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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Palhoça ‐ SC – 8 a 10/05/2014
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A relação das hashtags com as palavras de ordem presentes nas Manifestações Brasileiras de 20131
Keren Franciane MOURA2 Carolina Fernandes da Silva MANDAJI3
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, PR
RESUMO
Ao analisar a utilização das hashtags durante as manifestações brasileiras em 2013, o presente artigo propõe-se a estudar a convergência de linguagens que se deu entre as mídias sociais e as manifestações do mês de junho. A relação entre o símbolo utilizado no Twitter para a indexação de conteúdo foi relacionado a palavras de ordem empregadas em cartazes e no discurso dos manifestantes. Para Manuel Castells, essa intersecção de linguagens e conteúdos entre os espaços físicos e virtuais resulta no que ele chama de virtualidade real. Para definir os conceitos de ciberespaço e virtualidade, será utilizado Castells (2003) e Santaella (2007), a análise das tecnologias e mídias sociais se dará de acordo com os postulados de Santaella (2003). PALAVRAS-CHAVE: manifestações brasileiras; ciberespaço; mídias sociais; hashtags; palavras de ordem. Introdução No ano de 2013, parte da população brasileira tomou as ruas de várias cidades do país em
protesto devido ao aumento nas tarifas de transporte público aplicado nas cidades de São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Natal e Salvador. Tais manifestações
tomaram conta da mídia nacional e geraram considerável comoção e engajamento político
no ambiente virtual. A princípio, a motivação principal dos protestos calcava-se no
aumento da tarifa, mas, no decorrer dos acontecimentos, fatores como a corrupção no país,
o superfaturamento das obras para a Copa da FIFA de 2014 e até mesmo posicionamentos
tomados pelo deputado Marcos Feliciano à frente da Comissão dos Direitos Humanos,
1 Trabalho apresentado no IJ 6 – Interfaces Comunicacionais do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 8 a 10 de maio de 2014. 2 Estudante de Graduação do 4º. semestre do Curso de Tecnologia em Comunicação Institucional da UTFPR - Curitiba e aluna bolsista no Programa de Voluntariado em Iniciação Científica e Tecnológica, PVCIT/UTFPR/2013-2014, email: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Vinculado ao projeto “Cidades rebeldes: Possibilidades investigativas na imagens visuais e audiovisuais”, PVCIT/UTFPR/2013-2014 e professora do Curso de Tecnologia em Comunicação Institucional da UTFPR - Curitiba, email: [email protected].
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tornaram-se temas discutidos e apontados como causas para uma possível reação da
população, que já não se restringia somente às cidades brasileiras, como também aos
brasileiros residentes em outros países, elevando esses protestos a uma cobertura mundial.
A população, em sua grande maioria composta por jovens, se expressava e organizava-se
virtualmente através das mídias sociais para tomar as ruas e reivindicar seus direitos. Já
não se falava somente no aumento da tarifa, pois o movimento que se formou no âmago de
uma sociedade que nas duas últimas décadas não havia se unido coletivamente e protestado
em favor dos seus direitos4.
O sociólogo espanhol Manuel Castells, considerado um dos maiores estudiosos
contemporâneos em movimentos sociais, define a internet como sendo muito mais que um
meio de comunicação, onde os indivíduos interagem, se organizam e suas identidades se
expressam. Para ele, o papel da internet está fundamentado no esgotamento do modelo
tradicional de representatividade, o que traz à tona um modelo democrático, no qual esses
movimentos encontram força justamente pela ausência de líderes definidos, onde qualquer
indivíduo tem voz e poder de ser ouvido. As redes sem tecnologia de rede de tipo eletrônico não podem lidar com a velocidade e a complexidade que requer o aumento da rede. Portanto, as redes tradicionais implicam velhas formas de organização social, elas fazem parte da história da humanidade. Não podiam antes conectar muitos indivíduos ou organizar a ação coletiva porque tinham limites físicos aonde queriam chegar. Hoje não há mais limites. As redes de internet não têm limites de tempo e espaço e podem se reconfigurar constantemente. A tecnologia não determina a ação social, mas permite um tipo de organização que sem a internet não existiria. (CASTELLS, 2013)
Assim, ele define um novo espaço público, que se articula nessa intersecção entre o físico e o virtual, ou seja, a virtualidade real, que diferentemente da realidade virtual defendida, é uma parte vital da sociedade atual, onde a vida dos indivíduos está tão conectada que a rede já se configura como seu modo de vida. Essa virtualidade é mais comum aos jovens, que já nasceram em um mundo conectado, dentro de uma cultura digital, onde cada um utiliza as Tecnologias de Informação e Comunicação, as TCIs, de acordo com seus interesses, valores, capacidades e experiências.
