A REFORMA DA PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO ...

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A REFORMA DA PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO. (1738-1740) (I). (*) GENTIL AVELINO TITTON, O. F. M. INTRODUÇÃO. Desejando contribuir para o conhecimento da história dos fran- ciscanos no Brasil, resolvemos abordar e explorar detalhadamente um episódio sucedido na Província da Imaculada Conceição do Rio de Janeiro: a intervenção apostólica e reforma de 1738-1740, reali- zadas pelo Bispo do Rio de Janeiro, Dom Antônio de Guadelupe . E' escassíssimo o material publicado, referente a êste tema . Por isso, o presente trabalho se baseia quase que exclusivamente só'- bre documentos inéditos . No Tombo Geral da Província, temos conservados todos os atos do Reformador durante esses dois anos. No Arquivo Secreto do Vaticano e na Biblioteca Nacional da Ajuda em Lisboa, encontramos algumas cartas das demarches para se obter a intervenção . No Arquivo Histórico Ultramarino, colhemos farta documentação relativa às desordens de 1723-1726, que se acham à raiz da intervenção apostólica posterior. Em outros arquivos, enfim — como o Arquivo Nacional e o Arquivo da Cúria Metropolitana, no Rio de Janeiro, — encontramos ainda alguns documentos úteis à elaboração do presente trabalho . Em apêndice, ajuntaremos os, principais dentre os documentos inéditos por nós encontrados. Esperamos assim trazer alguma contribuição para a História da Ordem Franciscana no Brasil, que ainda está por ser escrita . (•). — Com o presente número da Revista de História iniciamos a publicação da tese de !áurea defendida pelo Autor na Faculiade de História Eclesiástica da Pontifícia Universidade Geogoriana, em Roma (Nota da Redaçdo).

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A REFORMA DA PROVÍNCIA FRANCISCANA DA IMACULADA CONCEIÇÃO.

(1738-1740) (I). (*)

GENTIL AVELINO TITTON, O. F. M.

INTRODUÇÃO.

Desejando contribuir para o conhecimento da história dos fran-ciscanos no Brasil, resolvemos abordar e explorar detalhadamente um episódio sucedido na Província da Imaculada Conceição do Rio de Janeiro: a intervenção apostólica e reforma de 1738-1740, reali-zadas pelo Bispo do Rio de Janeiro, Dom Antônio de Guadelupe .

E' escassíssimo o material publicado, referente a êste tema . Por isso, o presente trabalho se baseia quase que exclusivamente só'- bre documentos inéditos . No Tombo Geral da Província, temos conservados todos os atos do Reformador durante esses dois anos. No Arquivo Secreto do Vaticano e na Biblioteca Nacional da Ajuda em Lisboa, encontramos algumas cartas das demarches para se obter a intervenção . No Arquivo Histórico Ultramarino, colhemos farta documentação relativa às desordens de 1723-1726, que se acham à raiz da intervenção apostólica posterior. Em outros arquivos, enfim — como o Arquivo Nacional e o Arquivo da Cúria Metropolitana, no Rio de Janeiro, — encontramos ainda alguns documentos úteis à elaboração do presente trabalho .

Em apêndice, ajuntaremos os, principais dentre os documentos inéditos por nós encontrados.

Esperamos assim trazer alguma contribuição para a História da Ordem Franciscana no Brasil, que ainda está por ser escrita .

(•). — Com o presente número da Revista de História iniciamos a publicação da tese de !áurea defendida pelo Autor na Faculiade de História Eclesiástica da Pontifícia Universidade Geogoriana, em Roma (Nota da Redaçdo).

CAPITULO I.

CONSPECTO GERAL DA PROVÍNCIA DA IMACULADA CONCEIÇÃO DO BRASIL.

1. — TERMINOLOGIA .

Como ocorrerão no presente trabalho vários têrmos específicos da Ordem franciscana ou da Província, ou têrmos que nos séculos passados tinham sentido diverso, eis uma explicação dos principais .

A Ordem divide-se territorialmente em Províncias . A Provín-cia compõe-se de um determinado número de conventos que, preen-chidos certos requisitos, formam uma unidade com govêrno próprio . Variaram no decurso da história tanto a modalidade de govêrno co-mo os requisitos para a formação de uma Província . Custódia é um conjunto de conventos, ao qual faltam alguns requisitos para serem eretos em Província . Convento é a casa habitada permanentemente por frades, Hospício é a casa onde os frades residem como hóspedes, ora morando ali, ora trabalhando fora por tempo indeterminado .

Provincial é o superior da Província . Custódio é o superior da Custódia . Chama-se também Custódio ao primeiro conselheiro do Provincial e seu substituto legal (hoje diríamos Vice-provincial) . Guardião é o superior de um convento. Definidores são os quatro conselheiros do Provincial com voto deliberativo. Visitador é um frade — de per si de outra Província, mas na da Imaculada, por pri-vilégio, era em geral um membro da mesma — escolhido pelo Mi-nistro Geral, para percorrer em visita canônica todos os conventos e em seguida presidir ao Capítulo .

Capítulo (provincial) é a assembléia de todos os superiores com direito de voto (Visitador, Provincial, Custódio, Definidores e guardiães) para eleger o nôvo Provincial e demais superiores e le-gislar . Realizava-se geralmente de três em três anos . Congregação intermédia é a reunião do Provincial, Custódio e Definidores, a realizar-se mais ou menos na metade do triênio entre um Capítulo e outro. Definitório designa tanto o corpo dos superiores da Provín-cia (Provincial, Custódio e Definidores), como a reunião dos mes-mos em assembléia .

Os cargos de Provincial, Custódio e Definidor duravam, via de regra, três anos . O de guardião durava um ano e meio, na congre-gação intermédia eram os guardiães confirmados ou não .

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A Ordem franciscana, desde 1517, estava dividida em duas fa-mílias: Cismontana e Ultramontana. A cismontana pertenciam: Itá-lia, Áustria, Hungria, Polônia e Oriente-Médio . A ultramontana: Es-panha, Portugal, França, Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Escandiná-via, Américas e Extremo-Oriente. O govêrno da Ordem revezava-se: num sexênio uma família tinha o Ministro Geral e a outra um Co-missário Geral; no sexênio seguinte, vice-versa . Não há, porém, uni-formidade na nomenclatura . Os escritores espanhóis, franceses, etc . , chamam cismontana à sua família; os italianos, austríacos, etc . , à sua . Os Capítulos Gerais chamavam cismontana à família em cujo território o Capítulo se celebrava, e ultramontana à outra (1) .

2. — OS ALCANTARINOS

As duas Províncias franciscanas brasileiras, a de Santo Antônio e a da Imaculada Conceição, pertenciam ambas ao ramo alcantarino, pois foi da Província portuguêsa alcantarina de Santo Antônio dos Currais que nasceu a primeira Custódia franciscana no Brasil. Por isso daremos alguns dados a respeito da história dos Alcantarinos e seu espírito .

Fundação.

No século XVI surgiu na Ordem Franciscana, entre outros, o movimento de reforma dos Descalços, chamados também Alcantari-nos, pois seu principal promotor foi São Pedro de Alcântara (t 1562). Sendo Provincial da Província de São Gabriel na Espanha, promul-gou em 1540 umas ordenações assás rigorosas . Em 1558 obteve per-missão oficial para seu ramo e erigiu uma Custódia, a de São José, composta de alguns conventos que seguiam sua orientação; pouco depois, em 1561, a Custódia foi erigida em Província (2) . Desde 1572, a designação de Descalços para os franciscanos do ramo alcan-tarino aparece também nos documentos da Santa Sé .

Os Alcantarinos propagaram-se ràpidamente, sobretudo nos rei-nos de Espanha e Portugal e nos domínios dêstes, isto é, nas Améri-cas, no Oriente e em Nápoles . O período de maior expansão da fa-mília alcantarina é o século XVIII. Em 1762 contava com 20 Pro-víncias e cêrca de 7.000 religiosos .

(1). — Cf. HOLZAPFEL (Heribert) Handbuch der Geschichte des Franziskane-rordens, Friburgo 1909, p. 379-400 (Trad. latina: Manuale Historiae Ordinis Fratrum Minorum, Friburgo 1909, p. 340-360); PAZOS (Manuel R.) , Los Estudios en la Provincia Franciscana de Santiago (Tratado Histórico), Madrid 1967, p. 15.

(2) . — MANZANO (Arcángei B.), San Pedro de Alcántara (1499-1562). Estudio documentado y critico de 314 vida Madrid 1965, p. 95-103.

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Espírito .

Os Estatutos elaborados por São Pedro de Alcântara, no pri-meiro Capítulo de sua Província, celebrado em 1561, caracterizam--se por um extraordinário rigor, em comparação com a vida dos fra-des daquela época .

As casas continuavam na posse do dono; cada ano os frades deviam entregar-lhe as chaves e pedir para continuar morando ali; negada a permissão, deviam abandonar o lugar. Conventos, quartos e igrejas deviam ser extremamente pequenos: as igrejas teriam ao má-ximo 3 x 9,15 m; os quartos seriam de 2,15 x 1,80 m; altar, alfaias e móveis de madeira; paredes toscas . Leite, carne e vinho estavam proibidos; eram concedidos só aos doentes. Todos deviam andar descalços, sem sandálias sequer . Aboliu-se o uso de dinheiro, mes-mo através de síndico . Proibia-se a aceitação de esmolas para cele-bração de missas . Havia três horas de meditação em comum e uma de trabalho corporal por dia. Prescreviam-se disciplina diária, exce-to aos domingos e festas de guarda, muitas orações, penitências, etc. (3) .

Tal rigor passou, em maior ou menor escala, para os Estatutos das demais Províncias que iam surgindo nas pegadas desta primeira fundada por São Pedro de Alcântara . A reforma alcantarina seguia mais a linha das antigas Ordens monásticas. Diferentemente de mui-tos institutos surgidos no século XVI, que não se dedicavam exclu-sivamente à própria santificação e não inculcavam tanto os exercícios de penitência — por exemplo, os Jesuítas, surgidos quase ao mesmo tempo — a reforma de São Pedro de Alcântara abraçou a vida con-templativa, no espírito dos antigos cenobitas . Do apostolado ativo cogitava apenas secundàriamente

Tais foram também as características dos frades brasileiros, e da Província da Imaculada em particular: entregavam-se mais à vi-da de comunidade, ofício divino e outros exercícios de piedade, a muitas e rigorosas penitências (4) .

Com grande solenidade celebrava-se na Província o culto divino, mostrando-se os frades fiéis filhos de São Francisco. Além do Ofício coral, celebravam-se várias festas, e sobretudo as de Nossa Senhora. Cada semana, aos sábados, celebrava-se a Missa de Benedicta. com altar ricamente ornado; e cada sexta-feira recitava-se o Ofício Parvo

. — MANZANO, San Pedro de Alcântara, p. 171-181. Encontram-se aí as duas redações um pouco divergentes, de 1561 e 1562, e também os Estatutos de 1540 para a Província de São Gabriel.

. — Basta percorrer os Estatutos Municipais e o Ceremonial, para se ter uma idéia da abundância e variedade cie penitências, mortificações, ates de piedade, etc. Um resumo breve do que te praticava na Província ná-lo dá ORTMANN (Adalberto) , Subsídios rara a História da Provinc:a da Immaculada Conceição, em Vida Franciscana 6 (1929) , p. 2-8.

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de Nossa Senhora, chamado também de Benedicta . Cultuavam, pois, os frades dignamente sua patrona e a Província fazia jus ao seu nome.

Documento oficial da Câmara do Rio de Janeiro, de 1687, ates-ta que a estima do povo pelos frades se devia particularmente ao esplendor do culto divino (5) .

Para possibilitar tal solenidade contribuía o fato de que os conventos eram poucos, as comunidades grandes, e muitos frades não se dedicavam ao apostolado externo.

No entanto, no Brasil, souberam os frades alcantarinos adap-tar-se às necessidades do tempo e lugar, aliando à vida de oração própria de sua família, um considerável apostolado: dedicaram-se à catequese dos índios, à cura d'ahnas entre o povo das vilas e cidades, ao ensino e a outras atividades, como veremos mais adiante .

3. — PRIMEIROS FRADES NO BRASIL — CUSTÓDIA DE SANTO ANTÔNIO.

Os primeiros franciscanos a chegarem ao Brasil vieram com o descobridor Pedro Álvares Cabral em 1500. Eram 8 frades, tendo por superior a Frei Henrique de Coimbra, posteriormente Bispo de Ceuta, ao qual coube a honra de celebrar a primeira missa em solo brasileiro, a 26 de abril. Dêstes frades, porém, nenhum permaneceu ali; seguiram rota com Cabral para as Ilidias (6) .

— ROEWER (Basílio), A Ordem Franciscana no Brasil, 23 ed., Petrópolis 1947, p. 64.

— Não são numerosos os livros ou capítulos de livros que tratam da his-tória dos franciscanos no Brasil. Para a visão geral que procuramos dar, os principais são os seguintes: Pontes:

CONCEIÇÃO (Apolinário da), Primazia sara fica na regiam da America, Lisboa, 1733.

Idem, Claustro Franciscano, Lisboa 1740. JABOATAO (Antônio . de Santa Maria), Novo Orbe Seráfico Brasílico

ou Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil, Parte I, 2 vol. I3 ed., Lisboa 1761; 2 ,) ed.. Rio de Janeiro, 1858; Parte II, . 3 vol., Rio de Janeiro, 1859-1862.

Bibliografia: ROMAG (Daaoberto), A História dos Franciscanos no Bracil desde os

Princípios até a Creação da Província de Santo António (1500-1659), Curitiba, 1940.

ROEWER (Basilio), A Ordem Franciscana no Brasil, 2fl ed., Petrópolis, 1947.

idem, História da Província Franciscana da Imaculada Conceiçao do Brasil através da Atuação de seus Provinciais de 1677 a 1901 ,

ed., Petrópolis 1951. Idem, Páginas de= História Franciscana no Brasil 2a ed., Petrópolis,

1957. MUELLER (Bonifácio), Origem e Desenvolvimento da Província de

Santo Antônio 1584-1957, em Província Franciscana de Santo António do Brasil. Edição comemorativa do Tricentenário (1657-1957), vol. I, Recife, 1957, p. 37-200.

