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32.329
Capítulo 11
A questão ambiental e as fontes renováveis de
eletricidade
11.1. Em busca de alternativas ao petróleo
A procura de alternativas ao petróleo ingressou na agenda dos
governos e das organizações internacionais como uma resposta à
elevação brusca dos preços daquele combustível em 1973. Nos dez
anos que seguiram, imensos investimentos foram feitos no
desenvolvimento de todas as fontes de suprimentos energéticos que
pudessem substituir o combustível dos fornecedores da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Esse
esforço inclui as prospecções petrolíferas em países de fora da Opep
– principalmente, off shore, ou seja, em plataformas marítimas – a
construção de usinas atômicas, o desenvolvimento da utilização do
gás natural e a construção de represas hidrelétricas. Em escala bem
menor, dedicaram-se recursos à energia solar, à energia eólica e à
biomassa como fonte de combustível (nesse último caso, o Brasil se
destacou ao lançou, em 1975, o Proálcool – Programa Nacional do
Álcool).
Entre as iniciativas empreendidas naquele período, algumas se
destacam pelas mudanças que trouxeram à matriz energética global
e às de países específicos. É o caso da energia nuclear, que hoje
responde por quase 8% do suprimento energético do mundo e se
tornou a principal fonte de eletricidade de países altamente
industrializados, como a França e o Japão. Do mesmo modo, os
investimentos em gás natural – um hidrocarboneto subaproveitado
durante a maior parte do século 20 – deram impulso a um
importante ramo da economia, que hoje supre cerca de 25% da
energia global. No campo da hidroeletricidade, foram reativados
projetos de construção de grandes represas, mas essa tendência
permaneceu restrita aos países com maiores volumes de recursos
hídricos disponíveis, principalmente na América Latina, Índia e,
mais tarde, China. As demais fontes energéticas renováveis, em
especial as energias solar e eólica, foram praticamente abandonadas
depois da queda dos preços do petróleo, na década de 1980.
O tema das energias renováveis voltou a ganhar importância no
debate público e na agenda dos governantes no início da década de
2000, em decorrência de duas crises que se desenvolvem em
paralelo. De um lado, destaca-se a preocupação crescente com o
impacto da queima de petróleo e carvão mineral sobre o meio
ambiente. Os gases emitidos pela combustão desses dois
combustíveis fósseis são, comprovadamente, um das principais
causas do efeito estufa e das mudanças climáticas decorrentes do
aquecimento excessivo da atmosfera terrestre. Por outro lado, a alta
dos preços do petróleo, a partir da virada do século, bem como a
concentração estrutural das reservas petrolíferas nos países da
Opep, voltou a colocar em primeiro plano o tema da segurança do
abastecimento energético. Nesse contexto, a busca de novas formas
de energia – limpas e renováveis – passou a mobilizar um leque
abrangente de atores políticos, sociais e econômicos em todas as
regiões do planeta.
A cada ano, aumentam os investimentos em biocombustíveis e
nas duas modalidades mais sustentáveis de energia, a eólica e a
solar. Em oito países, os recursos renováveis já respondem por mais
de 5% da geração de energia primária. Nessa lista, a Dinamarca
aparece em primeiro lugar, com 13,1%.1 Embora no conjunto essas
três fontes só respondam por 1,5% da energia primária consumida
no planeta2, essa parcela já representa mais do que o dobro da
registrada em 2000, de apenas 0,6%. Na geração de eletricidade, a
participação das energias renováveis (exceto a hidroelétrica) já
atinge 3% e deve crescer muito nos próximos anos e décadas3. Ainda
assim, todos os empreendimentos nesse setor dependem de
1 BP, 2011.
2 Dados de 2010. BP, BP Statistical Review of World Energy 2011.
3 International Energy Agency, 2011.
subsídios estatais diretos ou indiretos, com exceção do etanol
brasileiro, que se mantém no mercado por si mesmo.
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SAIBA MAIS
Por energias limpas, entendem-se aquelas que, tanto na sua
produção quanto no seu consumo, geram baixo impacto ambiental,
em especial no que se refere à poluição. Já o conceito de energias
renováveis se refere à manutenção da sua disponibilidade ao longo
do tempo com base em fatores naturais, como as chuvas, os ventos,
a radiação solar e o ciclo de vida das plantas.
