A Reciclagem de Residuos de Origem Animal Uma Questao Ambiental

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A reciclagem de resduos de origem animal: uma questo ambientalBarros, Fernando Duque Mestre em Engenharia de Processos Qumicos e Bioqumicos pelo Centro Universitrio do Instituto Mau de Tecnologia, Engenheiro Qumico Industrial, Licenciado em Qumica, Ps-Graduado em Administrao de Empresas. Licco, Eduardo Antonio Doutor em Sade Pblica, Engenheiro Qumico, Sanitarista, Professor do Centro Universitrio do Instituto Mau de Tecnologia e do SENAC

1. IntroduoO homem atual um ser onvoro por excelncia, consumindo, portanto, alimentos vegetais e animais. No processamento desses alimentos resulta sempre uma frao de resduos que, por suas caractersticas orgnicas, merecem toda a ateno das autoridades de vigilncia sanitria e ambiental. No caso especial de alimentos de origem animal, trata-se de matria orgnica facilmente putrescvel, propcia para o desenvolvimento de microorganismos e com elevado potencial de atrao de animais como insetos, roedores e aves. Nas grandes reas urbanas, onde a demanda por alimentos elevada, essa conjuno de extrema relevncia, tanto do ponto de vista esttico como do ambiental e da sade pblica. O problema da destinao dos resduos de origem animal, pr e psprocessamento, a despeito da importncia que tem, recebe pouca ateno por parte das entidades de pesquisa e de regulamentao sanitria e de meio ambiente. Muito se publica a respeito da qualidade e preparao de alimentos e seus aspectos gastronmicos, econmicos, sociais e culturais, mas quase nada est escrito sobre como tratar e dispor os resduos inevitveis do processo, seus perigos e conseqncias de eventos associados. Tomando-se por base a alimentao humana, pode-se concluir que as quantidades de resduos de origem animal (ROA) que a Grande So Paulo tem o potencial de gerar so bastante elevadas e relevantes. Partindo-se do princpio de que a populao no mudar seus hbitos alimentares, at por uma necessidade real de protena, a reciclagem dos restos animais apresenta-se como uma soluo plausvel.

2. Decomposio da carne e seus problemasOs alimentos, quando expostos s condies ambientais, normalmente sofrem a ao de fatores fsicos e biolgicos desse meio, sendo decompostos em substncias mais simples. Essa decomposio ocorre pela ao de bactrias e enzimas, que necessitam de certas condies de temperatura e umidade, alm de elementos nutritivos para a sua atividade. Cada alimento tem seu prprio mecanismo de decomposio, dependendo - claro - de seus constituintes. Alm da ao de bactrias e enzimas, os alimentos tambm sofrem a ao de outros fatores: desidratao, oxidao, ataque de parasitas etc. Essas aes modificam o alimento, s vezes profundamente, do ponto de vista da nutrio e da esttica, porm, confrontadas com a possibilidade de ocorrncia de intoxicaes alimentares, essas alteraes so, em geral, de pouca importncia. O apodrecimento, a decomposio indesejvel por bactrias e a facilidade com que ocorrem varia com uma srie de fatores, como contedo da de gua, sangue etc. No apodrecimento dos tecidos crneos, ocorrem as seguintes etapas: 1) destruio por hidrlise das substncias colgenas do tecido conjuntivo; 2) destruio das protenas,