(5).

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Pelos anos de 1515-1516 vieram mais dois franciscanos, que foram mortos pelos índios tupinambás; são os proto-mártires do Brasil. Mais outros filhos de São Francisco, porém não em gran-de número, chegaram nos decênios seguintes (7) .

O ano de 1584 marca o início do estabelecimento organizado e permanente dos franciscanos no Brasil. Com efeito, nesse ano de-cretou o Ministro Geral, Frei Francisco Gonzaga, a ereção de uma Custódia no Brasil, dependente da Província portuguêsa de Santo Antônio dos Currais (8) .

Chegando ao Brasil em 12 de abril de 1585, o grupo dos fun-dadores logo iniciou as atividades apostólicas, fundando conventos, erigindo igrejas, aceitando missões entre os índios e cura pastoral en-tre os colonos . A expansão foi rápida, de modo que em 1647 a Custódia tornou-se independente da Província-mãe de Portugal e a 24 de agôsto de 1657, pelo Breve Ex commissi nobis, de Alexandre VII, foi elevada a Província (9) .

A rapidez da expansão se deveu, por um lado, ao entusiasmo dos missionários e, por outro, à generosidade dos colonos, que pe-diam insistentemente a presença dos franciscanos e em geral doavam o terreno e construíam-lhes os conventos e igrejas (10) . Em 1659, apenas 75 anos após a fundação da Custódia, ao ser ela erigida em Província, contavam-se 20 conventos, sem se mencionar as missões entre os índios .

Eis uma lista dos conventos, com data da fundação e lugar, para se ter uma idéia mais clara da expansão dos franciscanos no tempo e no espaço (11):

WILLEkE (Venâncio), As Missões da Custódia de Santo António do Brasil 1585-1619, ibid; p. 245-302.

VAN DER VAT (Odulfo), Princípios da Igreja no Brasil, Petrópolis, 1952, p. 19-187..

. — VAN DER VAT Princípios, p. 52-84; ROEWER, A Ordem, p. 29-44. Des-tacam-se os cinco frades que exerceram fecundo apostolado entre os carijós, no litoral catarinense. Os carijós são em geral apresentados pelos autores como o gentio mais dócil e tratável do Brasil. Cf. JABOTAO, Novo Orbe Seráfico, Parte II. p. 438 ss. O mais famoso frade dos primei-ros decênios foi o irmão leigo Frei Pedro Palácios, construtor do célebre santuário de Nossa Senhora da Penha em 1558, o qual levou vida ere-mítica e morreu com fama de santidade. ROMAG A História, p. 12-15; ROEWER, A Ordem, p. 165-172.

. — GONZAGA (Francisco), De Origine Seraphicae Religionis, Parte IV, Roma, 1587, p. 1359-1363. A Custódia teve aprovação pontifícia por Bula de Sixto V, em 1586.

. — A execução do Breve, porém, só se efetuou dois anos mais tarde, em 1659, devido à lentidão das comunicações.

. — ROEWER, História, p. 10. Os frades por si sós não poderiam construir tantas residências devido à extrema pobreza do tan , a "', A,^1,l.

. — JABOTAO, Novo Orbe Seráfico, Parte I, vol. 2, p. 200; CONCEIÇÃO, Claus-tro, p. 77-79. Os nomes sublinhados são os das casas que passaram a cons-tituir a Custódia da Imaculada em 1659, na mesma data da ereção da Província de Santo António.

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Lista dos conventos

— 1585 Olinda N.S. das Neves — 1587. Bahia São Francisco — 1588 Igaraçú Sânto Antônio — 1589 Paraíba Santo Antônio — 1591 Vitória São Francisco — 1606 Rio de Janeiro Santo Antônio — 1606 Recife Santo Antônio — 1606 Ipojuca Santo Antônio — 1629 Sergipe Santo Antônio — 1630 Sirinhaém São Francisco — 1639 Santos Santo Antônio

12) . — 1639 São Paulo São Francisco • — 1649 Casserebú (Maca cu) São Boaventura — 1649 P.araguaçú Santo Antônio — 1650 Vitória N.S. da Penha — 1650 Ilha Grande São Bernardino — 1650 Cairú Santo Antônio — 1655 Itanhaém N.S. da Conceição — 1657 Seregipe del Rei Bom Jesus da Glória — 1659 Ilha de São Sebastião N.S. do Amparo

4. — CUSTÓDIA E PROVINCIA DA IMACULADA CONCEIÇÃO .

Fundação. O principal fato do primeiro Capítulo da novel Província de

Santo Antônio, celebrado em 1659, foi a pacífica e espontânea sepa-ração dos conventos da região sul, para constituírem a Custódia da Imaculada Conceição, dependente da Província recém-criada .

Dois foram os motivos que levaram a tal decisão: em primeiro lugar, os conventos da Província estendiam-se por mais de 2 mil km; assim, as viagens de apostolado, as visitas canônicas, enfim, tôda administração da Província tornava-se por demais lenta e penosa. Em segundo lugar, os conventos do sul prosperavam a olhos vistos e contavam com numerosas vocações (12) . Realmente, como se po-de ver da lista acima, dos 10 conventos fundados nos últimos 20 anos (1639-1659), 7 estavam situados na região sul, mais próximos do Rio de Janeiro .

Para sede da Custódia da Imaculada foi escolhido o convento de Santo Antônio do Rio, por ser mais central em relação aos outros conventos e por ser o Rio de Janeiro então cidade muito próspera.

Apenas 16 anos após, a Custódia da Imaculada Conceição é elevada a Província, pelo Breve de Clemente X Pastoralis Of ficii, de

(12) . — MUELLER, Origem e Desenvolvimento, p. 114.

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16 de julho de 1675. A execução do Breve fêz-se no capítulo de 24 de dezembro de 1677 e os festejos em janeiro de 1678, para que também o povo pudesse participar (13) .

Durante o tempo da Custódia e Província da Imaculada, fun-daram-se quatro conventos, completando o número de 13. Ei-los:

1674 Taubaté Santa Clara 1684 Cabo Frio N.S. dos Anjos 1691 Itu São Luís de Tolosa 1705 Ilha do Bom Jesus Bom Jesus (14) .

Períodos da História da Província.

Na longa história da Província da Imaculada' aparecem nitida-mente diversos períodos:

. — Período de expansão e consolidamento, que vai desde a fundação do primeiro convento sito no território da Província — Vitó-ria, em 1591 — até fins do século XVII. Fundam-se novas casas, sobretudo pela metade do século, como se constata da lista acima; cresce o número de frades; são fecundas suas atividades; florescem os estudos . Erige-se a Custódia em 1659 e, poucos anos após, a Província em 1675. São tempos de paz interna, ao contrário da Pro-víncia-mãe ao norte, que após a ereção em 1659 viveu uns dois de-cênios de contínuas perturbações.

. — Período de tensões e inquietação, que vai mais ou me-nos de 1710 até 1740. A Província vê-se abalada por lutas intesti-nas entre os frades de filiação brasileira e os de portug-iôsa . Gra-ves desordens verificam-se no triênio de 1716-1719. Querendo apla-car as rivalidades, introduz-se a Alternativa em 1719. Pouco depois, no triênio de 1723-1726, novas desordens. Conclui-se êste turbulento período com a atuação severa do interventor apostólico Dom Antô-nio de Guadalupe, atuação que constitui o objeto do presente traba-lho (15) .

. — Período áureo, que se estende de 1740 até fins do sé-culo XVIII. Torna a Província a florescer; o número de membros chega a cêrca de 500. Mas diminui após a interferência dos vice--reis, sobretudo a partir de 1764, quando têm sua sede no Rio de Janeiro . Amplia-se a atividade pelo extremo-sul do país. Florescem os estudos, Chegando os do convento de Santo Antônio do Rio de

. — ROEWER, História, p. 19-20.

. — São poucas as fundações, o que se deve à Ordem Régia de 1723, que proi-bia a fundação de novos conventos.

. — No último parágrafo dêste capítulo, exporemos mais detalhadamente êste período de 1710-1740. •

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Janeiro a serem elevados à categoria de Universidade em 1776. Religiosos de grande saber e virtude ilustram a Província .

. — Período da decadência, que começa já nos fins dos sé-culo XVIII e vai até fins do século XIX. O govêrno civil intromete--se cada vez mais nos negócios internos da Religião . Penetra tam-bém no Brasil a influência do Iluminismo, hostil à religião; ridicula-riza-se a vida monacal . Por um lado, rareiam as boas vocações; por outro, o govêrno ora restringe a recepção de noviços, ora a suspende temporàriamente, e enfim em 1855 fecha todos os noviciados de tô-das as Ordens religiosas . Era a extinção premeditada e lenta . O número dos frades da Província da Imaculada decresce ràpidamente, chegando a 48 em 1848, a 18 em 1856, e a apenas 1, Frei João do Amor Divino Costa, em 1889, quando cai a monarquia e inaugura-se a República (16) .

. — Período da Província restaurada: Com a queda da mo-narquia a 15 de novembro de 1889, muda a atitude do govêrno em relação às Ordens e congregações religiosas . Em 1890 decreta-se absoluta separação entre Estado e Igreja, reconhecendo-se a esta a plena liberdade de organização e ação . Imediatamente, por ordem da Santa Sé, acorrem frades franciscanos da Província alemã da Sa-xônia, para injetar sangue nôvo nos velhos troncos das duas Pro-víncias do Brasil. Em ritmo bastante acelerado foram reocupando quase todos os conventos já existentes, assumindo os trabalhos entre o povo, visitas às capelas — trabalho realmente missionário nos pri-meiros decênios — atividade escolar, imprensa católica . Em 1901 declarava-se restaurada a Província de Imaculada Conceição .

5 . — ATIVIDADES DA PROVÍNCIA DA IMACULADA .

Não obstante o espírito da reforma alcantarina, desenvolve-ram os franciscanos no Brasil, e na Província, da Imaculada em par-ticular, não pouco apostolado externo, embora não chegasse a tal extensão como, por exemplo, o da Companhia de Jesus .

Catequese dos Índios .

Mencionamos que, desde o descobrimento do Brasil, chegaram missionários franciscanos para trabalhar na catequese dos ir clígenas Também os fundadores da Custódia dedicaram boa parte de suas fôrças nesse setor. Frei Melquior, ao terminar sua gestão após 9

. (16) . — A Província franciscano, de Santo Antônio, ao norts fl...ara reduzida a seis membros. Tôdas as Ordens e Províncias sofreram a açáo do govêrno imperial e estavam morrendo à míngua.

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anos, em 1594, deixou estabelecidas 17 aldeias, ou doutrinas de índios. Pouco mais tarde fundaram-se mais três, tôdas na região de Pernambuco e capitanias vizinhas (17) . Em 1619, porém, os fra-des tiveram que abandonar tão prósperas missões, devido a desin-teligências com as autoridades portuguêsas . Logo em seguida, sobre-vêm as invasões holandesas, que impediram todo trabalho de missão no nordeste brasileiro .

No fim do século, reiniciou a Província de Santo Antônio a ca-tequese dos índios, fundando, entre 1689 e 1707, 20 missões, a maior parte das quais no interior, ao longo do Rio São Francisco .

Também no Maranhão e Pará penetraram os franciscanos a partir de 1600, com tal sucesso que erigiram-se três Comissariados, depen-dentes de três Províncias portuguêsas . O número de missões que os frades dirigiam ali era de 15 em 1718 e de 26 em 1739.

Em tôdas as aldeias erigiam-se capela para o culto e escola para o ensino . Importância especial foi dada à instrução das crianças e moços, para ajudarem na instrução e conversão dos adultos . Ensina-vam-se-lhes a doutrina e também as primeiras letras . Como os índios amavam muito a música, usaram os frades grandemente de instrumen-tos e cantos para atrair os indígenas à catequese (18) .

Tôdas estas missões pertenciam à Província de Santo Antônio ou às de Portugal.

Na região sul, na Província da Imaculada, o sistema adotado pelos franciscanos foi sobretudo o de missionário volantes . Os fra-des, residiam habitualmente no convento, mas periõdicamente saíam pelos arredores das cidades e pelo sertão adentro, em viagens de mis-são penosas, que não raro se prolongavam por muitos meses (19) .

Em 1591, ao fundarem a primeira casa da futura Província da Imaculada em Vitória, um dos frades, Frei Antônio dos Mártires, se dedicou muito à pregação e catequese dos índios das redondezas (20) . O campo de atividade dos frades do convento de Santo An-tônio do Rio de Janeiro estendia-se desde o Espírito Santo até São Paulo . Percorriam-no em longas e penosas viagens

"pregando e doutrinando ao Gentio de uma e outra nação com muito aproveitamento de suas almas" (21) .

Tais missões conheceram surto notável na segunda metade do século XVII. Atesta-o um fato ocorrido pelo ano de 1692. Devido a certas queixas chegadas à côrte acêrca dos religiosos no sul do Brasil, foram todos os Prelados maiores das Ordens convocados ao

. — WILLEKE, As Missões, p. 300.

. — JABOATAO, Novo Orbe Seráfico, Parte I, vol. 2, p. 140.

. — CONCEIÇÃO, Primazia, p. 31 ss.

. — JABOATÃO, Novo Orbe Seráfico, Parte II, vol. 2, p. 398.

. — Tombo Geral da Província (TG) I, 1. 90.

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Colégio dos Padres Jesuítas do Rio, para responderem diante da autoridade régia . O Provincial da Imaculada, Frei Antônio do Nas-cimento Sá, responde com um relatório das atividades de seus sú-ditos afirmando entre outras coisas que nas capitanias do sul a Pro-víncia da Imaculada tem mais missionários, e para tôdas as línguas dos índios, que as demais Ordens juntas (22) .

Devido à maior atividade como missionários volantes, os fran-ciscanos da Província da Imaculada mantiveram um número relativa-mente pequeno de aldeias de índios, em comparação com o número elevado mantido pelos frades da Província de Santo Antônio e dos Comissariados do Amazonas .

