A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A ... · A revitalização dos núcleos históricos...

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I PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO ESPACIAL Belo Horizonte - MG 2014 A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A MERCANTILIZAÇÃO URBANA A PARTIR DAS ATIVIDADES TURÍSTICAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO/MG Victor Lacerda da Cunha

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I

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO ESPACIAL

Belo Horizonte - MG

2014

A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO

CULTURAL E A MERCANTILIZAÇÃO URBANA A

PARTIR DAS ATIVIDADES TURÍSTICAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO/MG

Victor Lacerda da Cunha

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II

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Geografia

(Tratamento da Informação Espacial)

A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

E A MERCANTILIZAÇÃO URBANA A PARTIR DAS

ATIVIDADES TURÍSTICAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO/MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Geografia – Tratamento da

Informação Espacial da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Geografia.

Victor Lacerda da Cunha

Orientador: Prof. Dr. Altino Barbosa Caldeira

Belo Horizonte -MG

2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Cunha, Victor Lacerda da

C972r A refuncionalização do patrimônio cultural e a mercantilização urbana a

partir das atividades turísticas: um estudo de caso sobre o centro histórico de

Ouro Preto/MG / Victor Lacerda da Cunha. Belo Horizonte, 2014.

135f.:il.

Orientador: Altino Barbosa Caldeira

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Geografia - Tratamento da Informação Espacial.

1. Patrimônio cultural - Ouro Preto (MG). 2. Turismo - Comercialização. 3.

Turismo cultural. 4. Centros históricos. I. Caldeira, Altino Barbosa. II.

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação

em Geografia - Tratamento da Informação Espacial. III. Título.

CDU: 719(815.1)

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III

Victor Lacerda da Cunha

A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A

MERCANTILIZAÇÃO URBANA A PARTIR DAS ATIVIDADES TURÍSTICAS: UM ESTUDO DE CASO SOBRE O CENTRO HISTÓRICO DE OURO PRETO/MG

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da

Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Geografia.

Banca Examinadora:

_______________________________________________

Prof. Dr. Altino Barbosa Caldeira (Orientador)

_______________________________________________

Prof.Dr. Alexandre Magno Alves Diniz (PUC Minas)

_______________________________________________

Prof. Dr. Altamiro Sérgio Mol Bessa (UFMG)

Belo Horizonte, 10 de abril de 2014

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IV

Dedico este trabalho aos meus pais e aos meus

irmãos, que jamais desistiram de mim e que

sempre sonharam, juntos, comigo.

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V

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus e a Nossa Senhora Aparecida por terem me confiado

essa escolha em minha vida;

Em segundo, agradeço aos meus pais, Zezé e Edmar, por acreditarem em minhas escolhas

e sempre apoiarem as minhas decisões, mesmo desconhecendo os caminhos que eu iria

percorrer.

Agradeço aos meus irmãos, Nivaldo e Nicole, que sempre mantiveram para comigo a

amizade verdadeira, o carinho fraterno e a atenção de irmãos mais velhos.

Agradeço ao professor Altino Barbosa Caldeira, meu orientador. Obrigado pelas tantas

vezes que assumiu a figura paterna ao me aconselhar. Saiba que tenho uma grande

admiração por você, seja como professor, orientador ou, simplesmente, como pessoa.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, da PUC-Minas, por ter me

acolhido tão bem nestes dois últimos anos, oferecendo-me a oportunidade do aprendizado

e da capacitação profissional.

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG, por

ter me proporcionado a oportunidade de desenvolver a minha pesquisa por meio do auxílio

financeiro.

Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação (PPGG-TIE) em que tive a

honra de estar ao lado e de aperfeiçoar os meus conhecimentos, como o Prof. Guilherme

Taitson Bueno, Prof. Alexandre Magno Diniz, Prof. Prof. Duval Fernandes, Prof. José Flávio

Castro, Prof. Leônidas Conceição Barroso e o Prof. Luiz Eduardo Panisset Travassos. Sou-lhes

muito grato pelos valorosos ensinamentos. Agradeço, em especial, ao professor Oswaldo

Bueno Amorim Filho, pelo exemplo e pela sabedoria acumulada, que tão gentilmente se

propõe a compartilhar com seus alunos.

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VI

Aos funcionários do PPGG-TIE, Délio e Tatiana, pela atenção com a qual sempre se

dispuseram a me auxiliar.

Aos colegas de mestrado e doutorado da turma de 2012, pela convivência e aprendizado. À

querida amiga Elizângela Lacerda, que sempre me prestou auxílio nos mais diversos

contextos. Aos colegas Débora Mendes e Leonardo Luiz, com os quais tive o prazer de

compartilhar diversos momentos durante essa minha caminhada.

Agradeço ao Professor Mariano e a Professora Sheila Leão pelos conselhos, incentivos e,

de maneira especial, pela leitura atenta deste texto e por suas pertinentes correções.

Por fim, mas não menos importante, agradeço a todos aqueles que estiveram direta ou

indiretamente envolvidos nessa pesquisa. A todos o meu muito obrigado!

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VII

RESUMO

As novas tendências impostas pelo mercado têm promovido profundas alterações no uso e

na compreensão do significado do termo “Patrimônio Cultural”. A atratividade dos centros

históricos para atender à finalidade turística, inserindo o patrimônio no mercado global,

evidencia suas particularidades de consumo, criando novas dinâmicas de produção

socioespacial. A revitalização dos núcleos históricos tem alterado o significado e

provocado mudanças de uso dois imóveis, atribuindo novas funcionalidades às áreas

degradadas. Numa apropriação quase particular do espaço urbano, essas práticas

segmentam áreas centrais nas cidades históricas, transformando-as em cenários marcados

por um dinâmico e crescente comércio. O processo de refuncionalização do patrimônio

cultural, embasado no ideário do capital hegemônico global, materializa novas

territorialidades, nos núcleos urbanos tombados, a partir de estratégias de intervenção e

produção do espaço urbano. A refuncionalização do patrimônio edificado redefine os

acessos às localizações privilegiadas e reproduza valorização urbana, hoje disputada pelas

atividades comerciais. O estudo em questão tem por objetivo desenvolver uma pesquisa

quantitativa e descritiva do processo de refuncionalização ocorrido em Ouro Preto/MG, a

partir da elevação da cidade à condição de Patrimônio Cultural da Humanidade, quando as

atividades turísticas e o comportamento comercial se alteraram no centro histórico da

cidade. Para isso, foram investigados os equipamentos comerciais de maior apelo turístico,

os quais direcionaram os resultados dessa pesquisa para uma análise que mostra o

dinamismo e a expansão comercial em Ouro Preto, por meio da intensidade do processo de

refuncionalização presente nos dias atuais.

Palavras-Chave: Patrimônio Cultural; Refuncionalização; Atividade Turística;

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VIII

ABSTRACT

The new trends imposed by the market have altered the use and understanding of the

meaning of the expression “Cultural Heritage”. The tendency of restoring the historical

centers for touristic purposes has been an attempt to insert the heritage into the global

market, highlighting its peculiarities in the cultural trade market and creating new

dynamics of social spacial production. The revitalization of central and historical areas is a

process which had promoted the insertion of urban centers in the touristic market, from

which new functions are assigned to the degraded areas. Within an almost particular

appropriation of the urban space, these practices segment central areas in historical cities,

turning them into sceneries marked by a dynamic and growing trade. The process of re-

functionalization of the cultural heritage, based on the set of ideas of the global hegemonic

capital, materializes urban centers that become heritage sites producing new territorialities

from the strategies of intervention and production of urban spaces.

The re-functionalization of built heritage defines the access to privileged areas and

reproduces the urban valorization, currently disputed by trade activities. This study aims at

developing a quantitative data research describing the process of the re-functionalization in

Ouro Preto/ MG, from the touristic activities and the trade behavior that is taking place in

the historical center of the city. In order to present this study, the touristic trade equipment

was investigated which directed the results of this research to a deep analysis about the

dynamism and the trade expansion in Ouro Preto defining the intensity of the process of re-

functionalization currently occurring.

Keywords: Cultural Heritage; Re-functionalization; Touristic activity;

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IX

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 –Mapa de Localização do Município de Ouro Preto/MG ......................... 22

Figura 2 –Mapa de Hipsometria do Relevo do Município de Ouro Preto/MG........ 24

Figura 3 –Mapa de Litologia do Município de Ouro Preto/MG.............................. 26

Figura 4 –Mpa de Pedologia do Município de Ouro Preto/MG.............................. 27

Figura 5 –Mapa de Principais Expedições em Minas Gerais .................................. 29

Figura 6 – Vista parcial da cidade de Ouro Preto MG.............................................. 32

Figura 7 – Vista da Igreja de São Francisco de Paula, Ouro Preto-MG................... 37

Figura 8 – Evolução da mancha urbana de Ouro Preto - MG ................................... 43

Figura 9 – Imagem de divulgação do Festival de Inverno 2013................................ 45

Figura 10 – Imagem de divulgação do Festival Tudo é Jazz 2013............................ 45

Figura 11 – Imagem da cruz depredada durante o carnaval de 2012......................... 47

Figura 12 – Imagem da cruz restaurada após o carnaval de 2012.............................. 47

Figura 13 – Vista da Praça Tiradentes e Museu da Inconfidência.............................. 72

Figura 14 – Vista da Rua Direita (Conde de Bobadela).............................................. 72

Figura 15 – Vista da Rua São José (Rua Tiradentes).................................................. 72

Figura 16 – Vista da Igreja de São Francisco de Assis............................................... 72

Figura 17 – Vista da Igreja do Pilar............................................................................ 72

Figura 18 – Vista da Casa dos Contos (Museu).......................................................... 72

Figura 19 – Página Virtual do Site Oficial de Turismo de Ouro Preto....................... 76

Figura 20 – Mapa de Recorte espacial da área de estudo........................................... 86

Figura 21 – Mapa Distribuição espacial e funções dos estabelecimentos.................. 98

Figura 22 – Rua Conde de Bobadela (Rua Direita).................................................... 99

Figura 23 – Rua Conde de Bobadela e as joalherias................................................... 99

Figura 24 – Lanchonete “Subway”.............................................................................. 100

Figura 25 – Turistas e as lojas de artesanato............................................................... 100

Figura 26 – Rua São José, em Ouro Preto/MG........................................................... 101

Figura 27 – Rua São José, em Ouro Preto/MG........................................................... 101

Figura 28 – Coleção de mapas por década de criação dos empreendimentos............ 111

Figura 29 – Mercearia, Rua Barão de Camargos........................................................ 104

Figura 30 – Mercearia, Rua Barão de Camargos........................................................ 104

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X

Figura 31 – Rua São José e o Hotel Toffolo............................................................... 105

Figura 32 – Rua São José e o Hotel Toffolo............................................................... 105

Figura 33 – Grande Hotel de Ouro Preto/MG............................................................. 106

Figura 34 - Grande Hotel de Ouro Preto/MG............................................................. 106

Figura 34 – Hotel Solar do Rosário............................................................................ 108

Figura 36– Hotel Solar do Rosário, década de 1990................................................. 108

Figura 37 – Imóveis desocupados, Rua Getúlio Vargas............................................. 109

Figura 38 – Imóveis desocupados, Rua Getúlio Vargas............................................. 109

Figura 39 – Rua São Francisco, Ouro Preto/MG........................................................ 110

Figura 40 – Mapa de intensidade do comércio voltado ao turismo............................ 113

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XI

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Número de classe segundo a Regra de Sturges...................................... 99

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XII

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Produto Interno Bruto – Ouro Preto/MG - 2011.................................. 23

Gráfico 2 - Comportamento do Fluxo Turístico Internacional - 2000-2012........... 66

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XIII

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

FJP - Fundação João Pinheiro

IPHAN - Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SPHAN - Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

VICT - Valor de Intensidade Comercial Turístico

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XIV

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO......................................................... 21

CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA APLICADA..................................................... 84

CAPÍTULO 3 - DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................ 97

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 116

REFERÊNCIAS ...................... ............................................................................. 119

APÊNDICE

ANEXO

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15

INTRODUÇÃO

Atualmente, as novas propostas de cidades se definem por uma arquitetura de

design arrojado e no emprego de elevada tecnologia, seguindo as tendências que

facilitem a reprodução do capital. Por meio de túneis, vias de trânsito rápido, elevados e

pontes monumentais, dezenas de cidades se refazem para atender à dinâmica de um

mercado globalizado, onde o fluxo das informações e a intensificação das tecnologias

ocorrem num ritmo cada vez mais acelerado.

Metrópoles de todo o mundo apresentaram nas últimas décadas grandes

reformas estruturais, o que muitos urbanistas preferem chamar de “requalificação

urbana”. Essas alterações no espaço urbano já construído, embora traga um período

longo de transtornos, são imprescindíveis para que importantes empresas possam

instalar-se nessas cidades, atraindo investimentos e gerando empregos.

Não por acaso, o poder público tem se atrelado a grupos empresariais para o

desenvolvimento de novas estratégias de planejamento urbanístico, o que confirma o

interesse do capital na forma e na qualidade estrutural das cidades.

O capital em pessoa é hoje o grande produtor dos novos espaços

urbanos, por ele inteiramente requalificados. Dessa forma, o espaço

público e a fisionomia das cidades têm sido determinados ou ditados,

em grande parte, por estratégias empresariais, que contam com o

apoio e o aval estatais (ARANTES, 2000, p. 226).

No Brasil, os eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas levam dezenas

de cidades a se reestruturarem urbanisticamente, criando novas estruturas que

comportem um grande número de turistas, facilitem a mobilidade urbana e permitam

um legado para a população local, qual seja a ampliação de vias e trechos ferroviários, a

criação de corredores especiais para o transporte público, a construção de novos

aeroportos, viadutos, elevados, túneis, praças e outros equipamentos urbanos que

qualifiquem essas cidades enquanto receptoras de grandes eventos.

Não muito longe da alteração urbanística de grandes centros, que visam à

atração de investimentos, verificam-se também intervenções em cidades pequenas e

médias, onde há interesse do capital. As modificações espaciais nesses núcleos urbanos

são, na maioria das vezes, relacionadas às atividades turísticas, o que condiciona a essas

cidades um modelo de organização diferenciado das grandes metrópoles.

As cidades turísticas de pequeno e médio porte geralmente apresentam como

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16

atrativo principal o seu patrimônio histórico, configurando uma barreira que se limita às

intervenções espaciais propostas pelo capital. Isso porque os bens tombados1, em

especial os imóveis, não podem sofrer nenhuma alteração estrutural ou de fachada,

levando o mercado a atuar de uma forma diferenciada nessas áreas, evitando

modificações nas formas e nas estruturas, mas providenciando novas funções.

O processo de manutenção das formas do patrimônio histórico é uma maneira

de se respeitar os tombamentos, dando a eles novas funções que estejam diretamente

relacionadas à atração de turistas. Esse fenômeno será denominado nesse trabalho de

refuncionalização2, caracterizado pela preservação das estruturas já construídas e

permitindo apenas a alteração funcional desses bens. (RABHA, 1985)

Prado Santos (2011, p.04), ao descrever o fenômeno da refuncionalização na

histórica cidade de São Luiz do Paraitinga, em São Paulo, relata que

Pode-se classificar a função como o lado subjetivo da forma, categoria

que em uma área de rico patrimônio cultural ganha relevância. Por

assumir um caráter de subjetividade, a relação forma-função está

sempre mudando e adquirindo novos contornos, originando novas

formas-conteúdo. O patrimônio arquitetônico de São Luiz do

Paraitinga, inicialmente destinado à residência, com a possibilidade de

implantação das atividades do turismo passou a exercer uma nova

função, servindo de suporte para a refuncionalização do patrimônio

cultural local.

Além de São Luiz do Paraitinga, o Brasil conta hoje com dezenas de centros

históricos que são incorporados à lógica do interesse do capital. Ofertados como uma

mercadoria, os centros históricos participam intensamente do processo de

refuncionalização de seu patrimônio cultural, por meio de novas funções que estejam de

acordo com os interesses e apelos turísticos.

Para esse trabalho será investigado o comportamento do processo de

refuncionalização na cidade histórica de Ouro Preto, em Minas Gerais. Símbolo do

apogeu do “Ciclo do Ouro”, no Brasil Colônia, a antiga sede do governo mineiro foi

marcada pela soberania política da Coroa Portuguesa e pela influência constante da

1O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou

municipal. Os tombamentos federais são responsabilidade do IPHAN e começam pelo pedido de abertura

do processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. O objetivo é preservar bens de

valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo

a destruição e/ou descaracterização de tais bens (IPHAN, 2007). 2 Muitos autores e urbanistas utilizam os termos revitalização e requalificação, embora alguns considerem

que a requalificação não se limita à restauração das formas, como ocorre na revitalização. Os termos

enobrecimento e gentrificação são mais específicos para os processos de renovação e elitização de áreas

centrais urbanas. Neste texto adotamos a concepção geral de refuncionalização, entendendo que esta está

presente em todos os outros processos (PAES, 2005).

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17

Igreja Católica.

A escolha de Ouro Preto como objeto de estudo se deve ao fato de essa cidade

ser um dos principais complexos artísticos, urbanísticos e arquitetônicos ainda

preservados no Brasil, que possui grande relevância turística, intensificada nas últimas

décadas. Localizado sobre um sítio de geomorfologia bastante acidentada, o centro

histórico da cidade se manteve conservado nos últimos séculos graças às atuações de

órgãos preservacionistas, como o IPHAN, e às políticas municipais de conservação e

proteção ao patrimônio cultural.

Compreender a dimensão socioeconômica de Ouro Preto, enquanto cidade

histórica e culturalmente valorizada pelo seu patrimônio, requer uma análise mais

aprofundada sobre a sua dinâmica comercial atual e as interações decorrentes da

preservação da materialidade herdada. Embora essa relação seja inicialmente

compreendida de forma contraditória, a atividade turística atua como conciliadora das

duas instâncias, respondendo às necessidades econômicas e contribuindo para a

preservação dos bens tombados.

O reflexo da atividade turística sobre Ouro Preto é algo a ser minuciosamente

investigado, ao longo desse trabalho. Essa atividade implica em profundas mudanças

comportamentais da sociedade e da própria importância do significado do patrimônio

enquanto expressão da identidade cultural e memória social. Por isso, deve-se pesquisar

a valorização dos bens culturais enquanto mercadoria a ser consumida e adaptada às

especificidades dos novos usos e funções, que visam ampliar a oferta turística.

A justificativa desse estudo deve-se à necessidade de se propor, por intermédio

de uma perspectiva geográfica, uma análise dos novos usos que vêm sendo atribuídos

ao patrimônio arquitetônico em Ouro Preto. Nesse sentido, deve-se analisar os projetos

de valorização cultural e de refuncionalização do patrimônio desenvolvidos a partir dos

interesses turísticos.

Analisar a intensidade do processo de refuncionalização no centro histórico de

Ouro Preto é, portanto, o objetivo geral dessa pesquisa, que irá se debruçar também,

para outros objetivos específicos a partir de uma apreciação geográfica do objeto

estudado. Esses objetivos específicos incidirão, principalmente, na compreensão de

como a atividade turística usufrui seletivamente do patrimônio cultural, caracterizando-

o como uma mercadoria muitas vezes desprendida de seus valores sociais. Para isso,

será analisado o comportamento dual da atividade turística sobre o objeto estudado: se,

por um lado, o turismo valoriza as áreas centrais e exclui os antigos habitantes para dar

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espaço aos novos comércios, por outro ele é responsável pela geração de emprego e

renda, aumentando a qualidade de vida da população.

Essa pesquisa será dividida em três partes, as quais serão compostas ao todo

por cinco capítulos. Os primeiros três capítulos referem-se aos aspectos históricos da

cidade de Ouro Preto e incluem alguns conceitos necessários sobre este trabalho.

O primeiro capítulo faz um levantamento histórico e bibliográfico sobre a

cidade de Ouro Preto, salientando as ocupações do território pelos bandeirantes

paulistas, a formação dos primeiros arraiais, a instauração da antiga Vila Rica e a sua

efetivação como cidade até os dias de hoje. A importância desse capítulo se deve,

sobretudo, ao fato de que a compreensão da Ouro Preto atual muito deve ao seu

passado, em especial pela construção da sua história e pelas características sociais,

políticas, religiosas e culturais que permearam os séculos XVII e XVIII.

O segundo capítulo envolverá alguns temas referentes à construção do conceito

de “Patrimônio Cultural”, tais como “Memória Social” e “Identidade Territorial”. Esses

dois tópicos introduzem o significado elementar desse conceito, resgatando a sua

importância enquanto confissão da memória e herança social. Adiante, será trabalhada a

apreciação da Geografia sobre a definição de “Patrimônio Cultural”, pautando-se,

sobretudo, na compreensão da expressividade da cultura sobre o território e na

construção da territorialidade. Por fim, será destacada a importância do Patrimônio

Cultural em Ouro Preto.

O terceiro e último capítulo dessa primeira parte fará um confrontamento com

o capítulo anterior, onde será discutido um novo conceito de “Patrimônio Cultural”, a

partir do interesse turístico e financeiro. Dessa maneira, será analisado o crescimento da

indústria do turismo e seus reflexos sobre as cidades históricas, destacando-se seus

aspectos positivos e negativos sobre os habitantes locais. Serão elencados, nessa parte

da pesquisa, alguns temas fundamentais para essa discussão, tais como o “Consumo

Cultural” e o “Marketing Turístico”, que corroborarão o entendimento de que o

Patrimônio Cultural tem sido valorizado de forma seletiva, conforme os interesses do

capital financeiro. Por fim, serão avaliados os processos de mercantilização do

patrimônio histórico e de refuncionalização do ambiente tombado, a partir da

compreensão da elitização do acesso à cultura e da segregação socioespacial em Ouro

Preto.

O quarto capítulo desse trabalho se debruçará na metodologia a ser utilizada

nessa pesquisa, destacando desde o recorte espacial escolhido para ser analisado, até os

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modelos estatísticos utilizados no tratamento dos dados coletados em campo. A

pesquisa terá o caráter quantitativo e descritivo e entre os procedimentos técnico-

metodológicos realizados incluem-se a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e

as pesquisas de campo.

O recorte espacial analisado compreenderá uma porção do centro histórico de

Ouro Preto, entre os bairros Centro, Pilar, Rosário e Antônio Dias. A pesquisa se

pautará no levantamento de todos os equipamentos comerciais voltados aos turistas,

nestes locais, buscando salientar a distribuição comercial desses estabelecimentos, suas

funções, o período de início das atividades e o número de funcionários empregados em

cada um. Esses dados serão importantes na análise do comportamento comercial de

cada uma das vias urbanas estudadas, destacando-se a interferência do processo de

refuncionalização do patrimônio tombado em cada uma delas.

De uma maneira geral, esse trabalho irá privilegiar os estudos de campo

quantitativos, guiados por um modelo descritivo de pesquisa, em que serão elaboradas

hipóteses sobre a mercantilização do patrimônio histórico. Para tanto, a coleta de dados

evidenciará informações numéricas que permitirão verificar a ocorrência de alguns

fenômenos urbanos ocorridos na cidade de Ouro Preto.

O quinto e último capítulo evidenciará os resultados conseguidos ao longo da

pesquisa, enfatizando-se o processo de refuncionalização na histórica Ouro Preto. Para

isso serão criados mapas georreferenciados dos dados coletados, que serão tratados ao

longo deste trabalho, culminando em apreciações sobre o comportamento espacial do

comércio voltado para o público turístico na cidade. Nos resultados, será demonstrado o

dinamismo comercial em cada uma das vias urbanas observadas, bem como a análise da

expansão comercial ocorrida nas últimas três décadas, ao longo do recorte espacial

estudado.

Diante das novas características impostas pelo capital, as cidades históricas,

como Ouro Preto, adequam-se a uma nova lógica de uso e de funcionamento de seu

patrimônio tombado. O crescimento da atividade turística impõe novas organizações

sobre o espaço geográfico e o comércio torna-se cada vez mais dinâmico em meio a

uma valorização das porções mais centralizadas das cidades. Para tanto, torna-se

necessário delimitar as parcelas do território onde a atividade comercial é mais atuante,

analisando-se o grau de refuncionalização turística do patrimônio cultural da cidade.

Essas exposições contribuem para a compreensão do dinamismo comercial que marcam

novas territorialidades sobre antigas estruturas urbanas, permitindo novas percepções

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sobre o território a partir de sua dimensão social, material e simbólica de Ouro Preto.

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21

CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO

1.1. DE VILA RICA A OURO PRETO: RIQUEZA, DECADÊNCIA E

RECONHECIMENTO COMO PATRIMÔNIO CULTURAL.

A cidade de Ouro Preto é hoje um dos principais ícones remanescentes do

período colonial em termos de história, arquitetura e urbanismo. Detentora de um vasto

e rico acervo patrimonial, a antiga cidade mineira resiste aos novos modelos impostos

pelo capital financeiro. Este trabalho irá se desenvolver no cenário dessa cidade,

abordando a geografia do seu sítio e o contexto histórico de sua origem. Será estudada a

ocupação do território, a formação da antiga Vila Rica, o rápido crescimento durante o

século XVIII, os traçados urbanos estabelecidos, a singularidade da arquitetura barroca,

a religiosidade expressa em sua arquitetura, seus principais artífices, a decadência do

ouro e o declínio da cidade com a ascensão de Belo Horizonte como a nova capital. Por

fim, será analisada a Ouro Preto do século XX, marcada pela instalação de uma

Universidade Federal na cidade, o reconhecimento em nível nacional enquanto

patrimônio cultural na década de 1930 e, finalmente, a sua elevação à Patrimônio

Cultural da Humanidade em 1980, pela UNESCO.

1.1.1. LOCALIZAÇÃO E DADOS GEOGRÁFICOS

Localizada a aproximadamente 100 km de Belo Horizonte, Ouro Preto situa-

se3 na zona metalúrgica de Minas Gerais, conhecida como Quadrilátero Ferrífero, e faz

divisa com mais nove municípios. Conforme mostra afigura 1, o município de Ouro

Preto é cortado pela BR 356, que faz a conexão da sede municipal com a capital

mineira. Destaca-se, também, a Ferrovia Centro-Atlântica, importante no escoamento

do minério até o litoral brasileiro.

3 Coordenadas Geográficas: Latitude sul 20º 23’ 28” e Longitude oeste 43º 30’ 20”.

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Nas últimas décadas a cidade de Ouro Preto vem apresentando significativo

crescimento demográfico, em consequência principalmente da saída de habitantes de

municípios vizinhos em busca de novas oportunidades de vida na histórica cidade.

Segundo o censo 2010, fornecido pelo IBGE, o município já conta com mais de 70 mil

habitantes, sendo que cerca de 90% destes residem na área urbana. Ainda segundo o

IBGE, a maior porcentagem do Produto Interno Bruto municipal tem sua origem no

setor secundário. Em 2011, conforme demonstra o gráfico 1, o PIB do município girou

em torno de cinco milhões de reais, sendo que, aproximadamente 80% desse valor

foram provenientes do setor industrial. O resultado desses dados destaca que, apesar de

ser uma cidade histórica e fortemente voltada para o turismo, o setor de serviços não é o

maior agregador financeiro para o município.

Figura 1 - Localização do Município de Ouro Preto/MG

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Gráfico 1 – Produto Interno Bruto – Ouro Preto/MG (Ano: 2011)

Fonte: IBGE, 2011.