O espaço que as redes fizeram nascer - espaço virtual, global, pluridimensional, sustentado e acessado pelos computadores - passou a ser chamado de “ciberespaço”, termo criado por William Gibson, na sua novela Neuromancer, em 1984. Um espaço que não apenas traz, a qualquer indivíduo situado em um terminal de
4 As últimas manifestações de porte similar registradas anteriormente foram as manifestações que demandavam o impeachmeant do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Porém, a análise dos protestos de 2013 diferem de qualquer outra devido às transformações tecnológicas, sociais e comunicacionais pertinentes ao grande avanço das duas últimas décadas, revelando um cenário totalmente novo de estudo, onde a internet possui papel fundamental na articulação desses movimentos sociais.
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computador, fluxos ininterruptos e potencialmente infinitos de informação, mas também lhe permite comunicar-se com qualquer outro indivíduo em qualquer outro ponto da esfera terrestre. (SANTAELLA, 2007, p.177)
O ciberespaço, portanto, caracteriza-se como informacional, unido por conexões de
computadores que transcende o conceito de espaço geográfico, representando assim o
conceito de rede, onde, “qualquer lugar do mundo fica à distância de um clique”
(SANTAELLA, 2007, p.178), e é nele que a virtualidade se forma.
Em seu artigo “Mídia, rebeldia urbana e crise de representação”, o jornalista Venício A. de
Lima identifica essas características no perfil dos jovens, colocando as redes sociais como
o meio pelo qual eles se informam, se divertem e se expressam, não dependendo mais da
mídia tradicional para isso. Nesse sentido, as manifestações se caracterizaram também por
garantir visibilidade ao jovens diante dos olhos das gerações que os antecederam, que
ainda formam o público das mídias tradicionais. Para Lima, essa visibilidade se deu por
conta da cobertura midiática feita pela chamada velha mídia, ou seja, a televisão e os
jornais.
Cartazes dispersos nas manifestações revelaram que os jovens manifestantes se consideram ‘sem voz pública’, isto é, sem canais para se expressar e ter sua voz ouvida. Ou melhor, a voz deles não se expressa nem é ouvida publicamente. Vale dizer que as TICs (sobretudo as redes sociais virtuais acessadas via telefonia móvel) não garantem a inclusão dos jovens - nem de vários outros segmentos da população brasileira - no debate público cujo monopólio é exercido pela velha mídia. (LIMA, 2013, p. 90)
Sendo assim, os discursos que até então faziam parte do ambiente virtual, onde a maioria
dos jovens se informa e comunica, foram transportados para as ruas de vários lugares do
mundo, proporcionando visibilidade e dando voz grupos, que até então, poderiam não
possuir expressão social significativa. Por conta dessa virtualidade, ou seja, a intersecção
dos espaços físico e virtual, os protestos figuram construções discursivas que haviam sido
propagados no ciberespaço por meio da indexação de palavras e frases publicadas em
mídias virtuais, tais como Facebook, Twitter e Youtube, e tomaram o espaço físico por
intermédio de símbolos e palavras de ordem específicas utilizados virtualmente. Essa
convergência de discurso e linguagem pode ser atestada na análise do conteúdo dos
cartazes utilizados pelos manifestantes, cujas mensagens remetiam à enunciações virtuais e
suas características.