As poucas aldeias que a Província fundou ou aceitou foram: Taubaté (1692), São João de Peruíbe (1692), São Miguel (1698), Santo Antônio dos Guarulhos (1699), Nossa Senhora da Escada (1735) e as três pequenas aldeias de Cachoeira, Pedra e Tabatinga (1748), tôdas nas regiões de São Paulo e Rio . O trabalho foi par-ticularmente fecundo e ingrato ao mesmo tempo na aldeia de Santo Antônio dos Guarulhos, às margens do Rio Paraíba, próxima à cida-de de Campos . Ali destacaram-se pelo zêlo missionário Frei Antônio da Piedade Monção e Frei Antônio da Apresentação (23) . Os ín-dios guarulhos, ou guarus, eram os mais valentes do Brasil; jamais sofreram o jugo do cativeiro, preferindo a morte à submissão aos conquistadores (24) . Na mesma região habitavam os goitacazes — daí chamar-se o lugar também aldeia dos Campos dos Goitacazes — índios ferozes e difíceis de tratar . Apolinário da Conceição qua-lifica os de "o gentio mais péssimo de tôda a América" (25) . Os frades franciscanos foram os únicos que conseguiram manter um fe-cundo apostolado entre êles por longo tempo, até que a aldeia desa-pareceu em 1758 devido à dispersão dos índios.

O govêrno de Pombal trouxe duro golpe para as missões . Os frades continuaram em vários lugares e assumiram parte das aldeias donde os Jesuítas foram expulsos . Mas aos poucos foram elas pas-sando às mãos da administração civil. Tal atividade cessou de todo em inícios do século XIX .

Missões Populares e Cura D'almas . Mais ainda que à catequese dos índios, os frades da Província

da Imaculada Conceição dedicaram-se às missões populares nas fre-

. — (TO), I, f. 90 v. . — ROEWER, Subsídios para a História dos Franciscanos no Estado do Rio.

A Aldeia de Santo António dos Guarulhos, em o Vita Franciscana" 10 (1933), p. 7-18.

. — LAMEGO (Alberto), A Terra Goytacd, Tomo I, p. 21.

. — Epítome do que em Breve Suma Contem a Santa Província de Nossa Senhora da Conceipção do Ryo de Janeiro do Estado do Brasil. MS, 1730, p. 106.

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guesias das cidades e do interior . Pela pregação, ensino do catecismo, confissões e culto divino, procuravam reavivar e consolidar a fé dos católicos dessas localidades . Tornavam-se assim valiosos coadjuto-res dos párocos e bispos, sobretudo no tempo da desobriga pascal.

Por volta de 1680, êsse apostalado tomou tal incremento que o Provincial viu-se obrigado a fazer melhor organização, dividindo para isso o território da Província em três zonas, desde o Espírito Santo até Paranaguá (26) .

Durante todo o século XVIII tais missões entre o povo conti-nuaram e floresceram ainda mais, de modo que a maior parte das lo-calidades, quer no litoral, quer mais para o interior, não escaparam ao zêlo dos frades da Província da Imaculada .

Na região das Minas Gerais, desbravada na primeira metade do século XVIII devido à corrida ao ouro, os franciscanos foram no início os únicos apóstolos religiosos — relata Frei Apolinário em 1733 — porque as outras Ordens não queriam aventurar-se até lá (27) . O centro dêsses missionários era o convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, pois a côrte proibira o estabelecimento de conventos de Ordens religiosas nas Minas (28) .

Figura relevante de missionário popular foi Frei Antônio do Extremo, o qual de 1740 a 1753 percorreu, geralmente a pé, o inte-rior de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, e chegou até à Colônia do Sacramento, junto ao Rio da Prata (29) .

Ensino .

Já dissemos que nas aldeias abriam-se escolas para ensinar aos filhos dos índios, além da doutrina, a instrução elementar.

Além destas para os índios, abriram os franciscanos em vários conventos escola de primeiras letras para os filhos do povo do lugar . Tais escolas nos conventos apareceram relativamente tarde, só em começos do século XVIII, pois os frades brasileiros, todos perten-centes ao ramo alcantarino, fundavam sua vida conventual mais nos moldes da vida contemplativa. Por isso também tais escolas nos conventos surgiram menos por iniciativa dos religiosos, do que a pedido da população e do govêrno (30) . Em 1733 menciona Frei

. — ROEWER, A Ordem, p. 124.

. — CONCEIÇÃO Primazia, p. 68.

. — Mesmo um pedido de fundação de três Hospícios, que a Província ten-cionava lá fundar, foi rejeitado. Cf. ROEWER, A Ordem, p. 127. A Província remediou em parte essa dificuldade, com a fundação de nu-merosas fraternidades da Ordem Terceira nas Minas, a partir de 1746.

. — ROEWER, A Ordem, p. 199-195; Icem, O Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, 3q ed., Petrópolis 1945, p. 126-128.

. — WILLEKE, (Venâncio), Pioniere des Brasilianischen Elementarunterrichts, em "Archivum Franciscanum Historicum", 60 (1967), p. 222.

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Apolinário que a Província da Imaculada Conceição mantinha esco-las gratuitas nos quatro conventos de Macacu, Cabo Frio, Taubaté e Itú, onde, além da doutrina cristã, se dava às crianças

"lição de ler, escrever, contar e Gramática" (31).

E em 1740 diz o mesmo escritor que eram cinco, mas sem men-cionar os nomes (32) .

Ao começar o despovoamento dos conventos, em fins do século XVIII e sobretudo no século XIX, tiveram os frades que fechar suas escolas . Mas com a restauração da Província, recomeçaram com o setor do ensino, tanto primário como secundário.

Prestaram ainda os frades da Província seu concurso em esco-las régias e seminários diocesanos, sobretudo na segunda metade do século XVIII. Nesse tempo, os estudos de Filosofia e Teologia do convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro foram elevados à ca-tegoria de Universidade e eram freqüentados por muitas pessoas de outras Ordens e por seculares.

6. — PERIODO DE 1710-1740.

A primeira metade do século XVIII é o período da corrida ao ouro das Minas Gerais . Com a descoberta das primeiras minas em 1695, começaram a afluir ao interior levas de aventureiros . Calcula--se que em média 3 a 4 mil pessoas deixavam Portugal anualmente para ir às Minas (33) . O povoamento fêz-se desordenadamente, à custa de muitas brigas e mortes e de algumas guerras, como a dos Emboabas, de 1708 a 1709. Muitos enriqueceram da noite para o dia; surgiram cidades luxuosas que ainda hoje recordam aquêle pe-ríodo da História do Brasil.

Para a Igreja tornava-se difícil exercer sua influência bené-fica, devido à mentalidade que animava tais aventureiros e primei-ros colonizadores e devido às restrições impostas às Ordens religiosas de ali trabalhar.

Para Portugal, o Brasil representava uma "vaca de leite", na expressão do próprio Rei português . Realmente, grande parte do ouro ia parar nos cofres do soberano em Lisboa . Foi graças a êle que Dom João V (1705-1750) tornou-se um dos monarcas mais ricos da época e construiu suntuosos palácios e as inúmeras Igrejas doura-das, de estilo barroco, de que Portugal ainda hoje está repleto .

No que toca às relações entre Igreja e Estado, vigorava o Pa-droado régio. Esta instituição, que tanto útil fôra nos séculos XVI e

— CONCEIÇÃO, Primazia, p. 84. — CONCEIÇÃO Claustro, p. 77. Provávelmente o quinto convento com

escola primáka era o de Vitória. CL ROEWER, A Ordem, p. 150. — BOXER, C.R., Tire Golden Age of Brasil 1695-1750, Los Angeles 1962, p. 49.

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XVII, começou já a pesar sôbre a vida da Igreja. Neste período au-menta a intromissão da Côrte na disciplina interna da Igreja, e das Ordens em particular . O auge, porém, do contrôle estatal verifica-se na segunda metade do século XVIII e no século XIX.

Para têrmos uma visão mais detalhada da vida da Província franciscana da Imaculada Conceição neste período e compreendermos melhor a intervenção apostólica de Dom Antônio de Guadalupe (1738-1740) analisaremos os tópicos seguintes: Desordens de 1716--1719, Introdução da Alternativa, Cisma Provincial de 1723-1726, e Estado da Disciplina Regular .

a) . — Desordens de 1716-1719.

Na história civil, os primeiros decênios do século XVIII são de rivalidades entre os filhos do Brasil e os de Portugal. As guerras dos Emboabas (1708-1709) e dos Mascates (1710-1711) no fundo são explosões de nativismo (34) .

O nacionalismo penetrou também nos conventos da Província da Imaculada (35) . A rivalidade latente há vários anos entre brasi-leiros e portuguêses estalou abertamente em fins de 1715, por ocasião da nomeação do Visitador canônico provincial (36) . O Ministro Ge-ral da Ordem nomeara para Visitador a Frei Serafino de Santa Rosa, da lista apresentada pelo Definitório . Porém, os do partido do Bra-

. — SERRANO, (Jônatas), História do Brasil, Rio de Janeiro 1931, p. 223ss. Os portuguêses procuravam dominar e proteger os seus, quer na adminis-tração civil, quer nas Ordens religiosas, e queixavam-se da hostilidade dos brasileiros. Estes realmente se insurgiam contra aquêles, alegando serem injustamente preteridos nos cargos.

. — Referindo-se ao convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, escreve Viriato Correia: "O convento de Santo Antônio foi por muito tempo um ninho ardente de patriotas. O nacionalismo sempre agitou o burel daque-les franciscanos. Já nos princípios do século XVIII ali se encontra acesa a consciência da nacionalidade brasileira". Terra de Santa Cruz, 2 ,! ed., Rio de Janeiro, 1922, p. 234.

— "Brasileiros" eram os nascidos no Brasil; "Portuguêses" os nascidos em Portugal e imigrados para o Brasil. Ocorrem também freqüentemente as designações "filiação brasiliense" e "filiação portuguêsa", e ainda "partido do Brasil" e "partido de Portugal". Tal terminologia foi estabelecida na Bula de confirmação de Alternativa In Eminenti (Bullarium Discalceato-rum V, p. 514-521) . O têrmos `‘creoulo", "mestiço" ou "mulato", que existiam na língua e eram muito usados, não ocorrem nos documentos referentes aos religiosos. Quanto à proporção entre os dois partidos, os brasileiros formavam a grande maioria, embora os cargos de govêrno na Província fôssem ocupados em geral pelos portuguêses. Quando da in-trodução da Alternativa em 1719 teria a Província, segundo documentos de então, 162 brasileiros e 89 portuguêses. FREITAS (Diogo de), Resumo Histórico da Província da Imaculada Conceição do Brasil, em ROEWER, A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil nas Festas do Centenário da Independência Nacional. Petrópolis, 1922, p. 63. E uma relação escrita pelo ano de 1725 afirma que havia 159 frades brasileiros e 50 portuguêses. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Rio de Janeiro, n. 4470.

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sil, cujos chefes eram Frei Marcos de Jesus e Frei Boaventura de Jesus (Ex-provincial), conseguiram outra patente do mesmo Geral, em favor de Frei Marcos . O Definitório rejeitou a patente de Frei Marcos, achando-a cheia de erros, nomes mudados e letra diferente; e deu posse de Visitador a Frei Serafino . Então Frei Marcos ins-talou-se no convento de Macacu, acompanhado de seus sequazes, e convocou os vogais para Capítulo. Nenhum, porém, compareceu. Nomeou então a Frei Boaventura de Jesus "Vigário Provincial Apos-tólico" (sic!) para a Província e escolheu guardiões para todos os conventos. Conseguiu Frei Marcos para seu lado 5 conventos: Ma-cacu, Santos, São Sebastião, Angra dos Reis e Bom Jesus da Ilha . Êstes conventos nem sequer receberam o Provincial legítimo quando êste lá foi em visita (37) .

Ambas as partes defenderam sua causa perante o Geral da Or-dem e no Tribunal da Legacia em Lisboa . Enquanto a Legacia re-conheceu a queixa dos opositores, o Padre Geral, em 6 de fevereiro de 1717, reconhecia como legítimo o Capítulo de 1716 e os superiores nêle eleitos, e declarava nulos todos os atos realizados ou a reali-zar-se por Frei Marcos e Frei Boaventura (38) .

Contudo, antes do próximo Capítulo, no dia 16 de maio de 1719, tendo o nôvo Visitador já tomado posse, apresenta-se no convento de Santo Antônio Frei Boaventura e renuncia, em seu nome e no dos guardiães dos cinco conventos dissidentes, à causa que até ali vi-nham defendendo . Era a submissão, que permitiu realizar-se em paz o capítulo de 1719.

b) . — A Alternativa.

Para acabar com as dissenções e visto que a queixa dos brasi-leiros era a injustiça na distribuiçãodos cargos, resolveu o Capítulo de 20 de outubro de 1719 introduzir a Alternativa na Província . Esta medida fôra sugerida ao Padre Geral pelo procurador Frei Fer-nando de Santo Antônio, de acôrdo com instruções recebidas da Província (39) . O Padre Geral anuiu, o Núncio em Portugal e o

.— ROEWER, História, p. 54-56. Ortmann afirma que foi o Núncio em Portu-gal quem designou os cinco conventos mencionados, mandando sair dê-les os frades fiéis ao legítimo Provincial. ORTMANN, Subsídios, em "Vita Franciscana" 7 (1930), p.4.

. — ROEWER, História, p. 56-57.

. — Como o nome de Frei Fernando de Santo António ocorrerá freqüentes vézes e está envolvido nos acontecimentos da intervenção apostólica eis alguns dados principais a seu respeito. Era Frei Fernando de filiação portuguêsa. Foi o artífice da introdução da Alternativa em 1719 e de sua confirmação pontifícia em 1721 e 1723. Desde 1720 exercia o cargo de procurador da Província em Lisboa. Eleito Provincial em 1726, governou até 1732. Seu govêrno tornou-se uma benção, pelo zê1o, espírito ativo e pa-cificador. No Capítulo Geral de '1729 elegeram-no Definador Geral da Ordem, cargo que ocupou até o fim da vida. Tendo embarcado para a Europa

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Rei igualmente corroboraram o documento . No Capítulo de 1719 os chefes do partido contrário tinham sido afastados para outros conventos; por isso não houve dúvidas da parte dos capitulares em aceitar as ordens do Ministro Geral.

