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A Rede de Subjetividade Compartilhada e Inclusiva Expressa nos Discursos de Desejos dos Educadores Alex Sandro C. Sant’Ana 1 INTRODUÇÃO As problematizações desenvolvidas ao longo deste breve artigo foram inter(in)ventadas (SANT’ANA, 2006) com os educadores e educadoras da Educação Básica, do turno matutino da escola Marechal Mascarenhas de Morais, localizada na cidade de Vitória/ES. O estudo é um subprojeto, inserido em um projeto de pesquisa 2 mais amplo, que objetiva analisar os possíveis do coletivo escolar numa perspectiva de atuação como uma comunidade compartilhada (CARVALHO, 2006). Ocorreram diversos encontros com os educadores e as educadoras na escola, sendo que os diálogos extremamente (im)pertinentes foram inicialmente concebidos principalmente com o Projeto PolíticoPedagógico (PPP) e com algumas questões que o mesmo oportunizava para (re)viver alguns caminhos percorridos e forjar novas discussões a fim de (re)abrir novas perspectivas de viver com um cotidiano problemático mas simultaneamente inventivo. Assim, entendase “problemático” tanto no sentido que se concebe no denominado “senso comum” (lócus de situações complicadas de se obter uma solução. Exemplo: indisciplina dos alunos e das alunas) quanto no sentido que propõe Kastrup (1999), como lócus de invenção de si e do mundo. Realizamos algumas inter(in)venções com o grupo de educadores e educadoras, numa perspectiva de pesquisa com o cotidiano (FERRAÇO, 2002) lançando questões e oportunizando espaçostempos de explicitação dos 1 Pedagogo, Especialista em Educação e Mestrando em Educação no Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 2 Projeto de Pesquisa "A epistemologia da prática docente nos processos de ensino, de pesquisa e de formação continuada no cotidiano escolar do ensino fundamental", sob a coordenação da Prof. Dra. Janete Magalhães Carvalho (PPGEUFES), registrado junto à Coordenação Nacional de Pesquisa (CNPq).

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Trabalho apresentado no IV Seminário Internacional As Redes de Conhecimentos e a Tecnologia: práticas educativas, cotidiano e cultura, por Alex Sandro C. Sant'Ana.

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A Rede de Subjetividade Compartilhada e Inclusiva Expressa nos

Discursos de Desejos dos Educadores

Alex Sandro C. Sant’Ana 1

INTRODUÇÃO

As problematizações desenvolvidas ao longo deste breve artigo foram inter(in)ventadas (SANT’ANA, 2006) com os educadores e educadoras da Educação Básica, do turno matutino da escola Marechal Mascarenhas de

Morais, localizada na cidade de Vitória/ES. O estudo é um subprojeto, inserido

em um projeto de pesquisa 2 mais amplo, que objetiva analisar os possíveis do

coletivo escolar numa perspectiva de atuação como uma comunidade compartilhada (CARVALHO, 2006).

Ocorreram diversos encontros com os educadores e as educadoras na escola, sendo que os diálogos extremamente (im)pertinentes foram inicialmente concebidos principalmente com o Projeto Político­Pedagógico (PPP) e com

algumas questões que o mesmo oportunizava para (re)viver alguns caminhos

percorridos e forjar novas discussões a fim de (re)abrir novas perspectivas de

viver com um cotidiano problemático mas simultaneamente inventivo. Assim, entenda­se “problemático” tanto no sentido que se concebe no denominado

“senso comum” (lócus de situações complicadas de se obter uma solução.

Exemplo: indisciplina dos alunos e das alunas) quanto no sentido que propõe

Kastrup (1999), como lócus de invenção de si e do mundo.

Realizamos algumas inter(in)venções com o grupo de educadores e

educadoras, numa perspectiva de pesquisa com o cotidiano (FERRAÇO, 2002) lançando questões e oportunizando espaços­tempos de explicitação dos

1 Pedagogo, Especialista em Educação e Mestrando em Educação no Programa de Pós­ Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). 2 Projeto de Pesquisa "A epistemologia da prática docente nos processos de ensino, de pesquisa e de formação continuada no cotidiano escolar do ensino fundamental", sob a coordenação da Prof. Dra. Janete Magalhães Carvalho (PPGE­UFES), registrado junto à Coordenação Nacional de Pesquisa (CNPq).

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discursos de desejo dos mesmos, que geravam aproximações (divergências e

convergências) desterritorializantes tanto para mim e os demais pesquisadores, quanto para o próprio grupo de educadores e educadoras. Objetivou­se, com isso, constituir um espaço­tempo de discussões acerca de possibilidades­ outras (GUATTARI, 2005) de se educar, bem como de ser­sendo educador

pós­crítico.

