A Região de Barroso como um Museu Vivo

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Propostas de reabilitação de ruínas em Pitões das Júnias (Portugal)

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Propostas de Reabilitao de Runas em Pites das Jnias

Dissertao de Mestrado

A Regio de Barroso como um Museu VivoPropostas de Reabilitao de Runas em Pites das Jnias

Orientador Professor Doutor Rui Braz Ricardo Rodrigues Silva _ Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto _ 2010/11

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Propostas de Reabilitao de Runas em Pites das Jnias

Para a minha irm Maria Joo.

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Propostas de Reabilitao de Runas em Pites das Jnias

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador pelo impressionante conhecimento e companheirismo.

Ao padre Joo, padre Mrio, e Cascais, pela hospitalidade e pelas dicas que me foram muito teis.

A todos os meus colegas de curso que me acompanharam ao longo destes anos.

minha famlia

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SUMRIO

Resumo da tese Abstract Introduo Tema Objectivo Organizao do Trabalho Captulo I 1 Ecomuseologia 1.1 Introduo 1.2 Antecedentes A Nova Museologia 1.3 Parques Naturais e Ecomuseus 1.4 Metodologia do Ecomuseu 1.5 Reflexes sobre o Ecomuseu 1.6 Planeamento Urbano, Arquitectura e Ecomuseu

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Captulo II 2.1 Territrio e Autenticidade 2.1.2 Histria e Memria 2.1.3 Os Castros 2.1.4 A Influncia dos Romanos 29 35 39 43

2.2 Tradio e Produo 2.2.1 O Forno Comunitrio 2.2.2 Canastros 2.2.3 Moinhos de gua 2.2.4 - O Fojo 2.2.5 As Fontes 2.2.6 O Piso

51 52 53 54 55 56 57

2.3 Devoo e Festa 2.3.1 Igrejas

59 60

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2.3.2 Capelas 2.3.3 Calvrios, Cruzeiros e Alminhas 2.3.4 Festas e Feiras

61 61 62

Captulo III 3.1 - Caso de Estudo: Pites das Jnias 3.2 Histria e Memria 3.2.1 Mosteiro de Santa Maria das Jnias 3.2.2 Aldeia de Juriz 3.2.3 Mamoa de Mourela 67 69 73 73 73

3.3 Tradio e Produo 3.3.1 Forno Comunitrio 3.3.2 Corte do Boi 3.3.3 Moinhos de gua 3.4 Devoo e Festas 3.4.1 So Joo da Fraga 3.4.2 Cruzeiros 3.5 Povoao 3.6 A questo dos Percursos Pedestres

75 76 76 76 77 78 78 79 91

Captulo IV 4.1 Interveno em Runa Fundamentos Tericos 4.2 Propostas de Reabilitao Arquitectnica em Pites das Jnias 4.2.1 Descrio e Fundamentao das Propostas 4.2.2 Estado actual da Runa 4.2.3 Primeira Proposta T1 4.2.4 Segunda Proposta T2 4.2.5 Terceira Proposta T3 4.2.6 Quarta Proposta Turismo Individual 4.2.7 Quinta Proposta Albergue Difuso Concluso Bibliografia Consultada 107 111 114 115 117 119 120 122 123 129 133

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RESUMO DA TESE

No ano de 2000 surge em definitivo a ideia da criao de um Ecomuseu para a regio de Barroso. Este territrio, no concelho de Montalegre, apresenta uma grande herana cultural, social e econmica que importa divulgar e preservar. O reconhecimento dos valores materiais e imateriais deste territrio surgem como matria-prima que apresentam uma autenticidade inequvoca que pode e deve ser preservada e porventura reforada. Deste modo, este trabalho passa pela identificao dos valores patrimoniais existentes, sejam materiais ou imateriais, desde os tempos mais remotos at aos dias de hoje, tendo especial incidncia no patrimnio construdo, sua autenticidade e o reconhecimento de um fio condutor para que esta autenticidade no se perca, de forma a que o que tanto caracteriza esta regio se possa salvaguardar, e encontrar a a soluo para a sua subsistncia.

A aldeia de Pites das Jnias torna-se objecto de estudo a uma escala mais aproximada, admitindo-se que uma abordagem mais local resulta num maior reconhecimento e aproveitamento dos seus valores territoriais, de modo a perceber as suas mais-valias e as suas carncias. De forma a questionar o modo de interveno arquitectnica numa localidade com uma grande herana de construo tradicional, prope-se a reabilitao de runas, que visa problematizar esta questo, no pretendendo essencialmente resolver, mas principalmente, reconhecer os problemas inerentes sua aplicabilidade.

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ABSTRACT

In the year 2000 arises the idea to the creation of an Ecomuseum to the region known as Barroso. This territory, in the council of Montalegre, reveals a huge cultural, social and economic heritage, which matters to promote and preserve. The recognize of the material and immaterial values of this territory appears as the raw material that reveals an unequivocal authenticity that can and must be preserved and perhaps increased. So, this work is based in the identification of patrimonial values existing, material or immaterial, since remote times until our age, having a special incidence in the constructed patrimony and its authenticity, and the recognition of a conductor line that allows that this authenticity doesnt disappears, and so, the elements that features this region may be protected, and therefore finding the solution for its subsistence.

A village called Pites das Jnias becomes the object of study in an approximated scale, assuming that a local approach results in a bigger recognize and exploitation of its territorial values, that allows understanding its capital gains and its needs. To question the way of an architectonic intervention in a village with so many traditional constructed heritage, this work proposes the rehabilitation of ruins, not essentially to solve, but rather, to understand the way of its applicability.

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INTRODUO

A questo da assimetria na ocupao do territrio em Portugal, nomeadamente entre o litoral e o interior desperta especial interesse, levantando uma serie de questes pertinentes. A crescente desertificao que ocorre no interior faz com que inmeros aglomerados urbanos, carregados de grande contedo histrico, etnogrfico, cultural e social, se desvaneam com o passar do tempo, resultando numa perda de patrimnio inestimvel. So vrios os casos, e em especial na regio Barros, a existncia de aldeias que a pouco e pouco vo perdendo populao, e a inevitvel degradao da paisagem construda, resultando efectivamente numa perda de identidade. A subsistncia deste territrio dever porventura assentar no que este possui de mais valioso, a sua inequvoca autenticidade, e por conseguinte haver uma tomada de conscincia por parte de quem decide, da importncia de polticas que assumam esta premissa como incontornvel, de forma a dotar esta regio de mais valias que permitam a sua continuidade.

TEMA

O ecomuseu de Barroso assume um papel essencial na reabilitao de um territrio que ao longo das ltimas dcadas foi perdendo fora, foi envelhecendo, e foi sendo esquecido. Desta forma, o tema orbita em torno desta problemtica, com especial incidncia na paisagem construda, reconhecendo partida que o abandono das tcnicas tradicionais de construo tem descaracterizado este vasto territrio, mas acreditando que a evoluo no implica necessariamente uma involuo, mas pode efectivamente, reforar esta autenticidade. Uma vez reconhecida a questo do porqu, revela-se importante a noo do como, ou seja, como reabilitar, como potenciar, em suma, como resolver a questo da perda e a consequentemente alheao da paisagem construda.

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OBJECTIVO

Uma vez identificado este problema, importa procurar a soluo para o mesmo, atravs da problematizao de um caso concreto que se resume na interveno numa runa na rua da Ficheira em Pites das Jnias. Como foi dito anteriormente, objectivo primeiro entender as condicionantes que fazem parte deste processo, presumindo partida que uma das solues possveis passa pela revitalizao do patrimnio construdo, em detrimento de novas construes que por norma apenas descaracterizam o existente, resultando num processo de descontextualizao progressivo e de perda de identidade.

ORGANIZAO DO TRABALHO

Este trabalho divide-se em quatro captulos, no qual o primeiro procura entender o porque do surgimento dos ecomuseus, fazendo uma referencia histrica e evidenciando os contedos tericos que sustentam esta temtica. Numa segunda fase, aborda-se todo o territrio de Barroso, nas suas diversas componentes: histricas, culturais e socioeconmicas, sempre na lgica da procura e reconhecimento da sua autenticidade, a uma escala mais alargada, que engloba todo o concelho de Montalegre. O terceiro captulo, numa escala mais aproximada, remete para o patrimnio existente na aldeia de Pites das Jnias. Presume-se que uma abordagem mais local permite um melhor reconhecimento do territrio e uma resposta mais adequada. O quarto captulo refere-se a diversas propostas para a reabilitao de uma runa e de um palheiro, em Pites das Jnias, como que um projecto exemplificativo que visa interrogar, reconhecer e materializar o que se foi questionando nos captulos anteriores.

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CAPTULO I13

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ECOMUSEOLOGIA

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INTRODUO

O termo Ecomuseu surge pela primeira vez em 1971, por Hugues de Varine, seguindo os princpios museolgicos propostos por George-Henri Rivire. Estes princpios baseavam-se numa filosofia que dessacralizava o museu tradicional, fomentando uma democratizao do acesso cultura, uma espcie de socializao e de envolvimento das populaes, em torno do patrimnio material e imaterial, representado na sua maioria por acervos. Sucintamente, um Ecomuseu um museu voltado para o ambiente em que est inserido, no qual os membros das comunidades se tornam em actores e representantes de um patrimnio secular. Patrimnio que no abrange apenas territrio ou edificado. Como referiu Mathilde Bellaigue, que enumera quatro elementos de constituio de um ecomuseu: o territrio, a populao (como agente), o tempo e o patrimnio. Acrescentando que quando falamos de patrimnio, falamos de patrimnio total: tanto as paisagens, stios, edificaes, como os objectos que so portadores de histria ou de memria (Bellaigue 1993). Se porventura esses objectos so recolhidos para dentro de um museu, depender do contexto cultural e de cada caso. No assim negado a existncia de objectos como documento histrico ou de memria, mas existe claramente uma preferncia pelo meio ambiente e a possibilidade de aprender com ele. Como referiu Fernando Santos Pessoa, Do ecomuseu, das suas salas de exposio nova e dinmica, partem os percursos de descoberta da Natureza e do Homem, por onde os visitantes podem admirar e aprender in loco o que o museu lhes ensinou.1.

Num Ecomuseu, fundamental a existncia do Museu do Tempo e o Museu do Espao, sendo o primeiro instalado num edifcio, preferencialmente antigo, ligado histria e culturas locais, onde retratada cronologicamente a gnese e evoluo da paisagem, como que um fio condutor que servir posteriori para guiar os utentes na explorao dos diversos valores culturais e naturais nos locais prprios Museu do Espao.

