A Raposa e O Corvo

22
A Raposa e o Corvo Stefan Plinio da Costa Capitulo 1 Yggdrasil, a árvore da vida, se ergue ao longe acima do horizonte contemplado erguendo-se do centro do mundo com seu tronco esbranq ereto como uma coluna de pedra cuja copa se ramificava no firmame onde uma vez vieram os frutos que deram vida ao mundo. s vezes vejo uma maç! cair de uma macieira e me pergunto se e lugar vidas est!o sendo destru"das ou criadas. #anço mais um olha regente divino no c$u noturno e afasto as quest%es filos&ficas da penso demais 's vezes, n!o estou a passeio estou trabalhando. (e vez em quando a minha cabeça parece querer criar pernas e se m qualquer outro lugar que minha imaginaç!o decida. )sso $ quando n!o a uso corretamente, me cega quando tenho que ter os ol precisos. (ei*o um sorriso se desenhar nos meus lábios no momento vejo a sentinela voltando de sua ronda, mais ou menos cinco andar de mim. +enho bons olhos no fim das contas, rápidos e espertos o para marcar o tempo em que a sentinela jovem, muito provavelmente novato dado o comportamento demasiadamente zeloso, levava para co sua ronda no per"metro da torre principal da fortaleza. ara ser franco chamar halleth de fortaleza $ um modo demasiadam rom ntico de descrever o lugar. /esumia-se a tr0s torres de altu sendo que a menor media quarenta e cinco metros de altura e a pri qual estou confortavelmente pendurado2 com cerca de sessenta metr muito pouco impressionante comparada 's resid0ncias dos nobres da tinha um muro de cinco metros com poucas guaritas e duas d3zias d para vigia-los. 4 uma medida de segurança idiota quando se sabe v0 de perto os ru ornamentam as estruturas de pedra, s!o do tamanho de uma criança e sinto como se pudesse mergulhar dentro dela, s& uma lasca dela renderia um pagamento que outros ladr%es levariam anos para conse aç%es menos... 5usadas, resisto com dificuldade ' tentaç!o de enc punhal na gema com pensamentos sobre o pr0mio maior que me aguard seu interior.

description

Uma aventura sombria em um mundo que tem como centro a árvore da vida, Yggdrasil. Onde dois ladrões invadem a torre de um temível culto das trevas em busca d riquezas, mas tanto os obstáculos a serem enfrentados quando os próprios gatunos são mais do que aparentam ser.

Transcript of A Raposa e O Corvo

A Raposa e o Corvo Stefan Plinio da Costa

Capitulo 1Yggdrasil, a rvore da vida, se ergue ao longe acima do horizonte que pode ser contemplado erguendo-se do centro do mundo com seu tronco esbranquiado ereto como uma coluna de pedra cuja copa se ramificava no firmamento de onde uma vez vieram os frutos que deram vida ao mundo.s vezes vejo uma ma cair de uma macieira e me pergunto se em algum lugar vidas esto sendo destrudas ou criadas. Lano mais um olhar para o regente divino no cu noturno e afasto as questes filosficas da minha mente, penso demais s vezes, no estou a passeio estou trabalhando.De vez em quando a minha cabea parece querer criar pernas e se mandar pra qualquer outro lugar que minha imaginao decida. Isso um problema quando no a uso corretamente, me cega quando tenho que ter os olhos mais precisos. Deixo um sorriso se desenhar nos meus lbios no momento em que vejo a sentinela voltando de sua ronda, mais ou menos cinco andares abaixo de mim. Tenho bons olhos no fim das contas, rpidos e espertos o bastante para marcar o tempo em que a sentinela jovem, muito provavelmente um novato dado o comportamento demasiadamente zeloso, levava para completar sua ronda no permetro da torre principal da fortaleza.Para ser franco chamar Ghalleth de fortaleza um modo demasiadamente romntico de descrever o lugar. Resumia-se a trs torres de altura varivel, sendo que a menor media quarenta e cinco metros de altura e a principal (na qual estou confortavelmente pendurado) com cerca de sessenta metros era muito pouco impressionante comparada s residncias dos nobres da cidade, tinha um muro de cinco metros com poucas guaritas e duas dzias de homens para vigia-los. uma medida de segurana idiota quando se sabe v de perto os rubis que ornamentam as estruturas de pedra, so do tamanho de uma criana pequena e sinto como se pudesse mergulhar dentro dela, s uma lasca dela j me renderia um pagamento que outros ladres levariam anos para conseguir com aes menos... Ousadas, resisto com dificuldade tentao de encravar meu punhal na gema com pensamentos sobre o prmio maior que me aguarda em seu interior.Duas dzias de guardas, com um arremedo de treinamento, poderiam apanhar qualquer ladro comum, sobrepujando-o pelos nmeros. Duas dzias de sentinelas bem treinadas e despertas apanham at mesmo um sussurro de camundongos, de modo que, ningum que no fosse louco tentaria invadir esse lugar. Como se j no fosse o suficiente, Ghalleth atua como a sede da ordem de Kshiq e como palcio de seu sumo sacerdote. Um grupo com tal reputao podia se dar ao luxo de ser negligente quanto guarnio de sua morada. No havia ladro ou mercenrio algum no reino de Ferindher que se aproximasse das torres dos magos negros. Eu por minha vez tenho duas razes e um bom motivo para estar aqui e agora.No vigsimo dia dos meses do inverno os membros da ordem participam de uma cerimonia de purificao e expurgo dos males interiores. O que de modo prtico resume-se a uma espcie bizarra de orgia onde cantos profanos e frmulas de magia proibidas so entoados. Tal ritual to degradante (e acredite quando digo que voc NO quer saber dos detalhes) e pervertido que a maior parte da guarda reduzida ou realocada das cmaras onde os ritos ocorrem para mim isso pode ser traduzido como... Janela de oportunidade. Tais cmaras, que por sinal so quase um labirinto o que explica a segurana pesada apenas no lado externo, do acesso a um altar onde repousa um orbe chamado Olho de Drakgon, uma das poucas jias moldadas em mbar da grande rvore e lapidadas com equaes a magia negra at atingir o perfeito formato de um orbe. Sete guardas e um conjunto de alarmes bem como armadilhas, recursos comuns para se proteger um bem to precioso, cujos detalhes o oficial bbado teve a boa vontade de revelar. Alegam no submundo que nenhum homem poderia sequer chegar perto da relquia sem pertencer alta irmandade. A afirmao do improvvel o que mais me motiva. como uma droga, um vicio que faz meus pelos eriarem, saber que eu no posso ou sou capaz de fazer algo e ainda sim ter xito ao faz-lo, uma das melhores coisas do mundo. Me solto e deixo meu corpo deslizar com um rudo suave de telhas trincadas, escorrego pela borda barroca e caio no local onde estivera o guarda at um minuto e meio atrs, destranco a porta que dava acesso ao interior da torre usando o esfumaamento espectral e mergulho na escurido.