ENCONTROS COM EDUCADORES E EDUCADORAS: FORJANDO UMA EDUCAÇÃO PÓS­CRÍTICA

Em um momento de diálogo com alguns dos educadores e das educadoras, no

qual estavam divididos em um grupo para problematizar uma questão baseada

no videoclipe “The Wall” da banda Pink Floyd, capturei um pensamento de uma delas no qual ela expressava um agenciamento 3 ocorrido em um de seus encontros com os alunos e alunas. A questão suscitada era a seguinte: “No videoclipe “The Wall” os professores/as assumiram um lugar de poder

opressivo, característico de uma “sociedade disciplinar”. Que outros lugares

poderiam/deveriam ser ocupados por professores na escola? Quais as táticas

de sobrevivência e de resistência presentes no cotidiano escolar?”. Uma

educadora gerou uma enunciação desafiadora:

Educadora A: Utilizo algumas cenas da novela “Rebelde” 4 como ponto para

discussão e reflexão com meus alunos.

Percebi no discurso da educadora um ato de apropriação (destaque para o

termo “utilizo”) de um evento midiático que considero um acontecimento 5

3 Pode­se dizer, em uma primeira aproximação, que se está em presença de um agenciamento todas as vezes que pudermos identificar e descrever o acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos correspondente. (ZOURABICHVILI, 2004, p. 20) 4 A novela “Rebelde” é uma produção da TV mexicana e foi exibida regularmente na rede de TV SBT, aproximadamente no horário das 19:00 às 20:00, de segunda­feira à sexta­feira, no ano de 2006. 5 O acontecimento é o próprio sentido. O acontecimento pertence essencialmente à linguagem, mantém uma relação essencial com a linguagem; mas a linguagem é o que se diz das coisas.

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(“cenas da novela”) no qual a educadora criou um dispositivo (ato de discutir a partir da “ferramenta” novela) para atuar com seus alunos e alunas. Guattari (2005, p. 56) já dizia que “a relação de um indivíduo com a música ou com a

pintura pode acarretar um processo de percepção e de sensibilidade

inteiramente novo”: isso vale também para uma novela ou filme. Não realizei

uma observação participativa na sala de aula da educadora, mas apesar disso

concebo todo o discurso de desejo dela como uma possibilidade­outra criada para expressar tanto uma nova perspectiva de fazer­viver uma educação em sala de aula escolar, quanto uma possibilidade de se utilizar deste dispositivo,

apresentado de forma interessante pela mesma ao grupo de professores, para

se auto­afirmar diante daquele coletivo pensante.

Neste breve acontecimento, a educadora gerou um novo agenciamento, desta vez local (molecular), mas simultaneamente total, no qual ela própria é apanhada, não se limitando a efetuar as formas socialmente disponíveis (no

caso, o discurso “negativo” acerca da escola, enfatizado pelo videoclipe e

expresso no discurso dos demais colegas) e modelando uma existência

segundo códigos que ela própria criava e englobava numa coletividade (no

caso, o grupo de discussão) e forjava então uma nova perspectiva de escola

que não lhe pertencia, mas sim a uma coletividade que lhe habitava, fazia­lhe

viver de forma ativa no cotidiano da escola e que era inerente tanto para­si

quanto para os outros e outras.

Os processos de constituição da subjetividade coletiva, segundo Guattari (2005, p. 37), “não são resultado da somatória de subjetividades individuais,

mas sim do confronto com as maneiras com que, hoje, se fabrica a

subjetividade em escala planetária”. Analisando apenas o discurso de desejo

da professora, pode­se conceber que a mesma estava (in)tentando

desenvolver uma maneira de fabricar uma subjetividade com o coletivo de

Em todo acontecimento, há de fato o momento presente da efetuação, aquele em que o acontecimento se encarna em um estado de coisas, um indivíduo, uma pessoa, aquele que é designado quando se diz: pronto, chegou a hora; e o futuro e o passado do acontecimento só são julgados em função desse presente definitivo, do ponto de vista daquele que o encarna. (ZOURABICHVILI, 2004, p. 15)

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alunos e alunas, com o grupo de educadores e educadoras ali presentes e consigo própria. Percebi naquele instante que uma subjetividade coletiva aprendente e pensante foi ali forjada, mesmo que efemeramente.