Como, em seguida, os brasileiros se mostrassem descontentes e fizessem propaganda contra a Alternativa, resolveu o Definitório a 5 de agôsto de 1720 pedir ao Papa confirmação pontifícia. Inocên-cio XIII fê-lo pelo Breve lustis et honestis de 19 de setembro de 1721 e, mais uma vez, pelo Breve In eminenti de 7 de setembro de 1723. Com aprovação pontifícia e com a vigilância da autoridade civil, foi a Alternativa observada fielmente, até sua abolição a 5 de agôsto de 1828, após a independência (40) .

A Alternativa, em seu teor primitivo, adotado em 1719 e con-firmado pela Santa Sé em 1721, contém o seguinte: o Provincial, dois Definidores e a metade dos guardiães deviam ser de um parti-do; o Custódio, os outros dois Definidores e a outra metade dos guardiães seriam do outro partido . Ao findar o triênio, todos os cargos seriam preenchidos por um religioso do partido oposto . Igual- - mente deviam distribuir-se equitativamente e revezar-se os superiores das aldeias, pregadores, vigários, confessores de seculares, porteiros, presidentes das casas e comissários da Ordem Terceira (41) .

Em 1723, o Capítulo Geral celebrado em Roma e o Breve In Eminenti confimam e ademais ampliam a Alternativa. Aceitem-se só noviços portuguêses até que o número de frades na Província fique igual entre os dois partidos e, então, aceite-se sempre número igual para ambos; quando morrer um frade, receba-se um noviço daquêle partido; a Alternativa vale só para os clérigos, não para os irmãos leigos; na enumeração dos ofícios menores que deverão, enquanto possível, ser distribuídos alternativamente, incluem-se também os mes-tres de noviços ,e os Lentes de Filosofia e Teologia; também os estu-dantes sejam em igual número para ambos os partidos; etc., etc. (42).

O intuito de Frei Fernando de Santo Antônio e dos demais pro-motores desta lei era excelente: estabelecer a paz na Província. E a solução encontrada parecia então a melhor possível. Realmente, após os distúrbios de 1723-1726, as rivalidades diminuíram; e, após a vi-

após o término de seu govérno, em 1732, nunca mais regressou à Província. Cf. ROWER, História, p. 68-75; ORTMANN, Subsídios, em "Vita Franciscana" 7 (1930), p. 5-9. Ignora-se quando Frei Fernando faleceu. Em fins de 1756

recolhera-se ao hospício da Província em Lisboa, já velho e alquebrado; e em janeiro do ano seguinte escreve a um amigo. esta • tão e dos pés, que nem andar podia. Biblioteca Pública de Évora (BPE), CYLS/2-8, ns 7 e ns 8.

. — Uma vez, em 1799, permitiu a Côrte a recepção de noviços sem observar a Alternativa. Porém, quando uma vez ou outra o Provincial tentara fazê-lo por própria iniciativa, interveio a autoridade régia enérgicamente. Cf. ROEWER, O Convento, p. 286 e 288.

. — Bullarium Discalceatorum, v, p. 510-511. (42). — Bullarium Discalceatorum, v, p. 514-521.

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sitação do severo Reformador Dom Antônio de Guadalupe, não mais se verificaram desordens provocadas por antagonismos parti-dários .

Contudo, a longo prazo, a Alternativa constituiu uma das causas principais da futura decadência da Província, sobretudo devido à cláusula relativa à recepção dos noviços (43) .

— Cisma de 1723.

Em 1723, por ocasião do primeiro Capítulo Provincial após a introdução da Alternativa, deram-se novas desordens, mais graves que as precedentes.

Em 1722 chegara o tempo da visita canônica, mas não haviam chegado as patentes do Geral com a nomeação do Visitador. Usando do privilégio pontifício, o Definitório elegeu Frei Tomás das Neves . Este delegou Frei Agostinho da Trindade para visitar o norte da Pro-víncia, encarregando-se êle mesmo de visitar os conventos do sul. Nisto chega a patente do Geral nomeando para Visitador a Frei An-tônio da Piedade, então guardião do convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro . O Definitório aceitou-o e intimou a Frei Tomás, que interrompesse a visita e entregasse os selos e papéis . Frei To-más recusou-se e conclamou os confrades a não reconhecerem o outro Visitador (44) . Isto reacendeu o fogo das paixões, mais violento que antes .

Frei Tomás recolheu-se ao convento do Bom Jesus da Ilha e conseguiu para seu lado Lentes de Teologia, Definidores, ex-definido-res e novamente o Ex-provincial Frei Boaventura de Jesus, que fôra um dos chefes das perturbações de 1716-1719 e que se submetera (45) . Celebraram Capítulo próprio na Ilha a 3 de abril de 1723, elegendo Frei Lucas de São Francisco para Provincial (46) . Deram--se também guardiães a todos os conventos . Estava realizado um verdadeiro cisma. Alguns Frades, chefiados por Frei Bernardino de Jesus e Frei Agostinho da Trindade, vieram à cidade para excitar o povo a seu favor, conseguindo que os oficiais da Câmara do Rio de Janeiro os apoiassem (47) .

Para avaliar a gravidade da situação, recordemos o que Roewer refere a respeito do convento de Santo Antônio nos anos de 1723--1724: a sede do Provincialado e maior convento da Província tor-nou-se uma espécie de fortaleza sitiada, em que os frades andavam

— ROl wrtt, O Convento, p. 286-290. — ROEWFR, História, p. 61-62. — ROEWER, História, p. 64. Dos Definidores, parece que ao menos dois, Frei.

Bernadino de Jesus e Frei Agostinho da Trindade, estavam de seu lado. ARIT, Rio de Janeiro, n. 4482.

— A este mesmo Frei Lucas de São Francisco o Reformador Dom Guadalupe colocará no pôsto de Provincial, em 1738, como veremos mais adiante.

(47) . — ARO, Rio de Janeiro, n. 4453.

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armados e vigiavam as portas . Os que não concordavam com o Ca-pítulo ali celebrado conseguiram evadir-se. Os do partido contrário não tinham acesso . Deram-se prisões, escaramuças, com feridos e até alguns mortos (48) .

Os oficiais da Câmara do Rio de Janeiro, que apoiavam os fra-des dissidentes, em súplica ao Rei a 8 de maio de 1723, afirmam que só o convento de Santo Antônio, com 70 frades, estava ao lado do Provincial eleito no Capítulo ali celebrado; todos os outros conventos, com mais de 170 frades, estavam com Frei Lucas de São Francisco, eleito pelo Capítulo dos dissidentes (49) .

Também desta vez, ambas as partes recorreram a Roma e à Côr-te . Mas agora a Santa Sé, o Comissário Geral da Ordem e também o Rei reconheceram o Capítulo realizado pelo Visitador Frei Antônio da Piedade, contra os dissidentes de Frei Tomás da Neves.

Na Congregação Intermédia de 27 de setembro de 1724, o Pro-vincial pôde apresentar uns 10 documentos a seu favor, entre os quais: Confirmação do Visitador Frei Antônio da Piedade pela Con-gregação dos Regulares; Breve de Inocêncio XIII confirmando o Ca-pítulo legítimo; outro Breve confirmando a Alternativa; Ordem do Rei para que se observe a Alternativa fielmente; outra Ordem para que o governador do Rio preste auxílio do braço secular contra os revoltosos (50) .

Mesmo assim, os dissidentes não se submeteram logo (51) . Mas — escreve o autor do Tombo Geral — o que não conseguiu a autoridade, conseguiu-o o tempo. Um depois do outro foram os dis-sidentes submetendo-se. Em 1726, só dois dos cabeças permaneciam na sua posição: o Ex-provincial Frei Boaventura de Jesus e Frei João da Trindade, refugiados numa fazenda dos beneditinos . Frei Boaventura morreu em dezembro de 1727 e Frei João foi preso .

Foi o inteligentes e hábil diplomata Frei Fernando de Santo Antônio, eleito Provincial em 1726, quem conseguiu serenar os âni-mos dos frades e trazer paz à Província .

d) . — Disciplina Regular.

Que dizer do estado da observância regular na Província, nes-te período crítico da primeira metade de século XVIII, em meio a tantas inquietações,

Já um pouco antes, em 1693, o Ministro Geral em carta à Pro-víncia se queixava amargamente da não observância da pobreza, simo-

— ROEWER, O Convento, p. 107. — AH13, Rio de Janeiro, n. 4462. — ROEWER, História, p. 65. — Em 1725, o Provincial dos dissidentes Frei Lucas de São Francisco ainda

permanecia rebelde no convento de Vitória. Cf. ORTMANN, Subsídios, em '`Vita Franciscana" 7 (1930), p. 8.

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nia nas eleições, morada de alguns superiores fora dos conventos e pouca instrução (52) . As perturbações de que acima falamos faci-litavam evidentemente o relaxamento da disciplina regular. A auste-ridade do espírito alcantarino primitivo, que os Estatutos em boa par-te refletiam, permanecia sõmente no papel. Influenciados pelo am-biente setecentista, também os frades da Província da Imaculada se davam um tanto à indolência, aos cabelos postiços, aos trajes tea-trais e à procura de títulos honoríficos e dignidades . Sobretudo o desêjo de títulos e privilégios estava já fortemente arraigado . O Ca-pítulo provincial de 1732 foi tão pródigo em concedê-los, que pas-sou à História como o "Capítulo das Graças" (53) .

A probreza também sofria infrações . Será o tópico em que o in-terventor apostólico mais insistirá na sua Reforma . A primeira me-tade do século XVIII é o tempo da corrida e exploraçãb do ouro das Minas Gerais . A febre do ouro contagiou também os frades . Pedir esmolas nas Minas tornava-se mais rendoso . E os franciscanos do Rio de Janeiro eram os únicos que gozavam de permissão régia para irem às Minas, embora não pudessem fundar aí conventos nem hospícios . Contudo, os que mais exploravam as esmolas das Minas não eram os frades da Província da Imaculada, mas os frades Esmo-leres da Terra Santa, cuja finalidade era recolher .esmolas para a ma-nutenção dos Lugares Santos na Palestina . Êstes obtiveram licença, desde 1722, para residirem habitualmente nas Minas, onde fundaram vários hospícios (54) . Quanto à Província da Imaculada, os supe-riores até puseram certos limites à ida dos seus frades àquela região, para lá esmolarem (55) .

Quanto à vida moral e à observância do celibato, a situação do Brasil Colonial não era em geral lisongeira . Boa parte do clero nos séculos XVII, XVIII e grande parte do XIX vivia casado (56) .

Também na Província davam-se escândalos dessa natureza . Vi-sitantes dos séculos XVII e XVIII, como Froger e o Padre La Cail-le, ficaram horrorizados com a libertinagem dos, frades do Rio de Janeiro (57) . Não encontramos, porém, referências a algum caso

. — ORTMANN, Subsídios, em "Vita Franciscana" 7 (1930), p. 2. . — ROEWER, História, p. 75. Aliás, o gôsto pelos títulos era geral na Ordem

então. O Ministro Geral era "Grande de Espanha". E no Capítulo Geral de 1740, os vogais mendigaram privilégios e precedências como nunca antes. Cf. HOLZAPFEL, Handbuch, p. 359 e 430 (Manuale p. 321 e 388) .

. — TETTEROO (Samuel), Subsídios para a História da Ordem /// de São Francisco em Minas, em "Revista Eclesiástica Brasileira" 6 (1946), p. 351; Cf. TG. II, f. 16ss.

. — Estatutos Municipaes da Provincia da Immaculada Conceyedo do Era«, Lisboa 1717, p. 115; TG. II, p. 24v.

. — BOXER, The Golden Age of Brasil, p. 131; FREYRE, Casa Grande e Senzala, Lisboa (1957), p. 421-426. Contudo — observa Gilberto Freyre — não se pode afirmar que os eclesiásticos libertinos formassem a maioria do clero. Ibid, p. 424.

. — FREYRE, Casa Grande e Senzala, p. 423.

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concreto ou a determinado frade neste período que nos ocupa . Nem fará o Reformador referência alguma a respeito, exceto uma vaga alusão à nomeação de pregadores e confessores ignorantes e aos quais faltam

`integridade de vida e honestidade de costumes" (58) .

Outro abuso muito espalhado nessa época era a vagueação dos frades . Um número considerável pedia para morar fora dos conven-tos a fim de socorrerem a parentes necessitados, ou para passar a outra Ordem (59) . Inúmeros também os que fugiam dos conventos, permanecendo fora por meses ou anos . O Próprio Capítulo de 1742 toma medidas

"para reprimir a facilidade, com que muitos religiosos desta Província temeràriamente fogem para várias partes, e se deixam andar apóstatas por largos tempos..." (60) .

O nível de uma Província depende da seleção dos candidatos e da formação a êles ministrada . Os Estatutos Municipais insistem que os noviços recebam formação sólida . Além de o Mestre, guar-dião e demais membros das casas de noviciado deverem ser religiosos exemplares, prescrevia-se uma hora diária de instrução sôbre oração, meditação e vida espiritual, bem como uma hora diária de Gramá-tica (61) .

Contudo tais normas nem sempre se observavam na prática . Era comum no Brasil Colonial alguém entrar para o convento por motivos de família: o pai mandava um filho a estudar Direito, outro ao serviço militar e um outro ao convento (62) . Ademais, a Alterna-tiva, com a cláusula que mandava receber número igual de noviços de cada partido, não favorecia a seleção dos candidatos . Acontecia serem admitidos alguns de um partido só para haver equilíbrio com os do outro. A própria existência de uma lei como a Alternativa era

(58). — TG. II, f. 56v. . — No Arquivo da Ordem há um volume intitulado Regestum Parvum Curiae

1733-1744, em que se encontram algumas dezenas de pedidos dessa natureza feitos por frades da Província da Imaculada nos anos aí indicados. Arquivo Geral da Ordem dos Frades Menores (AGOFM), 11/22.