com formao de peptonas e polipeptdios (reao levemente alcalina) e 3) destruio dos aminocidos, com formao de amnia, gs sulfdrico, aminas e diaminas. A degradao dos tecidos animais pode servir de matriz ideal para a transmisso e perpetuao de doenas, com o potencial de atingir o homem e os prprios animais, constituindo-se num verdadeiro meio para o desenvolvimento de microorganismos, muitos dos quais patognicos. Segundo Varnan e Sutherland (1998), os animais produtores de carnes so considerados importantes reservatrios de microorganismos patognicos, dos quais os principais so: Salmonellas, Escherichia coli, Yersinia enterocoltica, Staphylococcus aureus, Clostridium perfringens, Cl. botulinum, Bacillus anthracis, Mycobacterium bovis, Brucella abortus bovis, B. suis e B. melitensis. Mesmo com a evoluo dos sistemas de controle e gesto dos alimentos, ainda crescente o nmero de casos de contaminao alimentar. Os chamados patgenos emergentes (agentes etiolgicos de doenas cuja incidncia aumentou drasticamente nos ltimos 20 anos, ou que tem possibilidade de aumentar num futuro prximo) apresentam como caracterstica comum o fato de utilizarem os animais como reservatrio natural, a partir do qual contaminam o homem (LEITO, 2001). Parece claro que a acumulao de matria orgnica facilmente putrescvel, como as carnes e subprodutos do abate, em locais como matadouros, casas de carnes, aougues ou supermercados implica o incremento dos nveis de riscos de vrias ordens, como: a) risco laboral: exposio dos funcionrios a condies insalubres causadas pela proximidade com os agentes patognicos que se desenvolvem em carnes, ossos e gorduras em decomposio; b)risco ambiental: o meio impactado pela formao de condies propcias atrao e acumulao de vetores biolgicos na forma de artrpodes e roedores, degradao das caractersticas estticas e sanitrias do local, e pela poluio ambiental em funo do visual e dos odores presentes. Resduos orgnicos dessa espcie servem no somente como atrativo, mas tambm como fonte de nutriente e abrigo para roedores e outros vetores; c) sade pblica: estaria sendo ameaada pela possibilidade de contaminaes cruzadas, causadas pela proximidade de materiais para consumo humano com matria orgnica em decomposio, o que poderia levar disseminao de doenas pela comunidade por meio de alimentos contaminados, ou pelo contato direto entre funcionrios e pblico consumidor. Nesse sentido, o aproveitamento racional dos subprodutos e resduos crneos, alm de apresentar importncia econmica na matriz de custo da carne, de extrema relevncia quanto aos aspectos laboral, ambiental e de sade pblica, pois, se no fossem aproveitados, seriam transformados em poluentes de difcil trato e em focos de disseminao de doenas. Atualmente, o principal objetivo o de converter o mximo de resduos do abate em subprodutos comercializveis ou co-produtos, com a finalidade de diminuir o impacto ambiental da indstria da carne e melhorar o rendimento econmico ou, no mnimo, diminuir o custo de gesto dos resduos (ROMAY, 2001).

3. Resduos de origem animalOs subprodutos do abate de animais podem ser classificados como comestveis destinados alimentao humana in natura, semiprocessados ou como matria-prima de outro produto alimentcio ou no comestveis destinados a outras aplicaes, tais como farinhas para rao animal, produtos farmacuticos etc. (PARDI et al., 1996).

Forrest et al. (1979) classificam como subproduto do abate animal tudo aquilo que apresenta valor econmico, parte da carcaa para consumo. Romay (2001) diferencia subproduto de co-produto; este ltimo considera os produtos do abate que repercutem na rentabilidade do processo, porm no so o objetivo principal. Alguns dos resduos podem transformar-se em produtos de alto valor agregado passando a co-produtos, como no caso de peles e glndulas. Contudo a maior parte so sobras de carnes, ossos e gorduras que podem transformar-se em produtos vendveis, como sebo industrial e farinhas de origem animal (FOA) para raes, processados por empresas de Beneficiamento de Subprodutos de Origem Animal, denominadas comumente de Graxarias. H estimativas de que somente 68% do frango, 62% do porco, 54% do boi e 52% da ovelha (ou cabra) so diretamente consumidos pelo homem; o restante classificado como produtos no comestveis. A Unio Europia produz mais de 10 milhes de toneladas por ano de matria animal no consumvel diretamente pelo homem (EUROPEAN UNION, 2001) e o Brasil, de 3 a 4 milhes de toneladas (BELLAVER, 2003). Prndl et al. (1994) exemplificam as pores de subprodutos do abate de bovinos, porcos e cordeiros, assim como o rendimento das carcaas na Tabela 1.TABELA 1 PORES DE SUBPRODUTOS, CARCAA E CARNE SEM OSSO DE VRIOS ANIMAIS, EM % DO PESO VIVO Bovinos Novilhos Sunos Ovinos 49 40 22 52 Subprodutos e resduos 51 60 78 48 Carcaa Ossos, gorduras, tendes e perda 16 21 33 13 de peso (gua) Carne sem osso 35 39 45 35 Fonte: PRNDL et al., 1994.

interessante notar que as pores efetivas de carne sem osso e aparas giram em torno de 40% da massa corporal das espcies identificadas na Tabela 1, fato que demonstra a importncia da adequada gesto dos resduos oriundos do abate e descarne dos animais para consumo humano.