Capitulo 2A minha vontade me esgueirar pelas sombras do interior, que supreendentemente est com a maior parte das lmpadas a leo queimando com toda a fora, no entanto no podia deixar o guarda da torre alta vagando livre por ai ele poderia comprometer minha rota de fuga. Me concentrei e senti minha mos se desmaterializarem aos poucos tomando a forma de brumas escuras. Agachado esperei quase dez minutos at que terminasse a ronda ali saltei do interior da passagem fazendo estardalhao. Ele se virou surpreso e tapei sua boca e nariz com a mo em estado transitrio, pude ler em seu rosto a frase perplexa se formar em sua mente enquanto seu corpo inalava a fumaa que compunha o meu e sufocava rapidamente, espectro. Uma nica palavra passou por sua mente e sei disso pelo modo como lutou e se debateu, pela mistura de dio e pnico em sua face quando entendeu que iria morrer. Eu havia arrancado espada de suas mos e o cabo da mesma pendia em seu pulso presa por uma corda (sujeito esperto), o peso solto no ar impossibilitava a defesa com o brao direito, dominei o esquerdo com minha outra mo que fundida a escurido noturna era forte com uma rocha.Talvez tivesse mulher e filhos, um parente doente que dependia de seus cuidados, ou simplesmente uma mulher de lbios gordos em algum bordel nas imediaes. Algum sentiria sua falta quando ele voltasse ao cho e a rvore reivindicasse sua alma, exatamente por isso eu o deixei viver. Apoiei as suas costas contra uma coluna e deixei um pouco de raiz de Xila no interior da luva para a eventual dor de cabea que sentiria ao acordar. No sou o monstro que afirmam que sou... No o tempo todo pelo menos.Assumi de vez a forma de fumaa, onde a nica coisa humana que voc vai ver o brilho dourado dos meus olhos no fundo de uma massa de brumas negras, passei pela fechadura da porta como antes e comecei a pairar em velocidade pela escada espiral do interior como uma gigantesca serpente etrea passando por salas e andares, sufocando as chamas das lmpadas sempre que possvel. Devo ter percorrido cinco ou sete andares antes de voltar a forma humana dentro de um armrio cheio de vassouras e panos de cho, quando comecei a sentir os efeitos da fadiga.H trs desvantagens em ser um espectro esfumaador. Um, o mundo te odeia, nada com o que uma pessoa equilibrada no consiga lidar. Dois, os esfumaadores se fadigam muito rpido, de modo que, usar tais habilidades requer cuidado antes, durante e depois do uso. Trs, o mundo te odeia, principalmente quando se um espectro sem afiliao a nenhum cl ou tribo, isso no meu caso proporciona um leve desconforto, nada que uma massagem no ego (e um bom vinho) no cure.Abri a capa e peguei um frasco no bolso costurado na parte de dentro dela, arranquei a rolha com os dentes e bebi a mistura de vinho, raiz de Xila e ervas de Sirkdian, isso mesmo a alucingena. Imediatamente senti a o corpo relaxar, os dedos pararam de tremer e a respirao retornou ao normal. Normalmente evito consumir esses tipos de esteroides ou qualquer outro tipo aperfeioador de desempenho devido ao fato de no serem poucos os pobres coitados que acabam viciado nessas coisas ou que as consomem por tanto tempo que a longo prazo apodrecem por dentro, no o tipo de coisa que se queira nesse ramo de atuao, ainda sim so uteis para enganar o corpo e ter uma recuperao rpida. O caf da manh dos campees.Apanhei do meu cinto uma pequena haste com um espelho circular na ponta, enfiei por baixo da porta e examinei o corredor escuro de ponta a ponta. Os olhos de um espectro no so como os de um humano normal, j deve ter ouvido falar, para ns a noite clara como um dia ensolarado, irnico dizer isso, uma vez que a luz do dia como se brasas quentes cozinhassem as retinas. Sendo assim apesar do puro breu em que o corredor de pedra se encontrava, suponho, pude contemplar um caminho parcialmente livre de lmpadas poderia me movimentar materializado por um tempo absorvendo a escurido para me fortalecer novamente.Destranquei a porta, dessa vez com uma adaga, caminhei na ponta dos ps por quase meia hora. Eu estava demorando muito mais do que o de costume, havia estudado a arquitetura desse lugar por quase duas semanas, com alguns pergaminhos furtados, boas conversas com oficiais bbados e meretrizes que pela primeira vez na vida ganharam dinheiro para fofocar ao invs de tirar a roupa. Normalmente essas poucas informaes ajudam a se localizar, mas aquele lugar era... Diferente, na medida em que andava reconheci o mesmo lugar trs ou quatro vezes.Sei muito pouco sobre magia, mas sim que contra ela os olhos e os demais sentidos so inteis, o que me pareceu muito estranho na hora, uma vez que conseguia distinguir as poucas referencias que tinha quando estava na forma de bruma. Talvez fosse essa a soluo. Quando se est completamente desmaterializado as coisas funcionam de modo diferente, eu no enxergava nessa forma, no como voc est enxergando essas palavras agora, mas como se eu simplesmente sentisse as coisas ao meu redor, no existe viso nas brumas e de certo modo fao parte delas.No entanto havia a ressalva de que ainda estava fadigado, mesmo que no me sentisse assim, eu tinha poucas ervas comigo e menos elixir ainda, se me transformasse poderia ficar cansado demais para prosseguir novamente, talvez por horas, muito mais tempo do que eu pretendia passar ali, indefeso ainda por cima. J a tinha usado duas vezes naquela noite, ou voc acha que eu escalei aquela torre inteira sem ser visto (por favor).Foi quando vi algo deslizando nas sombras do corredor a frente, apesar de ter uma tocha nas mos. No sei se est de alguma forma, gramatical ou politicamente, correto definir uma pessoa como a pior dor de cabea que senti em toda a minha vida, mas de fato essa a melhor frase que tenho nesse momento para descrever a A Raposa que me encarava no fim do corredor.Capitulo 3Galleth como um amor platnico. Sei que isso tosco vindo de mim, mas eu me considero uma romntica. H anos ouo histrias sobre o orbe dentro dessas