, p. 55).

Logo em seguida, numa atividade proposta com uso de uma imagem de Cndido Portinari, que tem por nome o Descobrimento do Brasil, os autores colocam a seguinte questo: A pintura a seguir foi realizada em 1956. Seu autor, o pintor Cndido Portinari, procurou transmitir como ele imaginava a cena do Descobrimento do Brasil. E voc? Como imagina que foi esse encontro? Registre sua opinio. (ROCHA e SILVA, 2011, p. 57).Encontramos ainda o seguinte fragmento:A notcia de que Portugal havia descoberto uma nova terra se espalhou pela Europa. Considerada a princpio uma ilha, a nova terra foi chamada de Vera Cruz. Desfeito o engano, foi denominada de Terra de Santa Cruz. Contava-se que essa terra no tinha ouro nem prata, mas muitas aves coloridas e uma madeira vermelha que os indgenas chamavam de ibirapitanga. (ROCHA e SILVA, 2011, p. 58).

Portanto, muito importante forma como abordamos os temas, conceitos e dados na narrativa histrica dentro da sala de aula, sejam usando livros, msicas, vdeos, imagens, textos. Pois, de acordo com Munakata (1997):

Por trs do texto (livros, materiais, suportes vrios), h toda uma seleo cultural que apresenta o conhecimento oficial, colaborando de forma decisiva na criao do saber que se considera legtimo e verdadeiro, consolidando os cnones do que verdade e do que moralmente aceitvel. Reafirmam uma tradio, projetam uma determinada imagem da sociedade, o que a atividade poltica legtima, a harmonia social, as verses criadas sobre as atividades humanas, as desigualdades entre sexos, raas, culturas, classes sociais; isto , definem, simbolicamente a representao do mundo e da sociedade, predispem a ver, pensar, sentir e atuar de certas formas e no de outras, o que conhecimento importante, porque so ao mesmo tempo objetos culturais, sociais e estticos. Por trs da sua aparente assepsia no existe a neutralidade, mas a ocultao de conflitos intelectuais, sociais e morais. (Idem, 1997, p. 137)

Analisando as representaes postas nos livros didticos em rogo, notamos a ideia positiva do descobrimento, delegando assim, um papel secundrio e dependente dos acontecimentos e fatos da Europa como forma de entender o processo pelo qual o Brasil foi ento descoberto, ou seja, o nascimento do novo territrio se deu graas aos portugueses.

Esses autores citados adotam acontecimentos cristalizados na memria histrica norte-rio-grandense do incio do sculo passado e que ainda perduram nos livros de Histria.

Ou seja, a anlise da questo do descobrimento do Brasil nos leva a acreditar que as representaes postas em duas das obras estudadas, a de MARIZ; TOLKMITT e a de BRANDO esto carregados de representaes eurocntricas, que primam pela viso da Histria do ponto de vista dominante e imperialista, bem como de uma noo ocidentalizante que corresponde, portanto, ao movimento de difuso/imposio da cultura ocidental nas colnias dos Imprios Ultramarinos em outras palavras, conquista das almas, dos corpos e dos territrios do Novo Mundo. J no livro de ROCHA; SILVA, encontramos um posicionamento mais relativizante, explicando ao aluno que a terra descoberta, na verdade, j era habitada.

3. CONCLUSO

Podemos concluir que preciso muito cuidado na escolha de temas e conceitos que sero abordados em sala de aula atravs dos livros. Sabemos que os materiais didticos so expresses de representaes e em cada um deles devemos adotar um procedimento especfico para analis-los.

A Histria possibilita aos alunos o entendimento de que o mundo atual o resultado de um longo e contraditrio processo histrico. Desde suas origens modernas, o ensino de Histria refletiu projetos de nao de setores restritos da sociedade, que estimulavam determinadas identidades controladas e desejadas pelas elites dominantes. A crise desse modelo, no quarto final do sculo XX, em que as identidades multiplicaram-se, colabora para um quadro em que novos personagens adentram no drama e passaram a reivindicar a sua apario nas coisas e prticas pelas quais as novas geraes so educadas: currculos e programas, materiais e livros didticos.

Essa reivindicao se constitui como uma estratgica de sobrevivncia, empoderamento, ou ascenso. Refere-se, portanto, a grupos dotados de um mnimo de organizao e fora poltica, que possam despertar sensibilidade nos governantes ou angariar poder de modo a vir a integrar o prprio grupo dos governantes. A Histria um dos terrenos mais frteis para o desenvolvimento dessas demandas, embora no seja nem de longe o nico espao reivindicado.