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Quando se fala em energias renováveis, é importante se precaver
contra a ideia falsa de que é possível produzir energia de um modo
totalmente “limpo”, ou seja, sem qualquer impacto ecológico. Na
realidade, todas as modalidades de geração de energia afetam o seu
entorno social e natural, em maior ou menor escala. A construção de
usinas hidrelétricas, por exemplo, tem despertado fortes resistências
pelos danos que causa à natureza (destruição de florestas, alterações
no regime dos rios, extinção de espécies aquáticas) e aos seres
humanos, com mudanças indesejadas no modo de vida de indígenas
e ribeirinhos e, inevitavelmente, a remoção forçada de milhares ou
até milhões de famílias. Também o cultivo em larga escala de
vegetais utilizados como matérias-primas para combustíveis (cana-
de-açúcar, milho, soja etc.) gera efeitos negativos que podem incluir,
dependendo de cada situação específica, o desmatamento, a
poluição dos rios e dos mananciais, a concentração da propriedade
da terra e a queda na produção dos alimentos, com a consequente
escassez e alta de preços.
A energia eólica – uma das alternativas preferidas pelos
ambientalistas – produz efeitos negativos como os altos níveis de
barulho e o risco da matança de pássaros, além de alterar a
paisagem e demandar a instalação de extensas linhas de transmissão
elétrica, o que implica em emitir carbono. E mesmo o
aproveitamento da radiação solar, a mais limpa entre todas as
formas de energia, só é possível por meio de equipamentos
industriais caros e sofisticados, cuja fabricação implica em danos
ambientais de diversos tipos. Como a humanidade não pode
dispensar a energia, trata-se de avaliar, em cada caso, a relação
custo-benefício do ponto de vista da preservação do planeta e do
bem-estar humano.
11.2 O papel da energia na atual crise ambiental
A ideia de que os atuais padrões de desenvolvimento econômico,
com base no consumo intensivo de combustíveis fósseis, estão
colocando em risco a sobrevivência do planeta tal como nós o
conhecemos já deixou de ser exclusiva do movimento ambientalista
para se tornar um consenso entre cientistas, líderes sociais e
cidadãos esclarecidos no mundo inteiro, acima das convicções
políticas e religiosas. De acordo com essa visão, a produção e o
consumo atingiram um patamar além da capacidade de reposição
do planeta, ameaçando a própria sobrevivência da humanidade,
conforme alertou o historiador Eric Hobsbawm:
“Vivemos meio século de um crescimento exponencial
da população global, e os impactos da tecnologia e do
crescimento econômico no ambiente planetário estão
colocando em risco o futuro da humanidade, assim como
ela existe hoje. Este é o desafio central que enfrentamos
no século 21. Vamos ter que abandonar a velha crença
(...) em um futuro de crescimento econômico ilimitado
na base da exaustão dos recursos do planeta. Isto
significa que a fórmula da organização econômica
mundial não pode ser determinada pelo capitalismo de
mercado que (...) é um sistema impulsionado pelo
crescimento ilimitado. Como esta transição ocorrerá
ainda não está claro, mas se não ocorrer, haverá uma
catástrofe4.”
Um documento que dá a medida da gravidade do problema é o
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC, na sigla em inglês), órgão científico da ONU para a
Convenção do Clima, formado por mais de 2 mil especialistas,
espalhados por todos os continentes. De acordo com o IPCC, as
ações humanas já aumentaram a temperatura do planeta em quase
0,8 grau Celsius, e para evitar que o acréscimo vá além de 2 graus
será necessária uma redução das emissões de dióxido de carbono na
ordem de 50% a 80% até 2050. Elas, porém, continuam crescendo.
Muitas pessoas estranham que um aumento de temperatura de 0,8
grau tenha efeitos tão graves. Mas, como observa Washington
Novaes, “a Terra é um organismo vivo e sabemos o que acontece no
organismo humano quando a temperatura sobe um grau. É o início
de um processo de febre que, se não for contido, terá sérias
consequências. No planeta não é diferente5.”