paredes, dos rumores a respeito das armadilhas msticas e mecnicas nunca vistas em nenhum outro lugar. Os ladres vivem de suas reputaes, invadir um lugar como esse como um dono de mercearia assumir o trono de um imprio. Algo simplesmente pico, mas estou divagando o que acaba que no faz muito jus ao titulo de Raposa, modesto eu sei, mas um nome carrego com orgulho e que fiz por merecer.No sou como a maioria dos ladres do submundo que tem, em geral, trs formas de resolver as coisas. Com pura e simples brutalidade, so agiotas, mafiosos ou aqueles brutamontes ignorantes que simplesmente se contentam em emboscar caravanas de mascates e cobradores de impostos. H os espectros, embora evitem se expor muitos deles atuam por contrato pra quem pagar mais, so uns vendidos e isso me irrita. Por ultimo vem os manipuladores, de longe os que mais me tiram do srio, so muito inteligentes (isso um fato), mas no se dispem a por a mo na massa para terem o que querem, ficam manipulando as coisas para ento esfaquear voc pelas costas e somem como se nunca estivessem estado ali, covardes!E, claro, existe eu, ningum jamais teria pensado em ficar semanas conversando com as meretrizes dos bordeis frequentados pelos guardas. Acho que foi a primeira vez que elas ganharam dinheiro para ficar vestidas e fofocar, eu digo a qualquer dama ladra a quem interessar, existem pouqussimas coisas que no se consiga obter de uma meretriz que ganha grana fcil para fazer o que faz de melhor e arrancar informaes de algum guarda ou camareiro linguarudo.Foi assim que eu soube do grupo de garotas que foram compradas para serem usadas na cerimnia do expurgo dos males interiores, a partir dai foi brincadeira de criana achar alguma das moas mais supersticiosas (todas as crendices se mantem bem longe das ordens de magia) e assumir seu lugar. Pessoas em tal ocupao evitam fazer muitas perguntas quanto as fantasias ou perverses da sobrinha de um mercador abastado (ou ao menos foi o que fiz elas crerem, afinal tinha que justificar meu interesse nos Kishiq , no segredo o que acontece nesses rituais).Assim cheguei s torres nas primeiras horas da noite, eu estava perfeitamente vestida como uma das meretrizes, com aquelas sedas, sedosas finas e semitransparentes (esse ultimo detalhe um tanto vulgar para o meu gosto) presas por correntes e enfeites de couro folheados com mbar e outros matrias, tal como argilas misturadas as minerais preciosos e em alguns casos cravejados de pedras e gemas, cujo valor alimentaria uma dezena de pessoas, que completavam as vestimentas que fazia pouco mais do que cobrir parcialmente os seios, as plvis e cabelos de quase sessenta moas, includo a mim.Meu nico conforto era que eu havia escondido minhas ferramentas junto a jarros com incenso liquido, bebidas afrodisacas e demais substncias que satisfizessem os gostos dos magos. Poupando detalhes do interior o do caminho que percorri sempre acompanhada das demais moas e de um eunuco junto de poucos aclitos de guarda que no se intimidavam em tocar-nos onde bem entendessem, particularmente senti vontade de cravar o punhal escondido em meu bracelete nos olhos desses malditos, mas aguentei firme, afinal uma raposa tem que conservar seus truques.Consegui levar minha sacola de truques comigo e evitar que fosse revistada com a alegao de portar ervas e especiarias afrodisacas que exigiam manuseio cuidadoso, o que foi confirmado por vrias garotas (previamente convencidas com um bom suborno) que desejavam ajudar sua nova dama rica a ter uma experincia i-n-c-r-i-v-e-l, o que foi evidentemente muito til.A primeira parte da minha vida como membro de uma trupe itinerante me ensinou os meus dois melhores truques para ser a melhor no que fao. Atuao, as pessoas conhecem muito bem os esteretipos daquilo que no vivenciam ou do que querem conhecer, de modo que til interpretar uma nobre dama para uma servial ou me fazer passar por servial para uma nobre dama, encarnar o esteretipo e agir conforme como as pessoas esperam, confirmar o que acham que sabem faz com que elas mesmas se enganem. Em segundo lugar vem o suborno, de longe o truque mais eficiente, em todo lugar sempre existem pessoas insatisfeitas dispostas a fazer vista grossa, dar com a lngua nos dentes ou fazer algum tipo de favor em troca de compensaes que lhes proporcionem um alivio ou alguns poucos momentos de tentao.Os Kishiq mantinham seus funcionrios com um soldo minimamente descente, mas a condescendncia com qual eram tratados os deixavam mais sujeitos a pequenos estmulos financeiros, principalmente para uma meretriz inocente e bonita que apenas deseja fazer suas preces para a rvore da vida sob a luz do luar, com a piscadela correta esses sujos fazem quase tudo o que eu quiser. Os homens, sempre to traioeiros e brutos no perdem uma oportunidade se dar bem ou de se aproveitar de belas damas como eu como se fossemos pedaos de carne, no me arrependo nem um pouco de ter aberto um talho em sua garganta quando ele tentou bancar o esperto naquela sacada.Na altura em que estava eu chamaria a ateno de alguma sentinela se tentasse subir a torre central pelo lado de fora. Tirei minha mscara da sacola de truques e a ajustei no rosto. Eu a tinha desde os tempos de trupe, feita de cermica branca com detalhes um pouco desbotados de tinta vermelha e amarela que desenhavam o rosto delicado de uma raposa que traavam linhas curvas e sinuosas desde as orelhas altas e pontudas at o focinho.Ao menos agora eu no seria reconhecida como uma das garotas, no de imediato, feito isso comecei a explorar os corredores avanando cuidadosamente por alguns andares e evitando as cmeras onde os sacerdotes da escola de magia sombria se reuniriam. Tinha ouvido histrias sobre a crueldade do grupo, dos sacrifcios humanos e de animais feitos em sua f distorcida e para uso das runas de magia como fonte de energia, talvez se no tivessem influencia junto a um rei de um reino to forte, tenho certeza, que j teriam sido extirpados da terra a muito