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PESSOA, Fernando Santos, Reflexes sobre Ecomuseologia, edies afrontamento 2001

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ANTECEDENTES - A NOVA MUSEOLOGIA

Os anos 60 do sculo XX foram marcados por movimentos artstico-culturais, que destacaram o novo e o inconformismo com esquemas sociais implantados, as imposies dos meios de comunicao de massa, a crtica sociedade de consumo e a recusa de modelos anteriores e procura de maior liberdade temtica ou linguagem. O Maio Francs surge como o culminar destas aspiraes, chegando a ser definido como primeira batalha organizada contra a instituio museal, abalando valores e posies estabelecidas. No seguimento disto o conceito de patrimnio revisto e ampliado, de modo que o meio ambiente, o saber, e o artefacto surgem como patrimnio integral. Ren Rivard sugere a valorizao dos monumentos, stios, museus e de todo o lugar considerado patrimnio colectivo. A crescente revoluo das comunicaes, o aumento da produo agrcola e industrial, assim como a urbanizao e os novos centros de poder poltico e econmico, vm questionar o papel pedaggico e social dos museus na sociedade. Neste contexto, os seminrios da UNESCO e da ICOM em 58 e 71 respectivamente, vm debater a relao do museu com o pblico, como meio educativo e ao servio do homem. Na IX conferncia do ICOM, surge um novo modelo de museu neighbourhood museum formalizado no museu de Anacostia em Nova York, enfatizando o orgulho na identidade cultural, solucionando problemas sociais e urbanos. Em 1972, na cidade de Estocolmo, o atelier internacional sobre a nova museologia, Berrueta chama a ateno que desde os anos 70 o conceito de ecodesenvolvimento trazia elementos relevantes para o actual conceito de

desenvolvimento sustentvel, apresentando-se como alternativa para a ordem econmica internacional, priorizando os locais baseados em tecnologias apropriadas, com destaque para as zonas rurais. Em Santiago do Chile dado incio a uma aco museolgica que considera o sistema lingustico empregado pelas comunidades, reconhece que o ser humano move-se num mundo simblico e compreende que o quotidiano no apenas um resduo.

O ps-Segunda Guerra Mundial surge como charneira no que toca ao modo de ver o conceito museolgico. Surgem os movimentos da defesa da paz e da liberdade, aos quais o campo museolgico no ficou indiferente. O MINOM teve, nos anos setenta do sculo XX, as primeiras manifestaes pblicas. Por todo o lado se deu o surgimento de17

novos museus, sendo o conceito, no apenas renovado, mas criando um novo tipo: o Ecomuseu, primeiro em Frana, a Casa del Museo e os Museus Comunitrios no Mxico; os Museus de Vizinhana no Brasil; a Museologia do Povos Autctones nos E.U.A.; e os Museus Locais em Portugal e Espanha. neste seguimento que vai surgir o Movimento Internacional para uma Nova Museologia, formalizado em Lisboa em 1985.

O termo Nova Museologia surge nos incios dos anos oitenta, expressando uma mudana prtica no papel social do Museu. Deste modo, o Museu tido como um instrumento de desenvolvimento social e cultural, ao servio da sociedade e acessvel a todos, dependente da interveno activa dos membros da comunidade, pressupondo um dilogo constante entre muselogos e profissionais de diversos campo e a populao. Esta tomada de posio implica uma relevante mudana no modo de ver a comunidade, esta deixa de ser um mero objecto de estudo numa perspectiva de distanciamento e de representaes artificiais, para ser parte integrante e constituinte do conceito, assumindose como conhecedores da sua histria, cultura e do seu meio ambiente. Neste contexto, necessrio munir a comunidade de instrumentos conceptuais, que lhes permitam fazer parte de um processo de colecta, preservao e difuso de um patrimnio que seu, pressupondo uma estreita ligao entre a instituio museolgica e a comunidade.

Os princpios bsicos que norteiam a Nova Museologia podem ser resumidos nos seguintes itens: . reconhecimento das identidades e das culturas de todos os grupos humanos. . utilizao da memria colectiva como referencia bsica para o entendimento e transformao da realidade. . incentivo apropriao do patrimnio, para que a identidade seja vivida, na pluralidade e na ruptura. . desenvolvimento de aces museolgicas, considerando como ponto de partida a prtica social e no as coleces. . socializao da funo de preservao. . interpretao da relao entre o Homem e o seu meio ambiente e da influncia da herana cultural e natural na identidade dos indivduos e dos grupos sociais.

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. aco comunicativa dos tcnicos e dos grupos comunitrios, objectivando o entendimento, a transformao e o desenvolvimento social.

Resumidamente, a Nova Museologia surge como um movimento, organizado por um dado grupo de profissionais, em diferentes pases, aproveitando as fendas dentro do sistema de polticas culturais institudas, organizando museus com o intuito de interagirem com os diversos grupos sociais, de modo mais ou menos criativo, apurando aces de pesquisa, preservao e comunicao, atravs da participao activa de uma comunidade. Sendo o seu principal objectivo usar o patrimnio cultural como instrumento de desenvolvimento social.

PARQUES NATURAIS E ECOMUSEUS

Os Museus de ar livre surgiram nos pases escandinavos, anteriormente aos parques naturais, recuperando aldeias caractersticas, pela transladao de construes tradicionais que ainda subsistiam dispersamente, para assim tentar preservar formas tradicionais de cultura, que se viram ameaadas pelo rpido crescimento da sociedade industrial. Mais tarde, este tipo de museus foi-se espalhando por toda a Europa, adaptandose s realidades culturais e sociais de cada pas, confluindo no que viriam a ser os parques naturais.

Os parques naturais so instrumentos privilegiados, nos quais se experimentam, de forma original, os mtodos de planeamento integrado, de dinamizao econmica e cultural e de gesto racional de recursos naturais. So alm disso ensaios de participao democrtica dos poderes locais nas tomadas de deciso sobre assuntos fundamentais da vida das comunidades.2. Inicialmente, os parques naturais eram entendidos no sentido de conservar a Natureza sem que o Homem fizesse parte integrante do mesmo, onde a sua presena era interdita ou apenas permitida como recreio, de um modo controlado, ou para fins

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PESSOA, Fernando Santos, Parques Naturais,ed.SNPRPP, 197819

cientficos. Mais tarde, e havendo a convico de que o Homem parte integrante do seu meio ambiente, os parques urbanos, no se limitaram apenas conservao da Natureza, mas, aceitando a humanizao do mundo natural, existe assim uma tentativa de proteco da paisagem pelo seu valor histrico, cultural e esttico, onde o desenvolvimento socioeconmico tambm considerado.

Deste modo, o conceito Ecomuseu logicamente adaptvel ao Parque Natural, onde a ideia de preservao do patrimnio natural e cultural salvaguardado pelo sistema museolgico prprio do Ecomuseu, e pelo carcter de animao social e cultural suportada pelo Parque Natural. Existe, de facto, uma proximidade de conceitos entre ambos, facilitando a sua articulao, e simultaneamente se completam, uma vez que ambos proporcionam uma gesto integrada do patrimnio natural e cultural de uma dada regio, servindo assim para o desenvolvimento da comunidade que nele se insere. Este tipo de desenvolvimento visa o bem-estar das populaes, assim como o autoreconhecimento da sua cultura e dos seus valores humanos e sociais, no se focando somente no seu crescimento econmico e tecnolgico. Segundo Rivire o Ecomuseu trata-se de um sistema de interpretao de um espao dado que deve permitir a uma populao encontrar a as razes da sua prpria cultura, dando-a a conhecer a quem a visita3. A forma como o homem se integrou no meio natural e a evoluo desse mesmo territrio e da sua comunidade, relatada e documentada atravs do Ecomuseu, conservando os testemunhos necessrios, traduzindo a interdependncia entre espao natural e espao humanizado, servindo como um instrumento de comunicao entre as geraes ancestrais e futuras. Pode-se dizer ento, que um Parque Natural tem por objectivo primeiro a conservao do mundo natural e do territrio enquanto suporte das actividades humanas, e o Ecomuseu a divulgao e interpretao desse territrio.

RIVIRE, Georges Henri. Definicin evolutiva del ecomuseu. Revista Museum, vol. XXXVII. Paris: UNESCO, 1985

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METODOLOGIA DO ECOMUSEU

Neste campo ser porventura impossvel falar-se de uma nica metodologia para a aco museolgica, uma vez que diversos so os contextos, como diversas so as comunidades e as suas culturas e valores, podendo assim existir uma diversidade de processos metodolgicos, contudo partilhando uma base comum alicerada pelos princpios adoptados pela Nova Museologia. Hugues de Varine define o seguinte: na aco que uma comunidade se forja e se faz reconhecer como fora poltica e entidade social de forma total. na aco que ela adquire suas caractersticas prprias, que ela existe. Ela porque ela age, e cada um dos seus membros, participando de uma tal aco, far a prova e tomar conscincia de sua capacidade autnoma de pensar e de ser. Assim, apoiando-se uma sobre a outra, comunidade e indivduo afinaro

progressivamente sua experiencia, seu conhecimento dos obstculos e meios, a expresso dos objectivos e dos mtodos.4 Define-se portanto, um processo baseado na pesquisa-aco, de base emprica, que Michel Thiolent resume nos seguintes itens: . H uma explcita interaco entre pesquisadores e as pessoas implicadas na situao investigada. . Dessa interaco resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados e das solues a serem encaminhadas sob a forma de aco concreta. . Objecto da investigao no constitudo pelas pessoas e sim pela situao social e pelos problemas de diferentes naturezas encontrados na situao investigada. . Objectivo da pesquisa-aco consiste em resolver ou, pelo menos, em esclarecer os problemas da situao observada. . H, durante o processo, um acompanhamento das decises e das aces e de toda a actividade intencional dos actores na situao. . A pesquisa no se limita a uma forma de aco (risco de activismo); pretende-se aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou o nvel de conscincia das pessoas e grupos considerados.

Esta perspectiva pedaggica que busca a produo de conhecimento, atravs de uma relao estreita entre a comunidade e tcnicos, reflecte-se ou tenta resultar na

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Cadernos de sociomuseologia n 18, pag. 126/127 - 200221

transformao, ao mesmo tempo que aumenta a conscincia e a capacidade de iniciativa dos grupos.

No caso do Ecomuseu, devido a ampliao do conceito de patrimnio, exige novos processos de musealizao, que podem ser resumidos nas seguintes:

Pesquisa: sendo o quotidiano considerado patrimnio cultural, este serve de referncia para a construo do conhecimento, sendo realizado atravs da interaco com os diversos grupos, podendo produzir novas prticas sociais. A pesquisa no se limita assim, mera recolha, anlise e descrio dos objectos.

Preservao: so consideradas diversas etapas, tais como: Colecta: o acervo que o conjunto dos bens dinmicos, em transformao numa comunidade, no apenas uma coleco, no sendo adquirida nem pertencendo ao museu, visto ser propriedade privada ou colectiva dos grupos. Trabalha-se com o acervo institucional, ou seja: material arquivstico e iconogrfico, plantas, maquetes, depoimentos e testemunhos, etc., e com o acervo operacional: as reas do tecido urbano socialmente apropriadas, como paisagens, estruturas, monumentos, equipamentos, as tcnicas do saber e do saber fazer, com os artefactos, com o meio rural, etc.

