A Questão Racial No Brasil

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A Questão Racial no Brasil O presente artigo tenta mostrar, através de dados históricos, como se desenvolveu o racismo no Brasil. [Close]Ads byBrowser Protect Quando o colonizador português aqui chegou, no início do século XVI, encontrou um panorama étnico bem definido: nações indígenas, possivelmente originárias da Polinésia no Oceano Pacífico, bem distribuídas por todo o território brasileiro. A lucratividade do tráfico negrei ro e o interesse das nossas primeiras oligarquias agrárias em mão-de-obra escrava estimularam a vinda do negro africano para o Brasil. Em meados do primeiro século da colonização, um acordo silencioso foi firmado: o índio era “do padre”, que tentava protegê-lo da escravização imposta pelo europeu, vivendo nas missões ou reduções jesuíticas da Amazônia, Sudeste e Sul do Brasil; o negro era trazido da África e explorado pelos portugueses. Nascia no Brasil um sincretismo cultural: a fusão de formas e conteúdos culturais indígenas, africanos e europeus. Uma mistura da religião católica e de cultos africanos, de melodias portuguesas e ritmos africanos, de hábitos alimentares indígenas e de comportamentos híbridos que formariam a base da cultura brasileira. Inegavelmente, até pelo fato de os indígenas terem sido excessivamente reduzidos numericamente, fruto do contato com o branco, há predominância nítida das influências portuguesa e africana na cultura brasileira.

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Racismo Brasil

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A Questão Racial no BrasilO presente artigo tenta mostrar, através de dados históricos, como se desenvolveu

o racismo no Brasil.[Close]Ads byBrowser Protect

Quando o colonizador português aqui chegou, no início do século XVI, encontrou um

panorama étnico bem definido: nações indígenas, possivelmente originárias da Polinésia

no Oceano Pacífico, bem distribuídas por todo o território brasileiro.

A lucratividade do tráfico negrei ro  e o interesse das nossas primeiras oligarquias agrárias

em mão-de-obra escrava estimularam a vinda do negro africano para o Brasil. Em meados

do primeiro século da colonização, um acordo silencioso foi firmado: o índio era “do padre”,

que tentava protegê-lo da escravização imposta pelo europeu, vivendo nas missões ou

reduções jesuíticas da Amazônia, Sudeste e Sul do Brasil; o negro era trazido da África e

explorado pelos portugueses.

Nascia no Brasil um sincretismo cultural: a fusão de formas e conteúdos culturais

indígenas, africanos e europeus. Uma mistura da religião católica e de cultos africanos, de

melodias portuguesas e ritmos africanos, de hábitos alimentares indígenas e de

comportamentos híbridos que formariam a base da cultura brasileira.

Inegavelmente, até pelo fato de

os indígenas terem sido

excessivamente reduzidos

numericamente, fruto do contato

com o branco, há predominância

nítida das influências portuguesa

e africana na cultura brasileira.

Pode-se dizer que, no

Brasil, nada é estrangeiro

porque tudo o é. Somente uma

região do planeta que te-

nha cultura autóctone pode

definir outra como “estranha”. Do

ponto de vista étnico, esta “antropofagia brasileira” – “comemos cultura estrangeira e a

vomitamos a nossa maneira” – modelou uma meta-raça, ou seja, uma sociedade

miscigenada nos sentidos racial e cultural.

Nascia, assim, um velho mito brasileiro: o da “democracia racial“. Alguns teóricos de

orientação conservadora chegaram a insinuar um caráter humanista do escravismo nacio-

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nal, ignorando as péssimas condições de vida e de trabalho dos escravos africanos. Hoje

sabemos que os maus-tratos eram terríveis, absoluto o descuido com os doentes e

gestantes e que o crescimento vegetativo   do negro no Brasil era negativo. Tudo isso era

economicamente “compensado” com a reposição da mão-de-obra através do tráfico

negreiro.

No século XVIII, em função da mineração aurífera nas Minas Gerais, começaram a surgir

os negros “forros”, cativos libertos por seus proprietários interessados em estimulá-los a

descobrir o precioso metal.

O cenário racial no século XIXEm 1810, tratados firmados entre a coroa portuguesa no Brasil e a Inglaterra

determinavam a abolição do tráfico, uma proibição, na prática, meramente de fachada,

pois o comércio continuou. Somente em 1850 a lei Eusébio de Queiroz aboliu

definitivamente o tráfico.

A partir daí, a defesa da abolição total da escravatura passou a ser a bandeira de alguns

setores da nossa economia: a oligarquia cafeeira do Oeste Paulista, interessada em atrair

mão-de-obra imigrante, e os primeiros empresários industriais, que desejavam mercado

consumidor interno e mão-de-obra europeia, mais qualificada.

Além disso, a influência de teorias racistas europeias, que defendiam a ideia

da superioridade racial e cultural do caucasiano loiro, impuseram ao Brasil uma visão de

branqueamento de sua população através do mulato, fruto da mistura étnica entre o

branco e o negro, primeiro passo para o “projeto” de branqueamento total.