1.1.2. SÍTIO GEOGRÁFICO

Ouro Preto encontra-se sobre o antigo conjunto da Serra do Espinhaço4,

encaixada em um grande vale localizado entre as serras de Ouro Preto ao norte e a Serra

do Itacolomy ao sul, por onde corre o ribeirão do Funil. A morfologia da cidade é

composta por serras que apresentam mais de 1150m de altitude, em média, tendo o Pico

do Itacolomy5 como ponto culminante do relevo local. Observa-se, também, em sua

geomorfologia, a presença de grandes vales alongados.

O mapa 2 apresenta a variação de altitude ao longo de todo o município,

destacando-se o relevo encontrado na porção urbana de Ouro Preto. Observa-se que a

cidade se aloja em uma área de relevo muito acidentado e de vertentes muito íngremes,

condicionando a ocupação da mancha urbana tanto no vale principal como nas vertentes

que o delimitam. A declividade encontrada no relevo onde se instala a mancha urbana

se dá da seguinte forma: cerca de 40% da área possui entre 20 e 45% de declividade e

apenas 30% da área apresenta declividade entre 5 e 20% (GOMES et al. 1998).

4A Serra do Espinhaço — grande divisor hidrográfico interposto entre as bacias do centro-leste brasileiro

e a do rio São Francisco — constitui, em Minas Gerais, um conjunto de terras altas, com forma de

bumerangue de direção geral norte-sul e convexidade orientada para oeste (SAADI, 1995). 5 O Pico do Itacolomy é o ponto mais elevado nas proximidades da atual cidade de Ouro Preto, com

1772m, e foi ponto de referência para os bandeirantes durante o século XVII.

0

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

3.000.000

3.500.000

4.000.000

Valor adicionado brutoda agropecuária

Valor adicionado brutoda indústria

Valor adicionado brutodos serviços

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Figura 2 - Hipsometria do Relevo do Município de Ouro Preto/MG

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Segundo Gomes et al. (2007, p.59), a geologia de Ouro Preto é composta por:

Substrato de metassedimentos de idade paleoproterozoica - filitos,

quartzitos, xistos e formações ferríferas - profundamente afetados por

eventos tectônicos. É comum a ocorrência, nos topos e nas vertentes

dos morros, de coberturas superficiais de crosta laterítica, localmente

denominadas de "canga". Os solos, quando ocorrem, são muito pouco

espessos, na ordem dos centímetros, exceto por algumas manchas

maiores de material coluvial.

O mapa 3 e o mapa 4 apresentam à composição litológica do município e o

baixo desenvolvimento pedológico na região devido à predominância das rochas

lateríticas, respectivamente. Observa-se no mapa 3, na porção sul da mancha urbana do

município, a ocorrência de filitos, dolomitos e xistos; na porção central e norte, a

ocorrência também de filitos e arenitos conglomeráticos. Já no mapa 4, referente aos

tipos de solos, é notado o baixo desenvolvimento do solo, comprovado pela presença de

cambissolos6 com forte presença de ferro.

6O Cambissolo é um solo pouco desenvolvido, com horizonte B incipiente.

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Figura 3 - Litologia do Município de Ouro Preto/MG

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Figura 4 - Pedologia do Município de Ouro Preto/MG.

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Diferentemente da maioria das cidades, Ouro Preto não se desenvolveu em

férteis planícies que favorecessem a agricultura e os traçados urbanos. Ao contrário, o

núcleo urbano se enraizou em meio às encostas e profundos vales, que proporcionaram

à cidade paisagens diferenciadas em termos urbanos.

No caso de Ouro Preto, o ouro foi o fator que motivou o homem a fixar-se

nesse sítio, pois, dificilmente, uma população se prestaria a ocupar um relevo com essa

morfologia, se não fosse pela extração aurífera. Entretanto, a topografia irregular

conjugava-se também a aspectos positivos em termos de ocupação, como a abundância

de recursos hídricos e facilidade de controle do território. As partes mais elevadas desse

relevo foram utilizadas como forma de se afirmar o poder judicial e religioso,

aproveitando-se os declives mais suaves das encostas para se edificarem grandiosos

edifícios públicos e belas igrejas.

Aroldo de Azevedo (1964, p.237) confirma essa situação descrevendo, da

seguinte forma, a ocupação das serras mineiras:

Sem nenhuma dúvida, os sítios urbanos de topografia mais

atormentada correspondem às cidades da mineração, nascidas em

consequência da exploração do ouro ou do diamante, cujos embriões

foram os arraiais do Bandeirismo e a ‘currutelas’ das áreas de

garimpagem diamantífera.

1.1.3. EXPEDIÇÕES E DESCOBERTAS: O NASCER DE VILA RICA

Já na segunda metade do século XVII, Portugal já não mais se fazia

politicamente agudo e soberano, como tinha sido tempos atrás. Holanda e Inglaterra,

sobretudo, se apossavam das mais longínquas terras (inclusive do Oriente). A perda de

possessões por Portugal era inevitável, obrigando os lusitanos a se tornarem submissos

às exigências inglesas.

Empobrecido, Portugal foi obrigado a voltar-se para sua maior colônia: o

Brasil. As atividades canavieiras e de produção de tabaco eram as únicas fontes

rentáveis da velha metrópole para quitar algumas de suas dívidas. Entretanto, algo de

muito extraordinário viria amparar Portugal em suas densas dívidas: a descoberta dos

primeiros veios de ouro pelos bandeirantes no Brasil.

O historiador Boris Fausto (1996, p.43) retrata o início das bandeiras no Brasil

da seguinte forma:

Expedições que se lançavam pelo sertão, aí passando meses e às vezes

anos, em busca de indígenas a serem escravizados e metais preciosos.

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[...] Em suas andanças pelos sertões, os paulistas iriam afinal realizar

velhos sonhos e confirmar um raciocínio lógico. O raciocínio continha

uma pergunta: se a parte do continente que pertencia à América

espanhola era rica em metais preciosos, por que estes não existiriam

em abundância também na colônia lusa? Em 1695, no Rio das Velhas,

próximo às atuais Sabará e Caeté, ocorreram as primeiras descobertas

significativas de ouro.

A figura 5 registra as principais expedições de bandeirantes para o interior de

Minas Gerais. Além dos paulistas, há registros também da presença de algumas

bandeiras que partiram do nordeste brasileiro, ainda no século XVI, que tomavam a

direção do atual Rio Jequitinhonha em direção à Serra do Espinhaço. Todavia,

historicamente, foram as bandeiras paulistas que obtiveram grande sucesso na

descoberta do ouro.

O ouro só haveria de ser descoberto na segunda metade do século XVII. A dura

missão de cortar as serras paulistas e mineiras não era fácil. E na cumeada das elevações

caminhavam expedições que se orientavam pelos elementos mais significativos das

paisagens e pelos rios.

Figura 5 - Principais Expedições em Minas Gerais (Séculos XVI e XVII).

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Investindo contra a Serra do Mar, vencendo a Mantiqueira que parecia

sem fim, o paulista atingia os campos altos das nascentes do

Paraopeba, rompia sempre nova morraria, atingia o Guaicuí, ou rio

das Velhas, que já sabia afluente do São Francisco, subia a descia,

para, afinal, retroceder à região de Ouro Preto (SALES, 1965, p.24).

Acredita-se que, dentre muitas dessas expedições, peregrinavam junto aos

bandeirantes alguns índios, que confirmavam a existência da lendária Serra de

Sabarabuçu7. Estimulados por outras descobertas, tanto nessa região quanto na área do

Ribeirão do Carmo, algumas expedições foram realizadas às margens do Rio Tripuí. Foi

em uma dessas entradas que alguns bandeirantes descobriram seixos escuros, os quais

foram imediatamente enviados para análise no litoral. Descobria-se o ouro negro,

minério de grande valor e encoberto por uma camada fina de óxido de ferro.

Diogo de Vasconcelos (1974, p.45) relata a descoberta do ouro da seguinte

forma:

Há poucos anos que se começaram a descobrir as Minas Gerais dos

Cataguases, governando o Rio de Janeiro Artur de Sá e Menezes; e o

primeiro descobridor, dizem, foi um mulato, que já havia de

Paranaguá e Curitiba. Este, indo ao sertão com alguns paulistas a

buscar índios, e chegando ao serro do Tripuí, desceu abaixo para

tomar água no ribeiro a que chamam agora do Ouro Preto: e metendo

a gamela na ribanceira para tirar água e roçando-a pela margem do rio,

viu que nela depois ficaram uns granitos da cor do aço, sem saber o

que eram, e nem os companheiros souberam conhecer e estimar o que

tinham achado tão facilmente: e só cuidaram que ali haveria um metal

não bem formado e por isso não conhecido. Chegando, porém, a

Taubaté, não deixaram de perguntar que casca de metal era aquele.

A descoberta do ouro negro despertou o interesse de muitos colonos do litoral e

um aumento expressivo na chegada de novos portugueses ao Brasil. O local do

descobrimento tornou-se para muitos o Eldorado, que poderia transformar suas vidas.

Iniciavam-se ali, na última década do século XVII, as longas e penosas caminhadas ao

Itacolomy.

Quando nasceu o sol, o bandeirante viu na sua frente o menino de

pedra, grande Itacolomy reluzindo. Falaram logo em santo e milagre,

o que não se compreendia a vida sem o sal de um milagranho

(SALES, 1965, p. 18)

7Serra de Sabarabuçu - é uma serra lendária, descrita como uma "serra resplandescente"

pelos indígenas brasileiros, no século XVI e XVII.

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A expedição liderada por Antônio Dias, em 1698, foi a primeira a consolidar o

primitivo descobrimento8. Dessa expedição fazia também parte o Padre João de Faria

Fialho, que se tornaria notável como um dos principais povoadores da região. Foi o

princípio de uma nova ocupação, em uma geografia até então desconhecida por muitos.

Não tardou para que, em poucos anos, o afluxo populacional para a

região atingisse grandes proporções, fixando o homem no solo, e

materializasse no espaço as primeiras formas urbanas de acordo com

as possibilidades e aspirações dos primeiros moradores, moldadas

segundo os interesses metropolitanos por meio de concessões de lotes,

da definição de suas formas de uso e taxações tributárias aplicadas aos

moradores segundo o tamanho dos lotes, a quantidade de ouro

extraído e o número de escravos em atividade (CIFELLI, 2005,

p.121).

1.1.4. OCUPAÇÃO DO SÍTIO

A ocupação da atual cidade de Ouro Preto foi iniciada nos finais do século

XVII, tendo os primeiros habitantes ocupado as encostas e os sopés das serras. Para

definir melhor as áreas mais privilegiadas para a ocupação, a encosta foi dividida em

duas porções: uma mais superior, de declividade mais acentuada, e uma segunda parcela

com declive em direção ao sopé da serra. Essa divisão foi proposta por Guerreiro (2000,

p.7), que confirma um maior adensamento nessa última porção por “permitir a

existência de zonas planas passíveis de edificação, como pequenos planaltos, vertentes

mais suaves ou algumas zonas mais próximas ao leito dos rios”.

A figura 1, registrada na década de 19409, configura bem o modelo de

assentamento ocorrido em Ouro Preto. No centro da fotografia, é possível observar a

ocupação do sopé da serra, justamente por oferecer menor grau de declividade e

apresentar porções mais planas. Essas condições permitiram que grandes edificações

como as igrejas e edifícios públicos ganhassem destaque na paisagem. Na lateral

esquerda da fotografia, é possível identificar-se a Igreja de São Francisco de Paula,

situada em um platô na porção intermediária da encosta.

8Caminho assinalado pela cor amarela no mapa de “expedições”. 9Período que antecede a forte valorização turística de Ouro Preto e de crescimento da mancha urbana.

Logo, retrata um modelo de ocupação mais semelhante ao que foi presenciado nos séculos anteriores ao

XX.

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Figura 6 – Vista Parcial da Cidade de Ouro Preto-MG;

Fonte: Luiz Fontana, 1946.

Para Guerreiro (2000, p.8), esses platôs e seus arredores, localizados nas áreas

de declividade intermediária, são as áreas que apresentaram maior ocupação no sítio

estudado. Essas áreas são chamadas por Guerreiro de “pontos notáveis” ou

“promontórios”10, por se apresentarem geograficamente mais acessíveis.

Vila Rica, como era então chamada, foi então sendo ocupada por indivíduos

esperançosos de se enriquecerem com o ciclo aurífero. Ao atingir a região onde hoje se

encontram as cidades de Ouro Preto e Mariana, os novos habitantes iam se apropriando

das terras que ofereciam mais facilidade de acesso. A maioria se instalava nos vales

próximos às áreas de extração, até se adaptar de vez às novas condições encontradas.

Aos poucos, os traçados das ruas foram sendo definidos de modo espontâneo e de

acordo com a topografia do terreno, conectando as áreas de extração do minério às

praças, largos e igrejas.

Em toda parte eram pesquisadas as areias dos ribeiros e a terra das

montanhas e, quando encontravam algum terreno aurífero, construíam

barracas em suas vizinhanças a fim de explorá-lo. Estas espécies de

acampamentos (arraiais) tornavam-se pequenas povoações, depois

vilas; e foi assim que os paulistas começaram a povoar o interior da

terra, incorporando à monarquia portuguesa regiões mais vastas que

muitos impérios [...] Normalizando-se as explorações, organizam-se

povoados em torno de suas capelas provisórias, cujos adros e

10 Segundo Guerreiro (2000), os promontórios seriam áreas mais elevadas e de morfologia plana, as quais

sustentariam edificações políticas e religiosas.

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caminhos, caseados, vão cordear os incipientes logradouros públicos

(VASCONCELOS, 1977, p. 21)

Esta distribuição espacial, formada pelas edificações e pelo conjunto e vias,

cumpriu um importante papel na estrutura da cidade, onde a maior dificuldade em

termos de acessibilidade era o próprio relevo. Ao acompanhar as curvas de nível do sítio

e apreciar o percurso que fosse menos íngreme, as ruas foram surgindo nos fundos dos

vales, ao longo das cumeadas e nas meias encostas.

1.1.5. RELAÇÕES SOCIAIS, FORMAÇÃO DE NOVAS CLASSES,

DESENVOLVIMENTO COMERCIAL E ADENSAMENTO URBANO.

A região mineradora marca a formação da primeira sociedade eminentemente

urbana no período colonial, pois, até então, os assentamentos urbanos se resumiam a

entrepostos comerciais que controlavam a produção do campo ou serviam como centros

de poder. A urbanização mineira, diferentemente do resto do país, se deu a partir de um

espaço de produção, onde o locus da produção e do poder quase se confundiam

(MONTE-MOR, 2001). Ou seja, o ciclo do ouro propunha uma mudança nas relações

comerciais com o aparecimento dos núcleos urbanos integrando as atividades

econômicas às zonas de mineração.

A população que se instalou nas minas tinha um novo tipo de

distribuição. Tratava-se de uma população de altíssimo índice de

urbanização. Praticamente toda ela estava concentrada nos núcleos

urbanos. (REIS, 2001, p.109)

O conjunto formado pelos arraiais das paróquias de Antônio Dias, de Padre

Faria e de Nossa Senhora do Pilar, principalmente, recebe a designação de Vila em

1711.Esta série de arraiais de exploração aurífera se conectava por meio de tortuosas

vias entre a meia encosta e o sopé das serras. Em 1720, Vila Rica se torna a sede da

província de Minas Gerais, após esta ser desmembrada da Capitania de São Paulo. O

que se observa nesse curto espaço de tempo, entre as mudanças de arraiais para vila e de

vila para sede provincial, é que o modesto aglomerado disforme vai dando lugar a uma

vila rica, propriamente dita, com belas construções executadas com rigor arquitetônico e

cuidadoso detalhamento, até o final do século XVIII. A partir do século XIX, com a

exaustão das jazidas mineradoras, o centro administrativo ingressará em forte processo

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de decadência.

O crescimento vertiginoso da população e o adensamento de

edificações nos arraiais na primeira década do século XVIII

demonstravam o delineamento de uma paisagem tipicamente urbana

que, aos poucos, se espalhava dos vales para as encostas das

montanhas, acompanhando a atividade mineratória [...] os primeiros

esboços de uma intensa vida urbana, jamais vista na colônia até então,

foi propiciada pelo desenvolvimento da atividade comercial, da

prática religiosa e de outras atividades acessórias urbanas que

marcaram o cotidiano dos moradores dos arraiais da mineração

(CIFELLI, 2005, p. 123)

Embora houvesse dificuldades quanto ao abastecimento de alimentos e outros

gêneros no início da ocupação, sobretudo devido à carência de um solo propício à

agricultura, as atividades relacionadas ao comércio se mostraram altamente lucrativas

ao longo de quase todo século XVIII. Muitos comerciantes experimentaram uma rápida

ascensão social e contribuíram para o adensamento urbano, a expansão de novas vias, a

construção de suntuosas casas, igrejas e obras públicas.

O florescimento comercial de Vila Rica refletiu-se diretamente no

aparecimento de importantes rotas de comercialização e troca de produtos entre os

núcleos mineradores. Na área urbana, algumas vias ganhavam maior importância devido

ao seu posicionamento estratégico entre fornecedores e consumidores. A “estrada-

tronco” conectava os dois principais núcleos do povoado, o que seria o caminho que

ainda hoje liga a Matriz do Pilar à Matriz de Antônio Dias.

Os viajantes que passaram pela Capital relataram essa experiência,

confirmando o intenso intercâmbio de manufaturas. Além da

existência de um mercado voltado para o abastecimento de bens

duráveis e não-duráveis, o comércio exibia estoques de produtos

importados europeus, especialmente ingleses. Para John Mawe, o

lugar parecia se constituir em um depósito de mercadorias e artigos

ingleses de todos os tipos. O viajante registrou o contraste entre o

diferenciado comércio, a exploração mineral e a arquitetura. Enquanto

ressaltava a simplicidade das edificações residenciais e de uso misto,

distinguia-as dos suntuosos templos religiosos e edifícios públicos

(LEMOS; MARTINS; BOIS, 2006, p.7).

O intenso dinamismo comercial na “estrada-tronco” favoreceu a ramificação de

novas vias, becos e vielas. Essa expansão, por sua vez, facilitou, também, um maior

adensamento demográfico e o surgimento de outros serviços diretamente relacionados

às atividades comerciais, entre as quais podem citar-se os alfaiates, ourives, ferreiros,

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caldeireiros, mercadores, serralheiros e sapateiros.

Tais vias, enveredadas a partir da estrada-tronco, constituem-se no

principal e mais antigo eixo de ocupação e povoamento de Vila Rica,

exibindo, ao longo das íngremes ladeiras, dos becos estreitos e das

tortuosas ruas e vielas, o esplendor das expressões arquitetônicas do

barroco mineiro que refletem as riquezas da fase áurea da mineração

ocorrida entre as décadas de 40 e 50 do século XVIII (CIFELLI, 2005,

p. 126).

As edificações religiosas e institucionais foram se instalando onde o comércio

era mais concentrado. Essas construções estavam diretamente relacionadas ao

enriquecimento e desenvolvimento econômico de parcela da população através do

comércio ou da mineração. Assim, a arquitetura doméstica, destinada a uma classe mais

abastada, tinha por objetivo destacar a importância de seus proprietários diante da

sociedade e procurava ostentar suas riquezas por meio da qualidade estética e funcional

das construções residenciais. Do mesmo modo, as Irmandades disputavam a melhor

qualidade construtiva para as edificações religiosas e a administração da colônia, com as

obras públicas, como pontes e chafarizes.

Por isso, a primeira metade do século XVIII foi intensa quanto aos projetos de

edificações de igrejas, edifícios públicos e de residências, as quais permanecem, em sua

maioria, preservadas até os dias atuais. Embora muitas dessas edificações não mais

mantenham as mesmas funções do passado, com exceção das Igrejas, tornam-se

importantes como elementos remanescentes de uma história vivida por uma sociedade

marcada pela ascensão e queda do ciclo aurífero.

1.1.6. A RELAÇÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO E SUAS INFLUÊNCIAS

NA ORGANIZAÇÃO SOCIOESPACIAL DE VILA RICA

A forte relação entre o Estado e a Igreja interferia significativamente na

organização do espaço urbano colonial, expressando o poder e a influência na

organização da sociedade para a manutenção da ordem vigente. As duas instâncias

atuavam juntas na organização da ordem administrativa, política e econômica da antiga

capital mineira, além de controlar as atividades sociais a partir da determinação de

práticas comportamentais que favorecessem os interesses políticos e econômicos da

metrópole.

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Os templos religiosos e os imóveis da administração colonial sempre

assumiram espaços privilegiados na geografia da antiga Vila Rica. Em meio a uma

topografia irregular, foram utilizados os pontos mais elevados ou de meia encosta onde

era possível encontrar áreas de fácil nivelamento. Esses platôs receberam imponentes

construções que realçaram a interferência religiosa e política na organização urbana e na

vida dos habitantes locais. O morro de Santa Quitéria (atual Praça Tiradentes) é uma

demonstração nítida do assentamento de equipamentos públicos, como a Casa de

Câmara e Cadeia e o Palácio do Governo, em área de topografia privilegiada que impôs

uma nova centralidade à Vila.

A partir da segunda metade do século XVIII, a criação da praça

principal [Praça Tiradentes] transformou o quadro da conurbação

antes centrípeta. Do ponto central, a partir de fluxos centrífugos,

começaram a surgir novas saídas, ramificações, ruas e caminhos.

Nesse passo, o eixo rizomático deslocou-se para a primeira e

expressiva centralidade — a Praça do Palácio dos Governadores e da

Casa de Câmara e Cadeia (LEMOS, 2006, p. 3)

A construção de edifícios públicos no Morro de Santa Quitéria, como o Palácio

do Governo e a Casa de Câmara e Cadeia, remonta à delimitação do centro

administrativo de Vila Rica e ao núcleo da povoação localizado entre as matrizes do

Pilar e a de Antônio Dias. A sua implantação frente a frente, afastados entre si para dar

lugar à praça central, reiterava o poder da Metrópole sobre a região mineradora,

impondo à sociedade os interesses da Coroa portuguesa quanto às questões

administrativas, jurídicas e econômicas. A Câmara exercia, sobretudo, o papel de “porta

voz das queixas e súplicas dos moradores” perante as imposições fiscais da Metrópole

(BORREGO, 2004, p. 41).

Quanto às igrejas e capelas, estas também assumiam privilegiada posição

geográfica no traçado urbano de Vila Rica e forte influência na sociedade local. Ainda

hoje, ao andar pelas tortuosas ruas de Ouro Preto, é nítida a presença de edifícios

religiosos sobre os platôs onde foram erigidos (Figura 2), o que destaca a expressão do

poder religioso no período colonial. Para Scarlato (1996, p. 133) “em qualquer que seja

a direção que lancemos o nosso olhar, nos deparamos com a monumentalidade das

igrejas mineiras dominando o cenário da cidade”.

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Figura 7 – Vista da Igreja de São Fco. de Paula, edificada sobre elevações do relevo de Ouro Preto-MG

Fonte: Luiz Fontana, 1946.

A Igreja teve importante papel na implantação de uma estrutura urbana no

início do povoamento dos primeiros arraiais em Minas Gerais, pois foi no entorno deles

que se organizaram as residências particulares, os edifícios institucionais e os pontos de

comércio. Com o crescimento demográfico acelerado e uma economia desorganizada, a

Coroa Portuguesa impôs muitas regras com o intuito de manter a ordem e o poder.

Nesse período, a “Igreja, ligada ao Estado, era um instrumento de urbanização face a

uma política genérica e evasiva da Coroa, em relação ao planejamento, construção ou

ordenamento das cidades coloniais” (ANASTASIA; JULIÃO; LEMOS, 2000, p. 37).

A influência da Igreja na organização urbana das cidades mineiras do século

XVIII é comparada a exemplos ocorridos nas cidades medievais europeias, pois a

edificação dos templos religiosos durante o período medieval ocorre juntamente com a

evolução urbana, beneficiando-se da localização privilegiada das cidades (LE GOFF,

1992).

Teixeira (2004, p.49-53) confirma essa similaridade afirmando que:

[...] apesar das diferentes condições geográficas, bem como da

distância que existe entre idênticas fases de desenvolvimento destas

cidades, as suas estruturas de implantação inicial e as sucessivas fases

de crescimento são idênticas [...] Nas cidades de origem portuguesa

construídas no Brasil, encontramos uma síntese das múltiplas

referências, vernáculas e eruditas, medievais e renascentistas, que

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38

moldaram a sua estrutura e os seus espaços urbanos.

Além de uma localização urbana privilegiada, capaz de influenciar a

organização espacial das cidades, a Igreja também dominava, com seus princípios e

normas, a sociedade do século XVIII. Dentro dos grandes templos edificados,

sobretudo pela riqueza proveniente do ouro, a sociedade experimentava algo muito além

dos rituais litúrgicos, missas e confissões. As expressões dos cultos diários nas igrejas,

frequentadas pela sociedade em geral, possuíam um caráter de entretenimento, atuando

também de forma abrangente sobre o convívio social, os encontros casuais, as reuniões

políticas, os batismos, os casamentos, as procissões e os funerais.

A captação dos fiéis por meio dessas práticas atuou como um

poderoso instrumento de manipulação política e ideológica. A

mobilização da população em torno das práticas religiosas e o

contentamento de todos impedia a organização de reuniões, motins e

manifestações contrárias à ordem vigente (CIFELLI, 2005, p. 134).

Neste aspecto, a relação Igreja-Estado é vista como algo definitivamente

controlador quanto à organização do espaço urbano, bem como das práticas e

comportamentos da sociedade do século XVIII, em Vila Rica. Conjuntamente, essas

duas entidades desempenharam papéis significativos que reforçaram suas expressões

para que pudessem usufruir das vantagens daquele momento áureo da história colonial

brasileira.

1.1.7. DECLÍNIO DO OURO E O “ESQUECIMENTO” DA ANTIGA CAPITAL

No último quarto do século XVIII, a então Vila Rica começava a dar sinais de

falência econômica com o esgotamento do ouro. A Coroa portuguesa forçava uma

tributação excessiva em pleno declínio das atividades econômicas e a insatisfação por

parte de grupos da sociedade mineradora tornava-se cada vez maior, culminando na

Inconfidência Mineira11. A chegada do século XIX prometia uma história bastante

diferente do período de riquezas vivido no século anterior, marcada agora pela

decadência comercial e o declínio populacional.

A chegada do século XIX marcou definitivamente a Vila, devido às

inúmeras transformações, até então inusitadas, que a capital

11Movimento de caráter separatista, ocorrido em Minas Gerais no ano de 1789, cujo principal objetivo era

libertar o Brasil do domínio português. O lema da Conjuração Mineira era “Liberdade, ainda que tardia”.

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vivenciou. Por um lado, encontrava-se instalado um quadro

socioeconômico alarmante devido à decadência da exploração do

ouro, já anunciada na segunda metade do século XVIII.

Simultaneamente, à medida que novas condições materiais se

impunham, Vila Rica submetia-se também aos desafios da

modernização, impetrados especialmente com a presença da corte

imperial portuguesa no Brasil. A antiga vila, então sede da capitania,

foi promovida à condição de capital da Província de Minas Gerais,

definindo uma nova fase na sua história (LEMOS; MARTINS; BOIS,

2006, p.3).

Apesar da forte crise econômica, Vila Rica não perdeu sua importância

política. Em 1823, após a Independência do Brasil, recebeu o título de Imperial Cidade

de Ouro Preto, conferido por D. Pedro I, tornando-se oficialmente a capital da então

Província das Minas Gerais. Assim, com a sua permanência como centro administrativo

e a manutenção de sua importância estratégica para o Império Brasileiro, houve um

acréscimo das atividades agrícolas e comerciais, o que fez Ouro Preto resistir como

centro urbano expressivo durante o século XIX.