A legitimidade das manifestações foi discutida por conta de múltiplos discursos que se
formaram durante o processo. Ao ser questionado especificamente sobre esse
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desdobramento de agendas nas manifestações brasileiras5, Castells se posicionou da
seguinte forma: Essa é uma característica comum a todos os movimentos indignados em rede, em todos os países. São espontâneos, não dirigidos, começam por um fato insuportável, mas imediatamente surgem milhares de humilhações sofridas, cada dia por muitas pessoas, em particular os jovens, por causa das burocracias políticas. Como diziam os manifestantes de São Paulo em junho, “não são 20 centavos, são nossos direitos”. Como as instituições não processam realmente os problemas das pessoas, e sim se ocupam em satisfazer os políticos e seus aliados em primeiro lugar, quando há um canal de expressão na rua, aparecem coletivamente todas as demandas que cada um pode expressar individualmente. (CASTELLS, 2013)
Portanto, esse desdobramento revelou-se característico do contexto social influenciado
pelas interações que se dão no ciberespaço, definindo assim que a análise desses discursos
deve ser feita partindo dessa nova configuração social promovida pelas mídias sociais.
Essas relações e processos se dão como práticas sociais entre sujeitos e se configuram no
discurso, ou melhor, nos processos enunciativos, no caso desse artigo, referentes às
manifestações. Para tanto, o fenômeno a ser estudado é justamente a convergência de
linguagens na virtualidade real, a partir do momento que os discursos do movimento
saíram do ciberespaço e tomaram as ruas por meio da utilização das hashtags como
palavras de ordem durante os protestos.
O ciberespaço, a folksonomia e a organização nas mídias sociais
O ciberespaço, de acordo com Lúcia Santaella, é regido por algumas palavras de ordem
que definem como os processos comunicacionais se dão nesse contexto. O “disponibilizar”
define-se como a simples publicação de conteúdo no ciberespaço, tais como textos,
notícias, vídeos, imagens, onde “em configurações de linguagem que cada vez mais vão
encontrando a sua verdadeira natureza interativa hipermidiática” (SANTAELLA, 2007, p.
180). Após a disponibilização de conteúdo, acontece a “exposição” dos indivíduos por
meio da produção e divulgação realizada através de blogs e microblogs. Quando esses
indivíduos se expõem, assumem simultaneamente as funções de cliente e servidor, e assim,
“aumenta-se a capilaridade das redes, pois cada usuário torna-se ao mesmo tempo
fornecedor de informação.” (SANTAELLA, 2007, p. 182), determinando “trocar” como
outra palavra de ordem no ciberespaço. Finalmente, dentro desse espaço onde o conteúdo é
5 Entrevista concedida à Revista ÉPOCA, no dia 11 de outubro de 2013. Disponível em: <http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2013/10/bmanuel-castellsb-mudanca-esta-na-cabeca-das-pessoas.html>
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disponibilizado, os indivíduos se expõem e trocam informações, o “colaborar” arremata o
conjunto de palavras de ordem que imperam esse espaço, caracterizando o desejo
incontrolável dos indivíduos em fazer parte das ações desse ambiente.