O IPCC alerta que, se as emissões continuarem no ritmo atual, a
temperatura média poderá elevar-se em quase 6 graus neste século e
o nível dos oceanos poderá subir até 88 centímetros, o que produzirá
secas, inundações e outros desastres. Quanto ao derretimento das
calotas polares – uma das consequências mais terríveis do
4 HOBSBAWM, Eric. Crise ambiental é desafio central que enfrentamos no século XXI. Entrevista a Verena
Glass, Revista Sem Terra, nº 50, São Paulo, maio/junho 2009. 5 NOVAES, Washington. A sobrevivência humana ameaçada. Palestra no sistema Sesc/Senac, em São
Paulo, em 16 de abril de 2009.
aquecimento global – os estudos recentes são alarmantes. De acordo
com os pesquisadores, em 20 a 30 anos não haverá mais gelo
permanente no Ártico. O degelo causará mudanças na temperatura
do mar, elevando o nível dos oceanos e aumentando a absorção de
radiação solar pela Terra, porque a área gelada reflete uma grande
parte dela. Segundo o IPCC, se prosseguir a atual tendência, poderá
ocorrer entre 39 e 58 centímetros de elevação no nível do mar ao
longo deste século. Há estudos que falam, até mesmo, em 1 metro.
Isso significará a inundação de uma grande parte das regiões
costeiras do mundo – uma catástrofe extremamente grave, quando
se lembra que 40% da população mundial mora nessas áreas.
Como o efeito dos gases do efeito-estufa é cumulativo, e eles se
mantêm na atmosfera por muito tempo, seria preciso, desde já,
reduzir progressivamente sua emissão para evitar que a marca-
limite de 2ºC seja alcançada. No entanto, assistimos, nos últimos
anos, a um aumento expressivo no consumo de energia e nas
emissões de CO2. As projeções da Agência Internacional de Energia
(AIE) indicam que a demanda global de energia crescerá em um
terço entre 2010 e 2035. Nesse mesmo período, a frota de automóveis
deverá dobrar, atingindo 1,7 bilhão. Essa cifra é especialmente
preocupante quando se considera que o aumento na demanda por
petróleo será impulsionado pelo setor de transportes nos países
emergentes – uma consequência do crescimento econômico, que
estimula a busca por maior mobilidade dos indivíduos e das
mercadorias. De acordo com as previsões da AIE, o aumento
incessante do consumo de petróleo ocorrerá apesar dos avanços
tecnológicos, como o carro elétrico, que viabilizam a economia de
combustível devido ao seu uso mais eficiente. Mas essas inovações
ainda demorarão algumas décadas para se tornarem
comercialmente viáveis e ingressarem nos mercados em grande
escala6. O resultado é que, mantida a atual proporção entre uso de
combustíveis fósseis (84%), nucleares (7,5%) e renováveis (9%, aí
incluída a hidroeletricidade), o ser humano despejará, em 2050,
nada menos de 45 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano na
atmosfera. Essa perspectiva implicaria um aumento — catastrófico
— de 96% em relação às emissões de 2003 (23 bilhões de toneladas).
De acordo com o oceanógrafo Ross McCluney, os combustíveis de
origem fóssil estão no cerne de problemas ambientais, não apenas
porque sua combustão é a principal fonte das emissões dos gases
causadores do efeito estufa, mas também pelo uso excessivo e
predatório de automóveis nos centros urbanos e pelo emprego de
pesticidas e fertilizantes na produção de alimentos7. Os governos
insistem em negligenciar questões que aludem à sustentabilidade,
ou seja, não se comprometem com políticas públicas voltadas para
impor limites à produção e ao consumo de bens duráveis nem,
tampouco, promovem efetivamente o uso sustentável dos recursos
6 INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA), 2011.
7 McCLUNEY, Ross. Renewable Energy Limits. IN: McKILLOP, Andrew; NEWMAN, Sheila (eds.). The
Final Energy Crisis. London, Ann Arbor (MI): Pluto Press, 2005.
naturais e seu reaproveitamento através de processos de reciclagem.