Já em um novo encontro com uma outra educadora (Educadora B), a mesma

relatou que “no ano passado estava muito aborrecida com a escola, queria até

sair, mas não houve a possibilidade de saída”. Provavelmente, ela (in)tentou

forjar uma linha de fuga em relação algum problema que enfrentava naquele cotidiano, mas não ficou explícito de início do que se tratava. Uma outra

educadora respirou um pouco, e lançou algo que chamarei aqui de “desabafo”:

Educadora B: Nós professores nos perguntamos: Qual a nossa relação com o

saber? Para que tenho que aprender: Para que eu tenho que estudar? Eu

estudo para ter um status, para me preparar para um emprego, para ser alguém melhor, qual é a minha relação com o saber? [...]. A vida é

transdisciplinar, toda e qualquer disciplina está na vida, diariamente nossa vida

perpassa por todas as disciplinas, então a vida e qualquer disciplina está na

vida, então a vida é interdisciplinar e transdisciplinar, tudo que a gente faz

perpassa pelas várias áreas do conhecimento. O problema não está no

conteúdo, mas sim como trabalhá­lo. Como fazer que determinado conteúdo

passe a ter significação para nós e para os nossos alunos.

Assmann (2004) afirma que processos vitais e processos cognitivos são

dimensões de um mesmo processo. Em um cotidiano de desejos de invenção,

expressado no discurso de desejo da educadora, a palavra que permeia,

subliminarmente, a rede de subjetividade deste coletivo pensante é “mudar”.

Talvez seja essa a palavra de ordem que a educadora coloca para si própria:

mudar para mudar os outros e outras, para mudar simultaneamente a si própria

e mudar a percepção que o coletivo de educadores e educadoras têm em

relação aos seus modos de ser­sendo educadora. Não provocar coerção é uma possibilidade­outra que a educadora coloca aos seus alunos e alunas: mas provocar o quê então, diante das situações extremamente desgastantes que se

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colocam para ela diariamente neste problemático cotidiano escolar? Parece­me

que a educadora (in)tenta gerar provocações de desejo: desejo de ouvir e ser

ouvida; desejo de se expressar e ser expressada pelo outro e outra; desejo de

que os alunos e as alunas aprendam também com a professora, fazendo com que a experiência de estar neste cotidiano escolar seja instigante, interessante

e, enfim, prazeroso.

Percebo que dúvidas e angústias acompanham o ser­sendo educadora desta

professora, mas que a mesma (in)tenta “driblar” as adversidades com seus alunos e alunas, com seu coletivo pensante de colegas professores e professoras, com toda a vida que habita seu cotidiano visto que, segundo Assmann (2004), processos cognitivos e vitais fazem parte de um mesmo e

único processo de aprendência.

Muitas idéias­sínteses foram elaboradas a partir dos diversos discursos de desejos dos educadores e das educadoras. Quatro pontos importantes que

poderiam ser destacados são: O adoecimento dos professores, como um mal­ estar que já está fazendo parte, diariamente, do cotidiano escolar; uma linha dura (engessamento) que muitas vezes perpassam as tentativas de mudanças de suas práticas de ensino e pedagógica, e impossibilitando o emergir do

educativo (SANT’ANA, 2006): o educativo seria um entrelugar situado no que foi planejado pela instituição escolar (currículo prescrito) e no que está sendo

efetivamente feito no momento da práxis pedagógica (currículo em ação ou

currículo realizado); mas há um campo de possíveis projetado pelos educadores e educadoras em seu cotidiano que (in)tenta a (trans)formação de

um cidadão pós­crítico (SANT’ANA, 2006): um cidadão cosmopolita, com um conhecimento local e total, que subverte, burla, insurge, (trans)forma e

(re)inventa o cotidiano diariamente, num ser­sendo sujeito­participativo, com discursos de poder intrínsecos e extrínsecos, dentro de um meio ambiente

sócio­historicamente determinado mas cujos determinantes são forjados pelo

coletivo; no ato de atuar desses cidadãos, os educadores concebem a possibilidade­outra de emergência de uma rede de subjetividade

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compartilhada, em que um coletivo participativo e pensante poderia se auto­ fazer (autopoiese) portanto por uma educação pós­crítica. Leia abaixo um diálogo entre os educadores e educadoras sobre suas respectivas concepções

de escola bem como o entrelaçamento das mesmas numa rede de

subjetividade compartilhada que pensa uma educação pós­crítica.

Educador C: a idéia de escola para mim é de formar pessoas que acaba sendo

um referencial para se formar personalidade.

Educador A: eu concordo com você, que a escola participa da formação da

personalidade, que escola é espaço de lazer da socialização, a maioria dos

alunos não tem outro espaço para essa socialização, isso acontece em nossa

comunidade. É aqui que eles vêm para adquirir conhecimentos, para socializar,

para formar. Mas o que a gente está se perguntando, é que ela serve para

tanta coisa, que no final perguntamos o que nós fizemos, o que podemos fazer.