4. Prticas de destinao para os resduos de origem animalDe forma geral, no h regulamentao especfica quanto disposio dos restos de carnes, ossos e gorduras gerados pelo comrcio de carnes. Pequenos geradores destinam seus resduos com o lixo urbano, de uma forma nem sempre concorde com o que estabelecem as posturas municipais. Para a gerao industrial, a legislao ambiental apenas regula as cargas de efluentes lquidos, destinao dos resduos slidos e o controle das emisses atmosfricas. Segundo Franco (2002), as prticas de destinao dos ROA que se vm apresentando ao longo dos anos so: a) aterros: pssima escolha, pois a temperatura atingida na lenta decomposio orgnica dos restos animais no suficiente para eliminar as bactrias e esporos resistentes ao calor. Os aterros sanitrios favorecem a proliferao de roedores e insetos, odores desagradveis, gases inflamveis (metano) e a possibilidade de contaminao de aqferos por meio do chorume. No caso de aterros sanitrios corretamente operados,

alguns desses impactos so prevenidos, mas tal disposio s deveria ocorrer em situaes especiais; b) enterramento: tem sido a prtica mundial, por sculos, para a disposio final de animais. Porm, srias preocupaes sobre contaminaes de guas subterrneas e outros fatores ambientais tm forado o banimento dessa prtica. Em situaes emergenciais empregado com o auxlio da adio de cal ou outro composto qumico; c) compostagem: uma adaptao do processo que o agricultor utiliza desde a Antiguidade para transformar restos agrcolas. Pode-se considerar como uma alternativa apenas para pequenas quantidades. O manejo inadequado do material gera odores e atrai vetores biolgicos. No adequado para ossos grandes e peles de animais, pois no se decompe com facilidade e age como um empecilho ao processo; d) queima: incompatvel com os aspectos ambientais. Libera fumaa, odores desagradveis e outros poluentes atmosfricos. utilizada somente em situaes emergenciais, em reas preestabelecidas e pr-aprovadas pelos rgos de meio ambiente. Pode ser feita em cavas, auxiliada pela adio de material combustvel; e) incinerao: processo ativo para a estabilizao e eliminao de material perigoso, convertendo matria orgnica em inorgnica e eliminando qualquer tipo de organismo patognico. Apresenta-se como processo ideal para a disposio de carcaas de animais mortos, principalmente em pases onde ocorre a Encefalopatia Espongiforme Bovina, conhecida como a doena da vaca louca. Porm a escassa disponibilidade de incineradores e o custo do processo fazem com que essa prtica seja pouco utilizada; f) reciclagem: realizada em graxarias, consiste na transformao de restos animais em sebos, leos, FOA e adubos, aumentando a eficincia de uso da matria, preservando a qualidade ambiental e ampliando os ciclos biogeoqumicos. ainda a forma de destinao final mais equilibrada dos pontos de vista sanitrio, econmico e ambiental.