. — TG. II, f. 61v. Pelos anos de 1719-1720, o Visitador provincial Frei José de Jesus Maria relata ao Rei, que há muitos fades da Província fugidos para as Minas; e diz também que prendeu 16 frades nos arredores do Rio de Janeiro. AHU, Rio de Janeiro, n. 4017.

. — Estatutos, p. 14ss. . — FREYRE, Gilberto, Em tárno de Esfôrço Franciscano no Brasil, em Pro-

víncia Franciscana de Santo Antônio do Brasil 1585-1957. Edição Comemo-rativa do Tricentenkrio, vol. I, Recife, 1957, p. 22. Outra praxe dos por-tuguêses era a recomendada por Francisco Manuel de Mello, em 1651, em seu livro Carta de Guia de Casados, a saber, que os pais náo criassem os filhos bastardos em casa, mas os enviassem às Indias ou a alguma Ordem religiosa. Citado por BOXER, The Jolden Age of Brazil, p. 131-132.

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também um convite para que os prelados de cada filiação favore-cessem os membros do mesmo partido .

Contudo, apesar dos abusos e escândalos existentes acima re-feridos, não é licito generalizar de fatos individuais ocorridos para um estado de decadência geral da Província inteira . Pois, como já dissemos, nesse mesmo tempo continuou com bastante fervor a ca-tequese dos índios e a assistência religiosa aos católicos em todo o sul do país . O Provincial Frei Fernando de Santo Antônio incremen-tou os estudos . Houve vários frades exemplares em virtudes, entre os quais se destaca o santo irmão leigo Frei Fabiano de Cristo ( t 1747), que durante todo êste tempo servia no convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro .

Talvez poder-se-ia aplicar também à Província da Imaculada Conceição do Brasil o que Cresi afirma dos Alcantarinos em geral:

"Não obstante contrastes e agitações, a grande maioria dos reli-giosos desta reforma viveu uma vida admirável de santidade de apos-tolado, nos países católicos e infiéis" (63) .

(63) . — CRESI (Domenico), San Francesco e i suoi Ordini, Florença 1955 p. 171.

CAPITULO II.

DOM ANTÔNIO DE GUADALUPE, O REFORMADOR.

1. — VIDA .

Dom Antônio de Guadalupe, no século Antônio de Sá Cerquei-ra, nasceu em Amarante, diocese de Braga, a 27 de setembro de 1672. Seus pais eram de ascendência nobre: Desembargador Jerô-nimo de Sá e Cunha e Dona Maria Cerqueira . Estudou Filosofia em Braga (1) . Em seguida, com a idade de apenas 15 anos, matri-culou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, a 25 de janeiro de 1688 (2) . Ali obteve o bacharelado a 10 de julho de 1694 (3) e a formatura a 4 de março de 1695 (4) . Após a for-matura, leu no Tribunal do Desembargo do Paço por algum tempo (5) . Alguns anos mais tarde, o Rei nomeou-o Juiz de Fora de Tran-coso, onde permaneceu até resolver, em 1701, abraçar o estado reli-gioso na Ordem Franciscana .

Começou o noviciado no Convento de São Francisco de Lisboa a 23 de março de 1701 e ali mesmo professou a 24 de março do ano seguinte. Recebeu a ordenação sacerdotal pouco tempo depois . Não consta a data, mas foi certamente antes de iniciar os estudos teológicos (6) . Provàvelmente em 1703 enviaram-no os superiores a estudar Teologia no Colégio de São Boaventura em Coimbra, on-

(1). — PIEDADE (Frei António da 1, Elogio Funebre nas Exeauias do Excellen-tissimo Reverendissimo Senhor D. ,Fr. Antônio de Guadalupe, Lisboa 1741, p. 5. Não descobrimos quando iniciou ali os estudos de Filosofia, nem quanto tempo duraram.

. — Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC), Matriculas (secção Estatuta-rios), vol. 23, Parte I (1688-1689), f. 190v.

. — AUC, Actos e Graos, vol. 48 (1693-16941, f. 81. . — AUC, Actos e Graos, vol. 48 (1964-1965), f. 35v. . — PIEDADE, Elogio Funebre, p. 5. Deve tê-lo exercido por vários anos,

pois não chegou a completar um triênio de Juiz em Trancoso, quando resolveu entrar em Religião. CONCEIÇÃO (Cláudio da) , Gabinete Histó-rico, t. IX, 2, ed., Lisboa, 1918, p. 137. Ora, Dom Guadalupe resolveu entrar na Ordem Franciscana só em 1701.

(6). — SACRAMENTO (Frei António do), História Seráfica Cronológica da Or-dem de São Francisco na Província de Portugal da Regular Observância, MS, 1768, p. 111; Cf. PIZARRO E ARAI JO (José de Souza Azevedo), Memórias Históricas da Província do Rio de Janeiro, t. IV, Rio de Janeiro, 1820„ p. 143. E o processo para sua nomeação de Bispo diz em 1725, que éle "é sacerdote há mais de 20 anos". Arquivo Secreto Vtticano (ASV), Proc. Concist. 111, f. 581v.

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de foi Colegial e Passante (7) . Nessa época o Colégio de São Boa-ventura — como os outros Colégios religiosos — estava incorporado à Universidade de Coimbra, constituindo a Faculdade de Teologia daquela Universidade (8) . Completo o triênio dos estudos teológi-cos, retirou-se para o convento de Guimarães, onde levou vida re-colhida.

Em 1708 os superiores instituíram-no pregador, atividade que exerceu ininterruptamente até 1722 (9) . Revelou-se Dom Guadalupe um pregador fecundo: percorreu por cêrca de 15 anos as Províncias de Entredouro, Minho, Beira e Trás-os-Montes, pregando nas igre-jas matrizes, em mosteiros de religiosos e de religiosas, e sua fa-ma espalhou-se por todo Portugal (10) . Também durante os 15 anos aproximadamente em que ocupou a Sé do Rio de Janeiro pregava assiduamente .

O rei João V apresentou-o para Bispo do Rio de Janeiro a 25 de novembro de 1722 (11) . A confirmação de Dom Guadalupe, po-rém, atrasou-se vários anos. Em primeiro lugar o atraso deveu-se à lentidão habitual do processo (12) . Outro motivo da demora foram as dificuldades surgidas entre o rei português e o Papa a respeito do teor das confirmações . Finalmente Bento XIII confirmou-o a 21 de fevereiro de 1725, pela Bula Apostolatus Officium (13) . Sagrou-o o Patriarca de Lisboa Dom Tomás de Almeida, a 13 de maio do mesmo ano (14) . A 2 de junho partia para sua diocese no Brasil (15), aonde chegou a 2 de agôsto (16) .

— PIEDADE, Elogio Funebre, p. 29; Cf. BPE, CX//1-10, f. 244. O Passante aju-dava o Lente; era o Passante quem repetia em classe com os alunos a maté-ria dada pelo professor em aulas anteriores.

— LOPES (Fernando Félix),0 Ensino das Doutrinas de Escoto na Universidade de Coimbra, Braga 1966, p. 14.

(9) . — PIEDADE, Elogio Funebre, p. 29. Não chegou Dom Antônio de Guadalupe a ocupar cargo algum na sua Província, apenas o ofício de pregador.

— PIZARRO, Memórias Históricas, p. 144. Frei Antônio da Piedade afirma-va nas exéquias do Bispo que Dom Guadalupe era "um dos maiores pregadores dêste século". Elogio Funebre, p. 30. Sem dúvida trata-se de um exagêro retórico. Mas é certo que tornou-se bastante famoso como pregador. Cf. NUNES (Antônio Duarte),. Almanac Histórico da C4 clatle de S. Sebastião do Rio de Janeiro, em "Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro" 21 (1858), p. 128.

— BPE, CXI/1-10, f. 125. Alguns autores trazem data diferente. Mesmo um historiador sério como Pizarro dá a' data de 25 de janeiro de 1722. Mas deve ser simples engano. Cf. Gazeta de Lisboa, ano de 1722, n. 48 (26 de no-vembro), f. 384.

— Só a 12 de junho do ano seguinte havia o Arcebispo-Primaz terminado as investigações e enviara o resultado ao Secretário de Estado português. Biblioteca Nacional da Ajuda (AJUDA), 52-X-2, n. 29.

— Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo (ANTT), Bulas, Breves etc, maço 47, n. 13.

— Gazeta de Lisboa, ano de 1725, n. 20 (17 de maio), f. 160. — Gazeta de Lisboa, ano de 1725, n. 23 (7 de Junho), f. 184. — BARBOSA MACHADO (Diogo), Biblioteca Lusitana, t. IV, Lisboa, 1759,

p. 38. Pizarro diz que no dia da chegada (2 de agôsto) tomou posse pelo Deão Gaspar Gonçalves de Araújo, e que no dia 4 fêz a entrada pública. Memórias Históricas, p. 145.

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Dom Antônio de Guadalupe governou a diocese do Rio de Ja-neiro por cêrca de 15 anos, até que o mesmo Rei Dom João V o transferiu para a de Viseu, no Reino, em 1739, da qual, porém, não chegou a tomar posse por falecer a 31 de agôsto de 1740, poucos dias após desembarcar em Lisboa.

2. — OBRAS .

Deixou Dom Antônio de Guadalupe dezenas e dezenas de ser-mões manuscritos, que após sua morte passaram às mãos de seu con-frade e conterrâneo Frei Manuel de São Dâmaso, o qual planejou publicá-los em 10 ou 12 volumes (17) . Na realidade Frei Manuel conseguiu dar à publicação apenas 4 volumes de Sermões Vários: Parte Quaresmal, em 1749; Parte única da Semana Santa, 1749; Parte Primeira Santoral, 1753; Parte única Adventual, 1754. Ëste último volume não chegou a circular, pois, estando a edição já im-pressa, foi destruída pelo terremoto de 1755 (18) . Outros volumes não chegaram a ser publicados; possivelmente também os manuscri-tos se perderam no dito terremoto.

Já em vida, pensara Dom Guadalupe em publicar sermões seus. Preparou para tal um volume e mandou-o a Portugal para a impres-são. Porém, antes de ser impresso, o volume preparado foi consumi-do por um incêndio que devastou o convento de São Francisco de Lisboa (19) .

O estilo dos sermões é o estilo gongórico da época: frases em-poladas, muitas citações latinas, quase sempre de sentido acomoda-tício. Contudo, Inocêncio da Silva julga que os Sermões de Dom Antônio de Guadalupe são

"menos maus que a maior parte dos seus contemporâneos e po-dem ter lugar em qualquer biblioteca como specímen do gôsto daque-le tempo" (20) .

. — GUADALIIPE (Dom Antônio‘ de), Sermões Vários, vol. I. Prólogo de Frei Manuel de 'São Dâmaso, p. 4.

. — Não sabem os autores da publicação dêste 4c volume dos Sermões Vários. SILVA (Inocêncio F. da), Diceionário Bibliographico Portuguez, t. I, Lisboa, 1859, p. 153. e ALMPTDA. (P0,turiato lel. "Antoine Ce Gua4.,, Tuile", em Dictionaire dllistoire et de Geogra fie Éciésiastiques, vol. III, col. 776, afir- mam não saber se n 49 vnl ,, r, e chegou a irnp,irni ,-,e. Ba-bosa Marhado, ao Terremoto de 1755" (Biblioteca Nacional de Lisboa, cota 15328 Rei). pronta Já em 1753, ainda afirma dêste volume: "Está pronto para a impres-são com tôdas as licenças". Bibliotheca Lusitana, t. IV, p. 39. Contudo, encontramos na Biblioteca Nacional de Lisboa um exemplar do volume 49 dos Sermõens Vários, com a seguinte anotação á mão na primeira pá-gina: "Este quarto tomo não correu, porque, a impressão Já acabada, e com as segundas licenças, se queimou na oficina no incêndio que seguiu ao Terremoto de 1755" (Biblioteca Nacional de Lisboa, cota 15328 Real).

. — GUADALIIPE, Sermõens Vários, vol. I, Prólogo de Frei Manuel de Sio Dâmaso, P. 3.

. — Diccionario Bibliographico, t. I, p. 153.

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3 . — ATIVIDADES .

Como Bispo, mostrou-se Dom Antônio de Guadalupe um pastor solíticito de seu rebanho . Pregador exímio que era, continuava a pre-gar regularmente também sendo prelado do Rio de Janeiro. Nos sermões ali pregados fustiga com palavras veementes os principais vícios e abusos da época e do ambiente: sensualidade, ganância, ava-reza, exploração dos escravos (21) .

Como não havia Constituições próprias para o bispado do Rio de Janeiro, adotou as Constituições Primeiras, que Dom Sebastião Monteiro da Vide elaborara para a Diocese da Bahia em 1707, por ocasião do primeiro sínodo realizado no Brasil. Fê-lo pela Pastoral de 16 de setembro de 1728 (22) . As Constituições Primeiras rege-ram a diocese pelos decênios seguintes. Documento de fins do sé-culo XVIII ou começos de século XIX atesta que elas estavam ainda em vigor na diocese do Rio de Janeiro (23) .

Percorreu o Bispo várias vêzes sua vasta diocese, que abrangia 101 freguesias. Duas vêzes realizou visita pastoral às Minas Gerais: a primeira logo após sua chegada ao Brasil, nos anos de 1725-1727; a segunda nos anos de 1733-1735 (24) . Por São Paulo também passou uma vez, em 1728, ao voltar da' primeira visita às Minas Gerais (25) .

Percorreu também as paróquias da Baixada Fluminense por "duas ou três vêzes" e as da Cidade por seis vêzes (26) .

Naturalmente, não palmilhou Dom Guadalupe todo o território que pertencia à sua vastíssima diocese. Na Capitania de São Paulo chegou apenas à cidade do mesmo nome, não indo mais além. Tam-bém não visitou a região mais ao sul, que nessa época já tinha lugares colonizados, como Paranaguá, Destêrro, Rio Grande. Mas, se aten-dermos às enormes dificuldades de viajar pelo sertão naquele tem-po, devemos reconhecer que o zêlo do Bispo do Rio de Janeiro foi notável .