O problema é esse.

Educador C: a escola é um local que dá oportunidade aos alunos, para que

esses expressem os seus pensamentos, por isso a escola não deveria ser um

local somente de aquisição dos conhecimentos, mas um lugar onde que os

alunos pudessem se expressar, “jogar para fora!” seus sentimentos.

Educador D: Quando você fala, “para que serve a escola?”. Quer dizer, qual o

conceito de escola que a gente tem, em relação ao tradicional, ou as pessoas

que freqüentam esse espaço, mas de uma forma ampla? Eu costumo falar com

os alunos que eu considero o planeta Terra como uma grande sala de aula, e

no sentido amplo, nós estamos ensinando e aprendendo o tempo todo, no

espaço escolar, no caso formal, tachada como escola tradicional, seja na nossa

família, no clube, no ambiente de trabalho. Então, ao nos relacionarmos com as

pessoas, nós estamos ensinando coisas que a gente sabe, e está aprendendo

com elas. Esse processo do desenvolvimento, não só intelectual, como

também o emocional, o psicomotor, estão acontecendo constantemente, até

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independendo da escola, visto que antes da criança entrar na escola, ela já

está aprendendo uma porção de coisas, desde a vida uterina, do engatinhar ao

seu relacionamento com o mundo. Mas, eu vejo a escola hoje, como ainda

reproduzindo a conservadora cultura; por que reproduzimos o que está na

sociedade? Porque nós tivemos pessoas que reproduziram isso para a gente;

para você que aprendeu de um jeito, passar a ensinar de outro jeito, você teria

que estar se questionando, se o jeito que você aprendeu seria o mais

adequado. Naquele contexto histórico talvez, mas hoje, o contexto histórico

mudou muito, a dificuldade está em você se reformular em um outro cenário

com novas crianças e jovens; eu vejo que ainda preciso muito me reportar a

essa nova clientela.

Mudar continuamente e, logo abaixo, trabalhar e viver com uma coletividade

pensante, que questiona, infere novos possíveis, e enfim, faz­viver uma possibilidade­outra de escola, que denominarei aqui de escola pós­crítica.

Educador D: Uma das coisas importantes que eu vejo para que serve a escola,

é a gente aprender e ensinar as pessoas a trabalhar e conviver em grupo, e a

outra seria aceitar as diferenças, as pessoas, as idéias. Aprender, mesmo que

você não concorde, a respeitar a idéia do outro. Ao organizar um trabalho de

grupo e apresentar para a sua turma, ocorre a aprendizagem de questões de

personalidade e da dificuldade de ser feito este trabalho.

Após um discurso de desejo sobre uma possibilidade­outra de escola, o “Educador D” infere a necessidade de se inventar um novo papel para o

educador, forjar um ser­sendo educador pós­crítico.

Educador D: Eu vejo os educadores hoje com papel assim de facilitador deste

processo, do desenvolvimento grupal, a partir do momento em que os alunos

comecem, a saber, a ouvir, em assumir as suas responsabilidades; esse é um

desafio, de aprender a trabalhar em grupo, de saber a respeitar a opinião do

outro, aprender a ouvir, aprender a falar, esse é um dos grandes papeis da

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escola, ou seja, eu não vou deixar o conhecimento, mas tudo é conhecimento e

um conhecimento muito importante é o de como trabalhar em grupo.

PÓS­ESCRITO

É possível inferir que não se pode conceber, considerando a insurgência pró­

paradigmática de uma educação pós­crítica, uma etimologia tal a qual tem sido

concebida para o termo “cotidiano”: “No século 8º havia a forma cotidião, em português. ‘Cotidiano’ vem do latim quotidianus, derivado de quotidie (cada dia), de quotus, ‘quão numeroso’ porque conteria a idéia de que viver um dia após o outro tende a ser angustiante. Essa idéia repercute em vários níveis”

(Revista Língua Portuguesa, 2006, p. 18, grifo do autor). Espiar a vida cotidiana

por meio da etimologia é uma forma de expandir um pouco mais nossa

capacidade de pensar o nosso próprio dia­a­dia, por isso se faz necessário

(re)pensar as ações pró­educativas que os educadores e educadoras instituem

em seu cotidiano e (in)surgir com processos instituintes (revolução molecular)

que se rebelem em relação as amarras implantadas pelas instituições (molar)

no status quo dessa perspectiva de cotidiano escolar gerada pela sociedade moderna. Considera­se efemeramente, portanto, que “a lógica que preside o

desenvolvimento das ações cotidianas é profundamente diferente daquela com

a qual nos acostumamos a pensar na modernidade, na medida em que o

cotidiano tem como características fundamentais a multiplicidade, a

provisoriedade, o dinamismo, a imprevisibilidade” (OLIVEIRA, 2003, p. 52).