As políticas governamentais voltadas para esse objetivo raras vezes
saem do papel e, quando colocadas em prática, são concebidas no
curto horizonte temporal dos mandatos eleitorais, sem levar em
conta os problemas de médio e longo prazos que demandam
medidas preventivas incapazes de proporcionar benefícios
imediatos.
A exponencial expansão populacional multiplica os agravantes, e
exige um aumento permanente da produção de energia. Isso
encontra eco na indústria alimentícia, que precisa se ocupar de uma
quantidade cada vez maior de estômagos. Outro bem durável
escasso, a água potável, também sofre abalos com o crescimento
populacional. Os métodos de irrigação e purificação de água são
movidos à base de combustíveis fósseis. Ou seja, tudo aquilo que é
necessário para a provisão e manutenção da vida na Terra, hoje,
depende de combustíveis fósseis. De acordo com McCluney, “à
medida que o estoque desses recursos (fósseis) se esvai, a expectativa
é que caia também a produtividade agrícola. Mesmo antes de
alcançar o declínio da disponibilidade de combustíveis, a falta de
alimentos para centenas de milhões de pessoas já é uma realidade
cotidiana8.” Por outro lado, está em voga uma expansão acelerada
do consumo: os excessos, o desperdício de energia, os grandes
empreendimentos arquitetônicos movimentados pelos combustíveis
8 McCLUNEY, 2005, p.155.
fósseis, a preferência pelo isolamento do automóvel ao uso de
transportes coletivos, o crescimento dos grandes centros urbanos, os
arranha-céus (com elevador e ar-condicionado), a informatização da
vida que torna necessário o emprego de equipamentos eletrônicos
como se fossem extensões do próprio corpo humano. Não há limites
para o consumo do homem contemporâneo.
Nesse contexto, é inegável que as renováveis apresentam soluções
eficazes para o suprimento de energia no planeta, porém, como
observa McCluney, não podem ser vistas como uma panacéia. É
preciso que, no seu uso, seja dada atenção aos impactos ambientais
que podem causar. Por outro lado, é indispensável a adoção de
políticas para a diminuição do consumo de energia. É utópico
imaginar apenas com a expansão de fontes renováveis, como a
energia eólica e os biocombustíveis, e com o aperfeiçoamento das
tecnologias de eficiência energética será possível reduzir as emissões
de carbono e, ao mesmo tempo, atender às necessidades humanas
no campo da energia. Vale lembrar, aqui, o alerta do sociólogo John
Bellamy Foster, ao apontar o conflito insolúvel entre o crescimento
ilimitado da produção de mercadorias – uma característica essencial
do sistema capitalista – e a preservação das condições ambientais
indispensáveis para a sobrevivência humana: “a expansão infinita
dentro de um ambiente finito é uma contradição em termos”9.
9 FOSTER, John Bellamy. Ecology Against Capitalism. New York, Monthly Review Press, 2002, p.10.
11.3 Hidroeletricidade: potencial e limites
As usinas hidroelétricas são a fonte mais importante na geração
de eletricidade na América Latina e fornecem 83% da energia
elétrica consumida no Brasil. Em escala mundial, ocupam um lugar
intermediário entre as fontes geradoras de eletricidade, com 17% do
fornecimento mundial10. Isso representa menos do que a
participação do carvão (40%) e do gás natural (20%) e mais do que a
da energia nuclear (16%), sendo que o petróleo e as demais fontes
respondem pelos 7% restantes. Entre as fontes renováveis, a
hidroeletricidade é, de longe, a principal.
A energia hídrica é uma forma concentrada de energia solar, pois a
água que flui pelos rios e se acumula nas represas provêm da
evaporação dos oceanos pelo efeito dos raios do Sol. Mas sua
utilização depende de outra força, a da gravidade da Terra. Ela
confere à água uma energia potencial que se transforma em energia
cinética ao fluir em direção ao nível do mar. Essa energia faz mover
as turbinas que, acopladas a um alternador, produzem eletricidade.