Neste contexto, o declínio das atividades mineradoras em Ouro Preto

promoveu algumas inquietações durante a primeira metade do século XIX. Além dos

problemas relacionados ao abastecimento daqueles que permaneceram na cidade,

faltavam definições por parte do poder público para construção e conservação de

edificações. Faltava uma gestão urbana efetiva que promovesse o ordenamento e a

requalificação das áreas urbanas. Apenas na segunda metade do século XIX,

coincidindo com transformações socioeconômicas e políticas que alcançaram seu ápice

no início do período republicano, é que algumas políticas públicas passaram a exercer a

prática de regulamentação urbana.

Entretanto, o século XIX também marcou o surgimento de centros

educacionais importantes, com a criação da Escola de Farmácia, em 1839, e da Escola

de Minas, em 1876. Essas instituições contribuíram de forma relevante para recuperar a

expressão cultural e política local.

Somaram-se a essas medidas a consolidação de técnicas modernas de

extração mineral e a diversificação do próprio processo de exploração

das reservas. Dentro do quadro material e econômico, a produção

agropecuária, a exploração mineral, como no caso da siderurgia, e a

produção de manufaturas consolidaram-se como vocação econômica

da Província. O fortalecimento do setor de serviços da Capital

justificava-se pela dinâmica do comércio e pelas atividades de

negócios voltados para a exportação, resultantes do desenvolvimento

(LEMOS; MARTINS; BOIS, 2006, p.7).

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Em meio a tantas mudanças no cenário econômico da antiga Vila Rica, o

século XIX marcou também o forte crescimento da economia cafeeira no oeste paulista

e na região do Vale do Paraíba. Paulatinamente, a antiga região aurífera deixava de ser a

referência econômica do país, embora continuasse politicamente ativa. Mesmo com a

proclamação da República, em 1889, Ouro Preto ainda permaneceu como capital de

Minas Gerais, até Belo Horizonte ser inaugurada em 1897 para assumir essa função.

Com a mudança da sede do governo estadual, uma retração demográfica ainda

maior foi inevitável. A transferência dos setores administrativos foi o ultimato para a

antiga Vila Rica. Certamente, um longo período de esquecimento tomou de vez aquele

território de histórias infinitas e de arquitetura sem igual.

A construção da nova capital e o êxodo que se seguiu – calcula-se que

mais de 45% da população tenha emigrado – vão colocar Ouro Preto

em uma espécie de limbo, um local fora do tempo. Não sendo mais

desse tempo, de que tempo seria esse lugar? Começam as evocações

de glórias passadas e as constantes referências à sua história, e Ouro

Preto vai se distanciando, perdendo sua consistência e completude,

enfumaçando-se por ação dos discursos. Como se já tivesse cumprido

seu papel, dissolve-se nas brumas do passado. À cidade da História,

que transparece nos discursos e homenagens, contrapõe-se a cidade

real que, por vazia e destituída de vitalidade, vai se deteriorando

fisicamente (MENICONI, p.68, 1999).

Sem a necessidade de um forte crescimento e sem atrair novos ocupantes, além

dos estudantes que ali chegavam, Ouro Preto manteve-se praticamente inalterada e

conseguiu preservar seu conjunto arquitetônico, artístico e natural. Durante a década de

1920, a presença de artistas modernistas como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e

Tarsila do Amaral abrilhantou a cidade. Viviam-se os reflexos da Semana da Arte

Moderna, que reavivava e valorizava a arte e o artista nacional, como o barroco ouro-

pretano e a célebre figura de Aleijadinho. Desde então, Ouro Preto passou a manter sua

vocação artística e cultural graças às suas escolas centenárias, aos festivais de arte e à

realização de festas tradicionais12.

Alguns anos mais tarde, já no governo de Getúlio Vargas, Ouro Preto passaria

a ganhar prestígio e verbas federais que pudessem resguardar a fração de um período

histórico do Brasil. O Estado começava a enxergar a necessidade de preservar sua

identidade expressa fisicamente através de seu patrimônio histórico. No ano de 1931, a

antiga capital de Minas Gerais ganhou apoio de uma legislação especial assinada pelo

12 As festas tradicionais e festivais serão retratados no item “Patrimônio Cultural” deste trabalho.

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então prefeito João Batista Ferreira Velloso, que proibiu qualquer tipo de alteração nas

fachadas do centro histórico. Dois anos mais tarde, em 1933, a cidade foi elevada a

Monumento Nacional. Cinco anos depois, registrada no Livro de Tombo do recém-

criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN (atual IPHAN).

Desde então, Ouro Preto passou a ganhar cada vez mais importância como

atrativo turístico. Logo, dezenas de edifícios passaram a abrigar novos usos,

transformando-se em pousadas, hotéis, restaurantes, entre outros. A preservação de

grande parte do patrimônio existente durante o período áureo da mineração, as histórias

do tempo vivido pela sociedade ouro-pretana e as tristes histórias referentes à

escravidão acabaram despertando a curiosidade pela cidade também fora do Brasil. Em

5 de setembro de 1980, na quarta sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da

UNESCO, realizada em Paris, Ouro Preto foi declarada Patrimônio Cultural da

Humanidade.

1.1.8. OURO PRETO DOS DIAS ATUAIS

Em 1938, o poeta Manuel Bandeira registrou o seguinte sobre Ouro Preto:

"Não se pode dizer que Ouro Preto seja uma cidade morta. (...) Ouro Preto é a cidade

que não mudou, e nisso reside seu incomparável encanto". De certo, o poeta conferiu à

cidade o valor que realmente ela representa enquanto estrutura urbana, salientando a sua

composição barroca colonial que resistiu ao tempo.

Considerada obsoleta, atrasada e decadente logo após perder a centralidade

política e administrativa de Minas Gerais, Ouro Preto ressurgiu décadas mais tarde com

os impactos da modernidade, sem perder a aura do passado. O progresso industrial do

Sudeste brasileiro e a necessidade da implantação de áreas industriais na região fizeram

Ouro Preto experimentar um novo crescimento demográfico e uma expansão urbana

para além do centro histórico tombado. Assim, com a chegada de algumas indústrias

mineradoras, como a Alcan13, e a ampliação de cursos universitários na cidade, algumas

mudanças acabaram sendo inevitáveis devido ao progresso que alterou a economia

local, transformando-a em uma cidade-polo.

Os novos modelos de vida, de transporte e de comércio fizeram a cidade

ganhar novos traçados urbanos e arranjos em seus casarios, destinados às novas

13 A Alcan é uma empresa de exploração de alumínio canadense e se instalou em Ouro Preto em 1950,

impulsionando as atividades ligadas à metalurgia e mineração no município, o que provocou o

crescimento populacional e a demanda por novas moradias na cidade.

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ocupações. A segunda metade do século XX marcou a volta do crescimento

demográfico na cidade. O núcleo urbano, que se mantinha praticamente inalterado

desde os fins do século XVIII, passou a sofrer um forte processo de expansão, sendo

aproveitadas as áreas periféricas que oferecessem condições possíveis de ocupação.

Todavia, a criação de novas áreas urbanas, em função do crescimento da população, não

foi acompanhada por um planejamento adequado. Esse fator propiciou a ocupação

irregular principalmente de áreas vazias, onde se desenvolveram as atividades de

mineração no passado. Por conseguinte, essas áreas, que apresentam características

geotécnicas desfavoráveis, geram atualmente um quadro problemático quanto à

segurança da população e causam discussões sobre a condição da cidade de Ouro Preto

enquanto Patrimônio Cultural da Humanidade (SOBREIRA; FONSECA, 2001).

A gravidade do quadro de descaracterização do conjunto arquitetônico

e paisagístico, tombado pelo IPHAN e pela UNESCO, ocorridos,

principalmente, com a ocupação irregular de áreas de risco, sítios

arqueológicos e de áreas verdes, fez com que a cidade entrasse, em

2003, na lista de patrimônio em risco da UNESCO, sofrendo ameaças

de perder o título de Patrimônio da Humanidade. Problemas

relacionados ao tráfego de veículos pesados nas ruas do centro

histórico tombado, infraestrutura de saneamento precária e obras

irregulares também se enquadram no rol das dificuldades enfrentadas

pelo IPHAN no que tange às ações de preservação (CIFELLI, 2006, p.

152).

As imagens obtidas por satélites (Figura 3), a seguir, mostram as modificações

ocorridas nas últimas décadas em Ouro Preto. As décadas de 1980 e de 1990 foram as

que mais registraram o aparecimento de novos bairros na cidade, sem qualquer

planejamento, configurando-se como um descaso do poder público perante a ocupação

desordenada do espaço urbano. Com exceção do bairro Bauxita, que cresceu

concomitante e próximo ao Campus da UFOP, destaca-se o desenvolvimento de bairros

em áreas sem a presença de qualquer tipo de infraestruturas, como os bairros de Nossa

Senhora do Carmo (Pocinho), Santa Cruz e Jardim Alvorada. Observa-se, na primeira

imagem, datada de 1984, que as áreas de solo exposto (de cores mais claras) ressaltam o

aparecimento desses novos loteamentos no entorno do centro histórico da cidade. Já nas

imagens seguintes é verificado um adensamento de novas construções nas áreas antes

descampadas, em especial na imagem de 2011.

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Figura 8 – Evolução da mancha urbana de Ouro Preto - MG nos anos de 1984, 1999 e 2011.

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O valor dos terrenos e das construções, de um modo geral, no centro histórico

de Ouro Preto alcançou uma supervalorização imobiliária, em especial depois que a

cidade recebeu o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Além da população que

chegava atraída pelas novas oportunidades de emprego nas mineradoras, grande parcela

da população local foi “forçada” a deixar o centro histórico da cidade para dar espaço

aos novos tipos de comércio que atendessem, sobretudo, aos turistas. De forma intensa,

o crescimento desordenado de novos bairros passou a exercer uma mudança também na

paisagem de Ouro Preto. A abertura de novos loteamentos e a construção de novas

edificações, em especial nas áreas de risco e de relevo mais acidentado, passou a

descaracterizar a paisagem barroca recebida como herança dos tempos de Colônia.

Atualmente, Ouro Preto continua apresentando um crescimento caótico, com o

adensamento das áreas de risco, a ocupação de espaços públicos e o impacto direto

sobre as áreas verdes. A nítida descaracterização do entorno, que é parte do patrimônio

tombado pelo IPHAN e pela UNESCO, configura-se um sistemático e evolutivo

problema que ameaça o complexo arquitetônico e cultural da cidade.

Verifica-se que, apesar do rigor do tombamento do IPHAN e da elevação da

cidade à condição de Patrimônio Cultural da Humanidade, isto não significa que a

cidade possa ser engessada em suas funções vitais. Por isso, em Ouro Preto podem ser

observados os mesmos problemas encontrados em outras cidades brasileiras, como a

ausência de um planejamento urbano ordenado, trânsito caótico, déficit habitacional,

ocupação desordenada de encostas e áreas de risco, carência de saneamento básico e a

falta de infraestruturas de serviços à comunidade.

Economicamente, a atual Ouro Preto tem grande parcela de seu PIB

proveniente do setor industrial (IBGE, 2011), conforme já salientado no início desse

capítulo. Esse setor apresentou forte crescimento, sobretudo entre as décadas de 1970 e

1980, chegando a um crescimento de 32% nesse período (SEBRAE, 2006, p. 43). Desde

então, a mineração tornou-se novamente a principal base da economia do município,

embora o setor terciário também passasse a crescer a partir da década de 1980em diante.

O crescimento do setor terciário, sobretudo a partir da década de 1980,

representou principalmente o desenvolvimento do turismo como atividade geradora de

serviços e renda para o município. A elevação a Patrimônio Cultural da Humanidade,

cedido pela UNESCO em 1980, conferiu à cidade um valoroso lugar entre os circuitos

turísticos mais importantes em nível nacional e internacional.

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[...] é na década de 1990 que o turismo adquire maior expressão,

acompanhando a tendência de expansão da atividade no Brasil e no

mundo, com o aumento do incentivo público à atividade, maior

divulgação das localidades e aumento das facilidades em sua

viabilização, através da redução dos custos, do aumento das

facilidades com transporte e comunicação, expansão dos serviços e

infraestrutura e outros fatores que dinamizaram o turismo em nível

local, nacional e mundial (CIFELLI, 2006, p. 159).

Concomitante ao crescimento das atividades turísticas, desenvolveu-se o

processo de refuncionalização do patrimônio tombado da cidade: antigos edifícios e

casarões passaram a exercer atividades comerciais, como restaurantes, pousadas, hotéis,

padarias, lanchonetes, bares, ateliers e lojas de artesanato. Atualmente, o dinamismo

econômico voltado ao público turista é expressivo e ainda maior, se comparado com as

décadas de 1980 e 1990, em especial nos períodos de alta temporada e de grandes

eventos.

Ouro Preto mantém hoje, em seu calendário, importantes eventos culturais que

fortalecem o fluxo de turistas pela cidade, como a Mostra de Cinema, o Festival de

Inverno (Figura 4) e o Festival Tudo é Jazz (Figura 5). Amparados por grupos de

empresários do ramo hoteleiro, gastronômico e comercial da cidade, juntamente com o

apoio da Universidade Federal de Ouro Preto e da prefeitura local, esses eventos reúnem

turistas das regiões mais longínquas do Brasil e, até mesmo, do exterior. Os eventos

duram de uma a quatro semanas e geralmente acontecem à noite, o que permite aos

turistas visitarem a cidade e conhecerem os museus e as igrejas barrocas durante o dia.

Figura 9 – Imagem de divulgação do Festival de

Inverno 2013;

Fonte: Imagem divulgada pelos realizadores, 2013.

Figura 10 – Imagem de divulgação do Festival Tudo é

Jazz 2013;

Fonte: Imagem divulgada pelos realizadores, 2013.

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Outra característica na atual Ouro Preto é a presença das repúblicas

universitárias. Divididas entre federais e particulares, as repúblicas estudantis são uma

maneira mais econômica para os estudantes que chegam de outro local para cursar o

ensino superior. A grande presença de estudantes na cidade interfere também em sua

economia, embora estes não utilizem os mesmos equipamentos comerciais

exclusivamente voltados para os turistas. Em bairros mais próximos ao Campus da

UFOP, como é o caso do bairro Bauxita, a dinâmica comercial tem se tornado mais

intensa depois da abertura de novos cursos e a chegada de mais alunos à cidade.

Além de contribuírem para fortalecer o comércio local, as repúblicas, em Ouro

Preto, também são reconhecidas por organizarem grandes festas na cidade. O carnaval e

a chamada “Festa do Doze” são os principais eventos organizados pelos estudantes e

que reúnem centenas de pessoas nas ruas e nas repúblicas. Durante o carnaval as

repúblicas particulares montam pacotes que variam de R$ 600,00 (seiscentos reais) a R$

1300,00 (mil e trezentos reais), incluindo hospedagem, refeições, bebidas e abadás para

os tradicionais blocos da cidade. Para alguns grupos de estudantes, o carnaval acaba

sendo rentável com as vendas desses pacotes, já que contribui para investimentos em

melhorias nas próprias repúblicas. A “Festa do Doze”, por sua vez, recebe esse nome

por ser realizada durante o feriado do dia 12 de outubro. Trata-se de uma festa também

bastante tradicional e representa o retorno dos antigos alunos às suas repúblicas, onde

festejam o reencontro com antigos amigos de moradia e de universidade.

Embora sejam eventos que também movimentam a cidade, nem o carnaval nem

a “Festa do Doze” são bem vistos por aqueles que prestam serviços aos turistas. Por

abrangerem um público bastante alternativo e que não possui nenhum interesse cultural,

muitos empresários acreditam que tais festas desvalorizam e impactam direta e

negativamente o patrimônio da cidade. A porção histórica de Ouro Preto, onde é

realizado o carnaval, não apresenta infraestrutura capaz de suportar tamanho

contingente de pessoas e de automóveis. O resultado é prejudicial à comunidade que

reclama da sujeira deixada nas históricas ruas e ladeiras da cidade, o que desagrada

também aos comerciantes.

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Como exemplo do alcance deste impacto negativo no carnaval de 2012, um

grupo de turistas que estava na cidade foi flagrado depredando uma cruz do século XIX

(Figura 6), que se encontra sobre uma das pontes de Ouro Preto. O resultado foi a prisão

dos três turistas por danos ao patrimônio público (estes respondem a processo judicial

movido pelo IPHAN e pela Prefeitura de Ouro Preto). Em abril do mesmo ano, a cruz,

que é feita de pedra Itacolomy, foi restaurada e voltou a fazer parte da paisagem da

cidade (Figura 7).

Outro impasse criado em dezembro de 2013, e que também envolve os turistas

no período do carnaval, foi a proibição da venda de hospedagem em repúblicas federais.

A ação judicial foi movida pela Associação dos Hotéis que alega uma concorrência

desleal, já que as repúblicas não pagam impostos e não representam pessoa jurídica. A

ação movida pela Associação dos Hotéis foi considerada descabida pelos estudantes e

pela própria UFOP, por entenderem que as repúblicas não oferecem o mesmo conforto

de um hotel. Em janeiro de 2014, depois de recurso movido pela UFOP, as repúblicas

federais foram liberadas novamente para hospedar turistas, contanto que sejam

vistoriadas pelos bombeiros e tenham alvarás liberados pela prefeitura. Os valores

recebidos com as hospedagens deverão ser revertidos em melhorias nas repúblicas.

É evidente que a Ouro Preto de hoje muito difere da Ouro Preto dos períodos

áureos do ouro. No entanto, o conjunto arquitetônico e urbanístico possui uma estrutura

barroca colonial ainda muito bem preservada. O tempo presente reflete uma cidade de

funções e usos muito diferentes daqueles vividos nos séculos XVIII e XIX. Ao mesmo

Figura 11 – Imagem da cruz depredada durante o

carnaval de 2012.

Fonte: Eduardo Trópia, 2012.

Figura 12 – Imagem da cruz restaurada após o

carnaval de 2012.

Fonte: Thiago Guimarães, 2012.

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tempo que assume o papel de cidade histórica e detentora de significativo patrimônio

arquitetônico, é alvo, por isso mesmo, do sistema mercadológico e capitalista movido

pelos grandes empresários do ramo turístico. Ouro Preto é uma cidade que presencia

hoje o impacto do crescimento desordenado e o ímpeto das mineradoras e do turismo. É

uma cidade movimentada pelo cotidiano dos estudantes universitários, pela atratividade

do seu patrimônio cultural e os belos festivais que atraem centenas de turistas a cada

ano. Enfim, uma cidade desejada de diferentes maneiras tendo por referência uma

mesma história.

1.2. IDENTIDADE SOCIAL E EXPRESSÃO TERRITORIAL: A

CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

1.2.1. MEMÓRIA SOCIAL

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar de

identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades

fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na

angustia (LE GOFF, 1990, p. 476).

As diferentes memórias estão presentes no tecido urbano,

transformando espaços em lugares únicos e com forte apelo afetivo

para quem neles vive ou para quem os visitam. Lugares que não

apenas têm memória, mas que para grupos significativos da sociedade,

transformam-se em verdadeiros lugares de memória (GASTAL, 2002,

p. 77).

O conceito de memória social tem sido estudado por vários autores que se

debruçam no entendimento de como a memória é transmitida socialmente e de que

forma influencia as relações sociais e a organização espacial. Embora seja um tema

relativamente novo para a ciência geográfica, estudos relacionados a este assunto já

foram pesquisados por outras ciências, como a filosofia e a psicologia, desde o século

XIX. Para a geografia, os estudos relacionados à memória só emergiram na segunda

metade do século XX, com a Geografia Cultural. Um grande interesse pelas imagens

mentais, pelas representações, simbolismos e identidades se manifestou na “virada

cultural”, na década de 1990 (CLAVAL, 2011).

A memória, enquanto fenômeno coletivo, permite promover a relação entre

membros de um mesmo grupo a partir de uma ideia de continuidade e de manutenção da

identidade, como características particulares. De acordo com Peralta (2007), a memória

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e a identidade de uma determinada sociedade coexistem nas peculiaridades do passado

desta coletividade, pela manutenção de símbolos que permitem identificar e distinguir

os diversos grupos que dela participam.

Para Arantes (1984), o valor simbólico de um objeto é decorrente da

importância adquirida pela memória coletiva e pressupõe a necessidade de preservação

de algo que é representativo para muitos. A partir do momento em que a memória social

se torna responsável por conectar o passado ao presente, criam-se raízes para o futuro. É

a partir da carga simbólica atribuída pela coletividade a um determinado objeto que ele

se transforma em um bem cultural.

O reconhecimento do patrimônio cultural se estabelece pela

identificação dos seus significados. A percepção da carga simbólica

contida em cada patrimônio auxilia a desvendar o significado

histórico-social deste patrimônio. [...] E é esta memória (memória

social) que impele a ver o passado e a inventar o patrimônio dentro

dos limites possíveis estabelecidos pelo conhecimento

(MONASTIRSKY, 2009, p.324).

O patrimônio cultural se constrói por meio da história, a qual é reproduzida

através da memória. As relações construídas no passado, representadas em

manifestações como o folclore, as festas típicas, os modelos de comércio, os formatos

urbanos e a arquitetura típica passam pela memória das gerações e são utilizadas como

instrumentos de composição cultural, contribuindo para ampliar a dimensão do

patrimônio cultural.

A valorização da memória coletiva e da identidade cultural, representadas nas

relações construídas no passado, ganham força e avançam com a consolidação da

sociedade capitalista industrial. O aumento da velocidade das inovações tecnológicas,

em especial dos meios de transporte e de comunicação, provocou um descompasso entre

o tempo da sociedade capitalista industrial e o tempo do indivíduo. As relações externas

de trabalho tornaram-se mais intensas que as próprias relações familiares, provocando

um desalinho temporal e certo “estranhamento espacial, experimentado em algum

sentido, diante do processo da globalização” (MONASTIRSKY, 2009, p.325).

Para Nora (1989, p.19), o resgate do passado visto através da memória social

representa a cristalização de “lugares” em um momento particular na história. Esses

“lugares da memória”, segundo o autor, existem porque já não podem mais ser vividos

no tempo presente. Logo, os “lugares da memória” se originam conforme o tempo corre

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e, desta forma, torna-se necessário criar arquivos que possibilitem uma ligação com o

passado e a criação de uma ideia de continuísmo, conforme explica abaixo:

Os lugares de memória são simples e ambíguos, naturais e artificiais,

uma vez disponíveis para a experiência concreta tornam-se

susceptíveis das elaborações mais abstratas. Com efeito, eles são

lugares de memória nos três sentidos da palavra: material, simbólico e

funcional (NORA, 1989, p.19).

A necessidade de se manter uma conexão entre o passado e o presente tornou-

se mais intensa no final do século XIX, especialmente na Europa e nos Estados Unidos.

Tanto os europeus como os norte-americanos presenciaram a revolução industrial

primeiro, por isso também apresentaram as sensações de maior velocidade do tempo e

perda do passado mais cedo que o restante do mundo. A nostalgia do prazer pela

história, arqueologia, folclore e também pela importância conferida ao patrimônio

material marcou o século XIX de muitos países industrializados (LE GOFF, 1984).

Já nos países industrializados tardiamente, como é o caso do Brasil, o anseio

pela preservação da memória e do patrimônio se constitui mais tardiamente e em

situação conflituosa. No caso brasileiro, o resgate do passado e a manutenção do

patrimônio contrastavam com a necessidade do novo, impulsionado pela ideia do

progresso positivista, entre o final do século XIX e início do XX.

No Brasil, o resgate da história e da memória social só se torna efetivo a partir

da década de 1930, quando o início da industrialização e o recém implantado

modernismo aceleram a velocidade do tempo vivido e despertam a nostalgia pelo

passado.

1.2.2. IDENTIDADE CULTURAL E TERRITÓRIO: A EXPRESSÃO DA

TERRITORIALIDADE

Definir o conceito de identidade é muito complexo, pois transcende as

características de apenas um indivíduo e reúne características, sentimentos e desejos

coletivos. Para Handler (1994, p.28), o termo identidade pode ser analisado através de

três aspectos: primeiramente, observado de maneira individual. Em segundo, a

identidade pode ser observada enquanto coletividade imaginada como individual, como

a torcida de um time, por exemplo. E, por último, um misto dos dois primeiros,

especialmente no modo como os indivíduos assimilam elementos da identidade coletiva

para a sua própria identidade.

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Para o presente trabalho, é importante a análise da identidade enquanto

formadora de características comuns a um grupo, interferindo diretamente na relação

desse público com o território em que vive. Por isso, o termo território, em sua

definição puramente geográfica14, assumirá aqui não apenas uma delimitação político-

administrativa do espaço geográfico, mas também a de pertencimento e de expressão

espacial da identidade coletiva.

Para o antropólogo Tizon (1995, p.32), o território é o “ambiente de vida, de

ação, e de pensamento de uma comunidade, associado a processos de construção de

identidade”. Abramovay (1998, p.25) complementa essa ideia afirmando que “um

território representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações

políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio

desenvolvimento econômico”. Nesse sentido, o território assume o alicerce para

desenvolvimento e manutenção das relações sociais, consolidando a ideia de

apropriação e de pertencimento daqueles que expressam suas identidades.

Haesbaert (1997, p.42) compartilha dessa ideia colocando o seguinte:

O território envolve sempre, e ao mesmo tempo [...], uma dimensão

simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída

pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico sobre o

espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de

apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-

disciplinar: a apropriação e ordenação do espaço como forma de

domínio e disciplinarização dos indivíduos.

O que Haesbaert denomina como “identidade territorial” nada mais é do que a

forma como um grupo enraíza seus costumes e tradições, ao longo da história, em um

território definido. Trata-se da demarcação da memória a partir de uma escala territorial,

onde o espaço material e a memória social se fundem para a consolidação do que se

define como patrimônio (LAMY, 1996, p.14).

As particularidades assumidas por um grupo, em um determinado território,

14 O termo território vem do latim, territorium, “que deriva de terra e significa pedaço de terra apropriado.

Vale ressaltar que as noções de espaço e de território são distintas: o espaço representa um nível elevado

de abstração, enquanto que o território é o espaço apropriado por um ator, sendo definido e delimitado por

e a partir de relações de poder, em suas múltiplas dimensões. Cada território é produto da intervenção e

do trabalho de um ou mais atores sobre determinado espaço. O território é, portanto, uma rede de relações

sociais que se projetam no espaço. É construído historicamente, remetendo a diferentes contextos e

escalas: a casa, o escritório, o bairro, a cidade, a região, a nação, o planeta. Por isso, o território seja

objeto de análise sob diferentes perspectivas – geográfica, antropológico-cultural, sociológica,

econômica, jurídico-política, bioecológica –, que o percebem, cada qual, segundo suas abordagens

específicas” (ALBAGLI, 2004).

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refletem a própria expressão da cultural local, definindo a sua identidade entre as quais

se incluem as afinidades entre os indivíduos. Portanto, a cultura se define espacialmente

e corrobora as relações sociais existentes em espaços onde se estabelecem modelos

peculiares de representação. Assim, a territorialidade pode ser definida como a

expressão do sentimento a um dado espaço geográfico, onde as práticas e manifestações

sociais estão integradas e afirmam a ideia de identidade e de pertencimento.

Segundo Albagli (2004, p.28), o termo territorialidade representa:

As relações entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de

referência, manifestando-se nas várias escalas geográficas – uma

localidade, uma região ou um país – e expressando um sentimento de

pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço

geográfico. No nível individual, territorialidade refere-se ao espaço

pessoal imediato, que em muitos contextos culturais é considerado um

espaço inviolável. Em nível coletivo, a territorialidade torna-se

também um meio de regular as interações sociais e reforçar a

identidade do grupo ou comunidade.