Educador D: Quando você sai com os alunos para visitar uma exposição como

a de Sebastião Salgado, para muitos pais e alunos isso não é aula, e nem

aprendizagem, se for com os alunos para praça de Ciências, para alguns pais

isso não é aula, é simplesmente um passeio. Temos que trabalhar tanto com

os pais como com os alunos: o que é aprendizagem? O que é aula? Ao passar

um filme como: “Um dia depois do Amanhã”, que aborda sobre a questão

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ecológica, alguns o vêem como um passatempo. Como mudar essa

mentalidade do que é aula e aprendizagem?

Muitos educadores e educadoras estão habituados a ensinar estilos

padronizados e generalizados de resolução de problemas. Nesse sentido, é

preciso (re)pensar a prática idiossincrática 6 de ser­estando professor 7 e problematizar a possibilidade­outra de ser­sendo educador, no qual os educadores e educadoras adotem uma prática de saberes e fazeres pós­

críticos, promovendo inter(in)venções com o cotidiano escolar, conscientes de que suas ações educativas e conseqüentes interações discursivas de desejo e

poder no âmbito político, cultural e social compromissadas são condição sine qua non para a (trans)formação de cidadãos pós­críticos (SANT’ANA, 2006) e participativos, aptos a (con)viverem no mal­estar ou desassossego da

sociedade (anti)contemporânea ou (pós)moderna e capazes ainda de implantar

coletivamente uma sociedade mais harmônica (o que não significa a supressão

das diferenças), justa (com igualdade de oportunidades) e feliz (exatamente no

sentido de felicidade que temos no senso comum). Finalizo este breve artigo com um discurso de desejo de um dos educadores:

Educador E: Independentemente do número de alunos precisamos seduzir os

alunos. Temos que trabalhar o afeto. Essa coisa da sedução tem haver com

ganhar o aluno. Ganhar com o olhar, com o toque, com uma atenção.

Pressupõe que todos nós professores temos, mas nem todos os dias estamos

dispostos a isso. Quando puxamos o aluno pelo afeto tudo parece melhorar,

entretanto, como trabalhar com um problema que não consigo lidar e não

disponho de tempo para isso. É necessário sentar com o aluno, conversar

sobre os palavrões. Aí bate o sinal. Entra a questão estrutural. Não adianta o

professor ter realizado um monte de cursos, ter uma excelente formação

6 Predisposição particular do organismo que faz que um indivíduo [professor, educador, pedagogo, etc] reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores [Secretarias de Educação, educandos ou alunos, diretora da escola, etc]. (Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br>. Acesso em: 13 mar. 2006) 7 Termo que inter(in)ventei para me referir a uma prática descompromissada com a educação, no qual o professor é mero profissional “auleiro” que não tem consciência das possíveis implicações de suas práticas pró­educativas no cotidiano escolar.

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continuada, se não tem tempo para por em prática. Quem não quer trabalhar

num ambiente melhor?

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REFERÊNCIAS

ASSMANN, Hugo. Reencantar a Educação: Rumo à sociedade aprendente. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 251 p. ISBN 85­326­2024­8.

FERRAÇO, Carlos Eduardo. Ensaio de uma metodologia efêmera: ou sobre as várias maneiras de se sentir e inventar o cotidiano escolar. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de; ALVES, Nilda (org) at al. Pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002. ISBN 85­ 7490­071­0.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 7 ed. rev. Petrópolis: Vozes, 2005. ISBN 85­326­1039­0.

KASTRUP, Virgínia. A invenção de si do mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no estuda da cognição. Campinas: Papirus, 1999. 216 p. ISBN 85­ 308­0570­4.

OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Currículos praticados: Entre a regulação e a emancipação. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2003. 152 p. ISBN 95­7490­251­ 9.

SANT’ANA, Alex Sandro C. Educação e Pós­modernidade: Problematizações Efêmeras a partir das Idéias de Zygmunt Bauman e Boaventura de Sousa Santos. 2006. 73 f. Monografia (Especialização em Educação) – Centro de Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006.

[?]. A etimologia do cotidiano. Revista Língua Portuguesa: Especial Etimologia, São Paulo, ano 1, n. [?], p. 18, jan. 2006. ISSN 1808­3498.

ZOURABICHVILI, François. O Vocabulário de Deleuze. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. 126 p. ISBN 85­7316­380­1.