tempo. Tenho certeza tambm que no queria nem imaginar o que fariam comigo se me apanhassem. A medida que subia os andares, usando das parcas referencias que tinha quanto ao seu interior, afinal no h como se descobrir tudo, sentia um crescente sensao de opresso crescer em meu peito, tive que inicialmente me esconder de algumas duplas de sentinelas em patrulha e matei outras duas que fizeram seu trabalho bem demais, mas conforme subia e vencia os andares a fadiga parecia pesar cada vez mais sobre mim, o nmero de soldados se reduziu a praticamente nenhum e os corredores passaram a se tornar idnticos e com o mnimo de iluminao possvel. Passei a me sentir como se estivesse presa em algum tipo de labirinto maluco, no fazia ideia que a manipulao de energia (sendo essa a base do que se denomina de magia) poderia ter tal aplicao.Foi quando a coisa mais improvvel aconteceu. Voc pode ser o melhor estrategista desse mundo, mas mesmo assim existem momentos em que tudo o que se pode ter nada mais do que pura sorte. Um dos membros do culto, a sua posio hierrquica eu no soube na hora e pouco me importa se saberei um dia eu sei apenas que eu, a incrivelmente audaz ladra, conseguiu literalmente esbarrar em um mago, um dos quais ela em tese iria entreter naquela noite.- O... O que faz aqui? A voz transpassava mais surpresa do que raiva.Ele no me considerou uma intrusa, muito menos uma ameaa... Grande erro.- Graas a grande rvore... E l vai o papel da donzela ingnua Eu pedi ao guarda que me mostrasse varanda para que eu rezasse a luz da lua, mas ele tentou me violar e... Acabei aqui...- E... Entendo...De modo sedutor, mas conservando o ar de inocncia me atirei em seus braos, ele quase derrubou a lmpada que carregava. Interrompi seu raciocnio precisava que estivesse com guarda completamente baixa.- Esse lugar muito assustador, como consegue andar aqui?Morda a isca. Morda a isca. Morda a isca...- No se preocupe... Posso nos orientar com isso!Apontou para um amuleto no peito.- Pessoas que no possuem a bussola de iluminao so ludibriadas nas partes profundas do templo. Disse confiante evidentemente tentando me impressionar.- Mesmo?- Claro!Otrio.Saquei o par de adagas das pulseiras e fiz trs movimentos, o primeiro partiu a corda que mantinha a bussola presa ao seu pescoo, o segundo decepou a mo que tentou apanhar o objeto no ar e o terceiro abriu sua cartida e pintou as paredes de vermelho com um esguicho.A tal bussola era na verdade pouca coisa maior que uma moeda, exceto pela lmina de vidro que revestia uma de suas superfcies. O seu interior continha uma nica gotcula de um liquido dourado meio brilhoso que apontava insistentemente em uma direo, a primeira vista parecia um pedao de metal intil, mas quando voltei meus pensamentos para o orbe, imaginando o quanto eu ganharia ou vende-lo no mercado negro, tanto inteiro quanto cortado pra ganhar no atacado, algo aconteceu.Imediatamente se deslocou pela superfcie lisa indicando uma direo no extremo oposto do que indicava antes. No foi preciso muito para entender como funcionava ou que com aquele pequeno artefato eu poderia me guiar facilmente pelos corredores evitando armadilhas ou um aclito fazendo s Yggdrasil sabe o que. medida que andava descobri rapidamente que a rota mudava segundo a especificidade do meu pensamento. Ao pensar em uma rota mais rpida para as cmaras do tesouro a gotcula instantaneamente mudou a rota. Ao pensar evitar armadilhas passei por rotas alternativas que pareciam ser muito mais extensas do que a estrutura externa da torre sugeria, ainda sim o sentimento de opresso e sufocamento pareciam se tornar mais profundos como se aquele lugar quisesse estrangular minha alma e deixar meu corpo vagando de modo abobalhado por ai.Foi durante um desses caminhos alternativos que o encontrei. Caminhava devagar pelo corredor de pedra no escuro completo, dando voltas, indo de uma parede escura para a outra como um perfeito idiota. Seria cmico se eu no soubesse que era o maldito lugar... Tudo bem supunha... Estivesse afetando-o como estivera fazendo comigo. Assim como eu aquele fulano tinha ignorado os avisos sobre o uso da magia como defesa interna desse lugar. Jamais imaginei que existe alguma forma de energia que mexesse com a cabea das pessoas, o que explicaria a alta influencia de um grupo to srdido, mas a julgar como ele se comportava tal cincia no s existia, mas tambm era bem empregada, afinal no seria qualquer um que colocaria o Corvo em um estado daqueles.Como eu o reconheci? (Acredito que deve estar se perguntando isso neste momento.).Caso eu no tenha sido clara (ou ento voc seja muito burro para entender) quando disse anteriormente sobre as reputaes no submundo. Primeiro... Quanto mais famoso voc melhor ladro voc ser, isso um fato (a cargo de pequenas excees). Segundo, suas caractersticas fsicas so nicas.Todos sabem que ele descende de um dos cls de artesos da tribo Quan, os melhores do mundo por sinal. De modo que os seus braos, e muito provavelmente seu rosto tambm eram recobertos por tatuagens de padres complexos que so tinham significado para outros Quans ou para alguns poucos estudiosos mundo afora, com uma tocha na mo e contando com o fato de seus braos estarem desnudos pude reconhecer o desenho de um pssaro negro perto do ombro direito, o que lhe rendeu o apelido.Era baixo, como todos os Quans eram descritos, com pele morena escura. Usava uma capa longa, com o capuz erguido, a mesma era dividida em cinco tiras largas e longas, o rosto estava oculto por uma mscara que cobria a metade inferior do rosto e que lembrava levemente um bico, ainda sim podia ver alguns traos das tatuagens que tinha no rosto. Quando a luz da tocha o atingiu seus olhos completamente negros com ris amarelas brilhantes se voltaram para mim e ele disse uma palavra seguida de uma frase ligeiramente ofensiva.- Raposa... Havia um tom de incredulidade na voz - Voc est parecendo uma piriguete!O lendrio ladro. O grande Corvo. Um perfeito idiota.