Raffestin (1993, p.159), a partir de um discurso naturalista, reconhece que a

territorialidade define “a conduta característica adotada por um organismo para tomar

posse de um território e defendê-lo contra os membros de sua própria espécie”.

Paes-Luchiari (2005, p.51) afirma que:

As territorialidades compreendem uma forma de comportamento

socioespacial que tem implicações normativas, onde as relações de

poder se projetam também simbolicamente. Esse exercício de poder é

viabilizado pela criação de fronteiras (inclusive simbólicas) em

determinadas áreas, moldando comportamentos, influenciando e

controlando os usos dessas territorialidades.

Independente da definição dada por vários estudiosos, os conceitos sobre

territorialidade sempre evidenciam concepções referentes ao processo de apropriação.

Logo, trata-se do sentimento de pertencimento que conecta as pessoas a um

determinado território, constituindo a “imaterialidade” ou “significado” que é dado ao

lugar. A definição de patrimônio cultural, tão destacada nos dias atuais, surge

justamente quando emergem as territorialidades como luta pela sobrevivência, pela

conservação de tradições e hábitos que fazem parte da identidade dos indivíduos, que,

juntos, constituem o maior obstáculo àqueles que se colocam a exterminá-las.

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1.2.3. PATRIMÔNIO CULTURAL

O conceito de patrimônio cultural tem sido cada vez mais tratado por

profissionais que buscam compreender o motivo da atração de diversas pessoas pela

herança de outros povos. Para compreender tal fenômeno é indispensável analisar como

surgiu a curiosidade por outras culturas e seus modelos de vida. De acordo com

Caldeira (2014 p.132), “a curiosidade e o encantamento por outros ambientes que se

diferenciam do lugar habitual, despertam o interesse de muitos e faz com que se sintam

impelidos de viajar”.

Sabendo, portanto, se tratar de um tema de tamanha relevância, este trabalho

evidenciará apenas o enfoque do turismo ao patrimônio edificado, a fim de analisar de

forma mais coesa o seu sentido e representatividade nos tempos de hoje.

De acordo com Barreto (2000, p.16), a ideia de patrimônio histórico e cultural

teve início no século XIX com o propósito de

[...] criar referenciais comuns a todos que habitavam o mesmo

território, unificá-los em torno de pretensos interesses e tradições

comuns, resultando na imposição de uma língua nacional, de costumes

nacionais, de uma história nacional que se sobrepôs às memórias

particulares e regionais.

Ainda segundo Barreto, esse patrimônio se define enquanto um símbolo

nacional e evidencia as características culturais comuns a todos, mesmo entendendo que

os grupos sociais e étnicos presentes em um mesmo território sejam diferentes. Assim, a

herança cultura de um povo torna-se uma construção social de extrema importância

política.

A definição de patrimônio encontra-se também associada ao conceito de

monumento (BRUSADIN; SILVA, 2012), uma vez que um bem cultural cujo valor é

reconhecido como tal pela coletividade passa a ter essa determinação. Assim, o

exercício da observação de um monumento recria o sentimento de herança, abrangendo

uma relação indissociável entre memória social e identidade cultural. Segundo Brusadin

e Silva (2012), a ideia de monumento surgiu na Europa ocidental, mais precisamente na

Itália quinhentista. Séculos mais tarde, o conceito disseminou-se para outros países, em

especial a partir da segunda metade do Século XIX.

Na França do século XIX, iluminista e pós-revolucionária, a questão sobre a

conservação da história a partir dos monumentos era algo bastante discutido. Os bens do

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clero e da antiga coroa absolutista foram transferidos para a União, de acordo com o

ideal democrático imposto pelo comitê revolucionário. Entretanto, muitos monumentos

de valor relevante para o clero e a antiga coroa perderam o valor ideológico que

apresentavam antes da revolução. Mesmo assim os intelectuais franceses reconheceram

a sua importância para uma nova história, sem desprestigiar o passado de erros

humanitários para conservar as inúmeras expressões artísticas e de significados

históricos (CHOAY, 2001, apud BRUSADIN; SILVA, 2012)

No entanto, essa quebra tinha o intuito de através de uma reflexão da

história, fazer com que se encontrasse o caminho próprio a ser

seguido, ou seja, o passado não seria totalmente esquecido ou

aniquilado como chegou a acontecer durante alguns anos, mas seria

uma memória para relembrar e para que se pudesse evoluir de acordo

com as experiências previas (BRUSADIN; SILVA, 2012, p.72)

Embora os grandes monumentos tivessem sua relativa importância histórica

para os vários povos da Europa Ocidental, faltavam-lhes ainda leis conservacionistas

que pudessem garantir a sua conservação e preservação. As leis de preservação ao

patrimônio começarão a ser erigidas somente após a Revolução Industrial, como forma

de assegurar a permanência desses bens diante da velocidade imposta pelo sistema

capitalista. Nesse mesmo período, teve início, de forma mais contundente, a prática de

restauração dos edifícios das cidades mais antigas do velho continente, o que trouxe à

tona uma nova discussão em relação aos conceitos de preservação dos monumentos

(CHOAY, 2001, apud BRUSADIN; SILVA, 2012, p. 73)

Durante o século XIX, duas vertentes se consolidaram na Europa: aqueles que

entendiam que os monumentos deveriam ser preservados no estado em que se

encontravam e aqueles que eram a favor da restauração dos mesmos. Para aqueles que

prezam pelas marcas que o tempo imprimiu aos monumentos, a manutenção das

características está diretamente relacionada à história e ao tempo de exposição do

monumento. Entre os maiores expoentes à favor da preservação dos edifícios está John

Ruskin, que acreditava que a conservação da arquitetura do passado, como expressão da

arte e cultura, nos permitiria entender a relação existentes entre os estilos arquitetônicos

e técnicas construtivas. Por isso, Ruskin defendia a ideia de que as edificações deveriam

atravessar os séculos de maneira intocada envelhecendo segundo seu destino

(OLIVEIRA, 2008).

Já para aqueles a favor da intervenção, a restauração poderia resgatar sentidos e

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características perdidas com o envelhecimento e o desgaste do patrimônio. O pioneiro

dessa vertente foi Viollet-le-Duc, que tentou estabelecer princípios de intervenção em

monumentos histórico e metodologia de restauro por meio da verificação e análise das

patologias encontradas nos edifícios (SANTOS, 2005).

De certo, ambas as vertentes provocaram profundas reflexões naquele período,

o que refletiria, certamente, nos dias atuais. Hoje ainda muito se discute sobre a

aplicabilidade desses conceitos, embora prevaleça o consenso de que ambas as teorias

devem ser combinadas e justificadas de acordo com cada caso. Por isso, a maioria dos

órgãos competentes opta por conjugá-las e buscam um equilíbrio entre preservar e

restaurar, de acordo com as especificidades de cada monumento.

Independente de se tratar de conservar ou restaurar, as intervenções ocorridas

no espaço geográfico tornaram evidente a necessidade de se estabelecer normas e

diretrizes que estabelecessem princípios sobre a conservação da história e da identidade

de um povo. Em termos arquitetônicos, o de patrimônio cultural representou uma

preocupação para com os bens culturais nos países europeus com mais rigor no século

XIX, quando apenas os monumentos históricos clássicos e medievais eram preservados

(ANDRADE, 2007). A Carta de Atenas, elaborada numa conferência entre estudiosos

das questões urbanas e da conservação dos monumentos, em 1931, foi uma das

primeiras manifestações de caráter coletivo em que se buscou definições quanto a

preservação dos bens patrimoniais.

Desde então, no mundo contemporâneo, outros encontros de profissionais da

área geraram conceitos que permitiram uma evolução neste sentido, como a Carta de

Veneza, de 1964, onde pode ser determinado que:

A noção de monumento histórico compreende a criação isolada, bem

como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização

particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento

histórico. Entende-se não só às grandes criações, mas também as obras

mais modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação

cultural (CARTA DE VENEZA, 1964).

Em outubro de 1973, na cidade de Paris, a UNESCO organizou uma convenção

referente à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (IPHAN, 2007). Em

sentido amplo, o significado de “Patrimônio Cultural” passou a ser estabelecido como:

Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais,

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elementos de estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e

grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de

vista da história, da arte ou da ciência; são também considerados os

conjuntos de grupos de construções isoladas ou reunidos que, em

virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem tem

valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da

ciência; e também os locais de interesse, ou seja, “obras do homem,

ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os

locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional

do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico

(UNESCO, 1973).

No ano de 1975, em Amsterdã, foi realizado o Ano Europeu do Patrimônio

Arquitetônico, em que se desenrolaram novos debates e conclusões a respeito do

conceito de patrimônio arquitetônico de uma forma mais clara. Na ocasião, as novas

definições definiram que:

O patrimônio arquitetônico é formado não apenas pelos nossos

monumentos mais importantes, mas também pelos conjuntos que

constituem as nossas cidades antigas e as nossas aldeias com tradições

no seu ambiente natural ou construído [...] A encarnação do passado

no patrimônio arquitetônico constitui um ambiente indispensável ao

equilíbrio e ao desabrochar do homem [...] O patrimônio arquitetônico

é um capital espiritual, e cultural, econômico e social de valor

insubstituível (IPHAN, 2007).

A partir das definições dadas acima, fica evidente que o patrimônio cultural

decorre da compreensão da dinâmica temporal conferida ao espaço geográfico, que é

historicamente construído e deve ser analisado funcionalmente e simbolicamente a

partir de vários elementos, por meio de uma relação íntima entre o passado e o presente.

O patrimônio cultural-histórico é, portanto, constituído através dos

estratos do tempo, mas, também, pelos ‘olhares’ do presente que,

associados, compõem diversos desdobramentos conceituais sobre ele e

sobre o espaço em que está inserido (MONASTIRSKY, 2006, p. 29).

Dentre os estudiosos que se prestam a analisar o patrimônio na

contemporaneidade, destaca-se Maria Tereza D. Paes, que interpreta o sentido do

patrimônio remetendo-o à história sociocultural e a uma análise técnica e política:

[O patrimônio é] Cultural, porque somos nós, homens, no exercício da

cultura, que elegemos o que deve ser preservado, imprimindo uma

dimensão valorativa aos bens materiais ou intangíveis. Técnica, pois

devemos desenvolver saberes, instrumentos e normas para levar a

termo o processo de preservação. Política, porque esta seleção e

normatização dos bens que devem ser patrimonializados envolvem

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ações e decisões, resultantes de conflitos de interesses, que devem ser

normatizadas (PAES, 2009, p. 163-164).

A ideia do pertencimento e da expressão social sobre o território conduz ao

raciocínio e à obrigação de se conservar os bens como forma de se manter uma história

que não mais se reproduz. O tombamento de um bem patrimonial passa pela ideia de

conservação e ressalta o caráter também legal e técnico para essa conduta, culminando

em diretrizes e normas que regulamentam a patrimonialização dos bens no espaço

geográfico. Nesse sentido, as cartas patrimoniais são constituídas por uma coleção de

princípios que traduzem os deveres e os meios de conservação e proteção do patrimônio

histórico e cultural.

O conceito de patrimônio cultural evoluiu e se adaptou conforme o contexto

histórico e os conceitos acadêmicos. Para se compreender o seu significado, deve-se

rejeitar a ideia mercantil e puramente turística a que é sempre relacionado e entendê-lo

de forma mítica e particularmente cultural. O patrimônio só pode ser analisado em seu

contexto cultural, em que cada monumento remonta uma história e permite

compreender o passado vivido naquele espaço.

É importante não apenas apreciar e conhecer visualmente o

patrimônio, mas sim apreendê-lo enquanto instrumento de identidade,

de memória e de reconhecimento. Reconhecer e associar a própria

história à história da sociedade por meio do patrimônio cultural é um

exercício de cidadania (BURDA; MONASTIRSKY, 2011, p. 122).

A definição de patrimônio cultural surge ao longo da história a partir da

necessidade de se preservar o antigo, marcado pela história social, perante as rápidas

mudanças impostas pelo presente. A rápida mudança da estrutura e das relações sociais,

em especial após o período industrial, tornou os espaços cada vez mais suscetíveis às

modificações impostas pelo capital. A sociedade pós-moderna é marcada pela dinâmica

espacial, em que o velho perde o seu valor e se torna obsoleto; o novo ganha espaço e

corrobora a ideia de progresso e desenvolvimento.

Em resumo, embora seja o turismo o grande divulgador dos espaços históricos,

não se deve esquecer que o patrimônio cultural resultada construção histórica de um

povo que necessita constantemente conectar-se às suas origens e identidades, mesmo em

tempos contemporâneos. O patrimônio cultural deve, sobretudo, contribuir como um

fator educativo e de autorretrato do cidadão local, servindo depois para o uso turístico,

na constante tarefa de se buscar conhecer e compreender a cultura do outro.

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1.2.4. PATRIMÔNIO CULTURAL E A CIÊNCIA GEOGRÁFICA

O patrimônio cultural de uma cidade histórica compõe o espaço urbano e

remonta as suas relações sociais. Preservar o patrimônio cultural contribui para a

manutenção da identidade de um indivíduo e de sua própria sociedade, sendo o espaço

sempre “o lócus da reprodução das relações sociais de produção” (LEFEBVRE, 1976,

p. 25). No âmbito da Geografia, em especial da Geografia Cultural, a valorização

simbólica do patrimônio cultural (material e intangível) só teve importância após a

década de 1960 (NIGRO, 2010). Se analisado no tempo presente, dinamizado pelas

tendências de organização e apropriação do capital, o patrimônio cultural encontra-se

num processo muitas vezes conflituoso, o que requer atenção por parte da Geografia

para avaliar a sua importância numa totalidade espacial mais abrangente e dinâmica.

A Geografia enfoca o patrimônio cultural a partir da relação existente entre o

tempo e o espaço, conferindo-lhe uma dinâmica socioespacial embasada na ordenação

política e econômica conduzida por diferentes agentes ao longo da história. Os

indivíduos que determinam as relações de poder são também aqueles que influenciam a

produção e a apropriação do espaço social, definindo, portanto, os valores dos

elementos espaciais e dando-lhes características simbólicas e representativas. Por isso, a

compreensão do patrimônio, enquanto exaltação daquilo que confere valor, extrapola a

simples análise da herança material e abarca as dimensões de especificidades políticas,

econômicas e ideológicas representadas em um determinado tempo e espaço.

Geograficamente, o patrimônio cultural é a demarcação representativa das

particularidades espaciais numa totalidade geográfica (SANTOS, 2002, p. 121),

devendo ser preservado enquanto forma e tendo suas funções adaptadas segundo as

necessidades impostas pela dinâmica do tempo e do capital.

O espaço geográfico formado pelo patrimônio pode ser explicado pela

noção de totalidade de Milton Santos, em que as partes formam o

todo, mas a totalidade não é somente a soma das partes. Portanto, a

totalidade do patrimônio cultural é composta pelo conjunto das

edificações tombadas, a composição da paisagem urbana, as relações

sociais deste espaço e as significações do patrimônio e da memória

social (BURDA; MONASTIRSKY, 2011, p. 116).

Em sua obra “Espaço e Método”, Santos (1985) define algumas categorias de

análise do patrimônio cultural sob a perspectiva geográfica, considerando para isto a

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forma, a função, a estrutura e o processo. Para Santos (1985, p. 51), a forma

compreende o “aspecto visível de uma coisa” e atende a determinadas necessidades e

funções. Todavia, caso a forma ganhe um teor valorativo, como é o caso de um

patrimônio cultural, ela passa a ser suscetível às adaptações funcionais no decorrer do

tempo. Assim, os patrimônios se definem enquanto “rugosidades [...] do passado como

forma, espaço construído e paisagem” (SANTOS, 2002, p.113) ou, simplesmente,

remanescentes pretéritos incorporados às finalidades de um tempo presente.

A permanência das formas, em decorrência de sua valorização histórica e

cultural, quase nunca é acompanhada da manutenção de suas funções, ao longo do

tempo. Por isso, em cidades históricas, como Ouro Preto, Mariana, Diamantina e São

João Del Rey, os edifícios históricos tombados se adequam funcionalmente para

acompanhar o crescimento demográfico e as exigências do turismo. Trata-se, pois, do

processo de refuncionalização patrimonial, que propõem uma nova conjuntura material

e social embasada numa relação direta entre as formas e as funções.

As formas pretéritas preservadas no presente resguardam diferentes interesses e

finalidades do tempo em que foram arquitetadas, conferindo-lhes uma interação

existente entre as relações políticas, econômicas e sociais no tempo presente. Para

Cifelli (2005, p. 35), é possível que se desvendem, neste tempo presente, os diversos

contextos históricos que propiciaram as formas hoje preservadas. Segundo ela, “a

tentativa de apreensão da dimensão temporal do espaço geográfico perpassa pela

delimitação de periodizações que relacionam dialeticamente as variáveis históricas

particulares de cada lugar com o contexto histórico geral”. Assim, é possível ler nas

formas preservadas a dinâmica temporal do passado, “possibilitando o resgate histórico

da produção e da conformação do sistema de objetos considerados como patrimônio

cultural” (CIFELLI, 2005, p. 36).

A relação existente entre a geografia e o patrimônio cultural insere-se na

compreensão da territorialidade e pode ser observada a partir de três óticas, segundo

Nigro (2010): a primeira refere-se ao fato de que todo patrimônio cultural (material ou

imaterial) necessita de um espaço geográfico para se estabelecer, sendo, portanto,

considerado um fenômeno espacial. Em segundo, destaca-se a importância simbólica e

de identidade do patrimônio, que reflete as especificidades geográficas de uma

determinada cultura ou grupo de pessoas. E, em terceiro lugar, enfatiza-se a relação

entre as duas primeiras e realça significados econômicos, políticos e ideológicos,

destacando outras características definidas pela multiplicidade de usos sobre um

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60

determinado espaço preservado.

Para a geografia interessa considerar o patrimônio como campo de

tensões sociais e assim revelar como o passado é lembrado e

representado e as implicações que isso tem no presente e na

construção das relações de pertencimento (NIGRO, 2010, p.69).

Neste caso, a relação entre geografia e patrimônio coexiste através da

apropriação coletiva do espaço, atribuindo significados de uso e expressões de

identidade a um determinado território. Mais do que isso, a geografia se faz necessária

para investigar como a investida do capital econômico influencia ou impacta a

conservação dos bens patrimoniais e provoca mudanças na estrutura social. Sobre este

aspecto, deve-se observar que a exploração turística por parte de grupos de empresários

nas cidades históricas, onde se concentra o patrimônio cultural, vem proporcionando

intervenções de restaurações e conservação de bens culturais. Desse modo, de acordo

com Nigro (2010, p.75), a valorização do patrimônio enquanto elemento fomentador

das atividades turísticas induz à uma análise muito interessante à geografia, uma vez

que corresponde a uma tendência que se institui para conciliar dois campos bem

distintos: interesses de mercado e políticas de preservação.

O turismo cultural se favorece desse consumo do patrimônio que,

transformado em mercadoria, é vendido como algo que transpira

cultura. (...) em geral o consumo turístico do patrimônio aparece

dentro de um campo reificado e fetichizado, algo que distancia a

compreensão da inserção dos bens culturais na esfera das vivências

sociais e mesmo dos processos sociais que os geram (NIGRO, 2010,

p. 75).

A Geografia, enquanto ciência, se debruça no entendimento da valorização

simbólica do patrimônio cultural, o qual, muitas vezes, se dá a partir de um processo

muitas vezes conflituoso entre memória social e mercado. Por isso, a produção e

apropriação do espaço social devem ser estudadas de acordo com as especificidades

políticas, econômicas e ideológicas. As formas mantidas ao longo da história espelham

diferentes modos de ser e de fazer. As funções, por vezes tão dinâmicas, remontam às

características mais sobrepujantes sobre o espaço, valorizando e declinando elementos

de uma mesma paisagem, assim como produzindo e recriando sempre novas

territorialidades.

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1.2.5. PATRIMÔNIO CULTURAL DE OURO PRETO

Diferentemente da Europa, o Brasil só reconhece a necessidade de preservar o

patrimônio nacional bem mais tarde, a partir da década de 1920. O movimento

impulsionado por alguns intelectuais modernistas que enxergavam primordialmente nas

cidades barrocas de Minas Gerais a identidade da nação, dando início às discussões e

reivindicações por parte do Estado referentes à preservação do patrimônio.

Após a visita desse grupo de intelectuais à Ouro Preto em 1923, foram

definidas as formas de atuação, por parte do Estado, que resultou no início da elevação

desta cidade à condição de monumento Nacional, em 1933. Esse reconhecimento

representou um novo momento para a história da antiga capital que se encontrava

estagnada desde a transferência da sede do governo mineiro para Belo Horizonte. O

reconhecimento a nível nacional foi uma forma de se reconstruir simbolicamente a

cidade, conferindo-lhe prestígio no contexto nacional e fortalecendo a identidade

brasileira.

As características particulares do acervo arquitetônico e urbanístico de Ouro

Preto e sua forte relação com a história de Minas e do Brasil atraíram para a cidade

vários artistas e intelectuais que passaram a lhe conceder referências elogiosas, tais

como Mario de Andrade e Afonso Arinos. A presença anterior dos modernistas e de

seus inúmeros trabalhos, com foco na cidade, conferiu à Ouro Preto uma importância

fundamental no processo de sua construção como relíquia da nação e na formulação dos

discursos sobre a preservação do patrimônio no Brasil.

Em 1938, logo depois da criação do SPHAN, Ouro Preto teve seu conjunto

arquitetônico e urbanístico elevado à condição de Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional. Na ocasião, o então Presidente Getúlio Vargas, que ali havia estado, afirmou

que Ouro Preto era a “Meca da tradição nacional, a cidade para a qual devíamos volver

nossos olhos, porque representa as páginas vivas de nossa história, no fulgor do seu

passado e das suas glórias imorredouras” (1938. Apud. BRUSADIN; SILVA, 2012, p.

82).

A partir do reconhecimento da importância da cidade em nível nacional, Ouro

Preto deixava a condição de “cidade esquecida” e passava a atrair dezenas de visitantes

curiosos pela história barroca colonial. Mais do que isto, a cidade passou a atrair

também novos habitantes, que viam a possibilidade de gerar renda através do turismo. O

crescimento demográfico da cidade e a presença cada vez mais intensa de turistas

configuraram, no entanto, uma relação conflituosa entre preservação patrimonial e

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62

desenvolvimento urbano e econômico (CIFELLI, 2005).

As rápidas transformações urbanas, acentuadas a partir da década de 1960,

alertaram os órgãos públicos sobre a necessidade de se desenvolverem planos para a

proteção do patrimônio cultural de Ouro Preto. Nesse período, a reformulação dos

conceitos de conservação, recomendada pela Carta de Veneza, de 1964, elegeu o

planejamento como principal instrumento de preservação dos bens culturais.

Em 1966 e 1967 ocorreram duas visitas do perito Michel Parent, cujo relatório

publicado pela UNESCO, em 1968, se remete à cooperação entre o IPHAN e esta

organização no sentido da prática e valorização do patrimônio cultural brasileiro no

âmbito do desenvolvimento turístico e econômico (LEAL, 2008).

Na década de 1960, o processo de crescimento de Ouro Preto tem

continuidade tornando-se alarmante e inegável para os responsáveis

por sua preservação, o que, somado à apologia do planejamento,

estimulou o Patrimônio a dar os primeiros passos visando à

formulação de planos para os centros históricos (MOTTA, 1987,

p.118).

Neste sentido, os estudos e pesquisas sobre a preservação do patrimônio

cultural brasileiro, de uma forma abrangente, tiveram a cidade de Ouro Preto como

referência. Em 1968 a UNESCO enviou o arquiteto português Alfredo Viana de Lima

com o objetivo de criar um relatório e um possível programa de conservação para a

cidade. Todavia, o trabalho desenvolvido por Viana de Lima foi considerado superficial

pelo Governo do Estado, por abranger apenas a antiga Vila Rica e seus aspectos

arquitetônicos e urbanísticos.

Muitas iniciativas de planejamento para Ouro Preto foram realizadas a partir de

então. Dentre as principais, destaca-se o Plano de Conservação, Valorização e

Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana, elaborado por meio de um convênio

assinado pelo pelos governos federal, estadual e das prefeituras de ambos os

municípios. O plano de conservação foi realizado entre os anos de 1973 e 1975, pela

Fundação João Pinheiro, e tornou-se a principal tentativa de se implantar em Ouro Preto

e em Mariana um sistema de planejamento (TEIXEIRA; MORAES, 2013).

O Plano de Conservação, Valorização e Desenvolvimento de Ouro

Preto e Mariana avançava em relação às tentativas anteriores [de

Viana de Lima] ao tratar a preservação do patrimônio numa

perspectiva que ia além do seu acervo físico, mas como uma forma de

melhoria das condições de vida das populações locais. Ele pode ser

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63

encarado como um retrato de sua época. Não só pelo fato de trazer um

rico diagnóstico sobre os dois municípios, mas também por se tratar

de um produto que carrega em seu bojo a concepção de planejamento

urbano compreensivo e de viés tecnocrático, vigente na década de

1970 (TEIXEIRA; MORAES, 2013, p.14).

A preocupação em âmbito nacional e internacional pelo conjunto arquitetônico

e cultural de Ouro Preto culminou com o seu legítimo reconhecimento mundial em

1980, por meio da elevação da cidade a Patrimônio Cultural da Humanidade. Ouro

Preto foi o primeiro sítio brasileiro a conquistar esse título, concedido pela UNESCO,

que utiliza dez critérios para avaliar a importância dos sítios históricos. No caso de Ouro

Preto, a cidade foi escolhida por dois deles: representar uma obra prima do gênio

criativo humano e aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural

ou de uma civilização ainda viva ou que tenha desaparecido (UNESCO, 1980).

Todavia, mesmo com o reconhecimento em nível internacional, os órgãos

responsáveis pela preservação do patrimônio e os poderes públicos não impediram que

o patrimônio ouro-pretano fosse agredido. O crescimento das atividades turísticas, a

expansão urbana e a intensa ocupação irregular de áreas de risco e de áreas verdes

ameaçam a descaracterização do conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade. Além

disso, problemas referentes ao trânsito de veículos de grande porte no centro histórico e

de infraestrutura sanitária precária também prejudicam as ações preservacionistas na

cidade. Por isso, em 2003, Ouro Preto passou a compor a lista de patrimônio em risco

da UNESCO, sendo advertida da possibilidade de perder o título de Patrimônio Cultural

da Humanidade (CIFELLI, 2005).

Atualmente, o grande desafio do IPHAN, principal órgão responsável pela

preservação do patrimônio de Ouro Preto, é conciliar a expansão urbana da cidade com

os seus possíveis impactos sobre os bens tombados. Ao todo, são quarenta e seis itens

tombados individualmente na cidade. O IPHAN, em sua dimensão nacional, possui

mais de mil imóveis tombados em todo o território nacional e o difícil papel de orientar

os proprietários que desejam executar projetos de construção, reforma ou ampliação nas

áreas protegidas por tombamento, algo que tem sido bastante complexo pelo próprio

instituto, em razão dos custos e de outras dificuldades logísticas. As intervenções devem

ser feitas de acordo com diretrizes determinadas pelo órgão, que se vale de critérios

definidos pela legislação vigente que incluem regras, normas e diretrizes em escalas

diversas, entre as quais o volume da construção, o equilíbrio entre o número de vãos,

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vedações, janelas, altura de telhados e a taxa de ocupação do terreno (IPHAN, 2007).

Entretanto, tais dificuldades jamais alteraram a principal característica da cidade, a de

possibilitar aos seus habitantes e turistas a emoção de um regresso no tempo.