A geração de energia por meio de represas apresenta um custo
operacional mais baixo do que qualquer outro modo de produzir
eletricidade, com a vantagem de que uma barragem pode ser
utilizada por períodos de até um século – muito mais do que
qualquer outra estrutura com finalidade similar. Tudo isso se traduz
em preços menores para o consumidor, em comparação com a 10
No Brasil, essa proporção foi de 75% em 2011.
energia termoelétrica (obtida através do aquecimento de vapor)
fornecida por fontes energéticas concorrentes, como o carvão, os
derivados do petróleo, o gás natural e as centrais nucleares. O
potencial de aproveitamento dos recursos hídricos existentes no
planeta é gigantesco, principalmente nas três regiões – Ásia, África e
América Latina – onde se concentra 80% da população mundial.
Essas sociedades, carentes de serviços de eletricidade, têm interesse
em desenvolver seu potencial hidroelétrico a fim de impulsionar o
desenvolvimento econômico e elevar a qualidade de vida.
A hidroeletricidade é uma fonte de energia renovável e
relativamente limpa, na medida em que sua participação na emissão
dos gases causadores do efeito estufa é reduzida11. Por outro lado,
apresenta inconvenientes socioambientais que limitam sua
expansão. Os projetos de novas usinas têm enfrentado crescente
resistência dos movimentos ambientalistas e das populações
atingidas, devido à devastação de florestas e aos deslocamentos
humanos provocados por esse tipo de obra. Estima-se entre 40
milhões e 80 milhões o número de pessoas que tiveram de ser
removidas com a construção de grandes barragens ao longo do
século 20. Em um caso recente, na China, as obras da represa de Três
Gargantas (o maior complexo hidroelétrico do mundo) expulsaram
de suas casas 1,5 milhão de pessoas. Além disso, a formação dos 11
Até recentemente, acreditava-se que as emissões de poluentes pelas usinas hidroelétricas se limitavam
às que ocorriam durante a sua construção. Mas pesquisas científicas comprovaram que, nas regiões de
clima tropical e subtropical, a fermentação da biomassa (vegetais e animais mortos) que fica submersa ao
ser formarem os lagos das represas emite dióxido de carbono e metano, os dois principais gases
causadores da mudança climática.
lagos onde a água fica represada causa, frequentemente, a perda de
tesouros arquitetônicos, arqueológicos ou naturais, como ocorreu
com o fim das Sete Quedas, que desapareceram na década de 1970
com a construção da usina de Itaipu, na fronteira entre o Brasil e o
Paraguai. Um exemplo dos conflitos sociais em torno das grandes
barragens ocorreu na Índia, em 2001, quando os protestos de
moradores contra as obras da represa de Sardar Sarovar, que
provocariam a remoção de mais de 300 mil pessoas, levaram o
Banco Mundial a cancelar o financiamento do projeto12.
11.4 Energia eólica: a favorita dos ambientalistas
O vento está entre as fontes alternativas de energia mais
desenvolvidas e promissoras. O especialista Vaclav Smil calcula que,
se apenas 1% dos ventos que sopram no planeta fossem
aproveitados para produzir energia, a capacidade instalada seria
dez vezes maior do que o total produzido atualmente por todas as
fontes energéticas somadas, incluindo todos os combustíveis fósseis
e as energias nuclear e hidroelétrica13.
Assim como a hidroeletricidade, a energia eólica é uma forma
modificada de energia solar, pois tem origem no calor do Sol, o qual,
ao aquecer a atmosfera terrestre de modo desigual, engendra as
12
SMIL, Vaclav. Energy at the Crossroads – Global Perspectives and Uncertainties. Cambridge (MA), London:
MIT Press. 13 SMIL, 2011, p.275.
diferenças de temperatura e pressão que produzem os ventos.
Desde a Idade Média, moinhos são utilizados em várias regiões da
Europa para beneficiar o trigo, esmagar azeitonas e irrigar o solo. O
progresso espetacular no uso da energia eólica para produzir
eletricidade, a partir da década de 1970, se deve à incorporação de
materiais da aeronáutica e de avanços no campo da eletrônica. O
princípio de funcionamento é simples: o vento, ao mover as pás no
topo da torre de energia, aciona um gerador instalado dentro da
turbina, onde se produz a eletricidade. Caso haja algum problema
técnico, os freios fazem parar o rotor. Os modelos mais
aperfeiçoados, de 6 megawatts, são capazes de abastecer vários
shopping centers. Cada pá dessas gigantescas estruturas pode
chegar a 65 metros de comprimento, o equivalente ao tamanho de
uma asa de um Boeing 747. Os geradores mais sofisticados podem
reter até 50% da energia dos ventos que os atravessam14.