Capitulo 4Como descrever a Raposa? No ria. Estou falando srio. Dentro do submundo a sua reputao algo vital, ainda mais do que nas torres e bailes dos nobres, no apenas por se tratar de mera futilidade, mas tambm define o nvel dos trabalhos que voc far e a quem se afiliar, ou no afiliar.Particularmente no tenho alianas com ningum, o que possui suas vantagens e desvantagens, mas no vou sair do contexto explicando elas agora. A questo ... Tenho muito respeito por aqueles gatunos que atuam de modo independente, no uma vida fcil e poucos a aguentam por muito tempo.Desse modo redundante afirmas que Raposa possui meu respeito, evidente que naquele momento em Galleth eu a conhecia apenas por reputao, o mximo de detalhes que conhecia na poca era sobre sua mscara. Sei que a minha primeira declarao a seu respeito pode passar uma ideia errada sobre nossa relao naquele momento.A forma como conheci um pouco confusa, eu estava muito desorientado, em parte pelos efeitos do elixir e em parte pela magia presente na torre, embora eu no tivesse me dado conta do quanto. Eu me lembro de tela cumprimentado e dito alguma asneira, pois ela estava vestida de um jeito... Incomum. Roupas caras, reveladores e com um toque de sensualidade realado pela mscara de cermica que cobria a metade superior do rosto.- Boa noite pra voc tambm! Ela respondeu sorrindo ironicamente T perdido?- Estou?- Normalmente quando uma pessoa caminha em crculos...- Entendi Respirei fundo Est atrs do Olho de Drakgon tambm!Ela entendeu que eu no havia feito uma pergunta, seu sorriso murchou e ela assentiu de leve.- Que tal rachar meio a meio! - Propus- Setenta a trinta! Ela replicou- Sessenta a Quarenta! - Insisti- Posso fazer isso noite toda! Ela sorriu- No... No pode. Esse lugar mexe com a nossa cabea e os rituais acontecem apenas essa noite e garanto que eles vo lacrar esse lugar quando eventualmente acharem o sujeito que voc degolou!Raposa congelou visivelmente chocada. Soube imediatamente que meu palpite estava certo e decidi alfineta-la um pouco mais antes de abrir o jogo. Fiquei em silncio por poucos momentos esperando que ela formulasse a pergunta.- H quanto tempo est me seguindo?- Eu no preciso seguir ningum, mas voc muito famosa Raposa e como tal estudei seus mtodos de perto. Pelas roupas... Deve ter se infiltrado entre as moas dos bordeis e inventado uma desculpa para sair do quarto e degolou o pobre coitado que te escoltou para que ele no fizesse alarde quando fugisse!Comecei a caminhar em sua direo, devagar, mas firme deixando-a meditar no que eu havia dito.- Realmente... Faz jus a sua fama Corvo! SorriuEncarou-me de cima a baixo enquanto eu emparelhava a ela, o que um tanto difcil pra mim uma vez que ela era alta para os padres humanamente normais enquanto eu sou pouca coisa mais alto que um ano.- Sessenta a quarenta! Raposa sorriu (concordo com voc ela sorri demais) - Feito? Ela estava negociando agora.Resolvi faze-la achar que ganhou.- Feito!Fizemos o sinal, um cumprimento entre ladres quando os mesmo firmam um pacto, poucos do valor a ele. Admito que eu mesmo o valorizo se me for conveniente. No sou um santo afinal.Para algum aparentemente desconfiada Raposa se mostrou muito cooperativa nas duas horas que se seguiram enquanto avanvamos pelos corredores secundrios da torre evitando patrulhas e armadilhas. Manifestei inicialmente minha preocupao em sermos ludibriados novamente pela magia negra nas paredes, mas ela me garantiu portar uma espcie de bussola usada pelos aclitos, confesso que tive minhas duvidas, a minha prpria proposta de parceria foi um embuste para avaliar suas intenes, mas no final ela provou estar certa, poderia confiar nela ao menos at acharmos o orbe.Entenda que confiana um jogo de apostas onde todos os jogadores esto trapaceando, de modo que, no fim o que importa no que ser o vencedor, mas sim quem trair por ultimo. Conhecamos bem a fama um do a outro, havamos nos estudado e tnhamos um objetivo em comum, mas traio uma realidade comum no submundo, obviamente que mais frequente em agentes independentes como eu ou ela.- Quer dizer ento que voc andou me estudando... Raposa disse depois de um tempo.- Eu seria um idiota se no me mantivesse informado sobre a concorrncia!- E como sabe que eu no vou degolar voc quando obtivermos o orbe?- No de seu feitio agir desse modo...- No um bom motivo! Suspirei pesadamente.- Juntos ns melhoramos nossas chances de sairmos vivos daqui, de modo que, vamos ter confiar um no outro!Ela no conteve uma risada.- Um ladro falando de confiana com outro ladro, que ridculo, est agindo como um tolo Corvo!- Talvez... Mas voc ainda est ai e eu estou aqui!Admito que por um momento eu achei que ela no fosse sacar o seu punhal e que ns ao menos chegaramos juntos a cmara de tesouros, que sairamos dali indo cada um para o seu lado (acredite ou no esse o cenrio mais delirante... Ou otimista).

...

Eu no fiquei viva tanto tempo confiando nas pessoas por ai. Diga o que quiser, mas a verdade que as pessoas so mentirosas. Todas elas, sem exceo, ganho a vida interpretando pessoas que no sou ou que jamais seria para obter o que eu quero. Quando vi aquele sujeito naquela torre a nica coisa que me impediu de enfiar uma adaga na testa dele na hora foi o fato de que isso definitivamente alertaria os guardas ou o que quer que fosse que vigiasse essa parte da torre.Usar uma lmina era algo arriscado, ao menor abertamente, todos os boatos tendem a serem exagerados, mas ainda sim algo neles, verdade e esse sujeito era tido como um excelente lutador e atirador (eu no estava disposta a me arriscar). Ele deve achar que sou idiota com aquele papo de meio a meio, mesmo assim tenho que reconhecer que ele um excelente mentiroso, no titubeou nenhuma vez quando tentei confundi-lo com minhas contrapropostas, estava definitivamente enfeitiado e desorientado por esse lugar e me viu como um instrumento para conseguir o orbe. Fiz o jogo dele por algum tempo.Contei sobre a bussola para ganhar a sua confiana, infelizmente tive que dizer a verdade para que ele no desconfiasse de mim e assim nos arrastemos por aquele lugar infernal por um bom tempo quando comecei a reparar na sua postura relaxada, fiz algumas perguntas puxando papo e na medida em que ele pareceu mais crdulo, impressionante como ele no saia do seu papel, mas eu sou uma manipuladora melhor do que qualquer outro.Admito que fiquei genuinamente surpresa quando ele falou sobre o sujeito degolado e como me infiltrei aqui, tudo bem que essas roupas idiotas tornam isso mais do que bvio, mas o fato de ele parecer me conhecer to bem assim me irrita profundamente, ningum me conhece to bem quanto eu mesma literalmente no h ningum vivo que conhea. Deixei nossa conversa rumar de modo que deixei bem claras as minhas intenes de me livrar dele e ele continuou tentando ganhar minha confiana me deu as costas tentando parecer confivel. Senti vontade de cravar meus punhais nas costas dele e rir do cadver, mas em meio a toda aquela conversa mole e verborragia dele, Corvo estava certo em uma coisa, teramos mais chances juntos, mas uma vez fora daquela torre... Alm do mais, voc no ouviu ele falando nada sobre termos que dividir o orbe apenas o valor dele e pretendo por algumas moedas pra ele no caixo, se ele tiver um.Com todo esse monlogo quase me esqueci de dizer como foi quando chegamos cmara cerimonial. No se aborream comigo, no o tipo de coisa que eu goste de lembrar.