5. A Reciclagem dos Resduos de Origem AnimalAs graxarias so unidades industriais destinadas a processar restos de carcaas, aparas de carnes, tendes, gorduras e ossos, produzindo FOA, adubos, leos, sebo e gorduras industriais. Classificam-se, segundo Battistone e Daniello (1985), em: a) unidades integradas aos frigorficos: processam o sangue capturado, vsceras, sebo e restos fragmentados de ossos e carnes na prpria unidade fabril; b) unidades independentes: processam resduos animais oriundos de aougues, casas de carne, supermercados, hotis e restaurantes. A EMBRAPA estima que a produo brasileira de sebo/gordura animal industrial proveniente de bovinos de 1.382.472 t/ano e de farinhas de carne e ossos 1.893.528 t/ano. Para sunos, os nmeros so 194.876 t/ano e 239.824 t/ano, respectivamente (PACHECO, 2006). Nas graxarias, a matria animal sofre uma srie de transformaes fsicas e qumicas em processos que envolvem aquecimento, desidratao, separao e moagem de ossos, carnes, gorduras e outros materiais. Como entradas, tm-se os resduos animais (matria-prima) e o calor. Como sadas, os leos, gorduras e slidos ricos em protenas, alm dos efluentes e resduos de transformao. O processamento dos resduos animais, tanto de matadouros como os provenientes de aougues e outros tipos de comrcio, pode ser realizado por meio de duas vias: a mida e a seca. Segundo Sell (1992), o processo por via mida, que consiste na ruptura das clulas adiposas com vapor, gera efluente lquido com alta carga orgnica (DBO por volta de 32.000 ppm) tornando a rota no muito interessante atualmente. Pode ser

utilizado em casos especficos de matria animal comestvel, cujo concentrado do efluente lquido, rico em protenas, pode ser comercializado na indstria farmacutica. Gunstone e Norris (1983) apontam que, pelo processo a seco, o material graxo aquecido sozinho liberando a umidade natural e a gordura. O processo pode ser bem exemplificado pela fritura caseira do toicinho. Os autores apontam, ainda, que o processo a seco basicamente utilizado para matria animal no comestvel, em que o sabor e o odor dos resduos slidos proticos so secundrios e as produes de grandes quantidades de farinhas, com alta qualidade, so importantes. Na tentativa de melhorar os processos de fabricao de gorduras e FOA, os sistemas de produo foram evoluindo e tornando-se mais simples, econmicos e eficientes. Nesse sentido, desde 1960 processos contnuos tm sido instalados para substituir os sistemas por batelada. Existem variaes de processos, mas os sistemas contnuos no se diferem muito do processo por batelada, divergindo, normalmente, apenas no mecanismo de digesto. O sistema contnuo apresenta vrias vantagens em relao ao processo por batelada, como menor exposio da matria-prima ao calor, menor espao fsico de instalao e menor consumo de energia. Outra vantagem do processo contnuo a de permitir maior automatizao do sistema, controlando dessa forma a relao temperatura, tempo de residncia e taxa de carga do digestor. Esse maior controle faz com que a matria-prima permanea por poucos minutos a altas temperaturas no digestor. 5.1 A reciclagem dos Resduos de Origem Animal no Estado de So Paulo O Estado de So Paulo conta atualmente com cerca de 50 unidades de reciclagem de resduos animais com inspeo federal, contabilizadas nesse total as graxarias associadas a frigorficos e as independentes. Na regio metropolitana de So Paulo, existem 6 recicladoras independentes; no litoral, 1, e 13 pelo interior. Em So Paulo processam-se de 30.000 a 40.000 toneladas mensais de resduos de origem animal (SINCOBESP, 2007).

6. Impactos causados pela Reciclagem de Resduos de Origem Animal6.1 Odor fugitivo do processo Como quase todo processo industrial, as graxarias apresentam potencial gerador de poluentes, convivendo com as dificuldades naturais de control-los. Os resduos slidos praticamente inexistem, pois so aproveitados e utilizados no fabrico de farinhas ou adubos. Os lquidos podem ser controlados com razovel facilidade por processos fsico-qumicos e biolgicos, no constituindo preocupao ambiental maior. J os poluentes gasosos necessitam de grande ateno e controle por parte dos gestores industriais, por apresentarem odores incomodativos caractersticos de processos que envolvem a decomposio de material graxo e tecido animal. Normalmente, os odores desagradveis produzidos pelas graxarias so considerados poluentes no txicos embora extremamente incmodos, e o propsito bsico o de reduzi-los a um nvel tal que resulte na sua no percepo, diminuindo ou eliminando reclamaes justificadas das pessoas da vizinhana.