Dessa forma, tornavam-se fundamentais a abolição da escravatura e a vinda do branco

europeu, processos que acelerariam esse branqueamento. Na ocasião, alguns teóricos

nacionais cultuavam as capacidades de alemães e italianos e, em contrapartida,

desprezavam nossa origem racial, taxando-a de triste e preguiçosa, preconceitos ainda

presentes no nosso meio.

Grosso modo, a abolição da escravatura no Brasil conheceu dois caminhos. No Nordeste,

que vivia a decadência da estrutura latifundiária, já que o algodão e o açúcar estavam sem

capacidade de concorrência no mercado internacional, os proprietários rurais

verdadeiramente não mais podiam manter a mão-de-obra escrava. Como a região não

possuía uma economia dinâmica nas áreas urbanas, os negros libertos permaneciam nas

fazendas como agregados ou dependentes. Assim, no Nordeste brasileiro a abolição

transformou o escravismo num regime de trabalho semi-servil.

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No Centro-Sul, com melhor equipamento urbano estimulado pelos investimentos do capital

cafeeiro na indústria, o negro pôde ser absorvido pela forma capitalista de trabalho

assalariado. Entretanto, o despreparo dessa mão-de-obra e a concorrência do trabalhador

imigrante transformaram os contingentes libertos em massas marginalizadas socialmente,

executando tarefas de menor qualificação e menor remuneração, realimentando o peri-

goso círculo vicioso do subemprego e dos preconceitos dele decorrentes como

estereótipos sociais.

Vale ressaltar que os imigrantes europeus e asiáticos que hoje compõem boa parte da

população brasileira foram também vítimas das nossas classes dominantes, ora pelo não

cumprimento dos contratos de trabalho que deveriam reger as relações entre as partes,

ora por meros preconceitos, estimulados pela ideia de dependência do imigrante que

substituía o braço de trabalho escravo.

As relações sociais no século XXA marginalização imposta a muitos grupos de imigrantes estimulou o surgimento dos

primeiros movimentos de contestação operária no Brasil, especialmente liderados por

italianos e espanhóis.

Entretanto, os negros foram os que mais sofreram discriminação, até nas suas mais

elementares manifestações culturais. O samba, hoje importante produto de exportação

nacional, era visto como “coisa de malandro”; a capoeira, objeto de repressão policial. Até

nos esportes, em virtude da imagem que o “país em branqueamento” queria apresentar lá

fora, o negro foi preterido: em 1919, o presidente Epitácio Pessoa proibiu a atuação de

negros na seleção brasileira de futebol!

O Brasil, país miscigenado, passou a adotar um discurso arianista. Na década de 30, a

Ação Integralista, variante brasileira do fascismo, difundia ideias antissemitas e combatia

os chamados “quistos culturais” provocados por colônias de imigrantes.

No Estado Novo (1937-1945), por razões eugênicas, Getúlio Vargas estipulou a

obrigatoriedade da Educação Física e da difusão de ideias de higiene, criando aqui uma

cópia mais branda das teorias raciais do fascismo europeu.

Uma segregação racial explícita não existia, mas ocorria uma exclusão sutil e insidiosa

pautada por critérios socioeconômicos.

As relações raciais hoje

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O fim da Segunda Guerra Mundial e, notadamente, o avanço nos anos 60 e 70 dos

movimentos pelos direitos civis nos EUA, fizeram evoluir as condições dos negros quanto

à obtenção da cidadania. A Corte Suprema norte-americana tipificou a segregação racial

como crime federal.

Este progresso que o movimento negro americano conheceu contribuiu para

o desenvolvimento de relações igualitárias, em termos étnicos, em toda a América.

Embora tenhamos ainda, no Brasil, uma parcela significativa de pobres e excluídos de

origem negra, como consequência de um processo histórico, há um aumento recente e

representativo da classe média negra em nosso país, fruto da atuação de diversos grupos

em defesa desses direitos.

Essa condição, somada a uma participação cada vez mais crescente da sociedade

brasileira em questões que antes eram um verdadeiro mito, dão a perspectiva de um

crescimento cultural do país no debate direto sobre a discriminação, qualquer que seja,

dirigida a grupos étnicos ou às minorias.

Inegavelmente, o mito brasileiro de “democracia racial” dificulta uma atitude mais resoluta

dos movimentos em defesa dos direitos civis daqueles que são discriminados.

Na verdade, os preconceitos velados que observamos em nosso meio decorrem de uma

questão socioeconômica que caracteriza a nossa história, em que a exclusão social fica

marcada pela condição étnica ou pela origem regional das pessoas.

A legislação brasileira, embora muitas vezes não aplicada com eficácia, tem uma tradição

de combater o racismo. A lei Afonso Arinos já punia a discriminação racial e a Constituição

de 1988 configura o racismo como crime inafiançável. Apesar dos problemas raciais que

ainda conhecemos, o Brasil é, sem dúvida, um paradigma de tolerância racial no mundo.

Por: Renan Bardine