Capitulo 5Eu gostaria de dizer que sabamos exatamente para onde estvamos indo e que medida que nos aproximvamos da tal cmara as pedras ou as portas que formavam o corredor se tornavam mais gastos ou eram de alguma forma mais iluminados, ou mais largos e ricos, de verdade eu adoraria dar a descrio cheia de detalhes que voc tanto quer, mas sejamos sinceros dificilmente voc nota as coisas a sua volta a menos que esteja realmente focado nisso, o que estava longe da minha cabea e com toda certeza da cabea da Raposa tambm.Para simplificar simplesmente chegamos ao final de um corredor e quando abrimos, ou melhor, eu abri usando esfumaamento para mover os mecanismos de tranca da fechadura.Do outro lado estava a sala mais bem iluminada que eu tinha visto toda a noite desde que havamos entrado em Galleth. Tambm era a maior sala que eu tinha visto e de longe violava totalmente a sugesto da arquitetura externa. Era muito larga com formato cilndrico de paredes lisas nas quais se projetavam sombras de apoios para os andares superiores dentro do cmodo que media trinta e cinco metros de dimetro por vinte e trs de altura dando uma sensao de imponncia, como se o mesmo fosse algo compacto e resistente embora eu duvida-se disso. Ao meu lado Raposa deixou escapar um xingamento.Haviam pilhas e mais pilhas, cuidadosamente equilibradas e organizadas de marfim, cermicas e qualquer outro material usado para confeccionar moedas, bem como jias dos mais diversos materiais e tecidos finos, obras de arte e estatuas, alm de outros objetos que no possuam aparncia valiosa, mas evidentemente valiam algo.- C... Como isso tudo pode caber aqui dentro? Raposa indagou incrdula- Magia.- Magia das boas sem dvida! Vi um brilho em seus olhos.- Foco Raposa, o orbe o prmio e sem dvida devem ter armadilhas aqui...- E nem todas so do tipo que podemos evitar ou desarmar! Completou a frase retomando a lucidez.Apesar desse discurso pus algumas moedas e umas poucas jias nos bolsos escondidos na capa quando ela no estava olhando. Imagino que ela o tenha feito tambm, mas convenhamos quem sou eu para repreend-la no?Caminhamos cautelosamente pelo labirinto de preciosidades, uma caminhada difcil onde cada passo representava uma tentao que faria at mesmo um padre virar um pecador inveterado com todo o tipo de artefato que aqueles hereges adquiriram com suas chantagens e roubos (isso ficou muito bom, eu poderia me tornar um escritor no?). Fomos guiados pela bussola da Raposa que nos guiou com rapidez pelos corredores de pilhas de objetos organizados como se fossem um armazm ou o estoque de gros de algum lorde, e dessa forma seguindo todos os clichs que se pode imaginar acabamos no centro da sala na parte de baixo de um pedestal sob um altar de cinco metros de altura, convenientemente escondido pelos tesouros empilhados ao redor.Devo dizer que em certos aspectos todos os poderosos no possuem criatividade, essa carncia em seu modo de pensar parece de alguma forma impedir que seus arquitetos, ou eles mesmos, pensem em fortalezas ou cofres que no se limitem ao padro j demasiadamente massificado torres ou calabouos, verdade que Galleth um exemplo de uma exceo a regra, ainda sim sempre que penso nisso sinto que no h desafio algum em faz-lo, mesmo assim seguindo essa regra invadir essa torre, ou que quer que seja essa espelunca, est sendo como um parque de diverses no quesito desafio. (Srio, eu devia mesmo virar escritor.).

...Eu estava me sentindo desorientada, j tinha invadido cofres e sales com riquezas antes, mas nunca tinha visto tantos tesouros to... Compactados em um s lugar desde que havamos entrado na cmara eu estive cuidadosamente enchendo a minha "sacola de truques" com algumas jias e moedas que certamente no faro falta, Corvo pegou algumas tambm quando achou que eu no notaria.Modstia a parte. Eu sou simplesmente genial. Roubar aquela bussola foi a melhor coisa que eu fiz a noite toda, porque antes de qualquer coisa aquele lugar era um maldito labirinto repleto de pilhas muito bem organizadas de preciosidades formando corredores complexos que ramificavam como se fossem as razes de uma rvore, o que de certo modo irnico considerando que o nosso mundo sustentado por uma.Com aquele brinquedinho conseguimos alcanar o orbe e poucos minutos, e devo dizer que foi da forma mais clich que se pode imaginar. Repousava em uma almofada sob um pedestal de madeira dourado sob um altar esculpido em pedras vermelhas que brilhavam refletindo as chamas das enormes piras que queimavam anexadas as paredes cilndricas do lugar, a luz das chamas era ampliada com espelhos de vidro de modo que mal haviam sombras no ambiente. Sendo Corvo um esfumaador estaria em desvantagem ali uma vez que a luminosidade reduziria o efeito de seus poderes.O mais estranho de tudo era o fato de como estava cada vez mais inquieto a medida que nos embrenhvamos no tesouro, tudo bem que a ideia dele de haver mais armadilhas acionadas com magia ou algo mais rustico por aqui fazia sentido, mas ele estava muito tenso. Ele no havia me contado algo, o que no era de se estranhar (somos ladres afinal de contas, honestidade uma coisa incompatvel com nosso ramo de atuao, no?). Ainda sim ele estava muito tenso como se esperasse levar uma pancada a qualquer momento, mal lembrava o cara srio, levemente debochado de uma hora atrs.Antes que eu tivesse alguma reao Corvo avanou pelas escadas do altar saltando de trs em trs degraus at atingir o topo da maneira mais imprudente que poderia ser naquela hora. Veja bem, no que eu seja to prudente assim ou ento menos impulsiva, pelo contrrio, mas tambm sou esperta. Fiquei a tenta a armadilhas por todo o caminho e no vi fios ou pedras soltas ou feixes de luz deslocados nem no tesouro ou no altar, o que no quer dizer que ele estivesse limpo.- Ei Corvo! Chamei enquanto subia as escadas cautelosamente Que merda foi essa?Ele ficou calado por um momento. Observava fixamente o orbe, que tinha quase o tamanho da cabea de uma criana pequena, apesar de ser feito de mbar da grande rvore o mesmo conservava uma aparncia cinzenta e envidraada (muito diferente do dourado cristalino tradicional) tinha talhado em sua superfcie esfrica uma linha reta em forma de sucos profundos lembrando o olho de um rptil moribundo.Corvo desatou a mscara e a deixou cair no altar ento em seguida a esmagou com uma pisada. Seu rosto era todo tatuado com marcas complexas dos Quans, mas tinha duas cicatrizes que partiam dos cantos da boca e iam at as orelhas formando um sorriso macabro.