Essas palavras de ordem, as hashtags a que nos referimos, demonstram que, a cultura
criada dentro do ciberespaço, ou seja, a cibercultura, possui traços humanos “tanto quanto
quaisquer outros tipos de cultura, são criaturas humanas. Não há separação entre uma
forma de cultura e o ser humano. Somos essas culturas.” (SANTAELLA, 2003, p. 30). Ora, mídias são meios, e meios, como o próprio nome diz, são simplesmente meios, isto é, suportes materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através dos quais transitam. Por isso mesmo, o veículo, meio ou mídia de comunicação é o componente mais superficial, no sentido de ser aquele que primeiro aparece no processo comunicativo. Não obstante sua relevância para o estudo desse processo, veículos são meros canais, tecnologias que estariam esvaziadas de sentido não fossem as mensagens que nelas se configuram. Consequentemente, processos comunicativos e formas de cultura que nelas se realizam devem pressupor tanto as diferentes linguagens e sistemas sígnicos que se configuram dentro dos veículos em consonância com o potencial e limites de cada veículo quando devem pressupor também as misturas entre linguagens que se realizam nos veículos híbridos de que a televisão e, muito mais, a hipermídia são exemplares. (SANTAELLA, 2003, p.25)
À vista disso, a cibercultura acaba por reproduzir características sociais próprias dos seres
humanos, tais como a linguagem e os sistemas de signos. Nesse contexto, é possível
realizar a análise do próprio processo evolutivo da internet, que se divide em Web 1.0 e 2.0.
Quando fala-se de Web 1.0, fala-se de uma internet onde o conteúdo do ciberespaço era
produzido e controlado por organizações e instituições. A Web 2.0 define a fase atual da
internet, caracterizando-a como uma plataforma onde a produção, controle e organização
de conteúdo está disponível a todos os seus usuários, que tem liberdade de interagir com o
conteúdo..
Por conta dessa nova característica da internet, onde a produção de conteúdo acontece
livremente, houve demanda no desenvolvimento de métodos e facilidades para o
armazenamento e organização de toda a informação contida no ciberespaço. Assim,
ferramentas colaborativas foram desenvolvidas, permitindo que além de armazenar e
publicar suas próprias informações, os indivíduos pudessem também classificá-las com
seus próprios termos. Assim, a tarefa de classificar essas informações já não pertence
somente às instituições, mas é compartilhada pela comunidade virtual, onde cada um
contribui com sua parte. A essa classificação atribui-se o termo indexação.
O termo Folksonomia está ligado à indexação de conteúdo, e é uma combinação das
palavras folk e “taxonomia”, tendo seu significado definido como “a taxonomia criada
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pelas pessoas”. Thomas Vander Wal, o arquiteto da informação a quem o termo é creditado,
define-o da seguinte forma: Folksonomia é o resultado da classificação pessoal de informação e objetos (quaisquer relacionados a um URL) passíveis de recuperação. A classificação é feita em um ambiente social (compartilhada e aberta a outros). O ato de classificar é feito pelo indivíduo ao utilizar seu próprio vocabulário e acrescentar significados explícitos, que podem ser originados no conhecimento inferido da informação ou objeto. As pessoas não somente categorizam como também fornecem meios para conectar items e dando seus próprios significados de acordo com seus conhecimentos. (VANDER WAL, 2007 apud PETERS, 2009, p.154, tradução livre do autor)6
Ou seja, a folksonomia é resultado da livre classificação de informação, realizada dentro de
um ambiente social, compartilhada e aberta aos demais usuários da rede. Ao realizar essa
classificação, os indivíduos não só categorizam, como também dão significado a esses
objetos de acordo com seu próprio entendimento.
Delineada nesse contexto, a folksonomia consiste na livre seleção de palavras-chave que
podem ser utilizadas para a classificação de qualquer fonte de informação. As palavras-
chave são conhecidas como tags, que no inglês significam etiquetas. Na folksonomia, o
indivíduo, que nesse caso é tanto o emissor quanto o receptor, se transforma naquele que
classifica, decidindo quais e quantas tags deseja distribuir sobre qualquer assunto, estando
irrestrito a qualquer diretriz. As tags permitem ao usuário visualizar suas próprias
marcações e compartilhá-las, além de visualizar as marcações feitas por outros usuários e
acessar informações relacionadas a essas tags na rede.