De cidade jogada no limbo do tempo, Ouro Preto transformar-se-ia em

suporte de uma memória histórica e coletiva, ou seja, um “lugar da

memória”. Aqui, o perigo da ruína completa e do esquecimento gera

as condições de construção de uma imagem histórica. Justamente por

ter perdido seu papel de centralidade política, e adentrado um período

de perdas econômicas, é que Ouro Preto irá constituir-se como um

“lugar da memória”. A perspectiva da ruína e do esquecimento atua

em função de sua rememoração e de seu simbolismo histórico: a

cidade passa a ser vista como vestígio de um passado porque atesta em

sua materialidade as mudanças que se deram no tempo, isto é, ela

serve como prova, como testemunho da passagem e das cisões

temporais pelas quais a história se constrói (NATAL, 2006, p.5).

Ouro Preto evidencia hoje o passado, os antigos costumes e as velhas tradições,

convivendo ao mesmo tempo com o fato de ser, segundo Leal (2008), a cidade de arte

mais rica do Brasil, depois de Salvador/BA. A necessidade de se preservar tamanho

complexo histórico, arquitetônico e urbanístico vai muito além de resguardar antigas

materialidades que remontam a um passado marcado pela riqueza do ouro e pela

consternação da escravidão. Preservar também significa fixar as memórias e as

identidades marcadas de diferentes maneiras sobre seu território. O antigo se torna, pois,

o lugar da memória que sobrevive no presente às abruptas transformações decorrentes

da sociedade industrial e da velocidade trazida pelas novas tecnologias.

Ouro Preto passa a representar um lugar onde uma memória histórica

teria se preservado, um “lugar de memória”; sua imagem de cidade

colonial serve ao presente como um atestado dos feitos passados que

refletem os valores constitutivos da identidade mineira e brasileira.

Essa identidade está resguardada da ação destrutiva do tempo nos

vestígios que lhe foram resistentes; tais vestígios somente resistem

porque provêm de uma origem que é tida como pura e incorruptível.

Assim, a identidade de um povo, de uma nação, não sofre os abalos do

tempo porque enraíza-se num ponto de origem inviolável. A

identidade funda-se nessa ideia de uma origem alheia às

transformações do devir; um lócus de valores puros que delineiam o

caráter de uma nação. O mito de origem é um dos principais

pressupostos que irá orientar a busca do valor histórico intrínseco nos

objetos do passado (NATAL, 2006, p. 9).

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1.3. TURISMO CULTURAL E A MERCANTILIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO:

REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE REFUNCIONALIZAÇÃO E DE

SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

1.3.1. A ATIVIDADE TURÍSTICA

O habito de viajar é antigo. No século XVII, as boas famílias

mandavam seus filhos completarem a educação com viagens nas quais

aprendiam línguas e costumes de outros povos, compravam obras de

arte e visitavam os monumentos na antiguidade, como o fórum em

Roma (RODRIGUES, 2006, p. 15)

Desde a pré-história, os seres humanos, ainda na condição de nômades,

buscavam áreas que pudessem lhes satisfazer em termos de proteção e abastecimento

alimentar. Embora a prática do turismo não tenha nenhuma relação direta com a

necessidade de sobrevivência, assim como foi na pré-história, as duas práticas de

migração se assemelham na busca pelo gozo e pela satisfação de se chegar ao novo.

Logo, para se definir a atividade turística, deve-se começar pelo prazer de vivenciar

novas experiências, visualizar novas geografias e aprimorar novos sentidos.

Barreto (1993, p.2) define o turismo como o “movimento de pessoas, é um

fenômeno que envolve, antes de tudo, gente. É um ramo das ciências sociais e não das

ciências econômicas, e transcende a esfera das meras relações da balança comercial”.

De La Torre (1992, p.19) resume o conceito afirmando ser:

Um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e

temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que,

fundamentalmente por motivos de recreação, descanso, cultura ou

saúde, saem do seu local de residência habitual para outro, no qual não

exercem atividades lucrativas ou remuneradas, gerando múltiplas

inter-relações de importância social, econômica e cultural.

Embora aqueles que viajam não exerçam atividades lucrativas, assim como

afirma De La Torre (1992), outros as exercem e dependem diretamente do turismo para

garantir sua sobrevivência. Por isso, além de todo sentimento de prazer que envolve o

turista, a atividade tornou-se também uma prática financeiramente rentável àqueles que

nela apostam, exercendo diferentes influências espaciais.

[A atividade turística] abrange todos os deslocamentos de pessoas,

quaisquer que sejam as suas motivações, que obriguem ao pagamento

de prestações e serviços durante o seu deslocamento e permanência

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temporária fora da sua residência habitual, superior ao rendimento

que, eventualmente, auferiram nos locais visitados. O turismo é,

assim, uma transferência espacial de poder de compra originada no

deslocamento de pessoas: os rendimentos obtidos nas áreas de

residência são transferidos pelas pessoas que se deslocam para outros

locais onde procedem à aquisição de bens ou serviços. Nesta

concepção, o turista é considerado como um puro consumidor cujos

atos de consumo não têm relação com a obtenção de rendimento

(CUNHA, 1997, p.9).

A inovação dos meios de comunicação, em especial da Internet, tem

promovido uma constante divulgação de lugares potencialmente turísticos. Conjugada

ao desenvolvimento dos modais de transporte, também cada vez mais tecnológicos e

rápidos, o número de turistas ao longo do mundo cresceu muito na última década,

conforme pode ser analisado no gráfico 1:

Gráfico 2 - Comportamento do Fluxo Turístico Internacional - 2000-2012

Fonte: Organização Mundial do Turismo – OMT (2012)

Segundo o OMT (2012), a atividade turística vem acompanhando o

desempenho da economia global e em geral apresenta maior volatilidade. O turismo é

uma atividade de demanda, associado ao consumo, sendo seu desempenho fortemente

influenciado pelo crescimento no nível de renda dos consumidores efetivos e dos

demandantes potenciais. Nos anos de 2008 e 2009, houve forte retração na economia

mundial com recessão nos Estados Unidos, estouro da “bolha” imobiliária daquele país,

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e recuo no número de chegadas de turistas no mundo. Após a tendência de recuperação

verificada em 2010, observa-se um novo recuo, nos anos de 2011 e 2012, dessa vez

motivado pela crise nos países Europeus, com ênfase na Grécia, Portugal, Espanha e

Itália.

Embora a atividade turística esteja diretamente relacionada às condições

econômicas e, por isso, tenha sofrido algumas baixas devido à recente crise econômica,

a intensificação da atividade é algo a se considerar em todo o mundo. Logo, a ideia

apresentada às gerações atuais é que existe, de fato, um progressivo encurtamento da

relação entre o tempo e o espaço, onde viajar milhares de quilômetros tem se tornado

cada vez mais habitual. Trata-se de um mundo cada vez mais globalizado e interligado

por redes que remontam a uma proximidade cada vez mais íntima entre as longínquas

partes da Terra, conforme aponta Santos (2002, p.239):

Os espaços assim requalificados atendem sobretudo aos interesses dos

atores hegemônicos da economia, da cultura e da política e são

incorporados plenamente às novas correntes mundiais. O meio

técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização.

A diferença, ante as formas anteriores do meio geográfico, vem da

lógica global que acaba por se impor a todos os territórios e a cada

território como um todo.

Em suma, a atividade turística tornou-se algo praticável e também acessível a

muitos. Viajar com o intuito de conhecer novas culturas e extraordinárias histórias é

algo que transcende o puro prazer da curiosidade, pois evoca também a reprodução do

conhecimento: o turista, enquanto espectador da paisagem e dos monumentos,

representa a multiplicação daquele saber e o continuísmo daquela memória social ali

construída. Por isso, o turismo tornou-se o prazer de muitos e a oportunidade de renda

para tantos outros; tornou-se uma prática indissociável da história no presente.

1.3.2. A INDÚSTRIA DO TURISMO

O atual desenvolvimento da prática do turismo por todo o mundo é, sem

dúvida, um reflexo dos avanços e inovações tecnológicas sobre os meios de

comunicação e transporte. A relação entre o tempo e o espaço mudou drasticamente nas

últimas décadas, convergindo novas organizações de redes de comércio e de turismo.

Entretanto, concomitante a esse incremento tecnológico, outro fator tem levado o ser

humano a viajar mais: o cansaço e o desgosto com o atribulado cotidiano urbano. Por

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isso, o ato de viajar se tornou algo tão necessário para vários grupos de pessoas na

contemporaneidade.

Não há como negar que exista um crescente anseio para a prática da atividade

turística em todo o mundo. Esse fenômeno leva a indústria do turismo a buscar

incessantemente novos modelos e estruturas de organização, a fim de tornar possível o

imaginário de muitas pessoas que desejam conhecer diferentes lugares e culturas.

Assim, a indústria do turismo se vale dessas aspirações para propor aos seus clientes o

gozo da fuga do cotidiano e o usufruto da viagem sonhada (KRIPPENDORF, 2003).

As agências de turismo se multiplicaram nas últimas décadas e junto a elas

também as infinidades de pacotes e destinos a serem visitados. A concorrência entre as

várias empresas levou os profissionais desse ramo a se tornarem bons formadores de

opinião sobre os possíveis lugares a serem visitados, ofertando todo um trajeto a ser

feito num período de tempo estipulado. Atualmente, as inúmeras agências de turismo

disputam o público alvo a partir de um “bombardeio” de anúncios de apelo discursivo e

visual, oferecendo pacotes promocionais com serviços de transporte, hospedagem,

alimentação e lazer inclusos. Além disso, essas empresas também oferecem condições

de pagamento facilitadas, ampliando as possibilidades de se conquistar um provável

consumidor.

Embora sejam muito menos praticadas do que antes da expansão da indústria

turística, as viagens programadas por pequenos grupos de pessoas, sem a interferência

de agências, sempre possibilitaram maiores contatos dos excursionistas com os lugares

visitados. Dessa maneira, sempre foi possível criar roteiros e modificá-los conforme as

prioridades decididas ao longo da viagem. Isso porque nas viagens agenciadas essas

possibilidades nem sempre são imagináveis, pelo fato de serem feitas em grupos de

várias pessoas e por consistirem numa racionalização maior do tempo, priorizando os

lugares mais conhecidos e divulgados pelos veículos midiáticos.

1.3.3. O TURISMO CULTURAL E O EXEMPLODE OURO PRETO - MG

O turismo cultural tem se tornado, nas últimas décadas, uma realidade para

muitos municípios que buscam se desenvolver economicamente. A valorização de

vários tipos de manifestações, sejam elas culturais, folclóricas e artesanais, tem

provocado profundas mudanças na organização de muitas cidades, gerando ganho para a

população e, ao mesmo tempo, alterando os significados relacionados à memória social

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do lugar (SCHNEIDER, 2006).

Tais atributos constituem importantes recursos agenciados pelo

turismo sob a forma de roteiros, produtos e atrações. Nas áreas de

intenso fluxo de visitantes, essa atividade contribui para o

revigoramento do patrimônio cultural, ao mesmo tempo em que

provoca alterações nos locais onde se desenvolve e, em alguns casos,

altera o sentido e o significado do espaço urbano e a dinâmica

específica das comunidades receptoras (CARVALHO, 2012, p.16).

A valorização do patrimônio cultural tem evidenciado a associação entre o

urbanismo e o planejamento turístico15do território na produção de imagens e discursos

“que privilegiam ou excluem determinadas memórias e paisagens do território”

(LOBATO, 2012, p.5). Por isso, as paisagens economicamente valorizadas tendem a se

tornarem conservadas e constantemente restauradas, a fim de atraírem mais turistas. O

patrimônio cultural se torna, portanto, produto comercializável, adquirindo novas

territorialidades e funcionalidades (PAES, 2009).

Na cidade de Ouro Preto, patrimônio histórico e artístico protegido pela

UNESCO, a atividade turística é atraída pelo grandioso acervo patrimonial formado por

monumentos, chafarizes, pontes, museus, além de esculturas e ornamentos religiosos.

Esses elementos constituem grande parte da memória e da cultura local, que

representam um importante papel na história e tradição brasileira. Tamanha importância

tornou o turismo cultural uma realidade para Ouro Preto a partir da década de 1960,

quando vários turistas e personalidades começaram a frequentar a cidade atraídos

principalmente pelo valor histórico do seu conjunto barroco.

O crescimento do turismo trouxe algumas severas mudanças na vida cotidiana

da cidade. Dentre as principais alterações, destaque-se o processo de refuncionalização

que implicou em fortes redefinições do uso de algumas áreas do centro histórico: muitas

habitações foram transformadas em hotéis e em estabelecimentos comerciais, alterando

profundamente as características tanto da cidade quanto dos costumes da população.

Construía-se, portanto, uma nova relação entre a população local e o turismo, assim

como afirma Castriota (2009, p. 147): “se por um lado, lucra com o fluxo de visitantes,

por outro, condena o uso transgressor que aquele público faz dos seus lugares

15 Interpreta-se o planejamento turístico como o conjunto de atividades previamente concebidas com o

objetivo de promover o atendimento das necessidades de consumo dos visitantes, por um lado, e do outro,

a geração de benefícios sociais e econômicos para o núcleo receptor decorrentes do intercâmbio cultural.

O planejamento turístico envolve um processo contínuo de tomada de decisões mediante a análise da

realidade local, em termos de potencialidades e projeção de cenários (CARVALHO, 2012, p. 21).

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70

tradicionais”.

Enquanto cidade histórica e de reconhecimento nacional e internacional, a

atividade turística em Ouro Preto apresentou forte crescimento a partir da década de

1960. Na década de 1980, após o reconhecimento como Patrimônio Cultural da

Humanidade (UNESCO, 1980), a cidade tornou-se uma das principais rotas de turismo

cultural do Brasil, atraindo, inclusive, um expressivo número de turistas estrangeiros. É

a partir de 1980 que as agências de turismo também dão início a um forte teor de

divulgação da cidade, evidenciando, a partir de fotografias, alguns de seus principais

cartões postais. Atualmente, em especial após a expansão da indústria turística, a cidade

apresenta intensas mudanças em suas estruturas, relacionando sempre o patrimônio a

partir de uma perspectiva dual entre a memória social e o valor financeiro.

Segundo Cifelli (2005, p.99), não só a cidade de Ouro Preto como também as

outras cidades ditas históricas, situadas em suas proximidades16, “recebem turistas

agenciados principalmente por empresas de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro,

que oferecem pacotes que incluem a visitação aos principais pontos turísticos das

cidades e os serviços de transporte, alimentação, hospedagens e guias”. Segundo a

pesquisadora, alguns roteiros chegam a oferecer a visitação a mais de três cidades

históricas em apenas um dia, o que confirma a racionalização do tempo pelas agências

de viagem.

Ao andar pelas ruas de Ouro Preto e observar a dinâmica comercial e a

movimentação dos grupos de turistas, é notória a concentração destes em algumas

porções do centro histórico. A Praça Tiradentes (Figura 8), Rua Conde de Bobadela

(Figura 9) e a Rua São José (Figura 10) são as que mais apresentam fluxo de turistas,

especialmente entre o período da manhã e a tarde. A Praça Tiradentes marca,

geralmente, o lugar de chegada de grande parte dos turistas que visitam a cidade por

meio de agências. Ao descerem dos micro-ônibus, os turistas geralmente desenvolvem

percursos a pé até os principais cartões postais da cidade. Na verdade, é observado que

grande parte dos excursionistas restringe suas visitas apenas aos arredores da Praça

Tiradentes, não desfrutando de alguns bairros e monumentos históricos que se

encontram mais distantes do centro comercial da cidade.

Além do próprio conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade, os principais

monumentos visitados pelos turistas acabam sendo aqueles que se encontram nas

16 Incluindo cidades como Mariana, Tiradentes, São João Del Rei e Congonhas.

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proximidades da Praça Tiradentes, como o Museu da Inconfidência (ao fundo da figura

8), o Museu de Mineralogia (antigo Palácio dos Governadores), as igrejas de Nossa

Senhora do Carmo, a de São Francisco de Assis (Figura 11), a de Nossa Senhora do

Pilar (Figura 12) e a Casa dos Contos (Figura 13).

A curta presença dos turistas na cidade e a rapidez nas visitas realizadas

acabam por desconsiderar grande parcela do patrimônio tombado, restringindo os

excursionistas apenas ao que é de interesse das agências. Além do mais, os turistas saem

da cidade com um “turbilhão” de informações, as quais são passadas por guias,

geralmente bastante despreparados, de forma muito superficial.

Ao privilegiar a quantidade em detrimento da qualidade da apreciação,

parcelas cada vez mais reduzidas de tempo são destinadas à fruição

das obras, as quais são observadas por um número cada vez maior de

espectadores atentos às informações simplificadas e superficiais

transmitidas pelos guias, folders ou panfletos [...] O estabelecimento

de roteiros, itinerários e circuitos pelos promotores turísticos públicos

e privados destitui o visitante de sua individualidade e o leva a captar

uma realidade constituída por belas imagens semelhantes aos cartões

postais, uma realidade espetacularizada que leva o visitante a ter, com

algumas exceções, boas impressões sobre os lugares e bens culturais

visitados (CIFELLI, 2005, p. 100-101).

Embora ainda existam turistas não agenciados que se deslocam de suas cidades

até Ouro Preto, geralmente se hospedando na cidade, nota-se um número cada vez

maior de excursionistas agenciados que sequer passam mais de seis horas na cidade.

Essa condição confere certa reflexão entre o que é conhecer ou, simplesmente, visitar.

Por isso, o turismo em massa (KRIPPENDORF, 2003), movido pela ânsia do lucro,

distancia o excursionista do prazer de usufruir com calma e com maior atenção o

patrimônio cultural e a realidade vivida pela cidade, impondo-lhe uma imagem de

“cidade cenográfica” e levando-o a “engolir” uma gama de informações que sequer é

processada como conhecimento.

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Figura 13 – Vista da Praça Tiradentes (Museu da

Inconfidência ao fundo)

Fonte: Acervo do Autor, 2012.

Figura 14 – Vista da Rua Direita (Conde de

Bobadela)

Fonte: Acervo do Autor, 2012.

Figura 16 – Vista da Igreja de São Francisco de

Assis

Fonte: Acervo do Autor, 2009.

Figura 18 – Vista da Casa dos Contos (Museu)

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

Figura 15 – Vista da Rua São José (Rua Tiradentes)

Fonte: Acervo do Autor, 2012.

Figura 17 – Vista da Igreja do Pilar

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

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1.3.4. O CONSUMOCULTURAL E O MARKETING TURÍSTICO

O conjunto formado pelos bens culturais encontrado nos centros urbanos das

cidades históricas adquiriu uma grande importância na atualidade, ao submeter-se aos

novos usos e apropriações que visam ao consumo cultural. Diante das características

que marcam um mundo cada vez mais globalizado, em que as paisagens ganham

contornos cada vez mais homogeneizados e padronizados, as cidades históricas se

sobressaem e adquirem enorme importância devido as suas individuais paisagens.

No Brasil, as cidades que conservam um conjunto significativo de bens

patrimoniais evidenciam a inserção do interesse mercadológico sobre essas áreas. O

patrimônio cultural se torna, portanto, uma representação simbólica, que passa a ser

usufruído pelo mercado de diferentes maneiras, como através do marketing turístico e

das próprias políticas públicas destinadas ao desenvolvimento dessa atividade.

A inserção da cultura, mais especificamente, dos bens patrimoniais no

circuito do consumo, envolve um conjunto de estratégias comerciais

voltadas para a produção de um sistema de representações responsável

pela criação de um código de referências, valores, significados e

sentidos. Estes definem gostos, comportamentos e práticas sociais,

adaptando o sistema de representações de paisagens e objetos culturais

ao conjunto de necessidades e desejos do consumidor (ARRUDA,

2004, p.10, apud ALMEIDA, 1998).

O interesse do capital pelo patrimônio cultural destas cidades faz dele um

conjunto de diferentes valores e significados, que é coletivamente compartilhado por um

público anônimo e socialmente diversificado. Esse compartilhamento é consequência do

processo de escolha conferido pelo Estado e o mercado para conferir valores distintos e

prestígios a esses bens, transformando-os em “signos referenciáveis passíveis de serem

ofertados ao mercado dos bens simbólicos” (CIFELLI, 2005, p. 74).

A cultura é hoje vista como algo que se deve investir, distribuída nas

mais diversas formas, utilizada como atração para o desenvolvimento

econômico e turístico, como mola propulsora das indústrias culturais e

como uma fonte inesgotável para novas indústrias que dependem da

propriedade intelectual (YÚDICE,2004, p. 12).

Não por acaso, dezenas de cidades brasileiras, marcadas pela história cultural e

que possuem um significativo conjunto patrimonial tombado, apresentaram nas últimas

décadas um grande aos empreendedores do ramo do turismo. O consumo cultural se

tornou, então, o principal objeto da atividade turística, na busca por evidenciar

incessantemente a divulgação de estratégias que possam despertar o desejo dos turistas

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pelo consumo do patrimônio e das paisagens culturais.

Para promover a atividade turística em uma determinada cidade, há de existir

um envolvimento entre os diferentes segmentos comerciais e as instituições públicas.

Essa cooperação visa o estabelecimento de uma estratégia de divulgação dos bens

patrimoniais, tendo como objetivo atrair um público visitante cada vez maior e mais

constante. Trata-se, pois, na necessidade de se legitimar o ideal do consumo cultural a

partir dos mecanismos publicitários e das estratégias de marketing, que propiciam “a

difusão e a recepção de um conjunto de imagens e discursos que criam um sistema de

representações, responsáveis pela formação de uma opinião preconcebida sobre a

localidade a ser visitada” (CIFELLI, 2005, p.75).

A propaganda e outros tipos de publicidade têm promovido, atualmente, a

difusão dos atrativos de diversas cidades históricas, tornando-as alvo do consumismo

turístico por meio da divulgação midiática de suas imagens. Para tanto, a publicidade,

segundo o interesse do mercado, age evocando os desejos de muitas pessoas através da

história e do valor atribuído à memória, identidade e cultura destes locais,

condicionando o turista a criar expectativas sobre o patrimônio em questão.

As imagens intercaladas a discursos, ao passarem por recortes e

seleções, são difundidas pela mídia impressa por meio de folders,

panfletos, guias de viagens, fotos, cartões postais, jornais e revistas

especializadas e por outros veículos de comunicação como a televisão,

a internet, filmes e vídeos (CIFELLI, 2005, p.77).

O conceito de “marketing turístico urbano” (BESSA; TEIXEIRA; FILHO,

2005, p.542), bastante utilizado na atualidade, remete-se a um conjunto de estratégias de

desenvolvimento urbano e turístico que procura desenvolver a economia regional, por

meio da valorização da história e da identidade cultural. Essas estratégias propostas

devem intervir no tecido urbano e no conjunto patrimonial de forma equilibrada,

preservando as intervenções que valorizem a população residente e possibilitando a sua

inclusão no processo de planejamento, gestão e participação nos resultados.

Todavia, pelo menos no Brasil, o que se observa é que a prática da propaganda

e valorização de cidades históricas tem se dado de forma seletiva, onde só é divulgado

aquilo que é de interesse da indústria turística. Se, por um lado, os benefícios do turismo

refletem na percepção dos moradores em relação ao significado do patrimônio enquanto

lugar da memória, por outro o turismo cultural, sem o devido planejamento, pode

contribuir para a privatização das áreas urbanas. Assim, imaginam-se cidades marcadas

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pela segregação geográfica entre os turistas e os nativos e, sobretudo, pela perda do

significado simbólico do patrimônio cultural por parte da população residente.

1.3.5. O MARKETING TURÍSTICO EM OURO PRETO - MG

Ouro Preto é um exemplo claro da interferência da propaganda na divulgação

de sua imagem com objetivos turísticos. Por ser um dos roteiros mais antigos negociado

pelo mercado, a histórica cidade mineira é hoje bastante conhecida em nível nacional e

internacional17. A cidade tem fortes atrativos culturais, como as igrejas barrocas do

século XVIII que instigam os turistas a quererem visitá-las. Em sua dissertação, Cifelli

(2005) elaborou uma análise do conteúdo imagético e discursivo referente à cidade de

Ouro Preto, divulgado pelas revistas e sites, especializados na promoção mercadológica

da cidade. Segundo a pesquisadora, a análise mostrou que:

Dentre os veículos de difusão de informações pesquisados observou-

se que a maior parte das imagens divulgadas ressaltam determinados

ângulos da paisagem urbana de Ouro Preto, cujo destaque se dá,

preferencialmente, para exemplares da arquitetura monumental, como

as igrejas e os edifícios civis e institucionais, além de exemplares do

casario colonial envolto pelas montanhas que circundam a cidade

(CIFELLI, 2005, p.78).

A imagem a seguir foi retirada do “Site Oficial do Turismo de Ouro Preto”18, e

remonta às colocações da autora na citação anterior. Na imagem retratada, destaca-se a

Igreja de Nossa Senhora do Carmo, os casarios com seus telhados ondulantes e o relevo

acidentado compondo a moldura da paisagem. Além do apelo imagético, nota-se

também o seguinte dizer na parte superior direita da página virtual: “No vaivém dos

telhados, na espremida confusão do casario geminado. Os palácios, as pontes e os

chafarizes... Ouro Preto é fascinante!!!”.

17Em especial por influência do título de Patrimônio Cultural da Humanidade, cedido pela UNESCO em

1980. 18http://www.ouropreto.org.br

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Figura 19 – Página Virtual do Site Oficial de Turismo de Ouro Preto;

Fonte: http://www.ouropreto.org.br

Sendo assim, o primeiro contato do turista com o lugar é geralmente através da

propaganda, a qual busca convencê-lo, a partir dos principais cartões postais da cidade,

a optar por contemplar essa paisagem pessoalmente. Deve-se ressaltar que outras

imagens, além daquelas relacionadas aos monumentos arquitetônicos e paisagísticos,

também são apreciadas pela publicidade: o marketing turístico também evidencia o

conjunto de serviços oferecidos e as atrações culturais a eles associados. Destacam-se,

por exemplo, as expressões culturais relacionadas à culinária típica, ao artesanato local e

ao folclore.

A forte inserção do capital sobre o patrimônio cultural instiga no público

visitante a magia da contemplação do patrimônio, porém sem levá-los a questionar as

possíveis modificações e alterações sofridas pelos bens tombados ao longo do tempo.

Mais uma vez, a mídia atua na promoção de algumas cidades turísticas, resguardando

suas características históricas, mas sem questionar a autenticidade de seus bens. Ou seja,

mesmo que muitos bens patrimoniais tenham sofrido algumas alterações em suas

dimensões estruturais e/ou funcionais, estes continuam tendo suas imagens divulgadas

enquanto bens totalmente originais.

O conjunto arquitetônico tombado de Ouro Preto ainda preserva uma

imagem difundida pela mídia e incorporada ao imaginário coletivo de

um cenário autêntico do século XVIII, sendo que muitas de suas

edificações já passaram por processos de reconstruções sucessivas e

por alterações formais e funcionais ocorridas em outros contextos

históricos (CIFELLI, 2005, p.95).

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Não há como negar que um bem patrimonial tenha que sofrer constantes

intervenções estruturais, isso pela própria condição de conservação do mesmo. Todavia,

o crescimento da atividade turística em cidades com centros históricos tombados

intensifica tais interferências, haja vista a necessidade de readaptações vários

monumentos visando atender aos turistas.