- Raposa... Se afaste isso vai ficar muito perigoso!- Como?Sem dizer mais nada ele ergueu a mo e seu corpo assumiu algum tipo de forma espectral como um conjunto de brumas cinzentas em uma silhueta humana com olhos dourados. Da mo erguida surgiu uma espada que se assemelhava ao restante de seu corpo. Achei que tnhamos sido detectados ou que ele havia disparado alguma armadilha, eu no percebi o que ele faria a seguir s quando a lmina brumosa despencou diagonalmente sob o orbe e o olho de Drakgon foi partido em dois com um corte limpo foi que minha ficha caiu.- Filho de uma...No pude terminar a frase. Foi como se imediatamente aps a destruio da suposta jia a presso do ar aumentasse e apesar da fria com que as piras crepitavam o ar se tornou frio e a luz do ambiente pareceu se afastar de ns como uma mortalha sombria- Revelem-se agora! A voz de Corvo soava distante e profunda como se fosse uma esttua falando ao invs de uma pessoa.- Pela grande rvore o que est acontecendo? Foi tudo o que pude dizer.- No fui totalmente honesto com voc Raposa, desculpe!- Jura?- Meu objetivo aqui nunca foi roubar o orbe, mas sim destru-lo!- Por qu? - A verdadeira pergunta era porque eu ainda no havia cravado minha adaga longa no peito daquele desgraado. De alguma forma algo me impelia a escuta-lo e at acreditar nele.- Apesar de seu valor, esse objeto um receptculo de uma fora maligna que j despejou demais o seu veneno nessas terras. Explicou srio - Ergam o vu e revelem-se agora ou eu mesmo o farei! Voltou a berrar.A presso do ar pareceu aumentar ainda mais me fazendo ouvir um zumbido no interior dos ouvidos o mundo a minha volta ficou repleto de tons azulados, tudo ao redor ficou desfocado como se estivessem submersos na gua. Das recm-surgidas sombras nas paredes emergiram coisas que at aquele dia eu achava que s existiam em pesadelos.Tinham as mais as peles total e completamente podres e enegrecidas com tendes e ossos expostos. Possuam muitas formas, alguns com aparncia humanoide, apesar da cabea de todos se assemelharem a crnios de felinos amarrados ao corpo por ligamentos podres, outros pareciam um amontoado de braos e pernas, alguns disfuncionais com garras escuras, asas atrofiadas pernas e pescoos em ngulos impossveis. Todos tinham olhos vermelhos, para ser mais precisa um brilho vermelho como safiras de sangue que pareciam querer o meu sangue.A viso daquelas criaturas demonacas revirou o meu estmago eu no pude evitar manchar o altar com o meu vmito. Ergui os olhos desesperada no haviam truques ou magias, ou qualquer outra coisa que pudesse nos salvar a no ser um milagre, o que eu duvidava que houvesse naquele inferno.Olhei para Corvo, esta certa de que ele havia se metamorfoseado em uma daquelas coisas e de fato ele havia mudado de forma, mas diferente dos demnios que nos cercava ele havia se tornado um Shaki. Era sabido que tais criaturas eram os guardies de Yggdrasil, mais poderosos que qualquer espectro ou mago do mundo, so responsveis por nenhum reino jamais ter se apropriado da grade rvore. Nada alm de lendas para crianas, ao menos era o que eu pensava.Mas ali estava na minha frente uma criatura que era uma fuso de homem e planta. Suas roupas haviam sumido, sua pele era composta por madeira, de modo que se assemelhava a um tronco de rvore branco como Yggdrasil, os cabelos compridos eram compostos por vinhas verdes oliva, seus olhos eram dourados como mel as extremidades das mos e ps pareciam razes que abraavam rocha de aspecto envidraado, obsidiana. As rugas que normalmente compe os troncos, naquela forma reproduziam as tatuagens de sua forma humana inclusive a cicatriz em seu rosto.- Eu tive que esconder a verdade do mundo Raposa... Disse com pesar O verdadeiro Corvo morreu h alguns anos. Vitima de uma febre, obtive suas memrias, habilidades e forma de agir para que pudesse me infiltrar em covis como esse e destruir meus inimigos!- Esses demnios... Mas so muitos!- Mais do que eu esperava, mas so abissais de nvel baixo de modo que so mais fracos do que eu supunha... Fique perto! As criaturas avanavam.- Abissais? Eu tinha muitas perguntas, mas no havia tempo para as respostas.Uma das criaturas demonacas, eu havia contado vinte ao todo, saltou sobre o Shaki, que outrora eu conheci como corvo brandindo suas garras e pressas dos mltiplos membros contra ele, s tive tempo de memorizar seis braos para cinco pernas apodrecidos que foram empalados por uma espada de madeira que possua a ponta de obsidiana abraada pelo cabo que havia emergido do interior do brao do Shaki.O guardio brandiu a arma girando-a e lanando a criatura contra um de seus semelhantes que saltara logo em seguida atingindo-o em pleno ar destroando ambas. Nesse momento pude ver melhor a espada e vi que se tratava de uma lmina comprida e larga de bordas irregulares com uma assustadora aparncia cortante que com mais um giro no ar partiu em dois um grupo de cinco atacantes.Um dos monstros avanou pelo seu ponto cego a abriu um talho em sua panturrilha antes de ter a cabea esmagada por uma pisada, seiva dourada comeou a escorrer como se fosse sangue do ferimento. Abissais atacavam em onda e desorganizados, mas ferozes atacando em velocidades sobre humanas enquanto eu me mantinha agachada praticamente abraada ao pedestal de madeira prateada. O nmero que estimei inicialmente de vinte no chegou nem perto, pois eles continuavam emergindo das sombras como moscas atradas por podrido.Foi quando me lembrei da bussola, talvez os Kishiq ainda no soubessem que estvamos ali, mas talvez as criaturas sentissem que o objeto no estava mais em poder de um de seus protegidos, de modo que, haviam preparado uma armadilha para ns ali onde disporiam de espao para usar de um ataque massivo favorecido pela vantagem numrica. No entanto para que pudessem armar algo assim precisariam saber quando chegaramos de forma que Corvo... Ou Shaki... Sei l... Pudesse perceb-los.Foi quando me ocorreu. A maldita bussola era a resposta, mas se eles no iriam embora seu simplesmente a destrusse, precisava afasta-los do guardio que estava cada vez mais ferido. Abri a sacola de truques e apanhei um frasco de elixir (sim crianas eu fico doidona de vez enquanto tambm, me prenda, mas no me julgue). Saquei tambm a minha adaga longa e dei uma coronhada na pea o mais forte que pude, a mesma se dobrou como se fosse de papel, o vidro se espatifou, no entanto o liquido permaneceu de dentro. Com cuidado joguei o que sobrou da bussola dentro do frasco de elixir e fechei a rolha com o mximo de fora que pude.