Classificao e registo: o processo documental no se limita ao registo do acervo. Busca-se, atravs da cultura qualificada, produzir conhecimento, elaborado no processo educativo, por meio das aces de pesquisa. H uma documentao dos dados colectados, que so sistematizados, de acordo com as caractersticas das diversas realidades que esto sendo musealizadas, formando o banco de dados do museu, referente realidade local, a partir das aces de pesquisa, por meio da aco interactiva entre os tcnicos e os grupos envolvidos. Busca-se a qualificao da cultura, da anlise e compreenso do patrimnio cultural na sua dinmica real e no a seleco de determinados aspectos para armazenamento e conservao. O banco de dados o referencial bsico de informao, aberto comunidade, que alimentado, constantemente, pelos diversos processos, em andamento no museu.

Os instrumentos utilizados na documentao so criados e adaptados a cada realidade, discutidos com os diversos grupos envolvidos na aco museolgica e

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absorvidos pelos mesmos, para sua aplicao. O processamento do conhecimento produzido e sua incluso no banco de dados se d com a participao dos componentes do museu, ao mesmo tempo em que os tcnicos participam na elaborao dos instrumentos de colecta de dados, estabelece-se um processo dialgico no qual o muselogo e os demais grupos envolvidos so enriquecidos, tanto na fase do planeamento como na execuo, havendo tambm, um aumento da auto-estima de ambos quando o produto do seu trabalho utilizado para a compreenso da realidade e para a construo de um novo reconhecimento, atingindo, assim, os objectivos propostos na aco documental. 5

Conservao: existe aqui uma tentativa de sensibilizao da prpria comunidade no sentido de a incentivar a ter uma atitude de preservao dos acervos, aplicando-se ao quotidiano das pessoas.

Comunicao: esta no est restrita exposio, embora exista sempre uma distncia entre o objecto exposto e o processo que o originou. No Ecomuseu a exposio no apenas um ponto de partida, ela surge de um processo de interaco entre os diversos grupos, que depois origina o conhecimento que exposto.

REFLEXES SOBRE O ECOMUSEU

Ecomuseums and ecomuseology New incarnations of the Museum? Modishneologisms? Alibis for our inability to transform an out-dated institution? None of the judgements is absolutely true, nor absolutely false either. But this is not what matters here. 6 Existir porventura algum paradoxo na prpria concepo que o conceito Ecomuseu alberga. Pois, na sua singularidade que pretende evidenciar e conservar, esteenfrenta uma dualidade complexa e porventura contraditria, que o facto de a musealizao do territrio, apesar de o identificar e o tornar intangvel, anula-lhe a componente evolutiva prpria das comunidades que o habitam. A presumvel cristalizao do territrio pode tornar-se em

certa medida num factor de estagnao social e cultural, pois a evoluo intrnseca s5 6

Cadernos de sociomuseologia n 18, pag. 126/127 - 2002 VARINE, Hugues de. Museum, Vol. XXV, no. 3, 1973.23

comunidades, e se os acervos que o Ecomuseu assume querer preservar e divulgar, foram talhados ao longo de geraes de um modo progressivo. Resumidamente, o Ecomuseu pretende preservar, interpretar e divulgar as origens e a evoluo da paisagem de uma certa comunidade, na sua apropriao do territrio e o modo como este foi feito, e no uso dos recursos naturais ao longo do tempo. Acontece que cada comunidade acaba por se relacionar de forma diversa com o Ecomuseu institucionalizado, com diferentes conceitos de musealizao do territrio, muito provavelmente relacionado com as diversas formas de actuar, inerentes a cada comunidade, podendo assim existir algum afastamento com aquilo que Revire afirmava, quando dizia que o Ecomuseu ...um instrumento que uma Autoridade e uma populao concebem, executam e gerem em conjunto um espelho onde essa populao se contempla para ali se reencontrar, onde ela procura uma explicao do territrio ao qual est ligada, juntamente com as geraes que a antecederam, na descontinuidade ou continuidade das geraes. Um espelho que esta populao oferece aos seus hspedes, para se fazer compreender melhor, no respeito pelo seu trabalho, pelos seus comportamentos, pela sua intimidade.7 Mas ser esta ideologia uma viso romntica da realidade? E at um certo ponto, possivelmente inaplicvel? Como sucede ao que no uma cincia exacta, algumas derivaes do conceito so de facto presenciadas, como se pode constatar aquando da recuperao de alguns elementos patrimoniais de um dado Ecomuseu, como moinhos ou oficinas artesanais, mas que vivem pontualmente, distanciando-se assim da definio de Rivire.

Se existe de facto uma urgente necessidade de recuperao e conservao de algum patrimnio cultural, social e econmico, ter provavelmente de existir uma forte dinmica estrutural, que seja assente numa forte divulgao desse mesmo patrimnio, para que naturalmente, o turismo sirva de ancora econmica e at de reforo da identidade da paisagem musealizada, potenciando a sedimentao das comunidades, e o orgulho na sua prpria cultura. Mais que ningum, a prpria comunidade sabe e reconhece os seus valores intrnsecos, a suas origens, os seus saberes. O Ecomuseu, mais do que um espelho uma montra, que deseja revelar o homem na sua relao com o meio ambiente, tentando preserva-lo, mas forosamente, ajuda-lo a evoluir, para que a7

PESSOA, Fernando Santos , Reflexes sobre Ecomuseologia, edies afrontamento 2001

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paisagem, o patrimnio no caiam numa mera miragem de algo que no teve estrutura para resistir s inexorveis mudanas das sociedades ao longo dos tempos.

PLANEAMENTO URBANO, ARQUITECTURA E ECOMUSEU

Presume-se, que a interdisciplinaridade possa alavancar e fortalecer o patrimnio que faz parte integrante de um Ecomuseu. Patrimnio esse, manifestado e sustentado em grande parte pelas construes, edifcios que sempre representaram uma dada cultura, e serviram de suporte para o seu desenvolvimento tanto social, como econmico ou cultural. Ora, se por um lado Lynch argumentou que os prdios de valor histrico exercem grande importncia no contexto urbano, como marcos referenciais, essenciais para o bem-estar individual, assim como para que se consiga organizar a transformao ambiental com o objectivo de formalizar um espao urbano de excelncia, por outro lado, os tericos do movimento ecomuseus afirmam que as estratgias de valorizao do patrimnio cultural centradas na reabilitao arquitectnica, desenvolvem a identidade cultural e a melhoria da qualidade de vida reforando o orgulho dos cidados e o seu sentimento de pertena a um territrio.

Os sistemas e tcnicas de construo, a distribuio programtica dos edifcios, assim como a sua expresso arquitectnica, assumem uma relevncia preponderante para a coeso da paisagem musealizada, que se pensa ser importante aquando a realizao de um planeamento urbano, de uma recuperao, ou de um edifcio proposto de raiz. Talvez, uma abordagem crtica que relaciona os diversos factores acima referidos, proporcione posteriormente, vnculos de permanncia da comunidade e um reforo da sua identidade, vendo no espelho o seu reflexo revigorado.

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CAPTULO II

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TERRITRIO E AUTENTICIDADE

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O Ecomuseu de Barroso abrange todo o concelho de Montalegre, situado em Trs-os-Montes no Nordeste de Portugal. Geograficamente, a paisagem essencialmente montanhosa, ladeada pelas serras do Larouco, Barroso e Gers, sendo que a ultima faz parte do Parque Nacional da Peneda-Gers. A paisagem natural portanto dominada por vales profundos, rios, lagos, fontes, barragens e albufeiras. Deste modo, o panorama natural da regio foi e , um dos potenciadores das produes culturais, do sistema econmico e social de toda a regio, resultando numa autenticidade patente no seu povo e na paisagem construda. Existe, portanto, um territrio que importa preservar, salvaguardando um patrimnio nas suas mais variadas expresses. Povoado desde a idade da Pedra, o Barroso apresenta ainda vestgios de castros, assim como da passagem dos Romanos, povos germnicos e rabes. Mais tarde, e acompanhando a reconquista crist, surgem os castelos, as casas senhoriais, e naturalmente o aparecimento de igrejas. Por conseguinte, a regio exibe um vasto patrimnio arqueolgico e arquitectnico com grande relevncia, mas que no se destaca apenas pelas construes militares ou religiosas. A arquitectura popular, seja a casa barros, os moinhos, os canastros, os fornos comunitrios, os pises, etc., promovem uma autenticidade singular de elevada importncia dentro do contexto do ecomuseu. A valorizao do territrio no qual se insere o Ecomuseu de Barroso sugere a ideia de um desenvolvimento integrado, pressupondo uma interdisciplinaridade que se relacione directamente com o reconhecimento e valorizao do seu patrimnio, que na sua diversidade local, inserida num sistema de unidade antropolgica, apresenta uma autenticidade inequvoca. Presume-se, que o reconhecimento e reforo desta autenticidade possam alavancar e fortalecer o patrimnio que faz parte integrante do Ecomuseu. Patrimnio esse, manifestado e sustentado, em grande parte pelas construes, edifcios representativos de um processo cultural, social e econmico que serviram e servem de suporte para o seu desenvolvimento. Construes de valor histrico exercem grande importncia no contexto urbano, como marcos referenciais essenciais para o bem-estar individual, assim como para que se consiga organizar a transformao ambiental com o objectivo de formalizar um espao urbano de excelncia. Uma estratgia centrada na reabilitao arquitectnica parece ganhar uma relevncia positiva para a preservao da identidade cultural e a melhoria da qualidade de vida reforando o orgulho dos cidados e o seu sentimento de pertena a um territrio.

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Propostas de Reabilitao de Runas em Pites das Jnias

As unidades territoriais do Ecomuseu de Barroso, representativas de uma heterogeneidade de produes locais e de paisagem, nomeadamente: zona do Gers fronteiria, zona do Rio, zona da Raia, de Fronteira e de ligao a Espanha, Zona do Centro, Zona do Pindo/Leiranco, Zona do Rabago, Zona de Salto, Zona do Gers II, apresentam uma especificidade que sugerem a existncia de distintos plos. Parece ento necessrio um funcionamento em rede que se norteie por parcerias em vrias escalas. Numa primeira escala a existncia de parcerias locais, protagonizadas pelo contacto directo entre a populao e as diversas entidades, comunitrias ou privadas. Num segundo plano, parcerias sub-regionais que possam integrar numa rede mais alargada a possibilidade de conexo e informao entre diferentes concelhos, numa lgica de roteiro representativo de uma vasta regio. A terceira escala prende-se com parcerias com as demais iniciativas similares no territrio nacional.