O Twitter, uma das principais mídias sociais, implantou em meados de 2008, o sistema de
indexação denominado trending topics, uma ferramenta que possibilita o agrupamento de
postagens por tópicos, articulando determinadas palavras, frases ou expressões precedidas
pelo símbolo sustenido “#”, chamado hashtag. Desde então, os usuários podem direcionar
ativamente tópicos específicos ou acompanhar passivamente o movimento de indexação
dessa mídia social. Todos os tópicos direcionados são instantaneamente indexados e
filtrados antes de tornarem-se visíveis na barra onde são agrupados os trending topics.
Contextualizadas no conceito de folksonomia, as hashtags classificam, agrupam e
direcionam as informações contidas na web sobre os mais variados temas e assuntos,
possibilitando maior participação e cooperação dos usuários, através da utilização de 6 Folksonomy is the result of personal freetagging of information and objects (anything with a URL) for one’s own retrieval. The tagging is done in a social environment (shared and open to others). The act of tagging is done by the person using theis own vocabulary and adding explicit meaning, which may come from inferred undestanding of the information/object. The people are not so much categorizing as providing a means to connect items and to provide their meaning in their own understanding (VANDER WAL, 2007 apud PETERS, 2009, p.154).
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palavras-chave para organização.
O desenvolvimento e aprimoramento do processo de indexação, além de possibilitar a
organização do conteúdo, contribuiu também com a organização dos indivíduos das mídias
sociais. A indexação permitiu a formação de grupos por meio do compartilhamento de
ideias, onde as hashtags são utilizadas não somente para definir e delimitar o conteúdo das
informações, como também para exteriorizar ideais, sentimentos, preferências, indignações
e posicionamentos variados dos indivíduos que compõem o ciberespaço. Essas tecnologias de comunicação não são apenas ferramentas de descrição, mas sim de construção e reconstrução da realidade. Quando alguém atua através de uma dessas redes, não está simplesmente reportando, mas também inventando, articulando, mudando. Isto, aos poucos, altera também a maneira de se fazer política e as formas de social. (SAKAMOTO, 2013, p.95)
No caso das manifestações fomentadas dentro das mídias sociais, vemos o papel das
hashtags em agrupar esses atores virtuais por meio do compartilhamento dos mesmos
ideais. Isso revela que as novas formas de organizar e comunicar dentro do ciberespaço
tem o poder de maximizar o agrupamento social, onde grupos antes dispersos por espaços
geográficos e sociais, agora dispõem de ferramentas sociais que ampliam a coordenação e
o compartilhamento de ideais comuns, colocando essas ferramentas em uma posição ideal
para articulações políticas.
Hashtags e as palavras de ordem nos cartazes
Enquanto os meios de comunicação tradicionais faziam cobertura da movimentação por
conta do aumento tarifário, nas mídias sociais, os grupos começavam a se formar em
virtude de um sentimento de injustiça despertado pelo que as mídias tradicionais tratavam
simplesmente como tema isolado, no caso, as reivindicações do Movimento Passe Livre
sobre as tarifas de ônibus.
Além de aderir às causas defendidas pelo MPL, a população encontrou no espaço aberto
para discussão uma oportunidade para defender seus direitos no ciberespaço, no qual é
possível se informar e se fazer ouvir. Castells7 afirma que, quando organizados em rede,
esses movimentos sociais preenchem a lacuna de representação originada na crise
enfrentada pelas organizações tradicionais, ou seja, uma representação feita pelas mídias
7 Entrevista concedida à revista ISTOÉ Independente sobre as manifestações ocorridas no Brasil no dia 28 de junho. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/311021_DILMA+E+A+PRIMEIRA+LIDER+MUNDIAL+A+OUVIR+AS+RUAS+>
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tradicionais que, por não manterem-se alinhadas com as demandas sociais ao noticiarem os
fatos, acabam por afastar-se do público na defesa de suas próprias agendas, falhando na
representação da sociedade como um todo.