O custo maior da energia eólica se refere à transmissão da energia
em linhas elétricas de grande extensão, pois as regiões com maior
intensidade de ventos se localizam, quase sempre, longe dos
grandes centros urbanos e industriais. Outra dificuldade tem a ver
com a irregularidade na geração de energia, pois a força dos ventos
é altamente variável e os períodos de maior intensidade ocorrem à
noite, justamente o horário de menor demanda. Tecnologias para o
14
WALD, Matthew L. O Charme e o Poder das Renováveis. Scientific American Brasil, nº 32, p. 8-13, 2008.
armazenamento da energia eólica estão sendo desenvolvidas,
principalmente na Alemanha, mas com custos até agora muito
elevados, que inviabilizam a aplicação comercial.
A energia eólica tem apresentado altas taxas de expansão, com
27% de crescimento médio anual da capacidade instalada na
primeira década após o ano 2000. Isso significa que a capacidade de
geração de eletricidade das usinas eólicas dobra a cada três anos. A
China agregou em 2010 uma capacidade de 18,9 gigawatts de
energia eólica, ultrapassando os EUA e se tornando o líder mundial
em capacidade instalada15. No mesmo ano, os EUA adicionaram
apenas 5,1 gigawatts, quase a metade do potencial instalado em
2009 (9,9 gigawatts), em uma queda atribuída à recessão econômica.
A Europa, liderada pela Alemanha e pela Espanha, é o maior
mercado regional de energia eólica em termos de capacidade
instalada: 87,7 gigawatts, ou 44% do total mundial. Para 2030, a
meta europeia é atingir 10% de participação das usinas de vento no
total da geração elétrica. Em escala mundial, a AIE prevê que essa
parcela crescerá de 0,5% em 2005 para 3,4% em 2030.
Entre as empresas fornecedoras de equipamentos para as usinas
eólicas, a líder mundial é a Vestas (Dinamarca), seguida pela
Gamesa (Espanha), a Enercon (alemã) e a General Eletric (EUA)16.
15
BP, 2011. 16 Barré, 2007.
TABELA
PAÍSES LÍDERES EM ENERGIA EÓLICA
País % no total mundial da capacidade instalada
China 26,3
EUA 19,7
Alemanha 12,2
Espanha 9,1
Índia 6,7
França 2,9
Itália 2,8
Reino Unido 2,7
Canadá 2,2
Portugal 1,7
Fonte: Global Wind Energy Council, 2011.
11.5 Energia solar: a força que vem do espaço
Em teoria, uma pequena fração da energia que chega até a Terra
por meio dos raios do Sol já seria suficiente para atender
plenamente a todas as necessidades energéticas da humanidade,
sem risco de esgotamento ou danos ambientais. Na prática, os
custos envolvidos na captação da energia solar em grande escala são
extremamente altos, o que impediu, até agora, que ela tivesse
alcançado uma expansão comercial similar ao desenvolvimento da
energia eólica a partir da década de 1990.
Existem duas maneiras de aproveitar a energia solar para
produzir eletricidade. A primeira é o método termossolar, que
consiste em produzir vapor d’água com a utilização de espelhos que
acompanham o movimento do Sol e focalizam a luz para aquecer
óleo ou um fluido aquoso dentro de um tubo escuro. O tubo
serpenteia por quilômetros até um trocador de calor, que produz
vapor para movimentar uma turbina. Uma variante utiliza espelhos
planos controlados por computadores, denominados “helióstatos”.
Esses espelhos concentram os raios em um receptor no topo de uma
enorme “torre de geração”, que se parece com uma torre de água,
mas é preenchida com sódio fundido. O sódio armazena calor
suficiente para funcionar dia e noite, ou pelo menos atender aos
picos de demanda17.
17
WALD, 2008.