A descaracterização de bens patrimoniais é um fenômeno mundial. No Brasil,

muitas cidades históricas sofrem diretamente esse problema devido a dois fatores

principais: a fraca vigília dos órgãos responsáveis pela conservação do patrimônio e a

insuficiente política municipal na conscientização da população sobre a importância do

patrimônio como símbolo e identidade da cidade. Segundo Cifelli (2005, p.97), a

descaracterização do patrimônio de Ouro Preto, por exemplo, é algo a preocupar,

principalmente devido “à grande extensão do patrimônio, marcado pela grande

quantidade de edifícios tombados, e também pela carência de profissionais responsáveis

pela preservação”.

Concluindo, o marketing turístico propicia novas organizações de divulgação a

partir do planejamento turístico proposto, o que, na maioria das vezes, destaca certa

“cenarização” ou “espetacularização” da cidade a ser visitada. Por isso, as inúmeras

propagandas encontradas em sites ou revistas de turismo evidenciam os principais

cartões postais das cidades, apoiando-se numa divulgação de caráter apelativo imagético

e/ou discursivo. O consumo cultural é, portanto, algo primeiramente induzido pela

publicidade que instiga o consumidor (o turista) a ter o desejo de conhecer determinado

lugar, embora muitas outras informações sejam escamoteadas pela mídia divulgadora.

1.3.6. MERCANTILIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO E REFUNCIONALIZAÇÃO: A

ELITIZAÇÃO DA CULTURA E A SEGREGAÇÃO SOCIOESPACIAL

Médias e grandes cidades no mundo inteiro apresentam forte processo de

segregação socioespacial, sobretudo devido à enorme especulação imobiliária que

seletivamente valoriza e deprecia determinadas áreas urbanas. Nas cidades históricas,

em especial as do Brasil, a supervalorização dos centros históricos também provocou

profundas alterações na distribuição territorial da população local. O fortalecimento das

atividades turísticas e o apreço pelas áreas mais próximas aos monumentos mais

visitados estabeleceram uma nova organização espacial, onde as localizações

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privilegiadas passaram a ser ocupadas pelas atividades comerciais voltadas aos turistas.

Áreas antigamente esquecidas e deterioradas passaram a receber vultosos

investimentos, conferindo novos valores mercadológicos que as fizeram turisticamente

mais visadas. O processo de refuncionalização dos bens tombados foi, ao poucos, se

tornando a expressão mais clara de um novo dinamismo econômico intraurbano.

Costa (2008, p.04) confirma o interesse do mercado pelas cidades históricas ao

afirmar que:

O espaço geográfico construído historicamente, tornam-se matérias-

primas para diversas atividades sociais, dentre elas a prática do

turismo, que se apropria de um patrimônio histórico, artístico e

cultural, como ocorre em São João Del Rey, Tiradentes, Ouro Preto,

Diamantina, Salvador, Recife etc., promovendo uma nova lógica de

organização socioespacial, voltada para a realização da atividade

turística, de forma a responder a demandas externas ao lugar, que se

subordina aos interesses do mercado e dos agentes hegemônicos.

Já Paes-Luchiare (2005, p.43) complementa o interesse do capital pelas cidades

históricas a partir do processo de refuncionalização, afirmando que:

[...] ao se apropriarem das formas que encerram longos processos de

representação social, provocam rupturas na identidade coletiva local e

subvertem o caráter público desses bens históricos. Como exemplo

podemos citar os projetos de revitalização dos centros históricos de

muitas capitais, [...] onde as populações locais mais pobres foram

desapropriadas de suas antigas territorialidades para dar lugar a

centros culturais, restaurantes, bares, cafés, shoppings, hotéis, casas de

espetáculos, lojas de souvenires, ateliês, acessíveis apenas as

populações de alto poder aquisitivo.

Inúmeras cidades brasileiras descobriram no patrimônio a possibilidade de

desenvolver a atividade turística. Mais do que isso, se empenharam para dar novas

funções ao patrimônio até então esquecido em suas pretéritas e mal-conservadas formas.

Assim nasce a ideia da paisagem ideal ou “cidade-espetáculo”(SÁNCHEZ, 2003), que

conferiam as tendências de transformar as cidades, em sua totalidade ou não, em

mercadorias comercializáveis. Para isso, foi necessário que as novas “territorialidades se

estabelecessem em áreas então restauradas, onde fossem excluídos os conteúdos sociais

indesejáveis” (PAES-LUCHIARE, 2005, p.44)

A relação que se dá entre o espaço, o turismo e o patrimônio, nestes

núcleos urbanos, não foge da lógica especulativa e hegemônica do

capital, que age pontualmente, escolhendo onde, como e quando atuar;

lógica que favorece uma ponte local – global, e que vai produzir

espaços urbanos centrais diversificados do ponto de vista das ações,

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dos usos e dos objetos; diversidades representadas pela manutenção de

antigas formas, velhos e novos conteúdos. Vemos, nos centros

históricos de algumas cidades coloniais brasileiras - espaços

constituídos de um patrimônio cultural considerável -, ações

refuncionalizantes que atuam sobre estes objetos para se aproveitarem

de seu valor histórico-cultural, estético e pela centralidade que os

núcleos representam (COSTA, 2008, p.54)

Brusadin e Silva (2012, p.80) confirmam a ideia de Costa (2008) ao colocar

que:

Em uma vertente mais radical sobre o assunto, afirma-se que a

mercadoria-paisagem é socialmente produzida como matéria-prima do

turismo, sendo que este se aproveita das construções históricas e das

manifestações culturais para obter lucro. Diz ainda, que o chamado

‘resgate histórico do passado’ que ocorre em muitas comunidades é

apenas mais uma forma de inserir-se no rol das atrações turísticas,

fazendo com que hábitos e costumes sejam artificialmente mantidos

como forma de demonstrarem sua identidade local que se

metamorfosearam em mercadorias simplesmente por serem objetos

passíveis de serem consumidos.

A supervalorização dos bens tombados e das áreas que os envolvem trouxeram

mudanças também nas porções periféricas das cidades. O notório processo de

segregação socioespacial tornou-se uma consequência certeira da refuncionalização e do

aumento estimável de empreendimentos comerciais que visam atender os turistas. Logo,

foi inevitável o deslocamento da população mais despojada para áreas periféricas aos

centros históricos. A consequência foi o forte adensamento de áreas de risco e o impacto

direto sobre os recursos naturais, que também fazem parte da paisagem urbana tombada.

O processo de refuncionalização do patrimônio cultural, uma

tendência de ações descompromissadas com o passado e com o lugar,

propicia a expulsão da população residente destes espaços turísticos,

seja através da intensificação da especulação imobiliária que

impossibilita a permanência das famílias de baixa renda nestes

espaços centrais, seja através da intensa banalização pela cenarização

estimulada pelos agentes do capital, que redunda no estabelecimento

de lugares inacessíveis ao residente e no esquecimento das práticas

culturais locais (COSTA, 2008, p. 69).

Carvalho (2010, p.20) complementa a ideia anterior afirmando que:

Se, por um lado a mobilidade de turistas e o usufruto da infraestrutura

urbana e cultural tende a se refletir no aumento da percepção dos

moradores em relação ao significado do patrimônio enquanto lugar de

memória e de experiência cotidiana, por outro, o turismo cultural sem

o devido planejamento pode contribuir para a privatização de áreas

urbanas, para a segregação geográfica entre os turistas e a comunidade

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receptora, para a formação de espaços descontextualizados da

dinâmica social, bem como para a perda do significado simbólico do

patrimônio cultural por parte dos residente.

Diversos são os conflitos que eclodem pelos interesses de domínio das áreas

mais valorizadas, bem como a resistência de antigos moradores impede o movimento da

expansão comercial nas áreas desejadas. Trata-se, pois, de um embate explícito entre o

valor de uso e o valor de troca dos bens materiais imóveis tombados, marcando uma

evidente transformação na organização da cidade. Assim, o centro histórico passa a

conferir tamanho grau de importância comercial, que as antigas formas, resistentes ao

tempo, adquirem novos usos. A efervescência do mercado e a dinâmica do turismo

propõem uma junção contínua entre a diversidade de formas e funções, passado e

presente, de símbolos e significados que persistem ou se desmancham com o tempo

(PAES-LUCHIARI, 2005).

O tempo histórico registra o desenrolar das antigas relações sociais nas velhas

formas da cidade. Os centros urbanos, por serem geralmente as áreas de intenso

dinamismo, podem resistir ao tempo e conferir incontáveis memórias através de suas

edificações e estruturas remanescentes. As ditas “rugosidades” (SANTOS, 2002)

rememoram as antigas relações de vida, os modelos residenciais, os antigos modelos de

comércio e de transporte, as encanecidas máquinas de produção e diversos outros

elementos que materializam o tempo e constituem as paisagens urbanas

contemporâneas.

Todavia, de acordo com Santos (1965), não se deve restringir toda a produção

social apenas ao centro histórico de uma cidade, mesmo que ele a tenha representado

por completo no passado. Pois, diversas foram as tendências e inspirações exteriores

(regionais, nacionais ou internacionais) que refletiram nas formas das habitações,

edificações e nas infraestruturas urbanas que consolidaram o passado no tempo

presente.

Em muitos casos, as estruturas edificadas no passado não resistiram ao tempo e

deram lugar ao novo, numa dinâmica marcada nitidamente pela tendência do capital

financeiro. Em outros casos, essas estruturas pretéritas permaneceram devido ao

desinteresse do mercado por aquele território ou, até mesmo, pela morfologia irregular

que o sítio conferia.

Há casos, como na cidade de Ouro Preto, em que essas duas questões estiveram

presentes ao longo da história. O desprestígio da cidade após o fim do ciclo aurífero, no

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final do século XVIII, e a perda do título de sede do estado de Minas Gerais, no final do

século XIX, somados ao relevo acidentado e de difícil ocupação, conjugaram-se para

que houvesse um desinteresse pela estrutura urbana ali existente. Certamente, no caso

de Ouro Preto, esses elementos proporcionaram o desinteresse da cidade pelo capital,

preservando seus sítios e conjuntos paisagísticos que hoje se encontram tombados.

O período de esquecimento ou desprestígio é muito comum em algumas

cidades após findar um ciclo de interesse mercadológico. Por isso, muitos centros

históricos e tradicionais áreas urbanas são marginalizados pelo interesse do capital

financeiro e passam a se configurar apenas como estruturas representativas do passado.

Todavia, depois de algum tempo, essas áreas podem vir a atrair novamente os interesses

do capital, “seja pelas infraestruturas estabelecidas, pela posição estratégica na malha

urbana ou pela possibilidade de agregar valor econômico ao patrimônio arquitetônico

que ficou preservado” (PAES-LUCHIARI, 2005, p.46).

Para os recentes estudos urbanísticos, principalmente aqueles que se baseiam

no planejamento estratégico19, o processo de refuncionalização em áreas com

patrimônios imóveis preservados configura uma técnica de requalificação urbana.

Embora esse termo não seja muito bem aceito por alguns profissionais da área, seus

principais articuladores defendem a ideia de que a requalificação é um processo que não

visa apenas ao esteticismo e à renovação das formas antigas, mas inclui também

estratégias de inclusão social das populações locais e de todo o entorno que esteja

diretamente relacionado ao centro histórico.

Atualmente, a requalificação urbana é considerada como um eixo

prioritário nas intervenções urbanas, possibilitando uma

operacionalização no tecido físico e social, ou seja, permite (re)criar

uma nova estética em função do desenho já existente de uma cidade.

A requalificação permite ainda uma revitalização das áreas mais

antigas das cidades, que correspondem aos centros históricos, e que se

encontram em risco de decadência, de abandono e de degradação.

Todavia, a requalificação urbana não pode canalizar as suas

intervenções só para o centro histórico, mas também para as áreas

envolventes a esta e que se encontram sujeitas à ação interventiva do

Homem. Neste sentido, o conceito de requalificação urbana tem

evoluído constantemente em função dos atuais problemas verificados

no espaço urbano (SILVA, 2011, p.46)

A crítica sofrida pela requalificação urbana, em especial em países de

19Dentro da ciência urbanística, compreende a existência de dois tipos de planejamento: o planejamento

urbano tradicional, concebido pela racionalidade territorial sob o controle do Estado, e o planejamento

estratégico, concepção que toma a cidade aos fragmentos, comandada pela lógica empresarial neoliberal.

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economias periféricas, se deve ao fato de muitos desses projetos urbanísticos

negligenciarem o aspecto social e se prestarem apenas aos objetivos mercantis. Por isso,

inúmeros projetos de requalificação têm sido responsáveis pelo banimento de

moradores mais pobres que se encontram nas áreas de interesse do capital.

Esse banimento se dá de diferentes maneiras, segundo afirma Paes-Luchiari

(2005, p.47):

[...] seja diretamente, pela introdução de novos usos as edificações,

muitas vezes seletivos e inacessíveis as populações de baixa renda;

seja indiretamente, pela valorização econômica atribuída ao solo

urbano, o que leva as populações mais pobres a venderem os seus

imóveis, evitando o pagamento dos impostos que se elevam com a

valorização urbana, ou mesmo buscando a obtenção de lucros e

migrando para áreas periféricas menos valorizadas, o que desloca a

visibilidade da segregação socioespacial.

Arantes (2001, p.31) complementa a ideia anterior afirmando que:

Rentabilidade e patrimônio arquitetônico-cultural se dão as mãos,

nesse processo de revalorização urbana, em nome de um alegado

civismo. E para entrar neste universo dos negócios, a senha mais

prestigiosa é a cultura. Essa a nova grife do mundo fashion, da

sociedade afluente dos altos serviços a que todos aspiram.

A supervalorização dos centros históricos remonta ao controle das

territorialidades urbanas por meio da elitização da cultura. Por isso, entende-se a

necessidade de uma paisagem revitalizada, onde o capital controla a reprodução e a

exclusão social no território. A compreensão desse fenômeno valorativo dos bens

tombados apresentou, portanto, um caráter dual: ao mesmo tempo em que atraiu

investimentos externos para um determinado município, visando à preservação e

conservação do patrimônio, também implicou num forte processo de segregação

socioespacial.

A verdade é que as manifestações, os eventos e as formas valorizadas

culturalmente foram capturados pela nova racionalidade da economia

urbana: a identidade social proporcionada pelo lugar somou-se a

espacialidade estetizada, fragmentada, superficial e globalizada da

cidade-mercadoria (PAES-LUCHIARI, 2005, p. 48-49).

Para Brusadin e Silva (2012, p.80), o interesse do capital pelo patrimônio é benéfico,

pois:

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Embora todos os entraves mencionados a respeito da transformação

do patrimônio cultural em um bem de consumo, é fato que esse

processo [...] é uma opção melhor do que o esquecimento da história

ou a marginalização de bairros e comunidades inteiras ou a derrubada

de prédios causada pela especulação imobiliária.

As recentes paisagens urbanas se tornam a expressão maior do capitalismo

turístico, impondo novas organizações à estrutura social no território. Essas novas

configurações de paisagens, por sua vez, nos levam a enxergar certo aprimoramento ou

embelezamento do patrimônio edificado, embora não sejam claros os reflexos da

gentrificação ocorrida naquele espaço urbano. Assim, os centros históricos

refuncionalizados representam a dinamização da atividade turística e a elitização do

patrimônio histórico, implicando num enriquecimento estratégico a partir da

reincorporação de áreas degradadas, da segregação socioespacial e da criação de novas

territorialidades.

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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA APLICADA

2.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA E RECORTE ESPACIAL DA ÁREA

DE ESTUDO

2.1.1. CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa desenvolvida foi especialmente de caráter quantitativa e descritiva.

Os procedimentos técnicos realizados incluem a pesquisa bibliográfica, a pesquisa

documental e as pesquisas de campo.

Segundo Richardson (1989), o método quantitativo se caracteriza tanto nas

modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento dessas através de técnicas

estatísticas, desde as mais simples até as mais complexas. O objetivo de aplicação deste

método é garantir a precisão dos trabalhos realizados, conduzindo a um resultado com

pouca chance de distorção (GIL, 2008).

Quanto à característica descritiva, Best (1972, apud MARCONI; LAKATOS,

1996, p. 19) observa que “a pesquisa descritiva delineia ‘o que é’ - aborda também

quatro aspectos: descrição, registro, análise e interpretação de fenômenos atuais,

objetivando o seu funcionamento no presente”. Para Barros e Lehfeld (1986), a pesquisa

descritiva é aquela em que o pesquisador observa, registra, analisa e correlaciona fatos

ou fenômenos (variáveis). Logo, trata-se de um modelo em que se procura descobrir a

frequência com que um determinado fenômeno ocorre, salientando – se possível - suas

características, causas, relações e conexões com outros fenômenos (LUCCA FILHO,

2005).

De uma forma geral, essa pesquisa privilegiou os estudos de campo

quantitativos guiados por um modelo descritivo de pesquisa, em que foram elaboradas

hipóteses sobre os fenômenos e situações estudadas. Para tanto, a coleta de dados

enfatizou informações numéricas que permitiram verificar a ocorrência de alguns

fenômenos urbanos relacionados à refuncionalização do patrimônio imóvel na cidade de

Ouro Preto, em Minas Gerais. Os dados foram analisados com apoio de um modelo

estatístico (Regra de Sturges), que permitiu o tratamento dos dados coletados a fim de

comprovar as hipóteses levantadas.

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2.1.2. RECORTE ESPACIAL DA ÁREA DE ESTUDO

Recordando que o objetivo desse trabalho é o de examinar o processo de

refuncionalização sobre o patrimônio arquitetônico em Ouro Preto, tomou-se como

objeto de estudo uma amostra do centro histórico da cidade incluindo as principais

ramificações urbanas a partir da Praça Tiradentes.

Ao todo, foram levantadas cinquenta vias entre ruas, largos e praças,

abrangendo os bairros Centro, Pilar, Rosário e Antônio Dias. O critério de seleção

dessas vias ocorreu a partir da localização dos principais pontos turísticos de Ouro

Preto, especialmente nas proximidades das principais igrejas, conforme pode ser

observado no mapa 6.

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Figura 20 – Recorte espacial da área de estudo

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87

2.2. PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

2.2.1. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

Os estudos prévios conduzem a uma maior aproximação com o objeto de

estudo, indispensáveis em qualquer produção científica. Por isso, para um bom

embasamento e suporte substancial do tema tratado, recorreu-se a diversas outras fontes

de pesquisa bibliográfica que incluem publicações, artigos de periódicos científicos,

teses, dissertações e anais de congressos e seminários.

Foram ainda realizadas pesquisas em bancos de dados específicos sobre os

seguintes temas: patrimônio cultural, identidade e memória social, território e

territorialidade, atividade turística em cidades históricas, mercantilização do patrimônio

cultural, processo de requalificação urbana em áreas tombadas e processo de

refuncionalização do patrimônio tombado.

Por meio dessas leituras, foi possível ampliar o grau de conhecimento sobre a

história de ocupação territorial do Brasil, incluindo os primeiros assentamentos e o

apogeu da exploração aurífera em Minas Gerais. Nesse contexto, analisou-se a

construção de uma identidade territorial marcada, principalmente, pela implantação de

uma significativa rede urbana, que abrigava uma sociedade definida pela diversidade de

classes e uma intensa religiosidade. O contato com a literatura específica sobre a

história de Ouro Preto permitiu um aprofundamento de conceitos como “patrimônio

cultural”, “identidade” e “territorialidade”, que dizem respeito diretamente à análise da

ciência geográfica como expressão cultural na produção do espaço vivido.

Além disso, a pesquisa bibliográfica permitiu um maior conhecimento sobre os

atuais fenômenos urbanos impulsionados pelo interesse do capital financeiro, os quais

atingem, não só as grandes metrópoles, mas também as cidades do interior do Brasil,

inclusive aquelas que possuem atrativos turísticos.

2.2.2. PESQUISA DOCUMENTAL

Para este estudo, foi também fundamental o levantamento de uma

documentação cartográfica, que serviu de base para georreferenciar os dados obtidos em

campo. As bases cartográficas são importantes ferramentas para a análise espacial,

possibilitando “uma visualização ampla do espaço em estudo, permitindo a delimitação

dos seus constituintes de maneira integrada” (LACERDA, 2013, p.57).

Deste modo, várias pesquisas foram realizadas com o intuito de obter cartas

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topográficas, mapas digitais, bases cartográficas digitais e imagens de satélite da área de

interesse. Para fins deste estudo utilizou-se a carta topográfica na escala de 1:100.000,

disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, bem como os

arquivos da mesma em formato vetor; bases cartográficas em formato shapefile de solos

e geologia, na escala 1:1. 000.000, elaboradas pela CPRM - Serviço Geológico do

Brasil, bem como a rede hidrográfica na escala 1:250.000 disponibilizada pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Por meio do Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional –IPHAN, foi possível acesso à base digital no formato

DWG dos lotes existentes no centro histórico do município. Para avaliar a evolução da

área urbana do município de Ouro Preto, foram utilizadas imagens dos Satélites da série

LANDSAT, além de imagens retiradas do Google Earth e do projeto Shuttle Radar

Topography Mission - SRTM (disponibilizadas pela EMBRAPA).

2.2.3. TRABALHO DE CAMPO

A pesquisa de campo para um geógrafo é tão importante quanto qualquer outro

tipo de pesquisa bibliográfica ou documental. Por isso, torna-se necessário sair da

posição de gabinete e se aventurar presencialmente no objeto de estudo. É certamente

por meio das observações e descrições que o cientista toma conhecimento da realidade e

dos fenômenos que se desenvolvem no espaço.

Para esta pesquisa, a proximidade com o objeto de estudo permitiu que fossem

feitos vários trabalhos de campo. Todavia, assim como em qualquer outro trabalho

científico, os campos realizados demandaram uma preparação cuidadosa quanto às

tarefas a serem realizadas.

A proximidade do objeto de pesquisa, a definição dos objetivos e do modelo

metodológico aplicado proporcionaram a oportunidade de que fossem feitos alguns pré-

campos antes do início da escrita desse trabalho, definindo previamente o recorte da

área de estudo e a elaboração do cronograma de atividades a serem desenvolvidas.

Ao longo da pesquisa, foram realizadas oito visitas à cidade histórica de Ouro

Preto, sendo todas elas realizadas durante o mês de dezembro de 2013. Durante os

trabalhos de campo foram observadas especialmente a quantidade de equipamentos

comerciais voltados para os turistas em cada via urbana e o tipo de função exercida por

cada um deles. Além disso, foram feitas pequenas entrevistas com proprietários ou

responsáveis pelos estabelecimentos comerciais levantados, referentes ao ano de início

das atividades e o número de funcionários empregados em cada um dos equipamentos.

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O modelo utilizado para o levantamento dos equipamentos comerciais e as

perguntas feitas aos respectivos proprietários ou responsáveis podem ser encontrados no

Apêndice A desse trabalho.

2.2.4. INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS

Para este trabalho foram considerados como equipamentos comerciais todos os

empreendimentos diretamente relacionados ao público turista. Entre estes foram

considerados os restaurantes, lanchonetes, cafés, padarias, sorveterias, souvenirs,

ateliers, lojas de artesanato, livrarias, pousadas e hotéis.

a. Quantidade de equipamentos comerciais por via

Compreendendo que o objetivo deste trabalho é analisar os aspectos do

processo de refuncionalização na mancha urbana estudada, tendo em vista a demanda

para o acolhimento ao turista, foi desenvolvida uma investigação que permitiu avaliar a

intensidade comercial destinada aos turistas em diferentes pontos do recorte espacial

considerado. Para isso, foram levantados todos os equipamentos comerciais voltados ao

uso do turismo, ao longo das cinquenta vias urbanas analisadas. Para essa observação,

considerando as características do objeto estudado, foi necessário que os trabalhos de

campo fossem realizados em dias úteis e durante o horário comercial (das 09h00 às

19h00).

b. Função exercida por cada equipamento comercial

A par do levantamento do quantitativo de equipamentos por via urbana,

observou-se também a função de cada um dos empreendimentos levantados. A

definição da função exercida por cada equipamento comercial foi importante nessa

pesquisa, pois atuou como um limitador de análise. Considerando que a cidade de Ouro

Preto tem um dinamismo urbano, demográfico e comercial bastante ativo, mesmo sem a

presença do público turista, especialmente devido à presença dos universitários da

UFOP, foi necessário discernir quais equipamentos eram voltados para a população

local e quais eram relacionados aos excursionistas.

Para tanto, equipamentos comerciais, como açougues, pets-shop, salões de

beleza e lojas de eletrodomésticos, por exemplo, não foram considerados para essa

pesquisa, uma vez que são direcionados para atender prioritariamente os moradores

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90

locais. Todavia, empreendimentos, como farmácias, livrarias, lanchonetes e cafés,

foram considerados para essa pesquisa por exercerem funções que atendem tanto à

população residente, quanto aos turistas. Já equipamentos, como lojas de artesanato,

souvenirs, ateliers, hotéis e pousadas foram considerados como sendo exclusivos dos

turistas.

c. Ano de início de funcionamento de cada equipamento comercial

Para se verificar o ano de início do funcionamento de cada equipamento

comercial foi necessário um contato direto com o proprietário ou representante do

empreendimento. Durante esse trabalho, não foi necessária a aplicação de nenhum

questionário, apenas uma rápida entrevista composta por duas perguntas (Apêndice A).

Vale destacar que, para cada empreendimento visitado foram esclarecidas, através de

declaração formalizada, a proposta do trabalho e os objetivos das perguntas feitas aos

proprietários ou responsáveis (Apêndice B).

O ano que marca o início das atividades de cada empreendimento comercial foi

fundamental para essa pesquisa. O levantamento dessa informação permitiu analisar o

dinamismo das atividades comerciais voltadas ao turista em cada via estudada, ao longo

das últimas décadas. As vias que apresentaram maior número de equipamentos com

períodos de funcionamento mais longo, por exemplo, foram consideradas mais estáveis

comercialmente. Por outro lado, as vias que apresentaram equipamentos mais recentes

foram consideradas de maior dinamismo funcional20 ou novas áreas de expansão

comercial.

Para essa parte da pesquisa, devem ser salientadas duas questões primordiais: a

primeira é que “dinamismo funcional” e “expansão comercial” são fenômenos que não

necessariamente devem coexistir na mesma via. Assim, esperava-se que as vias de

maior dinamismo fossem aquelas comercialmente mais antigas, sendo mais próximas à

Praça Tiradentes, onde se verificam alternâncias de funções em imóveis que já exercem

o comércio há mais tempo. Já o processo de expansão comercial é um fenômeno

esperado em regiões mais periféricas em relação ao bairro centro e com alternância da

função residencial para a comercial.

O segundo ponto a ser destacado é que não foi interesse dessa pesquisa

20 Para esse trabalho, o dinamismo funcional é considerado a alternância de funções em um único

empreendimento. Ou seja, mesmo que uma via seja comercialmente antiga, ela pode apresentar elevado

dinamismo comercial caso seus equipamentos sejam funcionalmente recentes.

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averiguar os tipos de função comercial exercida anteriormente à atual, em cada

empreendimento levantado, considerando-se a dificuldade de obter esse dado em

pesquisa prévia aos trabalhos de campo realizados.

d. Número de funcionários em cada equipamento comercial

Assim como o ano de início das atividades dos equipamentos, o número de

funcionários foi verificado mediante pergunta realizada diretamente aos proprietários ou

responsáveis por cada um deles. Para esse levantamento, considerando-se que o número

de empregados nem sempre permanece constante durante todo o tempo de existência do

equipamento, foi considerado o número de funcionários atuantes no exato período da

pesquisa.

A quantidade de pessoas empregadas em cada estabelecimento foi muito

importante para se definir o seu peso comercial. Essa categorização dos equipamentos,

ao se atribuir um peso comercial para cada um deles, foi necessária, pois possibilitou

verificar a influência comercial desse estabelecimento sobre a área urbana estudada.