Assim, a internet torna-se fundamental para a organização desse tipo de manifestação,
permitindo que as pessoas se expressem e alcancem as demais mídias por meio do impacto
gerado sobre a opinião pública. Para Castells (2003, p.117), “Esses movimentos pretendem
conquistar poder sobre a mente, não sobre o Estado. Tal perspectiva define as
características pessoais dos discursos e seus elementos dentro do ciberespaço, onde, apesar
de ser um meio de multiplicação de códigos e linguagens, é resultado da ação humana no
que diz respeito a ideais e objetivos sociais. O que caracteriza prioritariamente o ciberespaço, espaço de virtualidades, feito de bytes e de luzes, é a habilidade para assimilar ambientes dentro dos quais os humanos podem interagir, aliás, que só funcionam como tal pelo agenciamento do visitante. O acesso ao ciberespaço se dá por meio de interfaces que nos permitem penetrar nos seus interiores e navegar a belprazer pela informação - consubstanciada em linguagens hipermidiáticas, linguagens mistas, híbridas, escorregadias, feitas de misturas de textos, linhas, sinais, gráficos, tabelas, imagens, ruídos, sons, músicas e vídeos - que esses interiores disponibilizam em arquiteturas de conteúdo organizados. (SANTAELLA, 2007, p.178)
Graças à ambientação no ciberespaço, as manifestações desenvolveram uma característica
híbrida, na qual é possível perceber a convergência de linguagens entre o espaço de
virtualidade real e o espaço físico, no caso, as ruas das cidades onde os protestos
aconteceram. Leonardo Sakamoto, jornalista e doutor em Ciências Políticas, pontua que,
“O chamado, feito via redes sociais, trouxe as próprias redes sociais para a rua. Quem
andou pela Avenida Paulista percebeu que boa parte dos cartazes eram comentários tirados
do Facebook e do Twitter” (SAKAMOTO, 2013, p.97), afirmando que a convergência
entre os signos próprios do ciberespaço e o chamado das ruas se materializaram
visualmente no discurso construído em cada cartaz levantado pelos manifestantes.
Ao representar esses símbolos do ciberespaço nos cartazes que pretendiam reivindicar seus
direitos, os manifestantes transferiram os discursos defendidos na virtualidade para as ruas.
A utilização desses símbolos tornou o espaço público um território seguro para a expressão
dos ideais sociais por eles defendidos, e assim como na internet, “Esse grupo sentiu-se à
vontade para agir em público exatamente da mesma forma que já fazia nas áreas de
comentários de blogs e nas redes sociais, mas sob anonimato” (SAKAMOTO, 2013, p.97).
O sentimento de segurança e confiança de ser ouvido em suas próprias individualidades se
deu, em grande parte, pela familiaridade de empunhar símbolos de discursos tão próximos
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a eles no ambiente virtual.
Imagem 1 - Manifestante exibe cartaz fazendo referência ao Facebook8.
A inexistência de fronteiras territoriais no ciberespaço caracteriza outro fenômeno
identificado nos protestos, uma vez que não existem limites de alcance para as mensagens
emitidas nesse meio. De acordo com Castells, Os movimentos culturais (no sentido de movimentos voltados para a defesa ou a proposta de modos específicos de vida e significado) formam-se em torno de sistemas de comunicação - essencialmente Internet e a mídia - porque é principalmente através deles que conseguem alcançar aqueles capazes de aderir a seus valores e, a partir daí, atingir a consciência da sociedade como um todo. (CASTELLS, 2003, p.116)
Viabilizados pelo poder de alcance da internet, movimentos específicos foram organizados
dentro das manifestações, e essa organização se deu utilizando as diferentes possibilidades
de indexação oferecidas pelas mídias sociais. A utilização da hashtag, já citada
anteriormente, foi a mais recorrente dentro do cenário de convergência proposto, no qual
classificou e categorizou os diversos discursos através da utilização de palavras de ordem,
tais como: #vemprarua, #ogiganteacordou, #mudabrasil, #changebrazil. Assim, a
8 Maíra Barillo, 2013. Disponível em: <http://www.conexaojornalismo.com.br/noticias/fotos-da-manifestacao-contra-o-aumento-das-tarifas-no-rio-1-11911> Acesso em: 25 mar. 2014.