Actualmente existem quatro plos, a sede em Montalegre, o plo de Pites das Jnias, o plo de Tourm e o plo de Salto. Situado na zona envolvente ao castelo, o plo de Montalegre funciona como Centro Interpretativo de toda a regio de Barroso, sendo um museu do tempo, abordando diversos temas, possuindo exposies temporrias, e indicando os diversos pontos de interesse do concelho. A ideia central desta sede elucidar as pessoas dos diversos valores culturais, histricos, patrimoniais, etc. para seguidamente partirem para o reconhecimento do territrio in locu. O plo de Pites das Jnias situa-se na parte ocidental do Planalto da Mourela, j no Parque Nacional de Peneda-Gers, a cerca de 1200 metros de altitude, fazendo fronteira com a Galiza. Este plo situa-se na antiga corte do Boi do Povo, e explora as temticas relacionadas com o Boi do Povo, o pastoreio em regime extensivo, a vezeira, a tecelagem, os abrigos de pastores, a agricultura de montanha, os modos de produo local/alfaias agrcolas, o patrimnio etnogrfico, o fumeiro, a aldeia de Juriz, o mosteiro de Pites, o Parque Nacional da Peneda-Gers e o patrimnio natural.8 O plo de Tourm tambm faz parte do PNPG, e faz fronteira com a Galiza, sendo a porta de entrada para os espanhis. Explora as temticas do Boi do Povo, as8

Retirado do site oficial do ecomuseu31

relaes com a vizinha Espanha, o Couto misto, o sistema de regadio, o castelo de Piconha, o contrabando, os modos de produo local, as alfaias agrcolas e a venda de produtos artesanais.9 O plo de Salto tem particular incidncia na rea etnogrfica, sediado na Casa do Capito. A questo das minas um ponto forte nesta localidade, sendo que em breve ir ser aberto o plo das Minas de volfrmio da Borralha.

A definio de um percurso, ou seja, a partir do reconhecimento do patrimnio de maior relevncia, estabelecer uma rota turstica que abranja os diversos plos, tendo em considerao as especificidades das construes locais e do valor intrnseco a cada plo, revigorando os mesmos, quer atravs de uma recuperao arquitectnica que respeite e reforce a identidade, quer atravs da manuteno das runas, como smbolo e permanncia, de um territrio ancestral. Os sistemas e tcnicas de construo, a distribuio programtica dos edifcios, assim como a sua expresso arquitectnica, assumem uma relevncia preponderante para a coeso da paisagem musealizada, que se pensa ser importante aquando a realizao de um planeamento urbano, de uma recuperao, ou na possibilidade de habitaes construdas de raiz. Talvez, uma abordagem crtica que relacione os diversos factores acima referidos, proporcione posteriormente, vnculos de permanncia da comunidade e um reforo da sua identidade, vendo no espelho o seu reflexo revigorado.

Para uma melhor compreenso do territrio so explorados trs subtemas, que se baseiam na anlise do patrimnio existente, seja material ou imaterial. Estes temas so designados por memria/histria, tradio/produo e devoo/festa. na permanncia de vnculos ancestrais que reside a identidade desta regio, to marcada por inmeras heranas expressas de diversas maneiras ao longo dos tempos e que tanto caracteriza e dotam este territrio de uma autenticidade muito singular.

A diviso em trs subtemas permite uma anlise mais focalizada, analisando as partes de um todo que o territrio, possibilitando uma leitura mais fcil do mesmo.9

Retirado do site oficial do ecomuseu

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Propostas de Reabilitao de Runas em Pites das Jnias

Carta n 1

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HISTRIA E MEMRIA

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Desde a Pr-histria que a regio do Barroso habitada, embora pouco se saiba acerca da cultura e hbitos destes povos. Os documentos mais antigos que se conhecem desta poca datam de h quatro ou cinco mil anos. Porventura a sua expresso mais vincada a presena dos inmeros dlmenes no vasto territrio de Barroso. Estas construes de funo funerria ou religiosa, normalmente formadas por uma ou vrias pedras de grande porte (meglitos), assentes sobre pedras dispostas na vertical (esteios), com entrada lateral para a cmara interior. Por vezes o Dlmen surge coberto por uma camada de terra ou pequenas pedras, que se elevam do solo em forma circular conhecido por mamoa. Em 1914, Fernando Braga Barreiros fez um levantamento destas construes, publicado no Arquelogo Portugus em 1919. O seguinte quadro refere o nmero existente de dlmenes e posteriormente representados na carta 2.

LOCAL MONTALEGRE PADROSO PADORNELOS MEIXEDO SOLVEIRA SANTO ANDR VILAR DE PERDIZES SARRAQUINHOS PEDRRIO CERVOS FRVIDAS MEDEIROS

N 13 10 5 1 Div. 2 4 1 2 1 8 4

LOCAL SO VICENTE TORGUEDA TRAVAOS DA CH PENEDONES CAMBESES FRADES DO RIO COVELES FIES DO RIO PARADELA SIRVUZELO PITES DAS JNIAS TOURM

N 3 Div. 1 3 1 Div. 3 Div. Div. Div. 4 Div.

Quadro I n de dlmenes identificados no concelho de Montalegre

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Carta 2

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OS CASTROS

Na regio de Barroso podemos verificar a existncia de um grande nmero de castros, espalhados por todo o concelho de Montalegre. Fernando Braga Barreiros tentou inventaria-los, registando no mesmo concelho 53. No entanto, existem vestgios de mais castros ao longo do territrio Barroso. A prpria toponmia das aldeias sugere a existncia desses castros e muitas delas surgiram destes ou implantaram-se nas vizinhanas dos mesmos.

O perodo castrejo foi marcado por inmeras quezlias entre diferentes tribos, fazendo com que estas construes tivessem um carcter muito defensivo, com povoaes fortificadas, sendo o recinto protegido por muralhas, fossos ou por um dispositivo de defesa natural. As casas de pedra ou madeira eram geralmente circulares, de dimetro interior de 3 a 6 metros. Pensa-se que mais tarde por influncia romana estas comearam a ganhar formas quadrangulares ou rectangulares. As portas com cerca de 1 metro de largura e uma altura que variava entre 1,60 e 1,80 metros, abriam-se a partir do piso trreo ou de a partir de 20 a 30 cm de altura, com um pavimento trreo ou ladrilhado que se elevava acima do nvel do piso exterior, ou abrindo valetas em torno da construo para se protegerem da humidade. Cr-se que estas habitaes no possuam janelas, visto no haver indcios das mesmas.

Os castros eram estrategicamente implantados a grandes altitudes, privilegiando boas condies naturais de defesa e visibilidade e prximos de linhas de gua, existindo tambm uma serie de dispositivos para a o uso da mesma, atravs de cisternas, reservatrios, galerias subterrneas com a acesso a fontes, rios ou ribeiros. Alguns castros chegaram at aos dias de hoje na regio de Barroso, como se pode ver na carta 3.

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Fig. 1 - Castro de Cervos (http://www.igogo.pt)

Fig. 2 - Castro de Dones (http://www.igogo.pt)

Fig. 3 - Castro de Medeiros (http://www.igogo.pt)

Fig 5 - Castro de So Vicente de Ch (http://www.igogo.pt)

Fig. 6 - Castro de Penedone (http://www.igogo.pt)

Fig 7 - Castro de Lamach (http://www.igogo.pt)

Fig. 8 - Castro de Solveira (http://www.igogo.pt)

Fig.9 - Castro de Crestelo (http://www.igogo.pt)

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Carta 3

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A INFLUENCIA DOS ROMANOS

Apesar de vrios povos terem passado pela Pennsula Ibrica, nenhum deixou mais marcas e influencias do que os Romanos, e consequentemente na regio Barros. Esta influncia ficou marcada na lavra de minas, na conservao de moedas e utenslio de artesanato, esculturas, mosaicos e o rompimento de estradas. Estas vias de comunicao permitiam a coeso do imprio, assim como a cobrana de impostos, dos servios postais e das trocas comerciais. A construo destas vias era iniciada pela fossa e sulci, sendo o leito terraplanado e sulcos laterais para escoamento da gua. Seguidamente o stratumen, uma camada inicial ou fundao com grandes pedras irregulares ligadas por uma argamassa. Posteriormente a rudus, camada de cascalho, ou fragmentos de tijolo e uma camada de cal hidrulica bem pisada. O nucleus, argamassa de gravilha, ou areia grossa, e cal preparada a quente em camadas regular. Finalizavam com o stratum ou summa crusta, uma camada aplanada de pedra poligonal de granito ou quartzo e eventualmente uma camada final. Lisa e suave feita de cal, areia e cimento para rodados.

Fig. 10 - Via romana (http://www.igogo.pt)

Fig. 11 - Ponte romana em Vila da Ponte (http://www.igogo.pt)

No tempo dos romanos a regio de Barroso era atravessada por trs vias imperiais. A primeira foi apontada por Jernimo Contador de Argote, sendo o seu itinerrio o seguinte: Braga, diversas povoaes at Ruives, Santa Leucdia, Vilarinho dos Padres, Codeoso do Arco, Porto dos Carros, Lama do Carvalhal, Currais, Subila, Breia Gea, Cambela (Fries), Pises, Cruz do Leiranco, Penedones, Travassos de Ch, S. Vicente de Ch, Peireses, Codeoso, Ciada (caladuno-importante cidade barros que

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existiu h cerca de dois mil anos), Solveira, Soutelinho, Castelos, Seara Velha, Pastoria, Casas dos Montes e Chaves. A segunda via possua um percurso idntico de Braga at Ruives, depois esta entra no Barroso por Vilarinho dos Padres, seguindo por Codeoso do Arco, Porto dos Carros, Lama do Carvalhal, Subila, Breia, Pedreira, Gea, Vila da Ponte, Cruz de Leiranco, Penedones, So Vicente, Peireses, Portela da Urzeira, Casais, Viduedo, Castelos, Ervedo e Chaves. A terceira passava pela regio de Salto em direco a Boticas e Chaves, passando por Zebral de Ruives, Bustelo, Linharelhos, Cruz de Penascais, Amear, Bezerrilhos, Covelo do Monte, Atilho, Carvalhelhos, Quintas, Boticas, Grana, Sapios, Casas Novas, Ribeira de Curalha, Casas dos Montes e Chaves. (carta 4)

Estas vias imperiais possuam marcos monolticos, por norma cilndricos, com uma altura que oscilava entre os 2 e 2,60 metros, com um dimetro tambm varivel entre os 50 a 60 centmetros, feitos em granito anfiblico por no ser to duro, e eram colocados em intervalos com cerca de 1480 metros. So designados por marcos milirios, e a grande maioria desapareceu com o tempo, uns levados para Braga, outros usados nas construes locais, e outros pela a aco do tempo. Os que subsistiram foram referenciados por Joo de Barros, Martins Capela e o Arcebispo de Uranpolis; 3 em Vilarinho dos Padres, que deram o nome localidade; 3 em Sanguinhedo; 2 em Codeoso do Arco; 1 em Lama do Carvalhal; Em Cruz do Leiranco existia um monoltico muito semelhante aos marcos milires; 1 em Antigo de Arcos; 1 em Arcos.