A soma dos pesos de todos os equipamentos encontrados em uma determinada

via evidenciou a intensidade comercial dela, podendo-se categorizar a via com alto,

médio ou baixo nível de intensidade comercial. Assim, as vias que possuem grande

quantidade de equipamentos de elevado porte, foram também as que apresentaram

maior intensidade comercial. A criação de categorias de pesos também auxiliou para

que houvesse uma análise mais profícua referente à intensidade comercial na área

estudada, a qual apresentou equipamentos comerciais de diferentes portes e, por isso,

empregam números variados de funcionários.

Os pesos estabelecidos para cada equipamento foram obtidos através de

modelo estatístico21, sendo estabelecidas classes a partir da distribuição de frequência.

As diferentes intensidades foram depois classificadas, também, conforme a distribuição

de frequência.

21Tanto para a definição dos pesos de cada equipamento, como para a classificação das diferentes

intensidades de cada via, a distribuição de frequência foi dada a partir do uso da “Regra de Sturges” ou

“Regra do Logarítimo”.

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92

2.3. TRATAMENTO E GEORREFERENCIAMENTO DOS DADOS

Nesse capítulo, é abordado o modelo estatístico utilizado na distribuição de

frequência para os valores encontrados em cada equipamento comercial levantado. A

aplicação desse modelo permitirá desenvolver mapas que configuram o dinamismo

funcional das atividades comerciais, bem como permitirá identificar as vias de maior

intensidade comercial nas áreas estudadas.

Em seguida, esse capítulo abordará as especificidades das ferramentas

utilizadas no desenvolvimento dos mapas, os quais compõem os resultados dessa

pesquisa.

2.3.1. TRATAMENTO DE DADOS

Conforme já anunciado, a quantidade de funcionários informada para cada

estabelecimento serviu como variável quantitativa para a definição dos pesos referentes

aos mesmos. Para tanto, a fim de estabelecer organicidade aos pesos ofertados, adotou-

se um modelo estatístico de distribuição de frequência.

Para a determinação dos pesos de cada equipamento comercial, foi utilizada a

Regra de Sturges, também conhecida como Regra do Logaritmo, com o objetivo de

categorizá-los em classes segundo a quantidade de funcionários existentes. A Regra de

Sturges é aplicada quando os dados são numerosos ou repetitivos, sendo necessário

arranjá-los em classes juntamente com as frequências correspondentes. Esse

procedimento é estatisticamente conhecido como Distribuição de Frequências (FALCO,

2008).

A distribuição de frequências é um método de se agrupar dados em classes de

modo a fornecer a quantidade (ou porcentagem) de dados em cada classe. Assim, pode-

se resumir e visualizar um conjunto de dados sem precisar levar em conta os valores

individuais. Uma distribuição de frequência (absoluta ou relativa) pode ser apresentada

em gráficos ou tabelas (DOWNING; CLARK, 2003).

A Regra de Sturges é representada pela seguinte fórmula:

k = 1 + 3,3log(n)

Nesse caso, k é referente à quantidade de classes a serem encontradas e n a

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93

quantidade de eventos analisados. (No caso desse trabalho, n representa a quantidade de

estabelecimentos comerciais pesquisados).

A tabela a seguir remonta à relação direta entre a quantidade de eventos (n)

analisados e a quantidade de classes (k) que deverão necessariamente existir.

Tabela 1 - Número de classe segundo a Regra de Sturges

Fonte: FALCO, 2008.

Após definir a quantidade de classes existentes, deve-se descobrir a Amplitude

das Classes (h), que nada mais é do que o intervalo que define as classes. Para isso, é

necessário encontrar a Amplitude do Conjunto de Dados ofertados (L) e, em seguida,

criar uma razão entre (L) e (k):

L = X (máximo) – X (mínimo)

L / k = h

Nesse caso, o valor de h deverá ser arredondado convenientemente (FALCO, 2008).

Por fim, calcula-se o limite das classes conforme os valores encontrados:

1ª Classe: X(mínimo) até X (mínimo) + h

2ª Classe: X (mínimo) + h até X (mínimo) + 2h

.

.

.

kª Classe: X (mínimo) + (k-1).h até X (mínimo) + k.h

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Exemplo de aplicação:

Para melhor explicação, toma-se como exemplo uma situação hipotética com

um total de cinco equipamentos comerciais, com os respectivos números de

funcionários:

Equipamento

Comercial

Número de

Empregados

Restaurante 32

Padaria 19

Lanchonete 7

Café 2

Loja de artesanato 1

Resolução:

Se n é igual a 5 (equipamentos), logo k é igual a 3.

Conferindo: Se k é igual a 1 + 3,3 log (n) e se n é igual a 5, logo k equivale,

aproximadamente, a 3.

Se L é igual a X (máx) – X (min), logo L é igual a 32 – 1, que equivale a 31.

Se h é igual a L/k, logo h é igual a 31/3, que equivale, aproximadamente, a 10.

Os equipamentos ficariam distribuídos da seguinte forma, segundo o número

de empregados:

1ª Classe (Peso 1) = 1 |— 11 (Lanchonete, Café e Loja de artesanato);

2ª Classe (Peso 2) = 11 |— 21 (Padaria);

3ª Classe (Peso 3) = 21 |—| 32 (Restaurante);

Com os pesos já estipulados para cada equipamento, fica simples desenvolver

valores que possam remontar diretamente à participação do conjunto de

estabelecimentos em cada via. No exemplo acima, o equipamento de maior peso, no

caso o restaurante, faz com que a via onde ele se encontra seja mais impactada pelo

comércio turístico do que se ele não existisse ali. Em contrapartida, a loja de artesanato

pouco mudaria a intensidade comercial turística presente no local, caso ela não existisse

nessa mesma via.

Em resumo, entende-se, para esse modelo de tratamento de dados, que os

equipamentos de grande porte possuem maior influência quanto à presença da atividade

comercial turística na via onde se encontram, sendo até mesmo responsáveis por atrair

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equipamentos comerciais menores e/ou médios que visam aproveitar a grande

circulação de turistas proporcionada pelos primeiros.

Para achar os valores da intensidade comercial para as vias urbanas estudadas,

que serão expostas no último mapa dessa pesquisa, foram somados os pesos de todos os

equipamentos por via. No exemplo hipotético, o valor da intensidade comercial seria

calculado da seguinte forma:

Intensidade = (3x1) + (1x2) + (1x3)

Resultado = 8

O valor oito representa o valor da intensidade comercial da via.

Para a elaboração do último mapa dessa pesquisa, intitulado “Intensidade do

comércio voltado ao turismo”, a Regra de Sturges foi novamente utilizada. Agora, em

vez de se analisar o número de equipamentos comerciais levantados, foi tomada como

eventos analisados (n) a quantidade de vias estudadas. Deste modo, cada via assumiu

um peso referente ao seu grau de intensidade comercial, o qual foi encontrado a partir

da soma dos pesos dos equipamentos ali instalados.

2.3.2. GEORREFERENCIAMENTO DOS DADOS

Para este estudo, foi aplicado o uso do Sistema de Informações Geográficas -

SIG como forma de sistematizar o aproveitamento nos trabalhos de campo, como

também a representação dos resultados obtidos. Logo, a utilização do SIG favoreceu

uma melhor manipulação e processamento das análises espaciais, permitindo resultados

mais precisos e de melhor qualidade.

Para a análise do dinamismo funcional e expansão comercial da mancha urbana

estudada, foi elaborado um conjunto de cinco mapas, que, juntos, evidenciaram esses

fenômenos (Mapa 8). Esse conjunto de mapas foi organizado a partir do ano de início

das atividades de cada equipamento comercial analisado. Após todos os dados

levantados em campo, os equipamentos foram separados segundo períodos que

marcaram a sua inauguração: anteriores a 1979, 1980-1989, 1990-1999, 2000-2009 e

2010-2013. Para esse conjunto de mapas, o ano de 1980 foi tomado como referência,

por marcar o ano em que Ouro Preto recebeu o título de Patrimônio Cultural da

Humanidade pela UNESCO. Certamente, esse ano também marca o início do aumento

das atividades turísticas na cidade.

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A análise conjunta dos mapas evidenciou quais foram os comércios que mais

resistiram ao tempo e onde se localizam, assim como permite analisar quais foram as

áreas que mais apresentaram alternância de funções comerciais e quais vias

apresentaram expansão das atividades comerciais.

Por final, elaborou-se um mapa referente à intensidade comercial de cada via, a

partir da soma dos pesos de cada equipamento e a aplicação do modelo estatístico

(Mapa 9). Esse mapa foi importante, pois possibilitou uma análise da intensidade do

atual processo de refuncionalização e mercantilização das vias urbanas estudadas.

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CAPÍTULO 3 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

3.1. A DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL E AS FUNÇÕES DOS EQUIPAMENTOS

COMERCIAIS VOLTADOS AO TURISMO

Ao longo dos trabalhos de campo realizados ficou evidente que o processo de

refuncionalização está fortemente presente no centro histórico da cidade de Ouro Preto,

embora algumas vias apresentem essa característica de forma mais significativa do que

outras. Por isso, buscou-se nesse trabalho identificar quais eram os equipamentos

comerciais que evidenciavam a presença de turistas, ao longo das vias urbanas estudadas.

Além disso, essa pesquisa também procurou verificar as funções de cada um dos

equipamentos comerciais analisados, de modo a evidenciar uma relação de análise direta

entre a localização dos estabelecimentos e os tipos de uso ofertados por eles.

O mapa 7, confeccionado a partir dos dados obtidos em campo, apresenta estas

informações agrupadas de acordo comas respectivas semelhanças funcionais, gerando um

total de onze grupos que são diferenciados segundo as cores identificadas na legenda.

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Figura 21 – Distribuição espacial e tipologias de funções dos equipamentos comerciais turísticos

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Pode-se observar nesse mapa que as vias que se ramificam a partir da Praça

Tiradentes (porção central do mapa) apresentam maior número de equipamentos e maior

diversidade em oferta de funções, o que já era esperado por esta área representar o núcleo

comercial22 da cidade. Entre os tipos de equipamentos que podem ser encontrados nessa

porção central destacam-se as padarias, lanchonetes, alguns hotéis e muitas lojas de

artesanato e souvenirs.

Contudo, o que chama muito a atenção é a grande concentração de joalherias

muito próximas umas das outras, em especial entre a Praça Tiradentes e a Rua Conde de

Bobadela (Rua Direita). Essas joalherias buscam se instalar neste trecho por se tratar de

uma atividade exclusivamente voltada para os turistas, os quais, em sua grande maioria,

têm na Praça Tiradentes o seu ponto principal de referência, circulando em seu entorno.

Contudo, foi possível também localizar joalherias em outras áreas do centro histórico da

cidade, geralmente nas proximidades das igrejas históricas (Figuras 15 e 16).

Paralelamente a esse mercado formalizado de joias, ocorre também o mercado

informal da venda de “pedras” semipreciosas lapidadas ou em formato bruto, como

turmalinas, topázios, ametistas e quartzo.

Outra observação contida no mapa7 mostra a diferença funcional das duas ruas de

comércio mais dinâmico de Ouro Preto: a Rua Conde de Bobadela, conhecida

popularmente como “Rua Direita”, e a Rua São José, antiga “Rua Tiradentes”. Ambas se

localizam no núcleo central da cidade e seus imóveis abrigam, sobretudo, equipamentos

22 Para essa pesquisa, o “núcleo comercial” de Ouro Preto foi considerado o bairro centro da cidade.

Figura 22 – Rua Conde de Bobadela (Rua Direita)

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

Figura 23 – Rua C. de Bobadela e as joalherias.

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

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comerciais. No entanto, ambas apresentam características comerciais que as diferenciam

fortemente.

A Rua Conde de Bobadela é a que apresenta maior quantidade de equipamentos

comerciais turísticos de toda a cidade. A sua importância histórica, a proximidade com a

Praça Tiradentes e a presença de atrativos culturais como o Museu Guignard fizeram desta

via a área mais valorizada da cidade e, por isso, alvo de grande especulação imobiliária.

Hoje, é possível encontrar equipamentos comerciais de diferentes funcionalidades ao longo

dessa via, incluindo a presença de franquias de empresas estrangeiras, como é o caso da

rede norte-americana de fast-food “Subway” (Figura 17). Além disso, a Rua Conde de

Bobadela conta com bons restaurantes de comida mineira, lanchonetes, bares, hotéis e

várias lojas de artesanato que evidenciam a sua característica amplamente direcionada para

acolher o público turista (Figura 18).

Já a Rua São José possui um comportamento comercial diferenciado da primeira.

Possuindo uma quantidade menor de equipamentos voltados aos turistas, esta via apresenta

um tipo de comércio cujas características visam atender principalmente os moradores de

Ouro Preto. Ao longo da rua, podem ser encontradas agências dos principais bancos, como

Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander, bem como lojas de roupas,

Figura 24 – Lanchonete “Subway”.

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

Figura 25 – Turistas e as lojas de artesanato.

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

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calçados, brinquedos, papelaria, açougue e outros estabelecimentos que não se encontram

diretamente relacionados no uso dos turistas (Figura 19 e 20).

Outro fato que também merece ser destacado é a localização de equipamentos

como restaurantes, hotéis, lojas de artesanatos, souvenirse ateliers para além do núcleo

comercial da cidade. A presença desses equipamentos em bairros vizinhos ao Centro

desperta a atenção por se tratar de estabelecimentos voltados ao público turista. Por isso,

esse resultado sugere algumas reflexões referentes à dinâmica espacial do comercial

turístico em Ouro Preto.

Entre as reflexões a serem consideradas incluem-se os motivos que induziram os

empresários do ramo hoteleiro, por exemplo, a investirem em áreas mais distantes do

núcleo comercial. A pesquisa revela que os proprietários de alguns desses hotéis, pousadas

e hostels, deixaram explícitos dois importantes motivos que os levaram a investir em áreas

mais afastadas do centro comercial da cidade. O primeiro deles é o elevado valor dos

imóveis nas áreas mais centrais, que atualmente passa por uma forte especulação

imobiliária. O segundo, explicado de uma forma mais incisiva, seria a própria mudança do

perfil atual dos turistas.

Para muitos empresários do ramo hoteleiro, Ouro Preto recebe atualmente

diferentes grupos de pessoas, de idades distintas e de diversas classes sociais. Em períodos

de alta temporada, especialmente durante os festivais de cultura, todas as pousadas e hotéis

da cidade ficam com as reservas preenchidas. Segundo estes proprietários, o acesso à

Figura 26 – Rua São José, em Ouro Preto/MG.

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

Figura 27 – Rua São José, em Ouro Preto/MG.

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

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cidade histórica tem se tornado cada vez mais democratizado, devido principalmente ao

aumento do poder aquisitivo da classe média brasileira, a maior facilidade de locomoção e

transporte e uma maior divulgação da cidade feita pela mídia televisiva em outros lugares

do Brasil e do mundo.

Os proprietários também enfatizaram o aumento do número de turistas que se

deslocam de cidade próximas a Ouro Preto, em especial da Região Metropolitana de Belo

Horizonte. De acordo com eles, esses turistas, que geralmente se deslocam de carro e

tendem a permanecer um ou dois dias na cidade, procuram pousadas com custo mais

barato e não se incomodam com o fato de se alojarem distantes do núcleo comercial da

cidade. Por isso, oferecer estadias a custos mais acessíveis tem se tornado uma opção de

investimento para muitos empreendedores do ramo hoteleiro de Ouro Preto.

3.2 O DINAMISMO FUNCIONAL E EXPANSÃO COMERCIAL NA MANCHA

URBANA ESTUDADA

Outra informação relevante obtida durante os trabalhos refere-se ao ano de início

das atividades de cada equipamento, observando-se a sua permanência no mesmo local.

Essa análise permitiu verificar as transformações ocorridas nas vias onde as funções

comerciais sofreram mais alterações ou os locais em que a atividade comercial se expandiu

ao longo das últimas décadas. A coleção de mapas, a seguir, permite analisar o surgimento

dos equipamentos comerciais turísticos presentes hoje na área urbana estudada, por década

de criação (Mapa 8).

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Figura 28 – Coleção de mapas que define cada empreendimento comercial por década de criação

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A partir da elaboração desses mapas verificou-se que a área estudada possui um

elevado dinamismo comercial, principalmente por apresentar um grande número de

equipamentos inaugurados nos últimos anos. Observa-se que o centro histórico de Ouro

Preto possui tanto estabelecimentos muito antigos, quanto a presença de alguns muito

recentes. Esses equipamentos de diferentes épocas coexistem no mesmo espaço e se

misturam ao longo das vias estudadas, sendo, portanto, difícil definir uma via onde o

comércio voltado apenas ao turismo se manteve constante.

Observou-se, curiosamente, durante os trabalhos de campo, que Ouro Preto ainda

possui algumas casas de comércio muito antigas, as quais ainda guardam, internamente, a

mesma aparência de décadas atrás. Dentre os equipamentos mais antigos, destacam-se três

que persistem com poucas alterações e ainda se mantêm como eram há mais de cinquenta

anos atrás.

Na Rua Barão de Camargos, próximo à Praça Tiradentes, permanece atuante uma

mercearia/bar que ainda exerce suas vendas a granel, algo inusitado para os dias de hoje.

Com balcão antigo, construídos em madeira bruta, e longas prateleiras que se estendem do

chão ao teto, os proprietários dão continuidade ao empreendimento herdado do avô, há

aproximadamente sessenta anos atrás (Figuras21 e 22).

Figura 29 – Mercearia, Rua Barão de Camargos;

Fonte: Arquivo do Autor, 2013.

Figura 30 – Mercearia, Rua Barão de Camargos;

Fonte: Arquivo do Autor, 2013.

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Na Rua São José, número 72, encontra-se o estabelecimento comercial mais

antigo verificado durante a pesquisa: o Hotel Toffolo (Figuras23 e 24). Inaugurado ainda

na primeira década do século XX, segundo informações da proprietária, Gracinha

Toffolo23, de 84 anos, o hotel é referência cultural e histórica em Ouro Preto por ter

hospedado importantes personalidades, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel

Bandeira, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles e Alberto Guignard. Ao longo de sua

história, o casarão, que ainda funciona como hotel e possui um bar no térreo, sempre foi

propriedade da família Toffolo. De acordo com a proprietária, “a simplicidade sempre foi a

marca registrada do hotel” e ela se orgulha muito de ter dado continuidade ao

empreendimento, que “se mantém com a mesma essência de quando começou”.

Destaca-se, ainda, o Grande Hotel de Ouro Preto. Localizado na Rua Senador

Rocha Lagoa, a construção do hotel foi iniciada em 1938, meses após a criação do

SPHAN, atual IPHAN. O hotel foi erguido por meio de uma parceria entre os governos

federal e estadual, que visavam apoiar o desenvolvimento do turismo em Ouro Preto,

ressaltando a sua importância como um dos principais centros urbanos criados pelo “Ciclo

do Ouro”. Na ocasião, uma comissão liderada pelo urbanista Lúcio Costa encarregou o

então jovem arquiteto Oscar Niemeyer da tarefa de projetá-lo. Niemeyer projetou o Grande

Hotel de Ouro Preto com linhas arrojadas e varandas retilíneas, com amplos espaços no

23Gracinha Toffolo é nora do fundador do estabelecimento, Sr. Olívio Ângelo Toffolo, falecido em 1971.

Figura 31 – Rua São José e o Hotel Toffolo;

Fonte: Luiz Fontana, 1946.

Figura 32 – Rua São José e o Hotel Toffolo;

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

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térreo, elevados sobre os pilotis. Os planos frontais envidraçados, permitem os hospedes

descortinar a paisagem da histórica Ouro Preto (Figuras 25 e 26).

A partir da década de 1980 ocorreram grandes avanços nas atividades turísticas,

em especial nas ruas que se ramificam a partir da Praça Tiradentes. O reconhecimento

internacional de Ouro Preto como Patrimônio Cultural da Humanidade, pela UNESCO, em

1980, promoveu e elevou a curiosidade com a chegada de mais turistas à cidade, levando

muitos empresários a apostarem no comércio local.

Muitos equipamentos criados nas décadas de 1980 e 1990 ainda permanecem

atuantes, conforme pode ser verificado na coleção de mapas (Mapa 8). Pode-se notar que,

já nessas décadas, alguns empresários iniciaram a criação de empreendimentos em áreas

mais distantes da Praça Tiradentes, principalmente nos bairros Pilar, Rosário e Antônio

Dias.

Os primeiros anos do século XXI, entretanto, marcaram o período de maior índice

de aparecimento de equipamentos comerciais turísticos. Isto confirma a atratividade

turística, dinamismo funcional e expansão do comércio voltado para este segmento em

Ouro Preto, em especial nas áreas situadas próximas ao núcleo comercial da cidade.

A Rua Conde de Bobadela mais uma vez se destacou por ser a via que mais

apresentou equipamentos com novas funções comerciais, voltados para os turistas. Esse

resultado já era esperado pelo fato de essa rua ser a principal via comercial da cidade e, por

isso, atraio interesse de empresários de diferentes áreas. Um exemplo disso foi a chegada

de empresas franqueadas, como a lanchonete “Subway” que optou por uma área

Figura 33 – Grande Hotel de Ouro Preto/MG

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

Figura 34 - Grande Hotel de Ouro Preto/MG

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

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mercadologicamente consolidada e estratégica para atingir seu público.

Observou-se ao longo dos trabalhos de campo que o dinamismo comercial da área

estudada apresenta uma grande rotatividade entre os equipamentos de pequeno porte, em

especial os ateliers, lojas de artesanato, souvenirs e joalherias. Durante a coleta de dados,

quando interrogados sobre o ano de início das atividades naquele local, muitos

proprietários deixaram claro que o empreendimento já havia tido antigos endereços. Esse

fato faz entender que há uma rotatividade entre esse tipo de estabelecimento, os quais

buscam incessantemente uma relação de proximidade com o mercado consumidor. Em

função desta procura, os valores de aluguel dos imóveis crescem na mesma proporção.

Em relação à expansão do comércio voltado para os turistas, os dados coletados

foram analisados e pelo conjunto de mapas elaborados foi possível identificar a expansão

do comércio nas vias estudadas, nas últimas três décadas. As vias que apresentam

expansão das atividades mercantis geralmente proporcionam a coexistência das funções

comercial e residencial numericamente bem equilibradas. A tendência é que os imóveis

residenciais sejam aos poucos substituídos pelos comerciais ou que os imóveis tenham as

duas funções, caso sejam de dois ou mais pavimentos.

Durante os trabalhos de campo, duas ruas apresentaram nitidamente a presença

equilibrada de imóveis comerciais e residenciais. A partir do conjunto de mapas elaborado,

é possível identificar a presença de estabelecimentos comerciais recentemente instalados

nessas vias, o que confirma a probabilidade destas duas ruas apresentarem um número

maior de atividades comerciais, em detrimento do uso residencial.

A primeira via onde essas características foram identificadas foi a Rua Getúlio

Vargas, que é um prolongamento da Rua São José e conecta os bairros Centro e Rosário.

Assim como a Rua São José, a Rua Getúlio Vargas também assume características

comerciais mais voltadas para a população local. Todavia, alguns empreendimentos

recentes têm sido inaugurados ao longo de seu trajeto, verificando-se uma substituição de

imóveis residenciais por novos equipamentos comerciais turísticos.

A constatação de que a Rua Getúlio Vargas está se tornando mais comercial do

que residencial está certamente à presença do Hotel Solar do Rosário, que emprega hoje

cerca de cinquenta funcionários e se trata de um dos mais requintados e luxuosos hotéis da

cidade (Figura 27).

Localizado no final da via, já na esquina com o Largo da Igreja de Nossa Senhora

do Rosário, o hotel foi reinaugurado em 2007 após um longo período de restauração.

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Segundo informações, obtidas em pesquisas históricas, ele foi construído para essa mesma

função ainda na primeira metade século XIX, tendo sido fechado logo depois que a sede do

governo mineiro foi transferida para Belo Horizonte, 1897. Em estado de abandono, sua

estrutura foi aos poucos se deteriorando, deixando-o arruinado e descaracterizado nas

primeiras décadas do século XX (Figura 28). Apenas na segunda metade mesmo século,

com a valorização patrimonial e cultural de Ouro Preto, o imóvel voltou a ser considerado

como passível de ser novamente integrado à sua anterior condição.

Durante a década de 1990, após longos períodos de restauração e de ampliação, o

Hotel Solar do Rosário volta a imprimir uma nova dinâmica às vias que se encontram em

seu entorno. A Rua Getúlio Vargas é, sem dúvida, a mais impactada pela presença do

hotel, contando atualmente com equipamentos como cafeteria, livraria, souvenirs e

ateliers. Embora essa rua ainda tenha imóveis residenciais, a tendência é que o comércio se

torne cada vez mais atuante e venha a se expandir ainda mais nos próximos anos.

Ao longo dos trabalhos de campo, foi possível verificar a existência, na Rua

Getúlio Vargas, de alguns imóveis residenciais sem ocupação, os quais, possivelmente,

sejam objetos de especulação urbana para venda ou aluguel para fins comerciais (Figuras

29 e 30).

Figura 35 – Hotel Solar do Rosário;

Fonte: Acervo do Autor, 2014. Figura 36 – Hotel Solar do Rosário, década de 1990;

Fonte: Arquivo cedido pelo próprio Hotel.

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A segunda via que merece destaque em termos de expansão comercial é a Rua

São Francisco, no Bairro Antônio Dias, que conecta a igreja de São Francisco de Assis,

situada no Largo do Coimbra, à Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Pelo fato de

apresentar estabelecimentos comerciais muito recentes, essa via pode ser considerada

como um subcentro comercial na mancha urbana estudada. No geral, trata-se de uma rua

que comporta equipamentos de diferentes usos e funções, que atendem principalmente os

moradores locais. Todavia, devido à presença de inúmeras pousadas no bairro, conforme

pode ser visto no mapa 7, a Rua São Francisco vem sendo direcionada aos turistas, como a

abertura de ateliers e lojas de artesanato.

Assim como na Rua Getúlio Vargas, na Rua São Francisco a presença de imóveis

residenciais tende a sofrer uma contínua redução ou adaptação para que novos

equipamentos comerciais possam ser instalados. A figura 31 retrata um exemplo da

tendência da expansão do comercio, mesmo que localizados no térreo de alguns casarios.

O cartaz colocado na porta anuncia: “ALUGA-SE este ponto para comércio”,

evidenciando-se o caráter mercantil da via. Entretanto, pelo fato de ser uma rua muito

estreita e de calçadas pequenas, não se pode esperar dela o mesmo potencial comercial da

Rua Getúlio Vargas.

Figura 37 – Imóveis desocupados, Rua G. Vargas.

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

Figura 38 – Imóveis desocupados, Rua

Getúlio Vargas.

Fonte: Acervo do Autor, 2013.

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O dinamismo funcional e a expansão das atividades comerciais turísticas são dois

fenômenos que retratam bem o processo de refuncionalização. A partir do conjunto de

mapas elaborados, onde os equipamentos foram identificados pela década de criação,

tornou-se mais fácil analisar o comportamento dos equipamentos ao longo da mancha

urbana estudada.

Embora algumas vias assumam um maior dinamismo funcional de seus

equipamentos, alguns estabelecimentos comerciais resistem fortemente às pressões

impostas pelo novo modelo de mercado, buscando destacar-se pela tradição e pela história

construída ao longo de décadas. Assim, novas e antigas funções se misturam e coexistem

ao longo das ladeiras de Ouro Preto, evidenciando a heterogeneidade de estabelecimentos

comerciais exercidos nos patrimônios imóveis desta cidade histórica.