— Eram os vícios mais comuns naqueles lugares e circunstâncias. Estamos auge de corrida ao ouro das Minas Gerais. Cf. GUADALIIPE, Sermôens Vários, vol. I, p. 45-51 (avareza, ganância), p. 51-60 (liberta.gem), p. 225-237 (sensualidade); vol. IV, p. 52-55 (exploração dos escravos). Cf. também CARRATO (José Ferreira), As Minas Gerais e os Primórdios do Caraça, São Paulo, 1963, p. 152.

— Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, Rulário do Arcebispado de São Sebastião do Rio de Janeiro, Tomo I, p. 283-293.

— Elementos de Historia Eclesistica de Portugal, MS, AJUDA, 52-VIII-64, n. 30.

— CARRATO As Minas Gerais, p. 57, 106-107. Foi Dom Guadalupe o pri-meiro Bispo a visitar a região das Minas Gerais. Na visita de 1726-1727, criou ali as primeiras varas eclesiásticas e lhes deu os primeiros párocos. Antes havia capelas e padres, mas não paróquias regularmente organizadas.

— AFIII, São Paulo, n. 2865, f. 1. —.PIZARRO, Memórias Históricas, p. 147.

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Uma das preocupações constantes, talvez a principal, de Dom Antônio de Guadalupe era o nível de formação do seu clero, sobre-tudo os estudos de Moral. Pela já mencionada Pastoral de 16 de se-tembro de 1728, introduziu em sua diocese as Conferências de Mo-ral, cujos conhecimentos por parte do clero julgava insuficientes, e obrigou todos os eclesiásticos a assistí-las sob pena de suspensão . Mostrou-se muito diligente em inquirir das capacidades dos párocos e pretendentes a dignidades eclesiásticas, quer seculares, quer reli-giosos . Não ordenava nenhum

"sem evidentes provas do estudo de Moral" (27).

Narra ainda Pizarro que, ao comer no refeitório com todos "os da família", fazia freqüentemente perguntas e punha casos para exa-minar os seus sôbre os estudos (28) .

Notáveis as obras que empreendeu em sua diocese . Em 1739 fundou o Seminário de São José para formar os candidatos ao sacer-dócio . Fundou também um seminário para órfãos, o de São Joaquim; construiu o Aljube, ou prisão, para os eclesiásticos, para êstes te-rem acomodações mais decentes que os prisioneiros civis; em 1738 transferiu a catedral da igreja de São Sebastião para a de Santa Cruz dos Militares, em posição melhor; aumentou o cabido; elaborou os Estatutos da Sé em 1733; além de outras realizações (29) .

4. — PERSONALIDADE.

Foi Dom Guadalupe um Bispo piedoso e virtuoso . Além do Ofício e Missa, fazia cada manhã uma hora de meditação e em se-guida disciplina; à noite uma hora de oração com todos os da casa, após a qual seguia-se o têrço e outras devoções, leitura de livros pie-dosos, especialmente os Exercícios Espirituais do P . Antônio Rodri-gues, Jesuíta (30) . Nutria devoção especial a Nossa Senhora desde sua entrada na Ordem, motivo pelo qual escolhera o nome religioso de Guadalupe

Da côngrua e outros emolumentos, guardava para si e para os seus o estritamente necessário para o sustento, e o resto distribuía-o em esmolas para viúvas e donzelas recolhidas (31) . Tais esmolas

. — PIZARRO, Memórias Históricas, P. 150.

. — PIZARRO, Memórias Históricas, p. 152.

. — PIZARRO, Memórias Históricas, p. 154-157.

. — PIZARRO, Memórias Históricas, p. 152. Por fazer pessoalmente e ter in-troduzido no seu seminário a oração mental qüotidians„ Serafim Leite considera-o precursor da espiritualidade moderna no Brasil. História da Companhia de Jesus no Brasil, vol. VI, Lisboa Rio de Janeiro 1945, p. 30, nota.

. — SACRAMENTO História Seráfica, p. 114; PIZARRO, Memórias Históricas, 153-154.

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eram freqüentes e generosas, de modo que o tornaram conhecido como Amparo dos pobres . No testamento doou 20 mil cruzados aos que o assistiam nos seus últimos dias, a obra pias e a mosteiros (32).

Era o Bispo do Rio de Janeiro de caráter austero, severo, rigo-roso consigo mesmo e com os outros . Cortava abusos sem con-descendência . Tal dureza granjeou-lhe muitos inimigos . Ainda quan-do era Juiz de Fora de Trancoso, devido à sua conduta intransigente, teve "certas implicâncias" com os nobres de lá (33) . Mais tarde, quando Bispo do Rio de Janeiro, acusaram-no de "severo, litigioso e cobiçoso" (34) .

Mostrou-se especialmente rigoroso em relação ao clero, a tal ponto que a fama da severidade com os eclesiásticos chegou até ao reino (35) .

O historiador da diocese do Rio de Janeiro, Pizarro, assim o ca-racteriza:

"Brando em admoestar as obrigações e deveres dos súditos, era severo em repreender; e, pronto em premiar o merecimento, castigava também a culpa com igual facilidade, sem faltar à caridade... A Va-ra de sua jurisdição feria do mesmo modo ao longe, que ao perto" (36).

Refere o mesmo autor que Dom Guadalupe mostrava-se intransi-gente em não aceitar padrinhos ou pedidos para a obtenção de car-gos eclesiásticos (37) . Contudo, como veremos mais adiante, em sua atuação como interventor apostólico na Província Franciscana da Imaculada Conceição, deixou-se levar por influências partidárias .

Desde sua chegada à diocese do Rio de Janeiro entrou Dom Antônio de Guadalupe em contacto com os franciscanos da Província da Imaculada Conceição, cuja sede provincial era o Convento de Santo Antônio, na mesma cidade . Tais relações começaram e con-tinuaram quase sempre sob o signo da tensão, a qual chegou ao climax nos anos de 1738-1740, em que o Bispo exerceu o cargo de Interventor Apostólico e Reformador da Província da Imaculada Conceição.

. — PIZARRO, Memórias Históricas, p. 163. . — SACRAMENTO, História Seráfica, p. 111. . — GUADALUPE, Sermõens Vários, vol. I, Licenças da Ordem, página não

numerada . . — "...vozes... que chegavam a ouvir-se no Reino, dizendo nue o Bispo

do Rio tinha muitas circunstâncias de rigoroso". SACRAMENTO, História Seráfico, p. 113. Com relação aos franciscanos revelou-se severo em exigir ciência e licença para atenderem confissões, o que gerou conflito que durou vários anos.

. — PIZARRO, Memórias, Históricas p. 151-152, e 153. (3'i) . — PIZARRO, Memórias Históricas, p. 150.

CAPÍTULO III .

DECRETAÇÃO DA INTERVENÇÃO APOSTÓLICA .

Traçamos nos dois capítulos precedentes um conspecto geral da Província da Imaculada e um perfil do interventor apostólico Dom Antônio de Guadalupe, então Bispo do Rio de Janeiro . Entrando agora diretamente no tema que nos propusemos investigar, a saber a intervenção apostólica na Província da Imaculada Conceição, ana-lisaremos ao presente capítulo a decretação da intervenção apostóli-ca, seus motivos, seus fautores .

1. — O BREVE APOSTÓLICO.

Aos 8 de março de 1738, pelo Breve Pastoralis Officii (1), o Papa Clemente XII decretava a intervenção apostólica na Província Franciscana da Imaculada Conceição • do Rio de Janeiro e nomeava "Visitador Apostólico e Reformador" da mesma ao Bispo do Rio de Janeiro Dom Antônio de Guadalupe . Foi a primeira e única vez que tal aconteceu nesta Província Franciscana nos seus quase três séculos de existência .

O Breve concedia ao Reformador, pelo espaço de 3 anos, plenos poderes para tomar tôdas as medidas necessárias e decretar tudo quanto julgasse em consciência necessário ou útil para extirpar os abusos existentes, devolvendo a Província ao antigo zêlo . Concedia--lhe também o poder de revogar quaisquer eleições de Provincial, Definidores, guardiães, etc . , que não tivessem sido realizadas de acôrdo com os sagrados cânones, e de em seu lugar nomear as pes-soas que julgasse mais idôneas. Se o Visitador descobrisse "algo de mais grave", deveria comunicá-lo à Santa Sé, para esta resolver o que se deveria posteriormente fazer .

Os motivos alegados para a intervenção são "várias desordens" originadas do "govêrno impotente dos atuais superiores", os quais, "desprezando a justiça distributiva e a dignidade das pessoas" na dis-tribuição dos cargos na Província, atendiam mais às "próprias am-bições" do que à promoção da observância regular (2)

. — ASV, Secr. Brev. 2916, f. 264-267. O Breve está também em TO II, f. 44v-45v.

. — ASV Secr. Brev., 2916, f. 264-264v. Estes motivos estão também na petição de intervenção, que se encontra a f. 265-265v.

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O Breve refere-se ao govêrno impotente dos "atuais superiores" (8 de março de 1738); atinge pois o provincialado de Frei José do Nascimento, que regeu a Província da Imaculada Conceição de 5 de março de 1735 até a 31 de maio de 1738. Quanto às "várias desor-dens" existentes, o Breve não diz nada de mais preciso. Afirma sim-plesmente que não se observa a justiça distributiva, referindo-se evi-dentemente à lei da Alternativa, em vigor na Província desde 1719, e que não há cuidado em eleger-se pessoas dignas para os diversos car-gos.

A que desordens alude o Breve pontifício? Quais foram em con-creto as injustiças cometidas pelos superiores? Quais os agentes da intervenção? Não o diz o Breve de Clemente XII; empregam ape-nas têrmos genéricos . Esperamos que isto se torne mais claro logo abaixo, ao procurarmos os agentes e os motivos da intervenção e no capítulo em que trataremos da Grande Pastoral de Reforma.

2. — TOMADA DE POSSE DO INTERVENTOR — PRIMEIRA PASTORAL .

Nada transpirou na Província da Imaculada Conceição a res- peito da intervenção apostólica. Tudo fôra feito com muita discri- ção, como pedira o Secretário de Estado Pedro da Motta e Silva (3) . Estando embora já assinado o Breve a 8 de março de 1738, realizou-se normalmente a 31 de maio o Capítulo provincial em que foi eleito Provincial o Ex-definidor Frei José de Jesus Maria e se fizeram várias determinações e providências administrativas (4) . Mas o govêrno do nôvo Provincial duraria apenas 2 meses e 2 dias .

No dia 2 de agôsto, festa da Porciúncula, tão cara aos francis- canos, apresentou-se no Convento de Santo Antônio do Rio de Ja- neiro, sede do Provincialado, o Bispo do Rio de Janeiro Dom Antô- nio de Guadalupe . Reuniu na biblioteca do convento tôda a comu- nidade e apresentou e mandou ler o Breve de Clemente XII, que o instituía Visitador Apostólico e Reformador, e mais uma carta régia de 27 de abril, em que o Secretário de Estado ordena que o Bispo

"execute inteiramente tudo quanto contém o dito Breve",

oferece ajuda do braço secular se fôr preciso e manda que o Bispo dê contas de tudo a Sua Majestade (5) .

Acabada a leitura dos documentos — relata o autor do Tom-bo da Província —

— "... e ter quanto poder em segrêdo esta expedição que dela não se tenha notícia antes de chegar a esta Côrte e recomendo a brevidade...". AJUDA, 51-X/-2, n. 136.

— ROEWER, História, p. 82-83; TG. II. f. 42-44. — TG. II, f. 44v.

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"levantaram os Religiosos o Te Deum Laudamus e o foram can-tando até a capela-mór da nossa Igreja, onde concluindo-se o ato com as orações costumadas ficou reconhecido por Reformador desta Província o Exmo. Revmo. Sr. Dom Frei Antônio de Guadalupe" (6).

Por esta vez foi só isto, pois o livro do Tombo diz que a "pri-meira operação dêste Excelentíssimo Prelado" foi promulgar a Pas-toral, que analisaremos em seguida. Escolheu o Bispo a Frei João da Conceição como secretário para os atos da visita e reforma (7) .

Decorrido pouco mais de um mês, publica o Reformador Dom Guadalupe, a 6 de setembro de 1738, sua primeira Pastoral, na qual aborda vários pontos que necessitavam de reforma.

Eis em resumo o conteúdo do documento: Começa por relem-brar a obrigação de todos os frades o reconhecerem como seu legí-timo Prelado, obedecer-lhe e colaborar. Em seguida relembra os mo-tivos da intervenção apostólica, que estão já contidos no Breve que já consideramos: "várias desordens" nascidas do "insolente domí-nio" dos superiores anteriores, os quais desprezavam a "justiça distri-butiva" e os "religiosos dignos", para satisfazerem antes suas "paixões e cobiças particulares", em vez de zelarem pela observância regular. Recomenda a observância da Regra. Quanto à ambição: adverte se-veramente a quem se atrever a procurar cargos, a pedir-lhos, a lison-gear para obtê-los . Quanto à cobiça: observa-se melhor a pobreza, todos entreguem o que tiverem, os Superiores velem para que todos tenham o necessário. Todos, após o côro, trabalhem ou estudem, para evitar o ócio . Para evitar a murmuração, guarde-se o silêncio nas horas prescritas, e, em outro tempo, as conversações sejam

"em práticas de virtude, em vidas de santos e em casos de moral".

Todos, confessores, pregadores, sacerdotes símplices aprendam o que devem . Todos observem fielmente a Regra, façam oração mental, evitem vagueações fora dos conventos . Os esmoleres não peçam esmolas em dinheiro . Quanto a êste último ponto, diz o Bispo que-os guardiães dos conventos não são cuidadosos em escolher os esmoleres e os mandam "sem tempo determinado", o que resultou em muitos escândalos "como sabemos no decurso de treze anos". Por fim, antes de mandar ler a Pastoral em todos os conventos e transcrevê-la, adverte que "tomará conta exata" de tudo "quando fôr

. — TG. II, f. 46. Os Estatutos, cap . 38„ p . 81ss, prescrevem as cerimônias e orações a serem feitas na recepção do Visitador.