A outra maneira é converter a luz do Sol diretamente em
eletricidade por meio de painéis fotovoltaicos. Esses painéis são
compostos de duas placas paralelas feitas por materiais
semicondutores, como o silício. Ao serem expostos à luz, os
semicondutores geram uma corrente elétrica. Os painéis
fotovoltaicos são utilizados para fornecer energia aos satélites na
órbita terrestre e também em residências, fazendas e indústrias
individuais, onde são instalados nos telhados, com baixos custos, e
funcionam sem conexão com as redes elétricas. Na periferia de Las
Vegas, nos EUA, a base militar Nellis, da Força Aérea, produz um
quarto da eletricidade que consome por meio de painéis
fotovoltaicos.
Conforme explica o jornalista George Johnson, em reportagem
para a revista National Geographic, cada um desses dois métodos tem
suas vantagens. “Os sistemas termossolares de geração de vapor são
mais eficientes que os fotovoltaicos – ou seja, conseguem converter
em eletricidade um percentual maior dos raios solares incidentes”,
escreve. “Mas eles requerem terrenos de muitos hectares e longas
linhas de transmissão para levar a eletricidade até os usuários. Já os
painéis fotovoltaicos podem ser instalados em telhados próximos
aos locais em que a energia será usada18.”
A energia solar é relativamente limpa, porém, na comparação com
as outras, menos concentrada e mais difícil de armazenar. Tanto os
18
JOHNSON, George. ”Plugados no Sol”. National Geographic Brasil, setembro 2009, p.76-95.
sistemas termossolares quanto os painéis fotovoltaicos
compartilham uma desvantagem óbvia: não funcionam à noite e seu
rendimento cai nos dias nublados. O armazenamento da energia
solar exige sua conversão em outro tipo de energia, como a
eletricidade ou o calor. Mas isso é bastante dispendioso e requer o
uso de combustíveis fósseis, o que eliminaria o status de energia
limpa. Por enquanto, a energia solar é cara demais e pouco eficiente.
Os painéis solares só conseguem aproveitar de 10% a 20% da
energia que recebem e os sistemas termossolares alcançam, nos
melhores casos, uma eficiência de 24%. O jornalista George Johnson
atribui esse atraso a motivos históricos: “Depois do fracasso da
adoção da energia solar nos anos 80, muitos dos melhores
engenheiros migraram para a informática, que usa a mesma
matéria-prima – o silício e outros semicondutores. Agora, parte
desses engenheiros retorna ao setor de energia solar19.”
Evidentemente, não se pode cobrir toda a extensão de terra com
coletores de energia solar, mas, por outro lado, não é nenhum
absurdo cogitar a implementação de dispositivos catalisadores de
energia solar nos telhados das casas e edifícios. De acordo com o
National Renewable Energy Laboratory (Laboratório Nacional de
Energia Renovável), dos EUA, a média anual de energia solar por
metro quadrado no território estadunidense é de 4.5 quilowatts/hora
por dia. Se esse montante for multiplicado pelos 365 dias do ano, e
19
JOHNSON, G., 2009, p.86.
em seguida, pelos 18 bilhões de metros quadrados que constituem a
área territorial daquele país, entre edifícios e casas onde se poderiam
instalar esses dispositivos, o potencial energético equivaleria a 80%
do atual consumo de energia dos EUA. Por outro lado, nem todos os
telhados têm a disponibilidade de instalar dispositivos
catalisadores, devido a fatores como as sombras de árvores e de
outros edifícios e outros tipos de interferência. E a procura de áreas
numa escala ampliada para a catalisação de energia solar é um
processo complexo, no qual se deve levar em conta uma série de
adversidades socioambientais. Nos desertos, por exemplo, a
imposição de limites para a instalação desses dispositivos se faz
necessária diante ao impacto ambiental que podem representar para
a fauna e a flora dessas regiões20.