Fig. 12 - Marco milirio em Venda Nova (http://www.igogo.pt)

Fig. 13 - Marcos milirios junto Ponte do Castro (http://www.igogo.pt)

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Carta 4

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Depois dos Romanos, vrios foram os povos que ocuparam esta regio, que em certa medida se relacionam com a cristianizao de Barroso. As vias romanas que o atravessavam, ligando Braga a Chaves, contriburam para a difuso do cristianismo nos primeiros sculo desta Era. A regio de Barroso esteve sob o domnio dos Suevos, Godos, rabes, e mais tarde culminou na Reconquista. Os Mouros foram o povo que mais influencias deixou, principalmente nos topnimos, nomeadamente, Terra de Mouros, Fonte da Moura, Castelo de Mouros, Fornos dos Mouros, Eira dos Mouro, Pedra da Moura, etc. As freguesias de Mourilhe e Sarraquinhos possuem topnimos que sugerem esta relao com os Mouros, sendo que Mourilhe significaria Terra de Mouros, e Sarraquinhos por terra de Sarracenos (Mouros). Posteriormente, a unificao do Condado Portucalense teve por base uma unificao religiosa, que se formalizava na construo de parquias para a coeso do territrio. portanto de supor a existncia de igrejas Romnicas, uma vez que este movimento arquitectnico coincide com a reconquista do territrio. Presume-se que inmeras igrejas na regio de Barroso no inicio da monarquia eram romnicas, contudo estas foram sofrendo muitas alteraes ao longo do tempo e consequentemente descaracterizando-as. Podem destacar-se o Mosteiro de Santa Maria das Jnias, a Igreja de So Vicente de Ch, Santa Maria de Viade, e a Igreja de So Pedro em Tourm.

Fig.14 - Igreja de So Pedro em Tourm (foto do autor)

Fig. 15 - Igreja de So Vicente de Ch (foto do autor)

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de salientar a grande influncia da Igreja na sociedade nos sculos XI e XII na regio de Barroso. Possuindo uma autoridade incontestada, a Igreja orientava os governantes, defendia os sbditos, cultivava as cincias e comandava o progresso10. As duas ordens monsticas presentes eram as de Cluny e Cister, estas ensinavam a agricultura, construram escolas, mosteiros e formavam o clero.

Trs castelos na regio de Barroso foram desenhados por Duarte dArmas a mando de D. Manuel I, no inicio do sculo XVI, que o encarregou de registar as sessenta principais fortalezas da fronteira luso-espanhola, desde a raia do Minho foz do Guadiana. O castelo de Montalegre, que segundo Duarte dArmas a primeira fortaleza deve ter sido um castro neoltico de povoamento. Diversos achados de lpides e moedas sugerem que este foi construdo sobre a acrpole romana. Esta construo domina sobre toda a vila de Montalegre, podendo ser avistado ao longo de quase todo o vale, indica-nos a sua localizao estratgica de grande utilidade durante a conquista romana, as invases brbaras, domnio rabe e a reconquista sture-leonesa.

Fig. 16 e 17 - Castelo de Montalegre (fotos do autor)

O castelo do Portelo situava-se entre as serras do Larouco e da Arandela, junto da fronteira luso-galega, no alto de um morro que se chama Coto de Sendim, a cerca de um quilmetro de Portelo. Julga-se que primitivamente seria um castro, que teria sidoCosta, Joo Gonalves da, Montalegre e Terras de Barroso, edio da cmara Municipal de Montalegre, 198710

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conquistado pelos Romanos em 59 antes de Cristo, protegendo assim a via romana que ligava Montalegre a Astorga, por Ginzo de Lmia. A construo do castelo remonta aos princpios da nacionalidade portuguesa, e serviu de defesa nas batalhas contra Castela, sendo a sua conservao confinada s povoaes prximas: Padroso, Padornelos, Meixedo, Gralhas, Solveira, Santo Andr, Vilar de Perdizes, entre outros. Segundo os desenhos de Duarte dArmas a fortaleza era constituda por uma torre central levantada sobre a rocha, rodeada por uma muralha com torres e basties, arrancando da base do morro. Hoje em dia apenas existe o rochedo que lhe serviu de base.

~Fig 18 - Castelo do Portelo (http://www.igogo.pt)

O castelo da Piconha provavelmente mandado construir por D. Sancho I, sobre as runas de um castro neoltico, foi o principal centro militar da regio do Salas, sendo Tourm a capital, teve grande importncia na defesa nacional contra Leo e Castela. A fortaleza foi erguida numa elevao cnica, de rocha grantica, na margem esquerda do rio Salas, a sul da povoao espanhola de Randim, em tempos pr-romanos. Actualmente existe apenas a cisterna, aberta no alto do morro e dois lanos de escada que serviam de acesso ao centro do castelo, rasgados na rocha que serviu de base para a torre de menagem.

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Fig 19 e 20 - Castelo de Piconha (vestgios) http://omontalegrense.blogspot.com/2008/02/o-castelo-da-piconha-e-o-coutomistode.html

O castelo roqueiro de So Romo em Viade de Baixo era circundado por duas linhas de muralha com encaixes de assentamento escavados no afloramento e construdas com grandes silhares, antecedido por um fosso escavado no afloramento. No topo do outeiro conservam-se ainda vestgios de uma possvel torre e de uma cisterna, que em duas paredes escavada no afloramento e nas outras construda com pedra e argamassa. Inicialmente seria um castro.

Fig 21 - Castelo roqueiro de So Romo (http://www.igogo.pt)

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TRADIO E PRODUO

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A transmisso de valores e prticas, do saber-fazer, patrimnio imaterial das comunidades Barross, essencial para a subsistncia de um povo ancestral com usos e costumes muito enraizados e sem os quais no seria possvel a sua sobrevivncia. Existe de facto uma relao muito prxima entre os meios de subsistncia e os modos de vida, havendo na verdade uma unio entre ambos. O trabalho no campo sem dvida o modo de viver, fazendo efectivamente parte da alma barros. Esta ligao telrica com o mundo, endgena, transportada para realidade atravs de construes que criam e organizam espao nas aldeias, tais como moinhos, canastros, fontes, fornos, pises, forjas, lagares, etc. A intensa vida comunitria dos povos, dotou as aldeias de construes de cariz colectivo que tanto as caracterizam, sendo um factor de grande autenticidade que importa conservar.

O FORNO COMUNITRIO

Este equipamento colectivo tinha por funo cozer o po que era consumido durante as duas semanas seguintes. O forneiro aquecia o forno, tratava da lenha, deitava o po e cuidava do mesmo durante a cozedura, ficando com um po como pagamento pelo seu trabalho (poia era o nome deste pagamento). Por dia, vrias pessoas coziam o seu po, marcando a sua vez junto do forneiro. Praticamente todas as aldeias barross possuem um forno comunitrio, sendo o de Tourm o mais divulgado. Trata-se de uma construo que data do sculo IX, totalmente feita em pedra, com implantao sub-rectangular, uma cobertura de telhado com duas guas formado por cpeas de granito assentes numa estrutura de trs arcos diafragma, em volta perfeita que descarregam em contrafortes exteriores. Possui uma porta de verga recta situada entre o cunhal e o contraforte, o pavimento em terra batida, e sobre uma plataforma a estrutura do forno que possui uma cmara com pavimento lageado e estrutura abobadada de frontal de alvenaria com abertura larga de verga recta. Inserido na parede de topo, esquerda, nicho quadrado, de verga recta e mesa subcircular, espessa e saliente.

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Fig 22 - Forno de Tourm (foto do autor)

Fig. 23 - Forno de Sarraquinhos (foto do autor)

CANASTROS

Apesar de a principal vocao do habitante barroso ser a criao do gado, aos poucos estes comeou a dedicar-se tambm agricultura. O cultivo tpico da regio era o centeio, de afolhamento bienal, mas com o tempo o milho extico acabou por vingar no Barroso, vendo o seu cultivo intensificado em virtude do crescimento da populao. Os canastros espalhados em grande nmero por toda a regio so a prova disso. Estas estruturas normalmente construdas em pedra e madeira tm por funo secar o milho grosso atravs de fissuras laterais, e simultaneamente impedir a destruio do mesmo por roedores, da a sua elevao em relao ao solo. Uma vez que o milho colhido no Outono, este necessita de estar o mais arejado possvel para secar numa estao to rigorosa como o inverno nesta regio. Um exemplo interessante destas construes o canastro com relgio de sol em Coveles. Trata-se de uma estrutura com planta rectangular e paredes aprumadas, apresentando ps, ms, mesa, colunas, padieiras em granito e balastres de madeira. O telhado em duas guas de lajes granticas. A porta em folha de zinco, enquanto que a parede oposta possui balastres totalmente em pedra. Rematando a empena do frontispcio existe uma peanha e cruz. Sobre a empena posterior ostenta um relgio de sol bastante elaborado, constitudo por peanha e base paralelepipdica sobre a qual assenta uma pedra esculpida em forma semicircular com sete raios esculpidos e coroado centralmente e nas duas extremidades superiores por ornatos esfricos.

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Fig 24 - Canastro de Coveles (foto do autor)

Fig. 25 - Canastro de Vilarinho de Negres (foto do autor)

MOINHOS DE GUA

Devido cultura dos cereais tornou-se importante para os povos da regio a existncia de moinhos. Algumas aldeias chegavam a ter mais de quinze moinhos, e todas possuem o rego da rega a passar pelo meio da mesma, sendo aproveitado para fazer moer vrios moinhos. Em Paredes do Rio existem cerca de dez moinhos dentro da aldeia e arredores. A gua levada por uma presa at ao calheiro, sendo este de pedra ou carvalho, em forma de cana, conduzindo a gua em grande pendente at ao rodzio. Esta cana possui uma prancha que permite desviar a gua do rodzio. O rodzio um pau grosso de dois a trs metros de altura, o eixo com uma roda no fundo, na qual esto presas as penas, em forma de raios de uma circunferncia com cerca de 2 metros de dimetro. Cerca de 20 penas so espetadas no cabao, que furado pela vara ou eixo, que est pousada por um aguilho num seixo ou porca para girar. Na parte superior a vara est conectada m de cima atravs de uns ferros, que para no deixarem cair os gros, metem-lhe uma bucha de salgueiro seco ou vido para apertar os ferros. O alibiadoiro comanda-se de dentro do moinho e faz subir ou baixar a m, visto estar preso debaixo do rodzio. O terminado onde a farinha pra, e este possui o p ou pouso do moinho, sobre o qual a m gira. O gro fica na moega, que um cubo preso em duas traves, sendo que esta aberta no fundo para o gro passar para a adelha, que uma espcie de cana por onde o gro corre. No extremo da adelha existe um pau com cerca de meio metro de

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comprimento que regula a inclinao da adelha para cair mais ou menos gro. O tarabelo um pau em forma de T, com uma das pontas na adelha, outra na parede e outra na m do moinho. O seu estremecimento faz tremer a adelha e cair o gro. Quando por alguma razo se precisa de parar a m, existe um pau com cerca de meio metro, delgado a meio que se coloca entre a m e a parede, ou seja, na camba, depois de se baixar o alibiadoiro.