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indexação promovida por esse símbolo na internet, não só organizou as construções
discursivas no ciberespaço, como também trouxe unidade aos grupos que foram às ruas,
através da atribuição de sentido às frases e símbolos escolhidos para representar os ideias
sociais defendidos.
Dentre essas construções apresentadas nos protestos, classificados através das hashtags,
destaca-se o caso específico do movimento #changebrazil. O movimento iniciou-se com a
divulgação de um vídeo, no dia 14 de junho, no canal changebrazil do Youtube, no qual
um homem sob o pseudônimo Thismr Maia, relata, em inglês, várias razões pelas quais o
Brasil precisa mudar. Temas como corrupção, superfaturamento das obras da Copa da
FIFA 2014, desvio de verbas federais destinadas à saúde e educação, foram utilizados para
realizar um apelo à comunidade internacional, para que esta participasse da mobilização e
ajudasse o país a mudar de alguma forma.
A começar pela utilização do idioma inglês, tanto na composição das palavras de ordem
que compunham a hashtag, quanto no vídeo divulgado no canal do Youtube, o movimento
foi posicionado e produzido para comunicar-se com a comunidade internacional. A escolha
do idioma, por si só, já definiu os interlocutores desse discurso, no caso, os brasileiros
residentes fora do país e aqueles que se relacionam a eles de alguma forma.
Imagem 2 - Brasileira residente em Miami - EUA, mostra seus braços pintados com uma das
hashtags dos protestos e o slogan do movimento Change Brazil9.
9 EFE, 2013. Disponível em: <http://www.elcomercio.com/mundo/Brasil-protestas-manifestaciones-SaoPaulo-Mexico Miami-Rousseff_5_940755918.html> Acesso em: 25 mar. 2014.
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No caso #changebrazil, é possível identificar o agrupamento físico gerado pela utilização
da hashtag, e além disso, identifica-se também o agrupamento de ideias, uma vez que
indivíduos, em diferentes países, levantavam cartazes que traziam a mesma mensagem,
unificada pelo discurso emitido no ciberespaço. O movimento #changebrazil acaba por
evidenciar de forma ainda mais abrangente a inexistência de barreiras territoriais para a
propagação dos discursos na internet.
Mesmo que fora do Brasil, esses brasileiros conheciam a realidade do país, quer fosse pelas
mídias tradicionais, quer fosse pelas mídias sociais, e assim, “Compraram um discurso
fácil que cabia em sua indignação. Sinto que eles querem sentir que poderão ser
protagonistas de seu país e de sua vida. E enxergam a classe política e as instituições
tradicionais como parte do problema.” (SAKAMOTO, p.98, 2013). Novamente a falha na
representatividade das mídias tradicionais acabou por contribuir para a mobilização de um
movimento social, já que essa indignação também diz respeito a essa lacuna.
Imagem 3 - Estudantes brasileiros em Portugal levantando cartazes com a hashtag #changebrazil10.
10 EPA/ João Relvas, 2013. Disponível em: <http://ansabrasil.com.br/brasil/noticias/fotos/brasil/2013/06/18/Estudantes-brasileiros-em-Portugal-demonstram-apoio-manifestacoes_7111970.html> Acesso em: 25 mar. 2014.
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Imagem 4 - Manifestante em Londres, exibindo cartaz contendo as hashtags
#ogiganteacordou, #vemprarua e #obrasilacordou11.
Imagem 5 - Cartazes reproduzindo frases contidas no vídeo do movimento Change Brazil12.
Imagem 6 - Brasileira exibe cartaz, em inglês, questionando a realização da Copa 201413.