. — Frei João da Conceição assina-se em geral "Secretário" nos atos do Reformador; às vézes, porém, assina-se também "Pro-secretário". Era Ex-lente de Teologia e mais tarde, na Congregação intermédia de 15 de dezembro de 1739, será eleito guardião do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. RESUMO TO, p. 37.

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tempo"; e que outras coisas mais inquirirá "com muita especialidade" na Visita Geral (8) .

Segundo as leis da Ordem deveria o Visitador-Reformador, co-mo todos os Visitadores, fazer a visita canônica da Província, per-correndo todos os conventos (9) . E' a esta visita que alude certa-mente a Pastoral. Mas não consta que a tenha realizado (10) .

Nem aqui aponta o Bispo casos concretos, mas apenas abusos gerais: retenção de coisas contra o voto da pobreza, ócio, vaguea-ções fora dos conventos, pouco estudo, etc. São pontos que voltará a atacar na sua Grande Pastoral de Reforma; por isso tratá-los-emos adiante ao analisarmos a dita Pastoral.

3 . — AGENTES E MOTIVOS IMEDIATOS DA INTERVENÇÃO.

Diante do fato da intervenção decretada pelo Breve de Clemen-te XII, acode-nos a pergunta: Quem a promoveu junto à Côrte e junto à Santa Sé? E por que? Vejamos os documentos que , pedem a intervenção na Província da Imaculada .

O primeiro documento é a carta do Secretário de Estado portu-guês Pedro da Motta e Silva, datada de 19 de dezembro de 1737, dirigida ao encarregado dos negócios eclesiásticos junto à Santa Sé. A missiva afirma que se tornava necessário pedir ao Papa nomeasse a Dom Antônio de Guadalupe interventor na Província da Imaculada, a qual se achava "em miserável estado de relaxação", para salvá-la "antes que de todo se arruíne" (11) . Não menciona a carta as pes-soas que pediram ou que estavam interessadas na intervenção. Mas aponta as pessoas atingidas por ela, ao dizer que a relaxação é cau-sada pela

"prepotência do partido dominante, de que é capataz o famoso Definidor Geral Frei Fernando de Santo Antônio";

que afinal é o dito Frei Fernando quem por trás, de Lisboa, a gover-na e trama para perpetuar govêrno da mesma os de seu partido; e que para conseguir seus intentos recebe dela grossas remessas de dinheiro (12) . O Secretário de Estado indica, pois, as pessoas visa-das pela intervenção: o Definidor Geral Frei Fernando de Santo An-tônio e o então Provincial Frei José do Nascimento (13) .

. — TG. II, f. 46-47v.

. — Podia fazê-la por si ou por pessoa delegada.

. — No TG. II, não há nenhum documento e nenhuma referência a tal visita canónica aos conventos. Cf. ROEWER, História, p. 85.

. — AJUDA, 51- XI-2 n. 136.

. — AJUDA, 51-XI-2, 'n. 136.

. — Frei Fernando de Santo Antônio, de quem Já demos alguns dados acima, era o cabeça dos frades da filiação portuguêsa. Frei José do Nascimento pertencia à filiação portuguésa também. Ainda nos ocuparemos mais de-

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E os abusos que motivaram tal medida? Apontam-se dois: o subôrno praticado por Frei Fernando para conseguir seus intentos e as preferências dadas pelo partido dominante, isto é, o dos portugu-guêses, que nos anos de 1735 a 1738 tinham o Provincial, aos con-frades da mesma filiação . De subôrno já fôra o mesmo Frei Fer-nando acusado uma vez, pelos anos de 1723-1724 (14) . Quanto ao favoritismo exercido pelo partido de Portugal e suas tentativas de dominar na Província, há dois pontos a notar:

Primeiramente punham-se obstáculos à admissão de brasileiros. Com efeito, registram-se queixas neste sentido nos anos de 1723-1724 (15) e, últimamente, no govêrno de Frei José do Nascimento em 1735 (16) . E' verdade que o alargamento da Alternativa em 1723, com a proibição de receber noviços brasileiros até que se igualasse o número de frades de ambos os partidos, justificava a discriminação inicial em favor dos portuguêses, que constituiam minoria . Contudo, embora faltem estatísticas exatas dos anos imediatamente sucessivos à introdução da Alternativa, pode-se razoàvelmente supor que já antes de 1735 o equilíbrio entre as duas filiações tivesse sido alcan-çado.

Em segundo lugar, parece que, durante êstes anos precedentes à intervenção apostólica, foram preteridos os filhos do Brasil na dis-tribuição dos cargos, apesar da prescrição da Alternativa . E' o que se deduz da habilitação que teve de ser dada aos vogais do partido da Brasil para poderem ser eleitos para os cargos maiores no Capí-tulo de 31 de maio de 1738 (17) .

O segundo documento é o pedido final, com data de 5 de março de 1738, apresentado ao Papa para pedir-lhe a intervenção apostó-lica na Província. Ëste pedido enumera os abusos mais breve e vaga-mente — "prepotência de quem atualmente governa", sem atender "à justiça distributiva e à escolha dos sujeitos", expressões estas que o Breve assumiu — e se refere aos suplicantes, dizendo que são "os religiosos mais zelantes" da Província (18) . Tão pouco neste do-cumento se apontam os agentes que promoveram a intervenção.

talhadamente com a figura de Frei José no próximo capítulo, ao expormos a ação contra êle praticada por Dom Antônio de Guadalupe.

. — Um relatório enviado do Brasil à Cõrte nesses anos, afirma que Frei Fer-nando, então procurador da Província em Lisboa, gastara mais de 12 mil cruzados, para a consecução de interêsses partidarios. AHU, Rio de Janeiro, n. 4470.

. — AHU, Rio de Janeiro, n. 4470.

. — AHU, cod. 174, f. 275v.

. — "... convieram todos (os capitulares) que, visto a falta que há de su-jeitos qualificados segundo nossas leis e habilitados para entrarem a se-rem Definidores... que se dispensasse, como fato se dispensa, com todos os vogais do partido do Brasil, para que possam entrar em votos para Definidores e obter os mais cargos maiores da Província...". TG. III I. 41v-42. Ora, os requisitos para tais cargos maiores eram certo número de guardianias, presidências de conventos, etc. Cf. Estatutos, p. 62ss.

. — ASV, Secr. Brev., 2916, f. 265.

339 —

Como vimos, a intervenção apostólica visava o provincialado de Frei José do Nascimento e o grupo que com êle governava. Por isso é natural que procuremos os promotores da dita intervenção entre as pessoas atingidas por aquêle Provincial ou por qualquer motivo descontentes com êle. Ora, as pessoas mais interessadas numa inter-venção na Província eram Frei Francisco das Chagas e o próprio Bis-po do Rio de Janeiro, Dom Antônio de Guadalupe . Analisaremos, pois, a seguir, primeiramente o "caso" de Frei Francisco das Chagas e, em seguida, as relações do Bispo do Rio de Janeiro com os frades da Província da Imaculada Conceição .

O "caso" de Frei Francisco das Chagas.

Era Frei Francisco das Chagas português, nascido no bispado de Lamego . Professou na Província de Santo Antônio da Bahia em 1705, onde lecionou até 1723. A pedido do Provincial da Província da Imaculada, passou em 1725 a lecionar Teologia nesta (19) . Por patente do Ministro Geral da Ordem exerceu o cargo de Visitador e Presidente do Capítulo provincial de 1732. Neste mesmo Capítulo, o Definitório o incorporou à Província da Imaculada e lhe conferiu mais alguns privilégios, em recompensa dos seus trabalhos no ensino das ciências sagradas (20) .

Mas justamente então começaram as complicações . O Ministro Geral anulou a incorporação por patente de 10 de agôsto de 1733, alegando não ter sido consultado . O Definitório provincial relutou em aceitar a patente anulatória do Ministro Geral. Esta foi à Mesa definitorial por duas vêzes, sendo que na segunda, a 7 de fevereiro de 1735, reconheceu-se a anulação decretada pelo Geral, mas decla-rando-se que se concedia a Frei Francisco o livre recurso à autori-dade competente (21) .

Antes de chegar a patente do Geral, Frei Francisco fôra tam- bém eleito guardião do Convento de São Francisco da cidade de São Paulo, na congregação intermédia de 22 de agôsto de 1733. Ora, também esta eleição teve de ser anulada devido à anulação, pelo Ministro Geral, da incorporação de Frei Francisco à Província (22) .

Estando as coisas assim, Frei Francisco resolve recorrer da sen- tença de anulação de sua incorporação à Província, e fê-lo pessoal- mente. Muniu-se de uma recomendação do Bispo do Rio de Janeiro, Dom Guadalupe, datada de 2 de junho de 1735 (23) . Deve ter par- tido para a Côrte logo depois, pois o Ministro Geral Frei João de

(19). — JABOATAO, Novo Orbe Seráfico, Parte I. vol. 1, p. 355. ' (2C). -- TG. II, f. 15-15v. O nr~10 Frei Franci ,.co trabalhou para conseguir para

si tais favores. Cf. AGOFM, 11/22, f. 60v. — ROEWER, História, p. 77. — ROEWER, História, p. 77. — ASV, Secr. Brev. 2884, f. 93.

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Soto, já a 14 de setembro do mesmo ano, envia de Madrid ao Defini-tório uma carta, na qual diz que o Provincial e Definidores não se preocupem com a vinda de Frei Francisco a Lisboa, pois foi in-formado sôbre isso pelo Definidor Geral Frei Fernando de Santo Antônio e tratará de enviá-lo de volta à sua Província nativa, isto é, à da Bahia (24) .

Frei Francisco das Chagas partiu sem licença de seus superiores religiosos, quer dos da Província Imaculada onde se achava, quer dos da Província de Santo Antônio da Bahia à qual pertencia de di-reito, uma vez anulada sua incorporação à outra . Dom Guadalupe declara que passa o atestado de recomendação porque Frei Francisco não tem

"superior religiosos que lhe possa dar licença para a viagem";

afirma que êle "não vai fugitivo" e pede que o reconheçam em tôda parte por religioso obediente (25) . Um dos motivos do grande em-pênho de Frei Francisco em conseguir da Santa Sé a convalidação de sua incorporação à Província da Imaculada era o temor de que a Província de Santo Antônio da Bahia, onde professara, não o readmi-tisse

A quem recorria Frei Francisco? Naturalmente deveria dirigir--se ao Ministro Geral da Ordem, em Madrid, pois dêle saíra a pa-tente anulatória . Era ademais questão de competência do Geral da Ordem. A recomendação dada pelo Bispo do Rio de Janeiro tam-bém dizia que o portador recorria ao seu Ministro Geral (26) . Con-tudo, Frei Francisco das Chagas não se dirigiu a Madrid, mas ficou em Lisboa . Certamente sabia das disposições do Padre Geral, que lhe era contrário. Ademais residia ali o Definidor Geral Frei Fer-nando de Santo Antônio, que era o informante do Ministro Geral sôbre os negócios da Província, e que já o informara sôbre as tra-mas de Frei Francisco, como o Geral escrevera na carta ao Definitó-rio provincial (27) .

Frei Francisco resolve, pois, permanecer em Lisboa . Quanto tempo demorou-se ali na Côrte? Em 14 de maio de 1736 devia estar ainda por lá, pois a tradução portuguêsa do atestado que levava con-sigo traz essa data e foi feita em Lisboa. Em seguida encaminha o recurso à Santa Sé e dela consegue um Breve de 6 de setembro de 1736, pelo qual o Papa convalida a incorporação feita antes pelo

— TG. II, f. 25v. — ASV, Secr. Brev., 2884, f. 93. Também o procurador geral observa que

Frei Francisco se achava em Lisboa sem licença dos superiores da Ordem. AOOFM, 11/22, 1. 60v.

—ASV, Secr. Brev., 2884, f. 93. — TG. II, f. 25v.

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Definitório no Capítulo provincial de 1732, a qual o Ministro Geral havia anulado (28) .

O Breve foi enviado ao Definitório provincial, junto com uma Carta régia para sua execução, conseguida por Frei Francisco . O Definitório, porém, embora declarando humilde submissão a Sua Majestade, recusou-se a aceitar a Ordem régia e o Breve papal, ale-gando que êste fôra obtido subrepticiamente, sem ouvir a Província, e referindo-se a Frei Francisco com palavras duras:

"... como esta Província não fôra ouvida, se fazia preciso re-presentar ao mesmo Senhor (o Rei) e a Sua Santidade as justas e grandes causas, que havia para por ora não admitirem ao dito Fr. Francisco das Chagas, pois ocultara assim ao dito Senhor, como a Sua Santidade, o ser sedicioso contra a paz e socêgo desta Província, aonde pretende dominar, e enquanto nela esteve com máximas e promessas clandestinas reduzira a seu intento as vontades de todos os seus discípulos e de alguns frades nossos menos prudentes e ze-losos do bem comum da Religião; e no Reino, para onde passara sem obediência e contra a do Reverendíssimo Padre Geral, que in-formado do referido o mandara viver na sua Província de Santo Antônio da Bahia, embandeirara vários frades, que nele andam após-tatas, e inimigos da Província, capacitando a todos com a sua intro-dução e incorporação, perdões, extensões de licenças, acomodações com cargos da Religião e persuadindo tanto que até conseguira dos Procuradores desta Província no Reino, os quais foram seus discípulos nesta Província, consentirem em -tudo o que é dano dela, fazendo-se infiéis em convirem e ainda procurarem os intentos do dito Frei Francisco das Chagas; do que se fôssem Sua Majestade e Sua San-tidade informados, não é verossímil haverem de conceder o dito Breve, nem mandar dar-lhe execução ..." (29).

São acusações graves que o Definitório lança contra Frei Fran-cisco . Serão talvez exageradas, por partirem de pessoas contrárias a êle . Mas deve haver um fundo de verdade . Jaboatão afirma que Frei Francisco era

"douto na faculdade... discursiva" (30).