Fig. 26 - Moinho em Paredes do Rio(http://www.igogo.pt)

Fig. 27 - Moinho de Cubo vertical em (http://www.igogo.pt)

Xertelo

O FOJO

Os fojos de Lobos surgiram devido coexistncia peculiar entre o Homem e o Lobo. Nesta regio, a milenar coexistncia entre o homem e o lobo, deu origem a manifestaes culturais nicas e muito peculiares, como sejam contos, lendas, supersties e formas prticas de defesa dos animais domsticos e combate ao lobo. Os fojos, armadilhas para a captura do lobo, na maioria dos casos construdas em pedra, talvez sejam o smbolo mximo dessas manifestaes culturais. Isto porque alm de serem estruturas cuja construo ter envolvido um enorme esforo e um grande nmero de pessoas, so tambm verdadeiros monumentos de grande valor etnogrfico, sendo que o norte da Pennsula Ibrica, parece ser a nvel mundial, a regio onde existem em maior nmero e variedade. Alm disso, a captura de um lobo num fojo, era motivo de festa. O Fojo de Fafio constitudo por longa srie de muros em alvenaria de granito que atravessam as alturas da Serra do Gers terminando junto aldeia. Os muros, at a

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distanciados, vo convergindo para uma descida abrupta num amplo V cujo vrtice constitudo pelo buraco do fojo, de planta circular, escavado no solo e revestido em aparelho de alvenaria de granito, para onde o lobo se despenharia. Antes do topo da elevao, uma srie de muretes providos de vigias destinavam-se ao tiro com armas de fogo. Restam ainda alguns troos capeados.

Fig. 28 - Fojo de Fafio (http://www.igogo.pt)

Fig. 29 - Fojo de Parada (http://www.igogo.pt)

AS FONTES

Esta uma regio onde a gua abunda, e uma vez importante para a subsistncia do povo, foi naturalmente que este recurso foi bem aproveitado pelas populaes atravs da construo de fontes que ao longo dos sculos serviam o povo com gua pura. Um dos melhores exemplos destas construes a fonte romana de Arcos que aproveitando a formao rochosa existente, a fonte surge atravs de duas pequenas grutas escavadas na mesma, uma das quais em arco quebrado (com uma profundidade de 2,92 metros), criando consequentemente uma abbada de bero quebrado com caixa murria constituda pela prpria rocha. Diante das duas aberturas existe um ptio ao qual, a partir da rua, se acede por dois degraus de cota inferior. O ptio est ladeado por dois lavadouros de forma trapezoidal, e colmatado pela fonte. Um dos tanques adquire a funo de lavadouro pelo murete rematado. A forma exterior rectangular e possui cornija de desenho diferenciado com profundidade de meio metro, onde esto colocados, em cada canto, dois pinculos e, no centro, uma cruz latina. So visveis preocupaes

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decorativas, apresentando a superfcie parietal rematada por friso e dois pinculos no coroamento e uma cruz simples, central.

Fig. 30 e 31 - Fonte romana de Arcos (http://www.igogo.pt)

O PISO

Estas construes possuam um engelho hidrulico que aproveitava a fora da agora, funcionando como serra, moinho e piso de tecidos de l. A gua punha em funcionamento os malhos que pisavam as teias de l para fabricar o Burel, que servia para fazer capas, calas e coletes para a populao. Geralmente possuam uma cobertura em colmo. Existe diversos pises espalhados pela regio, sendo o de Paredes do Rio o mais divulgado. tambm parte integrante das aldeias a existncia de diversos palheiros, que serviam para guardar o gado, produtos da terra e utenslios. Estas so construes em pedra e possuam telhado em colmo.

Fig. 32 - Piso de Paredes do Rio (http://www.igogo.pt)

Fig. 33 - Piso de Tabuadela (http://www.igogo.pt)

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DEVOO E FESTAS59

A relao entre o Homem e Deus foi sempre frtil em produes nos mais variados campos, e naturalmente na produo arquitectnica, porventura a mais significante e a que mais esforo moveu. A regio de Barroso no fugiu regra, e nela podemos encontrar as mais variadas expresses desta adorao intemporal. Igrejas, capelas, calvrios, alminhas e cruzeiros.

IGREJAS

Como foi dito anteriormente, inmeras so as igrejas em Barroso, mas somente algumas possuem um trao arquitectnico original e que por isso podem ser consideradas com uma maior relevncia artstica, podendo porventura sugerir a criao de um roteiro. Do perodo romnico temos a igreja de So Vicente de Ch, o Mosteiro de Santa Maria das Jnias, a igreja de Santa Maria de Viade e a Igreja de So Pedro em Tourm. Do perodo maneirista/barroco temos a igreja da Misericrdia em Montalegre, a de Paredes do Rio, a igreja matriz de Montalegre, a de So Mamede em Cambeses do Rio, a igreja de So Pedro em Dones e Santa Maria de Meixedo. interessante notar que, pelos anos de 1320 e 1321, Dom Dinis ordenou que se fizesse um inventrio de todas as igrejas, comendas e mosteiros existentes em Portugal, com a finalidade de cobrar o dzimo de quase todas as rendas eclesisticas do reino, durante trs anos, como forma de subsidiar a despesa de guerra contra os mouros. D. Raimundo e Nncio Apostlico ficaram encarregados de tal tarefa, e s na regio de Barroso registaram vinte e trs igrejas. Portanto, das trinta e cinco freguesias actuais, vinte e trs j existiam naquela altura, e naturalmente as suas igrejas.

Fig. 34 - Igreja do Castelo de Montalegre (foto do autor)

Fig. 35 - Igreja matriz de Viade de Baixo (http://www.igogo.pt)

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CAPELAS

As capelas com maior relevncia arquitectnica na regio, e que poderiam ser integradas num dado roteiro, so quatro. A capela da Senhora das Neves em Cabril, a de So Sebastio em Montalegre, a de So Sebastio em Meixede e a capela de So Joo das Fragas. muito comum a existncia de procisses a estes locais de culto religioso, normalmente distanciadas do ncleo urbano.

Fig. 36 - Capela da Senhora das Neves em Cabril (http://www.monumentos.pt)

Fig. 37 - Capela de So Sebastio em Meixedo (http://www.monumentos.pt)

CALVRIOS, CRUZEIROS E ALMINHAS

comum encontrar nas aldeias de Barroso a presena de vias-sacras, constitudas por cruzeiros em granito que representam o percurso de Cristo pela via dolorosa, que depois podem ou no culminar num calvrio. As alminhas so padres de culto aos mortos, pequenos altares onde se pra um momento para deixar uma orao. frequente encontrar velas e lamparinas acesas, deixadas pelas pessoas que passam no local, ou mesmo oferendas de flores. Geralmente, as alminhas so erguidas em encruzilhadas de caminhos, quase sempre em caminhos rurais, em matas ou perto de cursos de gua, embora tambm se possa encontrar alminhas junto s estradas nacionais. As alminhas tambm podem ser incrustadas em velhos muros ou na frontaria de casas e geralmente construdas em granito. Um exemplo interessante fica em Dones, alminhas constitudas por base grantica ornada de cruz grega em alto-relevo e rematada por uma cornija sobre a qual assenta um silhar grantico com nicho ao centro. O nicho, que apresenta restos de pintura

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a azul, rematado em arco de volta perfeita inscrito num vo recto levemente rebaixado, sendo o arco sublinhado por moldura que, formando um ngulo obtuso, se prolonga lateralmente at ao limite exterior do silhar. Molduras paralelas e perpendiculares completam esta decorao sugerindo aparelho em cantaria. O arco flanqueado por duas cruzes gregas em baixo relevo e encimado por inscrio estendendo-se o campo epigrfico de extremo a extremo. O conjunto est embebido na parede do adro e a cornija que o remata superiormente eleva-se levemente acima do topo do muro. Sobrepuja-o novo conjunto esculpido em granito formado por base com nicho encimado por relgio de sol. O topo superior estreita tomando a forma de peanha encimada por cruz latina simples com haste e braos de seco quadrangular e flanqueada por dois ornatos piramidais.

Fig. 38 - Alminhas com relgio de sol (foto do autor)

Fig. 39 - Cruzeiro com relgio de sol em Travassos (foto do autor)

FESTAS E FEIRAS

As festas ocorrem por toda a regio de Barroso a cada ano, em que muitas delas possuem em programa de cariz etnogrfico e recreativo, realizadas em lugares com forte envolvncia paisagstica. interessante salientar que muitas destas festas de carcter religioso, contm tambm traos de lendas populares e supersties, como por exemplo as de So Sebastio em vrios locais de Barroso.

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Podemos realar as seguintes festas: Auto de Santa Brbara em Vilar de Perdizes, o Auto da Paixo na mesma aldeia, o Dia das Bruxas em Montalegre a cada sexta-feira 13, o Encontro dos Cantadores ao Desafio em Dezembro, o Entrudo em Vilar de Perdizes, Tourm e Cabral, a Queima do Judas em Montalegre, a Lenda de Misarela em Abril, na ponte de Misarela, em Sidrs e Ferral, o So Joo da Fraga em Pites das Jnias, o Senhor da Piedade em Montalegre, a Senhora do Pranto em Salto, a Senhora da Sade em Vilar de Perdizes e a Serrada da Velha em Montalegre. As feiras que adquirem maior relevncia so: a feira do Livro em Montelegre, a feira dos Santos e dos produtos locais de Barroso e Alto Tmega, a feira do fumeiro e presunto do Barroso em Montalegre, a feira do prmio do Gado em Montalegre e em Salto e a feira da vitela de Barroso em Montalegre.

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CAPTULO III65

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CASO DE ESTUDO: PITES DAS JNIAS

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A aldeia de Pites das Jnias fica situada a cerca de 1200 metros de altura, a sudoeste do planalto da Mourela, e onde comea a serra do Gers, na regio de Barroso, fazendo j parte integrante do Parque Nacional Peneda-Gers, pertencendo ao concelho de Montalegre, distanciando-se 21 quilmetros desta vila por estrada. Possuidora de um clima muito agreste, de Invernos muitos longos e rgidos e Veres muito quentes, a aldeia chega a ter neve desde Novembro at Maio! Como diz o ditado popular, Trs meses de Vero, trs de Inverno e seis de Inferno.