Sabemos que as representaes so motivadas por interesses mltiplos, j que os discursos que constroem determinadas percepes do social no so neutros, implicando na construo das representaes pelos grupos a respeito deles prprios e dos outros, portanto, mais uma vez tomaremos aqui as proposies abordadas por CHARTIER, para quem:As percepes do social no so de forma alguma neutros: produzem estratgias e prticas (sociais, escolares, polticas) que tendem a impor uma autoridade custa de outros, por elas menosprezados a legitimar um projeto reformador ou justificar, para os prprios indivduos, as suas escolhas e condutas. Por isso essa investigao sobre as representaes supe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrncias e competies [...] As lutas de representaes tm tanta importncia como as lutas econmicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impe, ou tenta impor, a sua concepo do mundo social, os valores que so os seus. (Idem, 1990, p. 17)

A forma como certos acontecimentos so apresentados nos livros ao longo do tempo, suas representaes no passado tem importncia para a atuao da sociedade no presente. Os alunos principalmente os das camadas populares que, na escola e tambm fora dela, recebem certas representaes colonizantes, eurocntricas, imperialistas - provavelmente tender a se ver e a se comportar de acordo com os esteretipos difundidos pelos grupos dominantes. Naturalmente, no apenas a representao do passado que determina o comportamento ou a viso das camadas populares acerca de si no presente, h de se considerar outros pontos, como a ideologia que exerce efeito pondervel nas mudanas sociais. Mas aqui fica a ressalva de que o aluno capaz de entender a Histria de uma forma mais ampla, com todas as suas caractersticas e contradies, estar mais apto a atuar criticamente, sem idealizao ingnua, como no caso das heroicizaes ou de autodepreciao a Histria do ponto de vista conservador da transformao social.

Dentro de uma dimenso cientfica, os livros de Histria, e os do Rio Grande do Norte tambm, devem buscar retratar a realidade em sua inteireza, no apenas em sua parcialidade (entenda-se aqui a viso do colonizador e do polo dominante), ainda que essa parcialidade tenda a imprimir o sentido maior a essa totalidade. Os livros de Histria tambm devem ter um compromisso com a transformao social (busca da cidadania), uma vez que o conhecimento advindo das cincias humanas relaciona-se intimamente com uma proposta de manuteno ou transformao da sociedade, mesmo que tal proposta no esteja explcita ou dela esteja consciente o produtor desse conhecimento.

Nosso principal intuito foi o de ampliar e problematizar um dos muitos possveis olhares sobre a chegada dos portugueses ao continente americano, ou seja, encar-la como encontro de culturas (IGLSIAS, 1992) ou at mesmo como Darcy Ribeiro defende, ou seja, que o advento dos portugueses no litoral brasileiro provocou um choque de culturas afirmando que surgimos da confluncia, do entrechoque e do caldeamento do invasor portugus com ndios silvcolas e campineiros e com negros. (RIBEIRO, 1995, p. 19).

preciso, pois, contar a histria do povo brasileiro e consequentemente do povo potiguar, a partir dele mesmo, ou ainda, propor um espao, no qual a sociedade consiga realmente enxergar as suas histrias de vida e de seus antepassados da forma como ela realmente acontece ou aconteceu, pela perspectiva da maioria da populao, e no somente pela histria oficial da classe dominante ou de uma fatia da sociedade que deu certo.REFERNCIAS:

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O conceito de Histria Regional que est sendo tomado, aqui, de FREITAS, Itamar. Histria Regional para a Escolarizao Bsica no Brasil, 2009, p. 9. Para quem os livros denominados de Histria Regional so impressos que registram a experincia de grupos que se identificam por fronteiras espaciais e socioculturais seja na dimenso de uma cidade, seja nos limites de um Estado ou de uma regio do Brasil , sendo costumeiramente utilizados em situao didtica no ensino de Histria.

Etnocentrismo uma viso do mundo onde o nosso prprio grupo Eurocentrismo o exemplo da Europa como centro de tudo - tomado como centro de tudo e todos os outros so pensados e sentidos atravs dos nossos valores, nossos modelos, nossas definies do que a existncia. Rocha, Everardo. "O que Etnocentrismo", Ed. Brasiliense, 1984, pg. 7.

A ocidentalizao corresponde, portanto, ao movimento de difuso/imposio da cultura ocidental nas colnias dos Imprios Ultramarinos em outras palavras, conquista das almas, dos corpos e dos territrios do Novo Mundo. Esse movimento de ocidentalizao, levado frente por castelhanos e posteriormente por portugueses, produz[iu] situaes de choque e relaes de poder entre os recm-chegados (os europeus) e os que se encontravam na terra firme (os nativos). O conceito e a problemtica da ocidentalizao esto sendo tomados, aqui, de GRUZINSKI, Serge. O Pensamento Mestio, p. 63-110. In. Macedo, Helder Alexandre Medeiros. Citado em Revista da Faculdade do Serid, v.1, n.0, jan./jun. 2006. p. 16.