Os odores provenientes das graxarias so gerados basicamente em trs momentos: na recepo e armazenamento da matria-prima; no processo de digesto dos resduos e no processo de transformao da massa slida protica em FOA. Assim, a matria-prima recebida na planta deve ser processada com o mnimo de demora; as operaes de cozimento e prensagem devem ser acompanhadas de perto para evitar superaquecimento e queima do material processado; procedimentos operacionais de partida e parada da planta devem garantir que todos os equipamentos de controle de odores estejam operando adequadamente enquanto qualquer matria-prima estiver sendo processada; vazamentos no solo ou para a atmosfera devem ser controlados de imediato e a limpeza diria da planta deve ocorrer religiosamente aps cada parada do processo. O respeito s prticas de saneamento crucial; uma quantidade substancial de odor pode ser gerada dentro da fbrica cujas paredes, teto ou equipamentos estejam permeados com partculas de gordura, carne ou farinha (LICCO, 2002). Sell (1992) observa que, sem o devido controle, os odores podem ser percebidos a distncias acima de 32 quilmetros, gerando muitas reclamaes das populaes atingidas. 6.2 Encefalopatias As Encefalopatias so grupos de infeces bem estabelecidas que incluem a scrapie de ovelhas e cabras; a enfermidade de desgaste crnico de mulas, cervos e alces; a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB); o Kuru; a enfermidade de CreufzfeldJacob; a sndrome de Gerstmann-Straussler no homem, entre outras (VARNAM e SUTHERLAND, 1998). Essas doenas esto relacionadas a um agente chamado pron (partcula infecciosa proteoncea), que converte, por transformaes isomricas, molculas proticas saudveis em molculas nocivas ao tecido do sistema nervoso (FORSYTHE e HAYES, 1998). A ao dos prios no organismo animal e humano lenta, dificultando sua identificao, o que s possvel aps a morte do infectado. No caso de bovinos, a incubao pode levar de 2 a 5 anos, tempo em que a doena vai agindo no tecido do sistema nervoso sem apresentar sintomas. A epidemia de EEB iniciou-se em 1986 no Reino Unido, conhecida como a doena da vaca louca e est relacionada ao consumo de FOA contaminada por ruminantes, num processo descrito por muitos por canibalismo. A EEB causada pelo mesmo agente responsvel pela scrapie, acreditando-se, portanto, que ocorreu um cruzamento da barreira das espcies, provavelmente pela utilizao de tecido nervoso contaminado na rao bovina (VARNAM e SUTHERLAND, 1998). H indcios importantes que o consumo de carnes contaminadas com a EEB pelo homem possa lev-lo a uma doena parecida, conhecida como uma variante da enfermidade de Creufzfeld-Jacob. Porcausa disso e devido ao longo perodo de incubao da doena, atualmente proibido o uso de FOA para qualquer tipo de suplemento animal na Europa (ROMAY, 2001). Segundo Pitombo (2003), tcnicos brasileiros do Ministrio de Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA) participam de um projeto continental visando ao fortalecimento da vigilncia das encefalopatias espongiformes transmissveis e a qualidade de raes para bovinos, no intuito de se evitar o aparecimento e disseminao da EEB no territrio nacional.

No Brasil, os usos de FOA para raes, regulamentados pelas Instrues Normativas IN15/2003 e IN29/2004 do MAPA, so permitidos, desde que no se destinem a animais ruminantes.