Fig . 40 - Pites das Jnias (foto do autor)

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Histria e Memria69

Mosteiro de Santa Maria das Jnias

Fig. 41 e 42 Mosteiro de Santa Maria das Jnias (foto do autor)

A origem de Pites confunde-se com a do mosteiro de Santa Maria das Jnias. Este, segundo um documento do cartrio de Braga, j existia como um eremitrio prromnico no sculo IX. Primeiramente como um mosteiro Beneditino fundado no sculo XII, aderiu posteriormente ordem de Cister, unindo-se primeiro ao mosteiro galego de Osera, mais tarde ao de Santa Maria de Bouro, e de novo a Osera. A sua fundao nunca poderia ser anterior ao mosteiro de Osera, visto que deste vieram os primeiros frades para Pites das Jnias, mas tudo indica que este se fundou em 1147. Segundo diversos autores, a origem do mosteiro deveu-se a um grupo de fidalgos que caavam numa floresta perto de Pites das Jnias, e que junto a um velho carvalho que ainda l existe os seus ces ladravam agitados, na direco da rvore. Os caadores aproximaram-se e a encontraram uma imagem de Nossa Senhora com o menino nos braos, acabando por fazer voto de construir um templo com um mosteiro em anexo. Era relativamente frequente durante a idade mdia, os achados de imagens que os cristos, no comeo da invaso rabe, fugindo dos Mouros, escondiam para evitar que fossem profanados. A planta do conjunto forma um trapzio, tendo a igreja implantada a norte e as restantes construes a sul. A igreja de uma nave longitudinal com capela-mor tambm rectangular, mais baixa e estreita, com coberturas em telhados de duas guas na primeira e de uma na segunda, de pendor sul norte. A fachada principal rematada em empena de cornija truncada por um campanrio de dupla ventana, j sem sinos, encimado por

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uma cruz metlica ladeada por dois pinculos com remate boleado, idnticos aos que nas extremidades da empena sublinham os cunhais. O portal em arco perfeito de duas arquivoltas, a interna lisa e de arestas vivas e a exterior decorada com lancetas, apresentando o friso que a envolve trs estreitos bocis e um zig-zag duplo, sobre impostas, decoradas com motivos cordiformes que se prolongam num friso em toda a fachada; o tmpano vazado, formando ao centro uma cruz de Malta inscrita num crculo e de ambos os lados trs perfuraes circulares; o dintel, decorado com bandas de quadriflios, apoia-se sobre msulas tambm elas decoradas com crculos e cruzes. Encima o portal, fresta, estreita e alta. Fachadas laterais da nave semelhantes, rematadas por friso e cornija moldurada, e percorridas por friso decorado com duas linhas contnuas em zig-zag; sob este, dispem-se cinco msulas de decorao geomtrica, excepto duas na fachada norte, e sobre ele abrem-se duas frestas rectangulares. No topo da nave, abrem-se ainda duas portas travessas confrontantes, de arco pleno, sem decorao e tmpano vazado por cruz de Malta inscrita num crculo, tendo o dintel norte, assente em impostas lisas, truncado no centro. A capela-mor possui vos laterais actualmente tapados, rasgando-se uma janela rectangular central que destruiu parcialmente o antigo mainel; a janela axial, tem tambm sobreposio de elementos de estilos diferentes; na zona inferior conserva-se o arranque da fresta original romnica, notando-se as bases dos colunelos laterais que foram destrudos pela construo da janela gtica em arco quebrado e tmpano central trilobado, entre duas frestas de arco quebrado. Na fachada sul esto adossadas as runas da antiga ala dos monges, tendo sido alteada at crcea desta. Ao nvel do primeiro piso antiga porta de ligao, agora tapada. No interior, a nave possui na parede da fachada principal, ao nvel das impostas da porta, um friso lanceolado que envolve tambm o arco, e, altura da fresta axial, um friso decorado com trs fiadas de bilhetas, o qual se prolonga pelas paredes laterais altura das frestas; estas apresentam internamente remate em arco de volta perfeita. O pavimento de lajes em granito e tecto em madeira. Sensivelmente a meio da nave, do lado do Evangelho, plpito muito simples com varandim e corrimo em madeira. Arco triunfal de duas arquivoltas lisas assentes em bacos biselados decorados com bolas, ladeado por dois retbulos de talha. Capela-mor coberta por abbada de barrete de clrigo, apoiada em msulas de canto. Retbulo-mor de planta rectangular e trs eixos, divididos por colunas torsas com putti e pmpanos, assentes em consolas decoradas por acantos, as exteriores apoiadas em pilares de pedra com motivos geomtricos; ao centro, camarim, coberto por caixotes, com trono, e lateralmente duas msulas; as colunas71

prolongam-se em duas arquivoltas formando tico, interrompido por braso central; sobre altar de pedra, sacrrio decorado com acantos e anjos, tendo na porta um Agnus Dei. O mosteiro compreende dois corpos com primeiro andar e segundo dispostos em ngulo. O primeiro corpo, situado ao longo do rio, no prolongamento do lado sul da abside, constitua o dormitrio dos monges. A fachada este, com desenvolvimento horizontal, conserva seis janelas quadradas no segundo piso, algumas com conversadeira, e outras seis, mais pequenas no primeiro. Do lado sul as construes dividem-se em dois corpos com orientao diferente, convergindo para o exterior, na zona central. A se localiza uma abertura que liga do exterior ao espao do claustro. A fachada sul do lado do rio apresenta empena de duas guas assimtricas, tendo duas janelas no segundo piso e sob uma delas uma fresta no primeiro. Do lado contrrio, no corpo onde se localizava a cozinha, a fachada sul apresenta uma empena de duas guas assimtricas e uma pequena fresta no segundo piso. A cozinha, situada no ngulo sudoeste, conserva a chamin de forma piramidal com pinculo de remate boleado. Um antigo sarcfago reutilizado na parede recebe as guas de uma poa, canalizadas atravs de uma conduta em pedra. A parede que limita o recinto pelo lado oeste funciona como muro de suporte do terreno exterior da encosta, mais elevado. S na zona mais a sul a parede se apresenta mais alta que o terreno, terminando no que resta da ombreira de um arco em bisel. No topo oeste o espao fechado por um muro que une estas construes igreja, tendo um portal de acesso formando ngulo recto com a fachada da igreja. Do claustro, situado no interior deste espao, resta apenas uma parte da arcada do lado sul da nave. composta por trs arcos de volta perfeita e delimitada por pilares quadrados nos extremos. As pequenas colunas geminadas possuem bases e fustes lisos, capitis com folhas e volutas, bacos baixos, lisos e biselados. Um muro de pedra v, adossado fachada lateral norte da igreja, delimita um recinto sub-rectangular, com acesso por porto de ferro, utilizado como cemitrio.11

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Informao retirada do IHRU

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Fig 43, 44 e 45 - Mosteiro de Santa Maria das Jnias (fotos do autor)

ALDEIA DE JURIZ

Relativamente perto de Pites, a poente, existem runas de uma aldeia velha como lhe chamam o povo, continha cerca de 40 construes. No h registos da sua origem, alguns referem que esta servia para o invernadeiro do gado e pastores, outros que foi fundada pelos frades do convento de Santa Maria das Jnias, ou at a antiga aldeia que por alguma razo desconhecida foi abandonada.

Fig. 46 Aldeia de Juriz (foto do autor)

MAMOA DE MOURELA

A cerca de 50 a 60 metros do cruzamento para Pites existem ainda vestgios de um monumento funerrio megaltico que pertencia necrpole megaltica no planalto da Mourela. Encontra-se parcialmente cortado pela estrada municipal 513, sendo de difcil visibilidade, possui uma pequena depresso central, sendo perceptvel um esteio e alguns vestgios de couraa. tambm de salientar os dlmenes no Marco do Couto, o desfiladeiro da Flecha Velha e o caminho Medieval que passa por So Joo da Fraga, Fojo e Juriz.

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TRADIO E PRODUO

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Tal como o resto do concelho, esta uma terra que preserva uma forte presena de antigos costumes, uma relao estreita entre a lida do campo e os modos de vida. So vrios os equipamentos que podemos salientar em Pites das Jnias e que fazem, ou fizeram parte da vida comunitria.

FORNO COMUNITRIO

Este um edifcio rectangular, coberto por telhado de duas guas formado por cpeas de granito. Possui uma porta de verga recta situada lateralmente, e em ambos os lados da porta existem duas pedras salientes que servem para colocar os cestos. Pavimento de terra batida.

Fig 47 Forno de Pites (foto do autor)

CORTE DO BOI

Hoje em dia este edifcio serve de instalaes do plo museolgico de Pites das Jnias, pertencente ao Ecomuseu de Barroso. Situado na rua de Nanina, esta construo est relacionada ao tradicional boi do Povo, que era utilizado para cobrir as vacas da aldeia e tambm nas chegas.

MOINHOS DE GUA

Existem alguns moinhos de gua em Pites, sendo que os mais interessantes so: o que se encontra na aldeia recuperado pelo Ecomuseu, contendo ainda o mecanismo original que servia para moer. E o moinho que se encontra junto ao mosteiro de Santa Maria das Jnias.

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DEVOO E FESTAS77

SO JOO DA FRAGA

Todos os anos cumpre-se em Pites das Jnias uma tradio religiosa, sobre a qual no se conhece a origem. A subida ao alto de uma serra com mais de mil metros de altura, onde existe uma capela em pedra, toda pintada de branco, incluindo a cobertura, e que se destaca do imenso cinzento grantico. Desconhece-se quem a mandou construir nem por que razo, mas o povo reza em honra de So Joo da Fraga, e no regresso da procisso merendam num carvalhal situado a uma cota bem mais inferior.

Fig. 48 So Joo da Fraga visto de Pites (foto do autor) Fig 49 Capela de So Joo da Fraga http://penotrilho.blogspot.com/2009/03/trilho-de-sjoao-da-fragapitoes-das.html

CRUZEIROS

Nas ruas principais da aldeia existem vrios cruzeiros, representativos de uma via-sacra. Estes cruzeiros possuem base e cruz em granito.

de realar a existncia da capela do Anjo, a igreja matriz de estilo barroco dedicada a So Rosendo e o Entrudo que realizado todos os anos.

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POVOAO79

Os terrenos de cultivo circundantes ao mosteiro, que outrora lhe pertenciam, foram mais tarde distribudos pela populao de Pites, que pagava aos monges um tosto anualmente, por cada morador. Estas terras de cultura que ficam abaixo de Pites beneficiam dos detritos humanos, animais e vegetais que escorrem da aldeia. A localizao de Pites das Jnias parece ento dever-se a razes ecolgicas, mas tambm geogrficas, estando abrigada dos ventos do norte. Os terrenos de cultivo situam-se ento numa cota inferior aldeia, para sul, facilmente irrigveis e beneficiando da relativa proximidade dos ribeiros. A norte da aldeia existem vastos terrenos mais ou menos planos que servem para as pastagens.

A aldeia insere-se assim, entre os terrenos agro pastoris, de modo concentrado, com um ar primitivo, onde a pedra protagonista em qualquer construo. As casas formam canelhas e ruelas que se ligam directa ou indirectamente a uma rua que atravessa a meio da aldeia, passando pelo largo do Eir. Esta via a nica do tipo estradal que liga Pites s restantes povoaes, e que de certo modo nos indica muito do carcter isolado da aldeia.

As habitaes mais recentes que foram surgindo, localizam-se maioritariamente a este da aldeia, sendo que a sua grande maioria pertencem a emigrantes. muito comum estas construes no possurem grande respeito pelo existente, desviando-se em muito das caractersticas tpicas da casa barros, fazendo com que exista uma descaracterizao da aldeia e consequentemente da sua autenticidade. A consciencializao da populao para esta temtica seria portanto da maior importncia. natural e inevitvel a evoluo dos aglomerados urbanos, mas inteiramente possvel a permanncia de um fio condutor que perfeitamente identificvel, atravs da histria, dos usos e costumes, de modo a que no se perca esta autenticidade.