A expansão das atividades comerciais deve-se ao aumento da presença de turistas

na cidade e isto se reflete na refuncionalização de algumas vias. Verificou-se que, aos

poucos, os imóveis do conjunto urbanístico e arquitetônico de Ouro Preto vão deixando a

função residencial para dar espaço aos novos empreendimentos, como restaurantes,

pousadas, ateliers e lojas de artesanato. Verificou-se, também, que em porções mais

distantes do núcleo comercial houve uma expansão do comércio voltado ao turista,

Figura 39 – Rua São Francisco, Ouro Preto/MG

Fonte: Acervo do Autor (2013)

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ampliando o espaço mercantilizado para outros bairros do centro histórico da cidade.

3.3. A INTENSIDADE DO COMÉRCIO VOLTADO AO TURISMO

A intensidade do comércio voltado ao turismo representou um estudo mais

sistêmico do impacto do mercado na mancha urbana estudada, considerando-se os pesos

dos equipamentos comerciais. O resultado encontrado remonta a tudo o que foi discutido

nos capítulos 7 e 8 dessa pesquisa, confirmando as características do processo de

refuncionalização em cada uma das vias investigadas.

Para a criação do mapa final dessa pesquisa, que recebe o mesmo nome desse

capítulo, foi aplicado um modelo estatístico a partir da Regra de Sturges. Essa fórmula

matemática foi utilizada duas vezes: para a definição dos pesos de cada equipamento e das

classes referentes às intensidades comerciais de cada via.

O cálculo desenvolvido na elaboração dos pesos de todos os estabelecimentos

comerciais, que pode ser encontrado no apêndice D, não apresentou dificuldade alguma em

termos de aplicação. O resultado conferiu oito tipos de pesos para os equipamentos

levantados, segundo o número de funcionários empregados em cada um. Os pesos

atribuídos para cada equipamento podem ser localizados no apêndice C desse trabalho.

A soma dos pesos dos equipamentos de cada via conferiu a cada uma delas um

Valor de Intensidade Comercial Turístico - VICT, os quais estão apresentados no apêndice

E desse trabalho e tiveram grandes variações, confirmando os diferentes potenciais

comerciais turísticos entre as vias investigadas.

Para a elaboração desse último mapa, foi necessário classificar as vias de acordo

com o VICT de cada uma delas. Para esse cálculo, foram consideradas apenas as vias que

apresentaram algum equipamento, contabilizando um total de 39 (trinta e nove) amostras.

Logo, segundo a Regra de Sturges, seria necessária a criação de seis classes, as quais

conteriam todas as vias distribuídas entre elas.

A primeira tentativa de distribuir os valores de intensidade em classes não deu

certa, uma vez que duas classes ficaram vazias. A explicação para esse problema parte do

simples entendimento de que a Regra de Sturges usa a diferença entre o valor máximo e

mínimo para se calcular a Amplitude das Classes (h). Na tabela encontrada no apêndice E,

é observado que a Rua Conde de Bobadela (Rua Direita) possui um elevadíssimo VICT,

sendo até muito superior que a segunda via de maior VICT, a Rua São José. Esse fato, ao

utilizar a Regra de Sturges, favoreceu a criação de classes com valores muito altos, em que

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112

algumas não puderam ser preenchidas por nenhuma via.

Para tanto, a fim de solucionar o problema, foi retirada do cálculo a Rua de Conde

Bobadela, que foi alocada em uma sétima classe (classe especial). O isolamento dessa rua

viabilizou uma menor amplitude entre as classes, fazendo com que todas as seis fossem

então ocupadas no mínimo por uma via. Assumiu-se, portanto, o valor de 38 (trinta e oito)

amostras, sendo que todas elas foram então distribuídas nas seis classes, de acordo com o

cálculo utilizado a partir da Regra de Sturges (Apêndice F).

A seguir, é apresentado o resultado final desse trabalho, o mapa de Intensidade do

Comércio Voltado ao Turismo, em Ouro preto/MG (Mapa 9).

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Figura 40 – Mapa de intensidade do comércio voltado ao turismo

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A análise desse mapa permite verificar algumas características comerciais

assumidas por cada uma das vias, visando ao público turista. Conforme já anunciado, esse

mapa confirma muito das discussões desenroladas nos dois capítulos anteriores a este, os

quais qualificam o processo de refuncionalização do patrimônio cultural e de

mercantilização na cidade de Ouro Preto.

O grande destaque no mapa 9 não poderia ser outro senão a grande intensidade

comercial turística presenciada na Rua Conde de Bobadela. Entretanto, outras vias também

ganham evidência por apresentarem grande dinamismo e expansão das atividades

comerciais.

A Rua São José, apesar de ser uma via comercialmente também voltada para os

habitantes da cidade, aparece como a segunda rua mais comercialmente turística do centro

histórico de Ouro Preto. Em seguida vem a Praça Tiradentes, que só não possui maior

intensidade, por conter muitos edifícios públicos em seu entorno. Todavia, vale destacar

que a praça é marcada sempre por um grande fluxo de turistas, especialmente nos finais de

semana, que a tomam como ponto de referência e de encontro.

Com intensidade semelhante à da Praça Tiradentes, tem-se a Rua Getúlio Vargas.

Apresentada como um prolongamento da Rua São José, a rua tem se destacado pelo seu

crescimento comercial turístico, especialmente depois da restauração e início do

funcionamento do Hotel Solar do Rosário.

As ruas São Francisco e Senador Rocha Lagoa aparecem logo em seguida com

intensidades comerciais medianas, mas com grandes potenciais de crescimento para os

próximos anos. A Rua São Francisco, inclusive, atua como um subcentro do Bairro

Antônio Dias e é a via de maior intensidade fora do Bairro Centro, em Ouro Preto.

As intensidades comerciais apresentadas pelas demais vias remontam os

diferentes comportamentos do mercado ao longo da mancha urbana estudada. De certo,

observa-se que as vias mais distantes do núcleo comercial da cidade possuem intensidades

menores, embora algumas tenham registrado o surgimento de novos equipamentos nas

últimas décadas.

O mapa 9 configura, portanto, não apenas as diferentes intensidades comerciais

das vias investigadas, como também propõe uma análise mais aprofundada da distribuição

espacial dos equipamentos relacionados diretamente com o público turista. Possibilita, por

exemplo, entender quais são as áreas mais evidenciadas pelos empresários e como eles

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115

apostam em seus respectivos empreendimentos, esperando determinados lucros. Assim

como, esse mapa também permite fazer um estudo sobre a valorização comercial e/ou

residencial de determinadas áreas, avaliando o aporte de ofertas de equipamentos em suas

proximidades. Em suma, trata-se de uma leitura sistêmica do processo de

refuncionalização do patrimônio cultural de Ouro Preto, marcado, sobretudo, pela

mercantilização turística no centro histórico da cidade.

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116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ouro Preto é considerado como um dos principais conjuntos arquitetônicos e

urbanísticos do Brasil pela sua importante história relacionada à memória do povo de

Minas Gerais e pelo seu patrimônio conservado, por todo estes anos. Desenvolver uma

pesquisa sobre a cidade representou uma oportunidade de estabelecer novos olhares, os

quais identificaram os comportamentos contemporâneos de uma antiga estrutura urbana.

A caracterização histórica de Ouro Preto proporcionou reflexões acerca do

conceito de patrimônio cultural, ampliando a compreensão da relação existente entre a

memória social e a herança cultural expressa no território. Nesse sentido, essa pesquisa

evidenciou, sob uma perspectiva geográfica, um grande meio de intervenções que alteram

o uso e a função original dos imóveis pertencentes ao conjunto. Trata-se de uma

consequência da dinâmica comercial exigida pelo tempo presente, que trata das relações

existentes entre este significativo patrimônio cultural e a crescente atividade turística.

Esse trabalho analisou a dimensão espacial do turismo em sua dinâmica de

apropriação territorial e o processo de refuncionalização do patrimônio cultural, adaptado

para atender aos interesses do mercado. Foi possível observar que o centro histórico de

Ouro Preto apresenta conflitos entre antigas e as novas territorialidades, decorrentes

sobretudo, das imposições econômicas que atribuem novos usos e significados ao

patrimônio e definem novas formas de sociabilidade entre os grupos sociais.

Embora a cidade apresente vários edifícios públicos tombados que exercem

atualmente a função de museus, é grande o número de edificações privadas que se

distinguem entre as funções de residência e comércio. Observou-se que esses imóveis

particulares tombados coexistem na porção histórica da cidade, ainda que a função

residencial tenha se tornado cada vez menos frequente. Concomitante a esse fato,

verificou-se o crescimento das atividades comerciais em grande parte da mancha urbana

estudada, principalmente devido às novas adaptações que visam às necessidades turísticas.

O reconhecimento como a primeira cidade brasileira a receber o título de

Patrimônio Cultural da Humanidade fez de Ouro Preto uma cidade prestigiada. A

valorização dos seus bens patrimoniais como símbolos da história e da identidade nacional

provocou o interesse da especulação empresarial, que, seletivamente, atuou sobre o

território, conferindo-lhe uma nova dinâmica socioeconômica.

Ao longo dessa pesquisa foi analisada a importância cultural e o valor econômico

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dos bens patrimoniais de Ouro Preto, que atualmente são largamente apropriados pelo

mercado turístico cultural. A cidade se tornou, especialmente a partir da década de 1980,

um dos principais destinos turísticos do país. Por isso, passou a ter sua paisagem divulgada

por diferentes veículos midiáticos, com o objetivo de atrair cada vez mais excursionistas.

O processo de refuncionalização se deu com o aumento do número de turistas na

cidade, evidenciando a oportunidade de ganho de lucro através do comércio. A adaptação

dos bens tombados aos novos usos foi apresentada nesse trabalho, a partir de sua dinâmica

funcional e da expansão das atividades comerciais nas vias da área de estudo. Foi possível

verificar que o núcleo comercial do centro histórico de Ouro Preto se mantém como a área

de maior intensidade comercial da cidade, comandado principalmente pelo elevado grau de

dinamismo funcional da Rua Conde de Bobadela, conhecida popularmente como “Rua

Direita”.

A pesquisa também concluiu que muitos equipamentos comerciais direcionados

aos turistas têm se expandido para áreas mais distantes do núcleo comercial da cidade,

como os bairros do Pilar, de Antônio Dias e do Rosário. Esse fenômeno foi comprovado

principalmente pela presença de outras possibilidades de hospedagens nesses respectivos

bairros, com preços mais acessíveis àqueles que visitam a histórica cidade.

Assim, embora a atividade turística tenha valorizado os imóveis tombados e

causado uma gentrificação no centro histórico de Ouro Preto, é possível afirmar que a

dinâmica comercial proporciona reflexos positivos à população ouro-pretana. Observa-se

que o acesso a eventos culturais, patrocinados pelos investimentos público-privados e com

a participação direta da UFOP, como os Festivais de Inverno e de Jazz, proporciona à

população ouro-pretana benefícios gerados por empregos diretos impulsionados pelas

atividades turísticas.

Entretanto, há também aspectos cujos impactos negativos merecem cuidados

especiais dos órgãos preservacionistas, em especial o IPHAN e o poder público municipal.

As preocupações dizem respeito, principalmente, à descaracterização da paisagem no

entorno do centro histórico, marcada principalmente pela ocupação irregular de novas

habitações em loteamentos recentemente abertos. Essa condição, inclusive, ameaça a perda

do título de Patrimônio Cultural da Humanidade conferido pela UNESCO.

Não há dúvida de que a atividade turística que ocorre de forma permanente sobre

o objeto de estudo tem proporcionado uma seletividade do espaço geográfico e uma

valorização dos bens patrimoniais tombados, assim como a geração de emprego e renda

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para os habitantes. Deve-se, portanto, procurar uma coerência quanto ao uso do patrimônio

tombado, que necessita se mantido como um direito social apropriado de forma coletiva e,

ao mesmo tempo, exercendo as funções que atendem diretamente ao público turista. Para

isso, é necessária uma maior participação da sociedade civil na idealização e na gestão do

turismo, de modo que parte das receitas geradas por essa atividade sejam utilizadas pelo

poder público para garantir não só a preservação do patrimônio, mas também os interesses

sociais da população.

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119

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125

ANEXOS

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APÊNDICE A

LEVANTAMENTOS SOBRE OS EQUIPAMENTOS COMERCIAIS VOLTADOS

AOS TURISTAS E ENTREVISTA AOS PROPRIETÁRIOS OU RESPONSÁVEIS

PELOS ESTABELECIMENTOS

Bairro: ( ) Centro - ( ) Pilar - ( ) Rosário - ( ) Antônio Dias

Rua: Número:

Função Comercial:

Perguntas aos proprietários ou responsáveis pelos estabelecimentos:

1 –Quando foi o início das atividades neste local?

Até 1979 ( )– 1980-89 ( ) – 1990-99 ( ) 2000-09 ( ) – 2010-13 ( )

2 –Quantos funcionários o estabelecimento conta atualmente? ________

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APÊNDICE B

DECLARAÇÃO PARA EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE ENTREVISTA AOS

PROPRIETÁRIOS OU RESPONSÁVEIS POR CADA EQUIPAMENTO

COMERCIAL INVESTIGADO

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APÊNDICE C

EQUIPAMENTOS LEVANTADOS AO LONGO DOS TRABALHOS DE CAMPO

COM DETALHAMENTO DE ENDEREÇO, FUNÇÃO, DÉCADA DE INÍCIO DAS

ATIVIDADES, NÚMERO DE FUNCIONÁRIOS E PESO

Endereço Função Década Funcionários Peso

Largo do Coimbra, 38 Hotel 1980 30 6

Largo do Rosário, 33 Atelier 2000 2 1

Largo do Rosário, 85 Restaurante 1990 15 3

Largo Musicista José dos Anjos Costa Pousada 1980 6 1

Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 07 Souvenir 1990 8 2

Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 19 Joalheria 2000 2 1

Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 29 Joalheria 1990 2 1

Pça Monsenhor Castilho Barbosa, 31 Atelier 1990 2 1

Praça Américo Lopes, 22 Restaurante 2000 5 1

Praça Américo Lopes, 27 Restaurante 2000 4 1

Praça Américo Lopes, 41 Artesanato 2000 1 1

Praça Américo Lopes, 7 Artesanato 2000 1 1

Praça Antônio Dias, 14 Hostel 2010 2 1

Praça Antônio Dias, 18 Artesanato 2010 3 1

Praça Antônio Dias, 21 Hostel 2010 2 1

Praça Antônio Dias, 64 Restaurante 2000 4 1

Praça Antônio Dias, 99 Pousada 2010 10 2

Praça Barão de Rio Branco, 19 Mercearia 1990 4 1

Praça Barão de Rio Branco, 35 Padaria 1990 15 3

Praça Barão de Rio Branco, 80 Farmácia 2000 6 1

Praça Reinaldo Alves de Brito, 61 Padaria 1990 9 2

Praça Reinaldo Alves de Brito, 75 Restaurante 1960* 10 2

Praça Silviano Brandão, 09 Padaria 1960* 22 4

Praça Silviano Brandão, 25 Perfumaria 2000 3 1

Praça Tiradentes, 112 Sorveteria 2000 6 1

Praça Tiradentes, 120 Souvenir 1970* 2 1

Praça Tiradentes, 124 Joalheria 1970* 6 1

Praça Tiradentes, 130 Cachaçaria 2010 5 1

Praça Tiradentes, 134 Pousada 1990 3 1

Praça Tiradentes, 54 Restaurante 1980 6 1

Praça Tiradentes, 58 Restaurante 1970 15 3

Praça Tiradentes, 68 Restaurante 2000 6 1

Praça Tiradentes, 70 Pousada 1990 4 1

Praça Tiradentes, 74 Joalheria 1980 10 2

Praça Tiradentes, 84 Artesanato 1990 11 2

Praça Tiradentes, 95 Joalheria 1970 6 1

Rua Alfredo Baeta, 41 Pousada 1960* 20 4

Rua Amália Bernhaus, 25 Restaurante 2010 6 1

Rua Antônio de Albuquerque, 24 Cachaçaria 1980 2 1

Page 130: A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A ... · A revitalização dos núcleos históricos tem alterado o significado e provocado ... nos núcleos urbanos tombados, a partir

129

Rua Antônio Pereira, 43 Hostel 2010 3 1

Rua Barão de Camargos, 126 Restaurante 2000 12 2

Rua Barão de Camargos, 14 Mercearia 1950* 5 1

Rua Barão de Camargos, 20 Restaurante 2010 8 2

Rua Benedito Valadares, 172 Mercearia 2010 7 2

Rua Benedito Valadares, 219 Pousada 1970 7 2

Rua Benedito Valadares, 221 Pizzaria 1980 6 1

Rua Brigadeiro Musqueira, 56 Joalheria 2000 2 1

Rua Brigadeiro Musqueira, 60 Pousada 1960 10 2

Rua Camilo de Brito, 21 Restaurante 1980 16 3

Rua Camilo de Brito, 59 Pousada 2000 5 1

Rua Claudio Manoel, 130 Joalheria 2010 3 1

Rua Claudio Manoel, 15 Lanchonete 2000 5 1

Rua Claudio Manoel, 23 Pousada 1990 8 2

Rua Claudio Manoel, 32 Artesanato 1990 6 1

Rua Claudio Manoel, 51 Farmácia 2000 6 1

Rua Claudio Manoel, 61 Livraria 2000 2 1

Rua Claudio Manoel, 89 Joalheria 2010 1 1

Rua Claudio Manoel, SN Café e Livr. 2000 6 1

Rua Conde Bobadela, 106 Bar 1980 6 1

Rua Conde Bobadela, 111 Artesanato 1990 2 1

Rua Conde Bobadela, 12 Joalheria 1980 7 2

Rua Conde Bobadela, 122 Restaurante 1990 21 4

Rua Conde Bobadela, 135 Lanchonete 2010 3 1

Rua Conde Bobadela, 138 Joalheria 2000 1 1

Rua Conde Bobadela, 145 Joalheria 2000 1 1

Rua Conde Bobadela, 151 Restaurante 2000 5 1

Rua Conde Bobadela, 155 Cachaçaria 2000 2 1

Rua Conde Bobadela, 161 Souvenir 2000 2 1

Rua Conde Bobadela, 162 Chocolataria 2000 6 1

Rua Conde Bobadela, 24 Joalheria 2000 3 1

Rua Conde Bobadela, 27 Artesanato 2010 3 1

Rua Conde Bobadela, 32 Artesanato 2010 3 1

Rua Conde Bobadela, 33 Artesanato 2000 1 1

Rua Conde Bobadela, 40 Joalheria 2000 7 2

Rua Conde Bobadela, 42 Restaurante 1980 16 3

Rua Conde Bobadela, 55 Lanchonete 2010 2 1

Rua Conde Bobadela, 60 Souvenir 1990 6 1

Rua Conde Bobadela, 64 Farmácia 2000 9 2

Rua Conde Bobadela, 64 Lanchonete 2010 4 1

Rua Conde Bobadela, 79 Hotel 2000 20 4

Rua Conde Bobadela, 80 Lanchonete 2010 2 1

Rua Conde Bobadela, 84 Joalheria 2000 2 1

Rua Conde Bobadela, 87 Lanchonete 1980 5 1

Rua Conde Bobadela, 88 Farmácia 1980 8 2

Rua Conde Bobadela, 96 Pousada 2000 22 2

Rua Conselheiro Santana, 122 Atelier 1990 1 1

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130

Rua Coronel Alves, 15 Restaurante 2000 13 2

Rua Costa Sena, 30 Pousada 2000 4 1

Rua Costa Sena, 307 Hotel 2000 15 3

Rua da Conceição, 14 Ateliê 2010 1 1

Rua da Conceição, 18 Bar 2000 4 1

Rua das Mercês, 167 Pousada 1980 12 2

Rua das Mercês, 45 Pousada 2000 2 1

Rua Diogo de Vasconcelos, 100 Lanchonete 2010 3 1

Rua Diogo de Vasconcelos, 98 Restaurante 1990 10 2

Rua do Pilar, 44 Hostel 2010 3 1

Rua Dom Silvério, 108 Restaurante 1970* 7 2

Rua dos Paulistas, 43 Pousada 2000 7 2

Rua Felipe dos Santos, 134 Pousada 2000 5 1

Rua Felipe dos Santos, 165 Pousada 1980 6 1

Rua Felipe dos Santos, 241 Pousada 1990 4 1

Rua Getúlio Vargas, 13 Souvenir 2010 2 1

Rua Getúlio Vargas, 190 Mercearia 1970* 2 1

Rua Getúlio Vargas, 233 Café 2012 1 1

Rua Getúlio Vargas, 239 Livraria 2006 2 1

Rua Getúlio Vargas, 251 Atelier 1990 1 1

Rua Getúlio Vargas, 270 Hotel 1990 49 8

Rua Getúlio Vargas, 281 Souvenir 2010 2 1

Rua Getúlio Vargas, 66 Chocolataria 2000 6 1

Rua João Batista Portes, 11 Restaurante 1990 10 2

Rua Padre Rolim, 244 Pousada 2000 13 3

Rua Padre Rolim, 578 Hotel 2000 23 4

Rua Paraná, 100 Lan House 2000 2 1

Rua Paraná, 57 Joalheria 1980 2 1

Rua Paraná, 79 Antiquário 1990 2 1

Rua Randolfo Bretas, 17 Doces Cas. 1990 2 1

Rua São Francisco, 07 Ateliê 2000 2 1

Rua São Francisco, 107 Mercearia 2000 4 1

Rua São Francisco, 115 Ateliê 1990 2 1

Rua São Francisco, 132 Padaria 2000 8 2

Rua São Francisco, 140 Lanchonete 2010 2 1

Rua São Francisco, 147 Ateliê 2000 2 1

Rua São Francisco, 29 Artesanato 1990 2 1

Rua São Francisco, 32 Restaurante 2000 17 3

Rua São Francisco, 64 Padaria 2000 3 1

Rua São Francisco, 96 Farmácia 2010 3 1

Rua São José, 121 Souvenir 2010 2 1

Rua São José, 125 Bar 1960* 3 1

Rua São José, 143 Lanchonete 2010 2 1

Rua São José, 158 Restaurante 1980 10 2

Rua São José, 167 Restaurante 1970* 14 3

Rua São José, 177 Cosméticos 1990 2 1

Rua São José, 190 Chocolataria 2010 3 1

Page 132: A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A ... · A revitalização dos núcleos históricos tem alterado o significado e provocado ... nos núcleos urbanos tombados, a partir

131

Rua São José, 200 Farmácia 1980 7 2

Rua São José, 210 Lanchonete 2000 2 1

Rua São José, 56 Pizzaria 2000 22 4

Rua São José, 72 Hotel / Bar 1910* 6 1

Rua São José, 89 Sorveteria 2000 2 1

Rua São José, 92 Bc. Jornal 1970 2 1

Rua São José, 95 Farmácia 2010 3 1

Rua Senador Rocha Lagoa, 131 Pousada 1990 4 1

Rua Senador Rocha Lagoa, 15 Artesanato 2000 2 1

Rua Senador Rocha Lagoa, 164 Hotel 1930/40* 40 7

Rua Senador Rocha Lagoa, 61 Farmácia 1990 7 2

Rua Senador Rocha Lagoa, 79 Restaurante 2000 3 1

Rua Teixeira Amaral, 20 Restaurante 1980 12 2

Rua Xavier da Veiga, 215 Restaurante 1990 6 1

Rua Xavier da Veiga, 303 Pousada 2000 15 3

Rua Xavier da Veiga, 89 Padaria 2010 4 1

Rua Xavier da Veiga, 99 Pousada 1990 7 2

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132

APÊNDICE D

APLICAÇÃO DA REGRA DE STURGES PARA A DEFINIÇÃO DOS PESOS DOS

EQUIPAMENTOS LEVANTADOS, CONSIDERANDO O NÚMERO DE

FUNCIONÁRIOS COMO FATOR DE VARIAÇÃO

Número de equipamentos levantados: 150

Quantidade de classes desejável: 8 classes

Confirmando: K= 1 + 3,3 log (150) = 8

L = (49 – 1) = 48

H =(48 / 8) = 6

1ª Classe (peso 1) 1 ⌐ 7

2ª Classe (peso 2) 7 ⌐ 13

3ª Classe (peso 3) 13 ⌐ 19

4ª Classe (peso 4) 19 ⌐ 25

5ª Classe (peso 5) 25 ⌐ 31

6ª Classe (peso 6) 31 ⌐ 37

7ª Classe (peso 7) 37 ⌐ 43

8ª Classe (peso 8) 43 ⌐ 49

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133

APÊNDICE E

INTENSIDADE COMERCIAL POR VIA ESTUDADA SEM A PRESENÇA DA

RUA CONDE BOBADELA (RUA DIREITA), EM ORDEM ALFABÉTICA

NOME DA VIA VALOR DA

INTENSIDADE*

CLASSE

Largo do Coimbra 6 2

Largo do Rosário 4 1

Largo Musicista José dos Anjos Costa 1 1

Praça Américo Lopes 4 1

Praça Antônio Dias 6 2

Praça Barão de Rio Branco 5 2

Praça Monsenhor Castilho Barbosa 5 2

Praça Reinaldo Alves de Brito 4 1

Praça Silviano Brandão 5 2

Praça Tiradentes 17 5

Rua Alfredo Baeta 4 1

Rua Amália Bernhaus 1 1

Rua Antônio de Albuquerque 1 1

Rua Antônio Pereira 1 1

Rua Barão de Camargos 5 2

Rua Benedito Valadares 5 2

Rua Brigadeiro Musqueira 3 1

Rua Camilo de Brito 4 1

Rua Claudio Manoel 9 3

Rua Conselheiro Santana 1 1

Rua Coronel Alves 3 1

Page 135: A REFUNCIONALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL E A ... · A revitalização dos núcleos históricos tem alterado o significado e provocado ... nos núcleos urbanos tombados, a partir

134

Rua Costa Sena 4 1

Rua da Conceição 2 1

Rua das Mercês 3 1

Rua Diogo de Vasconcelos 3 1

Rua do Pilar 1 1

Rua Dom Silvério 2 1

Rua dos Paulistas 1 1

Rua Getúlio Vargas 15 5

Rua João Batista Portes 2 1

Rua Padre Rolim (Parcial) 7 2

Rua Paraná 3 1

Rua São Francisco 13 4

Rua São José 21 6

Rua Senador Rocha Lagoa 12 4

Rua Teixeira Amaral 2 1

Rua Xavier da Veiga 7 2

Rua Conde Bobadela 41 7

* Referente à soma dos pesos dos equipamentos encontrados em cada via.

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135

APÊNDICE F

APLICAÇÃO DA REGRA DE STURGES PARA A DEFINIÇÃO DAS CLASSES

REFERENTES À INTENSIDADE COMERCIAL TURÍSTICA DE CADA VIA

ESTUDADA (considerando a ausência da Rua Conde Bobadela)

Número de equipamentos levantados: 38

Quantidade de classes desejável: 6 classes

Confirmando: K= 1 + 3,3 log (38) = 6,2

L = (21 – 1) = 20

H =(20 / 6,2) = 3,5

1ª Classe 1 ⌐ 4,5

2ª Classe 4,5 ⌐ 8

3ª Classe 8 ⌐ 11,5

4ª Classe 11,5 ⌐ 15

5ª Classe 15 ⌐ 18,5

6ª Classe 18,5 ⌐ 22

7ª Classe* > 22

*A sétima classe foi criada para representar apenas a Rua Conde de Bobadela, devido ao

seu elevado grau de intensidade comercial.