- Corvo! No deu pra evitar Acho que a bussola os est atraindo!- Se livra dessa droga ento! Bufou enquanto estrangulava uma das criaturas usando o esfumaamento (parecia ser uma habilidade dele).- T na mo! Exibi o frasco de elixir s dar um alvo!Sei que contando dessa forma parece que eu estava superconfiante, mas vai por mim quando digo que minhas pernas tremiam e que eu tinha vontade de desmaiar, s que a vontade de viver maior do que tudo isso. Ele acenou com a cabea embora eu visse uma certa tristeza em seu olhar, ele gostava mesmo desse elixir.Chutou outro demnio para longe e decapitou outros trs que contriburam para marcar ainda mais suas costas j bastante maltratadas pelos inimigos mais velozes. Agarrou um que o atacou frontalmente e apertou sua garganta forando-a a se abrir. No pensei duas vezes e atirei o frasco goela abaixo do monstro. Modstia a parte minha pontaria excepcional. O Shaki fechou o movimento com chave-de-ouro quando deu um soco no estmago da coisa, supondo que tinha um, e quebrou o frasco. Imediatamente todos os abissais convergiram para o companheiro que era arremessado na direo oposta do salo.- Essa nossa chance vamos dar o fora desse inferno!- Ainda no!- T maluco? Como no?- Estou aqui para destru-los e o que farei!A aparncia dele no inspirava tanta confiana assim. O corpo de madeira nu estava cheio de ferimentos que deixavam cair tanta seiva que a mesma j me encharcava bem como todo o altar. Do outro lado a turba de criaturas, aquela altura eu supunha que passavam de cem, destroava o companheiro que usamos como isca, mas logo voltariam suas atenes para ns novamente.- Voc ainda tem algum elixir com voc?- Isso no hora de ficar doido!- Tem ou no tem?- Claro que eu tenho idiota, mas em que isso vai ajudar?- Vou precisar de tudo que tiver assim que terminar, est bem! - Concluiu com um sorriso. De novo eu no sabia bem como reagir, de modo que, me limitei a simplesmente assentir com a cabea.- Grande me Yggdrasil... Comeou a falar como se rezasse Este solo fruto de sua ddiva, livra-o de toda a podrido e me d foras para expurgar a escurido de seu lar!Apontou a espada para os abissais. A mesma comeou a emitir um brilho azulado muito intenso.- Eu apenas precisava de tempo para reunir essa energia!As criaturas voltaram a convergir para ns.- Em nome da grande rvore voltem para o submundo! Bradou.Por um segundo tudo ficou branco e tornou-se luz e isso tudo de que me lembro at acordar no dia seguinte. Droga foi a maior ressaca da minha vida e nem sequer teve bebida.

Capitulo 6Acordei em um quarto bem espaoso e iluminado, a cama era macia e lembro-me de espreguiar-me bem relaxada. Talvez eu estivesse mais relaxada se no estivesse nua ou se ao menos tivesse a mnima noo de onde estava ou ainda se no estivesse com a maior dor de cabea que senti na minha vida.- Desculpe por isso! Virei sobressaltada institivamente cobrindo meu corpo com o lenol. - Tive que queimar suas roupas para evitar que os abissais sentissem o cheiro, mas salvei a sua bolsa, no entanto voc est sem elixir!O Shaki sorriu, agora de volta a forma de Corvo com o rosto repleto de tatuagens e com as cicatrizes em forma de sorriso. Estava apoiado no batente da janela com a capa e o cabelo cumprido balanando ao vento.- O que aconteceu? Fiz a pergunta da maneira mais idiota possvel.- Uma purificao. Usei parte da minha centelha de vida dada por Yggdrasil para obliterar todos os abissais e toda a corrupo de Galleth. uma tcnica muito brutal no atoa voc desmaiou quando a contemplou.- E Galleth? E os Kishiq? - Todos obliterados! Disse despreocupado. como se nunca tivessem existido! Aquilo era reconfortante e ao mesmo tempo assustador. No senti pena daqueles depravados e manipuladores, mas no conseguia parar de pensar nas jovens meretrizes e escravos que estavam ali contra a sua vontade.- Acredito que discorde do que fiz ali e quero que saiba que poupei sua vida nica e exclusivamente pela ajuda que me prestou. Entenda que a minha misso no permite que eu tenha empatia, mas no me impede de demonstrar gratido.- Entendo... Para um Shaki est falando como um verdadeiro ladro! Tentei elogiar e parecer grata, parando para pensar toda aquela minha desconfiana de antes parecia infantilidade, no fim das contas ele era um ator e manipulador melhor do que jamais serei um dia. Corvo sorriu.- Infelizmente essa ultima vez que uso esta forma e sua personalidade, uma pena j que me acostumei a ele, mas Yggdrasil me permitiu elaborar uma forma e personalidade prpria para continuar minha misso.- Mas quanto a mim?- Voc ainda tem as jias que pegou em Galleth bem como a minha parte. Conversei com as irms desse convento e disseram que sempre ser bem vinda para ficar o quanto quiser!- Isso timo, mas no foi o que quis dizer!- Relaxa! Eu no vou te matar, nem nada do tipo, sou servo da rvore da vida e como tal no tiro vida a menos que esteja corrompida. De certo modo at bom que saiba da guerra que ocorre nas sombras todos os dias, torna o trabalho de banir o mal, mais... Fcil!- Fcil?- Quanto mais pessoas conhecem a fronteira entre a vida e as trevas mais elas se voltam para o caminho correto.O Shaki conhecido como Corvo deixou de existir naquela noite, quando seu corpo se desmaterializou em brumas fundindo-se a noite e ao sereno eu soube que jamais veria seu rosto novamente e mesmo aps tantos anos eu fico aqui como uma tonta escrevendo essas memrias aguardando o dia em que ele vai voltar e vamos beber um bom vinho juntos.Quanto a mim, bom digamos que Raposa nunca deixou de existir, mas descobriu outras formas de ganhar a vida. Eu agora sabia a verdade sobre as lendas e devo dizer que mesmo depois de tantos anos sem viajar com uma trupe itinerante a vida de bardo pelas estradas do mundo no to ruim, Atravs da msica eu quero que todos saibam do mal que se esconde nas trevas e do guardio oculto nas sombras que se dedica a erradica-las.No bem o final que voc esperava no ? Nem eu, mas desde quando a droga da vida acontece como a gente quer, no?

Fim.