As alteraes dos modos de produo agro pastoril, os diversos modos de vida, as novas exigncias de conforto, o uso do automvel, implicam forosamente mudanas na resposta das habitaes a estas exigncias. Aqui reside porventura o maior desafio de todos, que no de todo fcil de por em prtica pelas mais variadas razes.

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Fig. 50 - Ncleo urbano de Pites das Jnias (Google maps e desenho do autor)

Os famosos palheiros, que serviam como edifcio complementar da casa, eram por norma constitudos por paredes toscas, de pedra, somente aparelhada nos cunhais e com cobertura de colmo. Possua uma diviso em dois compartimentos feita pelo sobrado, sendo que a parte inferior era para guardar gado e a parte superior para palha e feno. O rendimento que foi multiplicando ao longo dos anos chegou a aumentar consideravelmente o nmero destas construes, que hoje em dia so substitudas por armazns que tendem a ser implantados a norte e este da aldeia, perto dos planaltos que servem para as pastagens. Por esta razo, muitos dos palheiros que ainda existem foram abandonados transformando-se em runas, e alguns reutilizados para habitao.

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Em muitos casos as prprias lojas das casas perderam a sua funo inicial de guardar o gado e utenslios, contudo estas podem perfeitamente adequar-se aos novos modos de vida, sendo que algumas lojas so j utilizadas como postos de venda de produtos locais ou podero ser eventualmente usadas para abrigo do automvel. Portanto, as alteraes de meios de produo, armazenamento, etc. no implicam uma forosa descaracterizao do conjunto edificado, podendo haver uma adequao as novas normas da construo sem alterar a sua autenticidade.

Segundo o artigo 21 do PDM de Montalegre, os projectos dos edifcios devero recorrer a solues arquitectnicas e estticas harmoniosas, incluindo os materiais, texturas e cores a aplicar no exterior dos mesmos e adequadas a uma correcta integrao no meio ambiente em que se vo inserir, compatibilizando os valores de ordem cultural e tradicional, prevendo o uso da pedra nas novas construes. Contudo, o uso da pedra nas construes normalmente atravs de lajetas de granito com cerca de 4 cm de espessura, muitas vezes provenientes de pedreiras sediadas em Espanha, com preos mais competitivos, mas que na maioria dos casos no resultam numa correcta aplicao do material, quer seja pela sua textura ou cor, destoando assim do restante edificado, assim como o uso de colunas que estilisticamente pouco tm a ver com as que eram tradicionalmente usadas e que no oferecem nenhuma mais-valia ao conjunto edificado.

A maioria das construes na regio de Barroso, e especificamente em Pites das Jnias seguem a mesma lgica construtiva, independentemente do seu uso. As paredes com cerca de 80 cm nascem de fundaes pouco profundas, por estas estarem sobre terra firme ou rocha, so feitas com blocos de granito bem aparelhados nos cunhais, sem qualquer cimento que as una. Na parte interior, principalmente nas habitaes, preenchem-se os vazios entre as pedras soltas e em bruto com barro, para evitar que a chuva entre. As coberturas eram geralmente em colmo, de duas guas, em estrutura de madeira, formada pelo filete que corre todo o comprimento do topo do telhado, onde se

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encaixam os caibros, e a outra ponta nas soleiras que so vigas que se apoiam lateralmente nas paredes. De uma soleira outra vo os tirantes, um dos quais serve tesoura que suporta o maior peso da cobertura. A abertura da estrada que comunica com Montalegre, facilitou o aparecimento e uso da telha Marselha, que hoje em dia utilizada, substituindo em praticamente todas as coberturas o colmo. Para segurar o colmo eram colocados sobre ele as latas, paus que se lanavam em ambas as guas e que se uniam no topo por um torno que uma espcie de prego em madeira. Nas paredes que acompanham as guas eram colocadas pedras de granito, as cpeas, que serviam para encosto ou remate do colmo, e sobre as quais eram colocadas pedras na vertical, os guarda-ventos, de modo a proteger dos ventos. As cpeas avanavam alguns centmetros em relao s paredes, de forma a proteger o interior de infiltraes. A entrada para os edifcios era tipicamente feita atravs de um porto largo de madeira, com um fecho muito singular. A padieira, as ombreiras e a soleira so de granito, e na maioria das vezes a padieira assume dimenses considerveis.

Fig. 51 Fecho tpico (foto do autor)

Falando especificamente da casa, esta por norma rectangular, constituda por rs-do-cho e primeiro andar. O piso trreo serve para guardar o gado, produtos agrcolas e para utenslios, ou seja, o cortelho com duas divises, uma para porcos, outra para leites, separada da corte atravs de muro rebocado. A separao das vacas dos vitelos efectuada atravs da colocao de grades de carvalho. No primeiro andar existe normalmente s uma diviso com lareira ao fundo, esta com lajes de granito e o sobrado com tbuas de carvalho. Aqui se percebe a importncia da cozinha na regio de Barroso, esta diviso que serve para comer, conversar, receber

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pessoas, etc. Por vezes usavam-se os faiados, divisrias em madeira, para delimitar as zonas para dormir. O primeiro andar acedido por escada feita com blocos de granito, que seguem paralelos parede da fachada principal, desembocando num patamar, que por vezes se prolonga em varanda de madeira coberta com um prolongamento do telhado, e que so suportadas atravs de grandes cachorros em granito, com forma paralelepipdica, encastrados na parede, ou, por vezes, a varanda apoia-se sobre a parede, criando um espao mais resguardado que o anterior por baixo. Na regio de Barroso eram ento comuns quatro tipos de suportes para as varandas: colunas de pedra, prumos de madeira, cachorros e paredes.

interessante notar que as casas no possuem chamin tradicional, quanto muito tm uma beira, que uma abertura no colmo, sendo muito fraca a extraco do fumo de dentro da casa, tornando as paredes negras, conservando a carne que est pendurada desde o telhado e elimina os cheiros proveniente do rs-do-cho onde esto os animais. As aberturas para o exterior so feitas por um ou dois janelos, normalmente na fachada principal, com uma altura de 60 cm e uma largura que pouco excede os 30 cm.

Trata-se portanto, de uma arquitectura muito funcional, com sistemas construtivos que dependem em tudo do que a natureza fornece, comportando uma componente regional muito forte, como forte a unio entre o trabalho e diversas tipologias. Tudo gira em torno da lida do campo, tudo parece ser uma questo de sobrevivncia e no h lugar para o suprfluo.

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Fig. 52 Ocupao do territrio em Pites das Jnias (Google maps e desenho do autor)

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Na figura 52 visvel o modo de ocupao que tem vindo a ser exercido no territrio, as vacarias implantam-se ao longo das vias, de forma linear, a norte e a este do ncleo antigo, assim como as novas habitaes se implantam a este do mesmo ncleo, linearmente, relativamente isoladas, seguindo a lgica de loteamento consoante as propriedades privadas. inevitvel este tipo de evoluo e a consequente mudana na lgica de ocupao do territrio, inerente s novas exigncias do modo de vida contemporneo. Nem to pouco se pode procurar uma espcie de mimetismo do ncleo urbano antigo, que seria ilgico e despropositado, mas faz todo o sentido preservar a identidade do aglomerado antigo, quer atravs de uma recuperao que respeite o patrimnio existente, quer atravs da manuteno das runas existentes. As imagens seguintes indicam os usos, a autenticidade e o estado de conservao do ncleo central de Pites. Como seria de esperar a maioria das tipologias existentes corresponde a habitao com loja, num estado de conservao relativamente razovel, fruto das intervenes por parte dos moradores, mas que nem sempre apresentam um respeito pela especificidade da construo tradicional. O artigo 62 do PDM de Montalegre indica uma serie de medidas inerentes s novas construes, referidas como conjuntos arquitectnicos rurais. Refere a no permisso de demolio dos edifcios, a delimitao das crceas pelas construes adjacentes, a proibio de materiais de revestimento que imitam os tradicionais, e sobretudo o seguimento das mesmas lgicas morfolgicas e tipolgicas da envolvente. Contudo isto nem sempre se verifica na prtica. O uso do mesmo material tradicional nem sempre significa que este seja bem aplicado nas construes, existindo assim uma resposta divergente ao conjunto edificado existente.

As seguintes cartas referem-se s questes da conservao, dos usos e da autenticidade do ncleo urbano antigo, e que se baseiam numa serie de critrios. Dadas as construes serem relativamente antigas importa fazer referncia ao seu estado de conservao, essencialmente o da pedra que serve de estrutura essencial para qualquer construo. O seu emparelhamento, a qualidade da pedra, a existncia ou no de fissuras so os principais critrios desta avaliao. A identificao dos usos e da sua enumerao permitem um melhor entendimento da ocupao do territrio, e de possveis intervenes no mesmo. A questo da autenticidade naturalmente a mais subjectiva e porventura questionvel, mas tendo em conta os sistemas construtivos tradicionais poder-se-

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estabelecer um critrio de autenticidade mediante as construes que ao longo do tempo se foram desviando quer em termos formais, quer em termos construtivos. E na verdade visvel uma sucesso de casos em que isto acontece.

Fig. 53 - Estado de conservao do conjunto edificado (Google maps e desenho do autor)

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Fig. 54 caracterizao do uso do conjunto edificado (Google maps e desenho do autor)

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Fig. 55 caracterizao da autenticidade do conjunto edificado (Google maps e desenho do autor)

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A QUESTO DOS PERCURSOS PEDESTRES

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Existem uma serie de percursos pedestres no concelho de Montalegre, que visam dar a conhecer locais de relevncia paisagstica, cultural e arquitectnica, com o objectivo de desenvolver scio e economicamente as zonas rurais e funcionando como um meio de preservao e conservao de caminhos antigos, histricos, pblicos e tradicionais. Estes percursos esto divididos em percursos de grande rota (GR) e pequena rota (PR). Os GR tm uma extenso igual ou superior a 50 km, aos quais se conectam os PR, que so percurso at 50 km de distncia, feitos por caminhos ou trilhos locais, e que quando so circulares acrescenta-se a letra C (PRC). Esto identificados actualmente onze percursos no concelho de Montalegre, nomeadamente o trilho Jacobeu, a rota do contrabando em Vilar de Perdizes, o trilho Serra da Vila, trilho Ourigo, trilho do Rio, trilho do Rabago, trilho de Dom Nuno, uma grande rota que faz parte do PNPG, o trilho do lobo em Pites, a rota do contrabando em Tourm e o trilho do Leiranco. (Carta n 5) Para que estes percursos existam necessria a sua homologao por parte da Federao de Campismo e Montanhismo de Portugal, que prev a existncia de estruturas fsicas de apoio, tais como parque de estacionamento que possa proporcionar maior comodidade de acesso, sem que este agrida o meio e