Dono de estilo corrente e agradável, sabia falar de maneira cati-vante, de modo que não lhe seria difícil convencer os outros e con-quistá-los para seu lado . E' importante sobretudo saber que conquis-tou a seu favor os procuradores da Província em Lisboa, seus anti-gos alunos . Êstes procuradores na Côrte, e certamente o próprio Frei Francisco em pessoa junto com êles, promoveram a intervenção apostólica na Província da Imaculada . A 19 de dezembro de 1737, o

(28). — ASV, Seer. Brev., 2884, f. 91-95. O Breve está também em T. O. f. 49-49v. . — TO. II, f. 28v. Este têrmo do Deflnitério foi feito em 11 de junho de 1737. . — JABOATAO, Novo Orbe Seráfico, Parte I, vol. 1, p. 355.

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Secretário de Estado Pedro da Motta e Silva escreve ao encarregado dos negócios eclesiásticos em Roma a carta acima mencionada, decla-rando a conveniência de pedir que Sua Santidade nomeie o Bispo do Rio de Janeiro interventor na Província da Imaculada . Assim tudo estava encaminhado, e não tardou a ser decretada a intervenção a 8 de março de 1738.

Frei Francisco das Chagas deve ter ficado em Lisboa até fins de 1738, pois quando o Interventor nomeou os novos Prelados (24 de setembro de 1738) deixou de publicar os nomes de Custódio e um Definidor, dizendo que estavam eleitos, mas "ausentes dêste conven-to" (31) . Mas aos 9 de dezembro pôde o interventor obrigar o De-finitório a aceitar o Breve de convalidação alcançado por Frei Fran-cisco, e aos 15 de janeiro de 1739 nomeia-o Definidor subrogado. Evidentemente os "ausentes dêste convento" — o de Santo Antônio do Rio de Janeiro — deviam estar em Lisboa. E após a entrada de Dom Guadalupe no cargo de interventor 'na Província, Frei Francisco voltou, a fim de, confirmada sua incorporação à Província, assumir o cargo a êle reservado pelo interventor Dom Antônio de Guadalupe .

Dom Guadalupe e os Franciscanos. E Dom Antônio de Guadalupe, o interventor nomeado? Qual

teria sido sua posição ou participação em tôda esta contenda? Em-bora não haja documento que o afirme expressamente, há vários in-dícios, que nos permitem descobrir o dedo do Bispo nos aconteci-mentos, seu interêsse e talvez participação direta, a fim de obter a própria nomeação para interventor. Seja como fôr, será útil expôr a seguir as relações entre o Bispo e os frades da Província da Imacula-da Conceição . Isto ajudará a compreender tôda a sua atuação e a atitude assumida em relação aos frades durante os anos de 1738--1740, em que exerceu a intervenção.

Desde os inícios de seu govêrno na diocese do Rio de Janeiro, a tensão marcou as relações entre Dom Guadalupe e os franciscanos . • Pouco antes de parti de Lisboa, a Côrte o encarregara de restabe-lecer a tranqüilidade entre os frades da Província da Imaculada, ainda abalada pelo cisma começado em 1723 (32) . Também a Sa-grada Congregação dos Religiosos interviera: a 31 de agôsto de 1725 declarava suspensos ambos os Provinciais e. seus Definitórios e fa-cultava ao Bispo do Rio de Janeiro nomear um terceiro Provincial e Definitório, após o que devia o Bispo enviar o quanto antes um relatório dos acontecimentos à Santa Sé (33) . Esta medida não pre-

— TG. II f. 48v. — AHU, Rio de Janeiro, n. 4861. As facções haviam recorrido à Côrte e a

Roma. E a solução estava ainda pendente. — AGOFM, 111/8, Parte II, p. 90 Isto apesar de o Papa Inocêncio XIII ter-se

já pronunciado a favor do capitulo celebrado no convento de Santo Antônio.

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cisou ser tomada, pois o cisma terminou e fêz-se em paz o Capítulo de 1726 .

Ao Rei informou Dom Guadalupe da situação da Província por carta de 10 de junho de 1726, à qual o soberano respondeu a 15 de novembro pedindo que o Bispo indicasse os meios mais aptos para eliminar os abusos, e a 13 de março seguinte mandou que se cum-prissem as determinações da Santa Sé e do Ministro Geral da Ordem sôbre a matéria (34) . Tal foi o primeiro contato do Bispo Dom Guadalupe com os franciscanos de sua diocese.

Pouco mais tarde, após ter constatado nas visitas às paroquias da Cidade e do Recôncavo o insuficiente preparo dos pregadores e confessores em geral, obrigou todos os eclesiásticos a assistirem às Conferências de Moral, sob pena de suspensão, pela Pastoral de 16 de setembro de 1728, à qual já aludimos. Os frades franciscanos, porém, não deram grande importância a esta prescrição . Em 1730, por outra Pastoral, Dom Guadalupe reforçava a primeira e exigia pa-ra os candidatos a confessor ou pregador um exame mais acurado, a ser feito por êle mesmo . Os frades recusaram-se, alegando privilé-gios da Ordem (35) . O Bispo então suspendeu as licenças de con-fessar e pregar e dizer missa a todos os franciscanos da Cidade do Rio de Janeiro e do convento do Bom Jesus da Ilha (36) . Tendo o Ministro Provincial recorrido à Côrte, esta, a 14 de março de 1731, mandou o Bispo retirar a sentença de suspensão contra os frades (37).

Poucos anos mais tarde, dá-se nôvo desentendimento, mais gra-ve ainda, que envolve diretamente o Provincial Frei José do Nasci-mento, além do Lente em São Paulo Frei Manuel da Encarnação . Tinha o Bispo, em 1735, mandado um delegado seu visitar São Paulo, crie pertencia à sua diocese . Nessa visita "saiu criminoso" — diz o autor do livro do Tombo da Província, mas sem especificar quais fôssem as culpas — um frade do Convento de São Francisco da mes-ma cidade, o Ex-leitor de Prima Frei Antônio do Espírito Santo (38) . O Bispo exige do Provincial que castiçue o delinqüente den-

— PIZARRO, Memórias Históricas, p. 157-159. Êste autor nos dá notícia das cartas mencionadas. Não as encontramos e desconhecemos o conteúdo pre-cioso.

— O superior recusou-se a dar aos confessores as patentes exigidas pelo Bispo, para serem apresentadas aos párocos aonde os religiosos iam aju-dar. Um dos frades chegou a arrancar a primeira Pastoral do Bispo das igrejas da Candelária e de Santa Cruz. PIZARRO, Memórias Históricas, p. 149.

(36) . — AHU cod. 56, f. 201v. e também f. 310v. O recurso interposto pelo Pro-vincial, porém, diz que o Bispo suspendeu a todos os seus súditos, e que tôda a Província está ameaçada de ruína, pois o único patrimônio da mesma são as esmolas dos fiéis, as quais pela proibição do Bispo cessariam de todo.lbid., f. 310.

(37). — AHU, cod. 56, f. 310v. (38) . — TO. II, f. 29v. Roewer diz erradamente que o Bispo em pessoa visitou

São Paulo. Cf. História, p. 81.

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tro de quatro meses .0 Provincial trasfere o frade imediatamente pa-ra o Convento do Bom Jesus da Ilha, no Rio de Janeiro. Mas êste, em lugar de obedecer, foge, de modo que se tornou impossível casti-gá-lo . Apesar disso, passados os quatro meses, vendo o Bispo que o Provincial não castigara o frade culpado, proferiu sentença contra Frei José do Nascimento, privando-o do cargo de Ministro Provincial. Êste apelou contra a sentença de deposição. O Padre Lente Frei Manuel da Encarnação elaborou para o Provincial um longo Parecer, no qual mostra que em semelhantes casos os Bispos não têm poder de depôr um Prelado religioso (39) . Igualmente mandou Frei José elaborar o recurso à Côrte e à Santa Sé, provando que o Bispo do Rio de Janeiro fôra injusto e a apelação devia ser aceita (40) . Êste litígio agravou ainda mais a tensão entre os franciscanos e Dom Gua-dalupe. Durante sua atuação como interventor apostólico, não deixa-rá êste de encarcerar a Frei José do Nascimento e de depôr da cáte-dra a Frei Manuel da Encarnação, como veremos ainda (41) .

Os casos acima relatados levam a crer que o Bispo do Rio de Janeiro estivesse interessado em impor-se aos frades e reduzí-los à obediência . Teria êle também agido no sentido de obter a intervenção apostólica na Província, e de ser nomeado interventor? Para lançar luz sôbre esta pergunta, analisaremos brevemente as relações de Dom Guadalupe com Frei Francisco das Chagas, cuja atuação para con-seguir a intervenção apostólica já expusemos acima.

Já referimos que em 1735 o Definitório provincial, ao aceitar finalmente a patente do Ministro Geral, que anulava a incorporação de Frei Francisco à Província da Imaculada, deixou-lhe aberto ex-pressamente o recurso a quem de direito. Ora Frei Francisco resol-veu dirigir-se pessoalmente à Côrte fazer o recurso, e isso sem licença dos seus superiores religiosos . Entendeu-se, porém, com o Bispo de Rio de Janeiro Dom Antônio de Guadalupe e êste o muniu de uma carta-recomendação de 2 de junho de 1735, à qual nos referimos . Nela declara o Bispo, após enumerar as altas qualidades pessoais de Frei Francisco e os serviços prestados por êle à Província da Ima-culada:

"Attestiamo... che perciò può ricorrere al sua Padre Generale, e portarvisi di Persona, dichiarando per tanto colla presente attes-tazione, che detto Padre Fra Francesco ricorre al suo Generale, e non

. — TO. II, f. 29v-31v.

. — TO. II, f. 32-39v.

. — Quanto ao desfecho da disputa: O Tribunal da Legacia em Lisboa deu ganho de causa a Frei José do Nascimento, por sentença de 9 de dezem-bro de 1739, que declara nula a sentença de deposição emitida pelo Bis-po, agora já inteventor na Província. TO. II, f. 40-40v. Mais tarde, a 6 de março de 1741, quando o Bispo não mais estava entre os vivos, emi-tiu o mesmo Tribunal outra sentença favorável a Frei José, usando de palavras duras a respeito de Dom Guadalupe. TO. II, f, 53-54.

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va fuggitivo, er acciiche in qualunque parte sia riconosciuto per religioso obbediente gli abbiamo fatta passare la presente, per non aver egli superiore che gli possa dar licenza per il suo viaggio" (42) .

Afirma pois o Bispo, que Frei Francisco não tinha superior re-ligioso para lhe dar licença de viajar. Ora, superior religioso Frei Francisco devia ter. Mesmo tomando-se em conta a anulação da sua incorporação à Província da Imaculada, o Provincial desta deveria ser competente na matéria, pois Frei Francisco achava-se ali; ou en-tão o da Província de Santo Antônio, onde professara; ou, em todo caso, o Padre Geral da Ordem. Não sabemos se Frei Francisco não pediu a licença, ou se a pediu e esta lhe foi recusada. Certo é que os superiores reclamaram de sua ida a Lisboa sem licença. Portan-to, Frei Francisco dirigiu-se ao Bispo do Rio de Janeiro por saber que encontraria um padrinho benévolo. Ambos se conheciam já an-tes, pois Dom Guadalupe estivera presente várias vêzes aos atos pú-blicos em que Frei Francisco, como professor, participava (43) .

Por que apadrinhou Dom Guadalupe a Frei Francisco no seu re-curso? Apenas para vingar-se do Provincial Frei José do Nascimento com o qual estava em litígio, e assim ter um aliado a mais? Teria o Bispo, além de passar a recomendação, combinado mais coisas com Frei Francisco? E' inteiramente possível. Com efeito, a citada carta do Secretário de Estado português ao encarregado dos negócios ecle-siásticos em Roma e também a exposição apresentada à Santa Sé não pedem que esta simplesmente nomeie um interventor qualquer, mas que nomeie a Dom Guadalupe (44) .

O entendimento prévio entre Frei Francisco e Dom Antônio de Guadalupe é corroborado por mais um indício: já um pouco antes. ao pedir à Santa Sé um Breve que convalidasse sua incorporação à Província da Imaculada, não deixara o dito Frei Francisco de apon-tar a Dom Guadalupe como executor da graça pedida (45) . Isto significa que desde o comêço Frei Francisco e os seus indicaram o Bispo do Rio de Janeiro como a pessoa a ser nomeada interventor na Província.

Por seu lado Dom Guadalupe, ao atuar como interventor, não deixará de retribuir, como veremos, a seu amigo e aliado: impõe ao Definitório a aceitação do Breve alcançado por Frei Francisco a seu favor, nomeia-o Definidor provincial, dá-lhe o cargo de examinador

. — ASV, Secr. Brev., 2884, f. 93.

. — Afirma-o o próprio Bispo no atestado, ao elogiar a atuação de Frei Fran-cisco: defendendo e argomentando né publici Atti con molto applauso, né quali vi fosslmo plú volte presente...". ASV, Secr. Brev., 2884, f. 93.

. — AJUDA, 51-XI-2, n. 136; ASV, Secr. Brev., 2916, f. 265.

. — "SI supplica altresi, in caso si degnara aggratiare l'oratore deila richiesta sanatione, commetterne l'esecutione della gracia a Monsignor Vescovo del fiume dl Gennaro". AGOFM, 11/22, f. 60v.

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dos candidatos a pregador, Leitor e confessor, e dos candidatos à Ordem.

Resumindo esquemàticamente as duas facções contrárias temos: De um lado Frei Francisco das Chagas, o Bispo do Rio de Ja-

neiro Dom Antônio de Guadalupe, os procuradores da Província em Lisboa. Tanto a Côrte como a Santa Sé os favoreceram.

Do outro lado temos o Provincial Frei José do Nascimento, o Definidor Geral Frei Fernando de Santo Antônio, informante do Ministro Geral. Tanto o Geral Frei João de Soto em Madrid, como o procurador geral dos Recoletos e Descalços em Roma estavam a seu favor, contra Frei Francisco e os seus .

(Continua) .