Os otimistas acreditam que, com o aperfeiçoamento da tecnologia
e incentivos estatais, a energia solar poderá, no futuro, se tornar tão
viável quanto os combustíveis fósseis. As altas taxas de expansão da
capacidade – uma média anual de 39% ao ano entre 2000 e 2010 –
dão suporte a essas previsões21. Em 2010, a capacidade de geração
de energia elétrica por fontes solares cresceu 73%, mas esse aumento
se deve, basicamente, à expansão realizada na Alemanha, onde o
governo decidiu dar prioridade à energia solar diante da iminência
do fechamento das usinas atômicas. A Alemanha lidera, disparada,
o ranking dos países com maior capacidade solar instalada, com
20
McCLUNEY, 2005, p. 162-163. 21
BP, BP Statistical Review of World Energy 2011.
43,5% do total mundial. Em seguida se situam a Espanha (10%) e o
Japão (9%). Apesar do ritmo acelerado de expansão, a energia solar
fornece apenas 0,1% do total da eletricidade produzida no mundo22.
11.6 Energia geotérmica: aproveitando calor da Terra
A energia geotérmica é o calor existente no próprio subsolo
terrestre, aquecido a partir do magma (rocha derretida) existente nas
suas profundezas. É empregada em alguns lugares para produzir
eletricidade. Na prática, seu uso se limita a regiões de intensa
atividade vulcânica, onde ocorrem fontes de água quente ou se
verifica a presença de rochas com alta temperatura a distâncias
relativamente curtas da superfície. Nas usinas geotérmicas
instaladas para aproveitar as águas termais ou gêiseres, o vapor é
utilizado diretamente para acionar turbinas geradoras de
eletricidade. Já nos sistemas que operar a partir do calor
subterrâneo, trabalha-se com um fluido que é aquecido num
reservatório abaixo da superfície, produzindo um vapor, que repete
o processo descrito acima.
Essa modalidade de energia já tem uso comercial, embora em
pequena escala, e suas usinas normalmente funcionam 24 horas por
dia. Pesquisadores, em várias partes do mundo, estudam meios de
utilizá-la diretamente para aquecer edifícios, estufas e reservatórios
de peixes. Cogita-se, ainda, o seu desenvolvimento em países-ilhas
desprovidos de outros recursos energéticos, mas com a presença de 22
BP, 2011.
alta atividade vulcânica. Nesses lugares, a energia geotérmica
poderia ser muito útil em combinação com outras fontes, renováveis
ou fósseis.
É possível acessar as fontes de energia geotérmicas em qualquer
ponto no planeta, porém em muitos lugares, devido às
profundidades que teriam de ser atingidas, a extração seria
desvantajosa por exigir o emprego de tecnologia de alto custo. Do
ponto de vista ambiental, é uma energia limpa e sustentável. Mas,
em alguns casos, o vapor utilizado na geração de eletricidade pode
espalhar substâncias poluentes ao subir para a superfície, o que
suscita preocupações sobre o uso abusivo da geotermia.
A energia geotérmica foi utilizada pela primeira vez em 1902, em
Larderello, na Itália, e até a década de 1970, quando foi incluída
como uma das fontes promissoras na busca de alternativas ao
petróleo, só era explorada nessa usina pioneira e em três outros
lugares: o campo de Wairakei, na Nova Zelândia (a partir de 1958),
o gêiseres da Califórnia, nos EUA (desde 1960), e o campo de Cerro
Prieto, no México (1970)23. Hoje em dia, apesar de permanecer como
um recurso energético marginal, tem uma importância significativa
em países específicos. Não por acaso, o líder mundial na utilização
da geotermia é a Islândia, país famoso pela grande quantidade de
gêiseres, e que tem nessa forma de energia a sua principal fonte
23
SMIL, 2003, p.292-293.
geradora de eletricidade, com 30% do total. Nos Estados Unidos,
essa proporção é de apenas 0,3%.
PAÍSES QUE MAIS UTILIZAM A ENERGIA GEOTÉRMICA
(em % da geração de eletricidade)
Islândia 30
Filipinas 27
El Salvador 25
Costa Rica 14
Quênia 11
Nicarágua 10
Nova Zelândia 10
Indonésia 3,7
México 3
Itália 1,5
(fonte: BERTANI, Ruggiero. Geothermal Energy: An Overview on Resources and
Potential. Proceedings of the International Conference on National Development
of Geothermal Energy, Eslováquia, 2009.