Considerações finais
Ao disponibilizar um ambiente seguro para a exposição de diferentes discursos e garantir
visibilidade para eles, o ciberespaço configurou-se como o espaço social ideal para o
estabelecimento das manifestações populares de 2013. A falta de representatividade das
mídias tradicionais e a visibilidade promovida pelo ciberespaço são contrastantes, e ao 11 Irina Birskis Barros, 2013. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/album/2013/06/18/manifestacoes-pelo-mundo-em-solidariedade-ao-brasil.htm#fotoNav=49> Acesso em: 25 mar. 2014. 12 Today.it, 2013. Disponível em: <http://www.today.it/rassegna/blatter-proteste-mondiali-brasile.html> Acesso em: 25 mar. 2014. 13 AP/Polfoto/Jens Dresling, 2013. Disponível em: <http://www.sportsnet.ca/soccer/fifa-president-sepp-blatter-protesters-in-brazil-shouldnt-use-football-to-make-case-against-government/> Acesso em: 25 mar. 2014.
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mesmo tempo, definitivas quando se trata de causas políticas, onde é essencial que exista
democracia, onde o indivíduo tenha liberdade de se expressar e de ser ouvido. Para tanto,
as mídias sociais configuram-se como a plataforma ideal para promover essas articulações
políticas, especialmente por nelas imperar a democracia devida a cada indivíduo.
Além disso, a folksonomia vigente no ciberespaço não somente organiza as informações
ali presentes, como também, organiza os indivíduos que se relacionam e interagem com e
por meio desse espaço, através da virtualidade real. Essa característica das mídias sociais
acabou por promover a coordenação e o agrupamento dos indivíduos não só no
ciberespaço, como também nos espaços públicos das várias cidades onde as manifestações
ocorreram, ao uni-los em torno de discursos congêneres. A materialização, ou seja, a
convergência da linguagem virtual com a real, desse argumento encontra-se justamente na
utilização das hashtags nas palavras de ordem contidas nos cartazes levados à rua pelos
manifestantes.
… hoje vivemos uma verdadeira confraternização geral de todas as formas de comunicação e de cultura, em um caldeamento denso e híbrido: a comunicação oral que ainda persiste com força, a escrita, no design, por exemplo, a cultura de massas que também tem seus pontos positivos, a cultura das mídias, que é uma cultura do disponível, e a cibercultura, a cultura do acesso. Mas é a convergência das mídias, na coexistência com a cultura de massas e a cultura das mídias, estas últimas em plena atividade, que tem sido responsável pelo nível de exacerbação que a produção e circulação da informação atingiu nos nossos dias e que é uma das marcas registradas da cultura digital. (SANTAELLA, 2003, p. 28)
A cibercultura acaba por abranger e convergir em si as demais culturas, fazendo com que
os discursos circulem livremente e causem impactos sociais consideráveis. Por tratar-se de
uma cultura híbrida, torna-se comum a muitos, maximizando o alcance e agrupamento de
pessoas, que, independentemente da localização geográfica, podem mobilizar-se e atrair a
atenção da sociedade para causas que defendam. Esse fato é atestado pelas manifestações
que tomaram conta de várias cidades pelo mundo em favor de uma causa brasileira, que
atraíram a atenção das mídias tradicionais em torno dos discursos organizados e unificados
dentro do ciberespaço, demonstrando assim que esse espaço transcende os limites
territoriais e define sua cultura própria.
Portanto, a internet pode ser identificada como uma ferramenta de transformação social,
por viabilizar as interações ideológicas e ter o poder de agrupar e mobilizar indivíduos em
torno de um objetivo comum, permitindo que os discursos que circulam no ciberespaço
alcancem relevância que ultrapassa os limites da virtualidade, atingindo os espaços sociais
e políticos.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Palhoça ‐ SC – 8 a 10/05/2014
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REFERÊNCIAS
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