7. Consideraes finaisOs restos de carnes, aparas de tecido animal, sebo e ossos se no destinados corretamente podem gerar uma srie de impactos tanto ambientais como de sade pblica. Ne Por isso necessria uma gesto adequada desses resduos, que atualmente encontram dois tipos de solues: incinerao ou reciclagem. A incinerao no prtica corrente, pois apresenta elevados custos de operao e de controle de poluentes, sendo utilizada como ltima opo nos casos de material contaminado ou com suspeita de doenas infecto-contagiosas. A reciclagem, portanto, apresenta-se como melhor via de destinao tanto ambiental e de sade pblica como tambm financeira, uma vez que os resduos citados podem transformar-se em produtos comerciais com valor de venda, gerando receita. Alm disso, os produtos obtidos da reciclagem so muito mais estveis, possibilitando o armazenamento por perodos longos. Dessa forma, quanto melhor se aproveitarem os resduos de abate e consumo de carne, transformando-os em outros produtos comercializveis, menor ser o impacto sobre o meio ambiente e maior ser a valorizao do sacrifcio animal. importante destacar que a gerao de resduos animais inerente atividade que produz e comercializa carne para consumo, podendo tornar-se um gargalo de produo se no for devidamente equacionada, interferindo, dessa forma, no segmento que movimenta grandes cifras de divisas e causando grandes impactos sociais. Contudo a reciclagem em graxarias apresenta seus entraves, como o odor fugitivo do processo de digesto da matria-prima e a possibilidade de disseminao de EEB por meio das FOA. O odor gerado nas graxarias bem menos incmodo que o odor que o tecido orgnico animal proporcionaria em estado de putrefao. Porm, em virtude da quantidade de matria orgnica manipulada, o odor de grande intensidade e, se no controlado adequadamente, torna-se muito incmodo. Pode, porm, ser controlado e minimizado com mudanas tecnolgicas nos processos de digesto da matria-prima e aperfeioamento das tcnicas de selagem de equipamentos. J as encefalopatias so grandes incgnitas para a sociedade cientfica mundial. A nica medida possvel para evitar a disseminao da EEB consiste em se adotar um rigoroso controle de origem e produo das FOA, cuidando para que atendam as Instrues Normativas do MAPA. Mesmo apresentando problemas a ser equacionados, como o odor e encefalopatias, a reciclagem em graxarias ainda se apresenta como a melhor alternativa para a destinao dos ROA (Tabela 2), porque, por ser um setor industrial organizado e controlado por rgos de fiscalizao ambiental e sanitrio, torna-se visvel, contribuindo para melhorar cada vez mais as tcnicas de manipulao dessa classe de resduos e a rastreabilidade dos produtos finais. O grande desafio do setor, hoje em dia, parece ser o do balano econmico entre os custos da produo e controle de emisses, e a rentabilidade de suas atividades. No se discutem, todavia, os servios sade pblica prestados indiretamente pelas unidades de reciclagem de ROA. Em futuro prximo, possvel que, ao invs de pagarem pelos ROA que processam, venham a cobrar pelo servio que prestam. Ou, numa situao extrema, que venham a fechar as suas portas. Nessa hiptese, desenha-se uma situao calamitosa para a sade pblica e ambiental.

TABELA 2 VANTAGENS E DESVANTAGENS DA RECICLAGEM EM GRAXARIASSade Pblica Vantagens 1) A reciclagem dos ROA evita a incinerao deles. 2) A Graxaria, como atividade regulamentada e estabelecida, pode ser fiscalizada por rgos ligados sade pblica e meio ambiente.Fica, dessa forma, obrigada a praticar boas normas de engenharia para manter o processo e produtos finais isentos de contaminaes. 1) Os ROA, se no reciclados, geram os seguintes impactos: a) poluio visual com a exposio de materiais em estado de decomposio; b) poluio dos solos com a percolao de lquidos provenientes da decomposio dos despojos animais, que podem atingir rios, lagos e lenis freticos; c) poluio do ar, pois a decomposio de tecido animal gera odores caractersticos e incmodos, normalmente conhecidos como odor de carnia; d) transtornos na vizinhana com o aumento de animais e insetos como ratos, pombos, aranhas, escorpies, baratas e moscas. Esses podem ser veculos de transmisso de doenas ou at mesmo apresentarem perigo devido a seus venenos. 2) Os produtos obtidos da transformao dos ROA, como sebo e FOA, apresentam maior estabilidade qumica e biolgica quanto questo da decomposio. Portantopodem ser facilmente estocados por perodos longos, no exigindo refrigerao. Desvantagens 1) A reciclagem gera, como um dos produtos, as FOA. Essas farinhas devem receber um controle de origem rigoroso, pois se destinam formulao de raes animais, fato que poderia gerar um processo de canibalismo em algumas espcies, como no caso de bovinos, com a conseqente disseminao da EEB.

Meio Ambiente

1) Os processos de reciclagem, praticados nas graxarias, podem gerar odores provenientes, principalmente, da digesto dos ROA. Esses odores so formados na separao entre a borra slida e a gordura por processos trmicos, sendo carreados pelo vapor de gua liberado dos tecidos animais. O odor incmodo tem sido o principal entrave operacional do setor, limitando o funcionamento de algumas empresas.

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