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3. Dimensões da ação humana e dos valores 242 QUESTÕES ORIENTADORAS Qual é a relação entre a razão e a fé? Quais as provas clássicas (argumentos) da existência de Deus? Qual é a posição de Kant acerca do problema da existência da Deus? 3.3.3 Religião, razão e fé A relação entre a razão e fé A questão é esta: devemos abordar a questão da existência de Deus através da fé ou da razão? Qual o significado destes termos? Fé ( do latim f ides, f idelidade) é a f irme convicção de que algo é verdade, sem que haja prova ou critério objetivo de verif icação, sendo a convicção validada pela conf iança que depositamos numa ideia ou fonte de transmissão. A fé opera através da vivência devocional (emocional). E razão? É a capacidade humana para, através de signos (palavras, números, imagens), organizar a realidade estabelecendo relações entre proposições, com o f im de obter conclusões. A razão opera com conceitos, permite comunicar vá- rios tipos de informação, debater e discordar (argumentar), e difere da fé que apela mais à emoção do que à argumentação. A questão é antiga, e tornou-se mais relevante quando f ilósofos e teólogos cristãos ( na Idade Média ) procuraram conciliar fé e razão. Uma expressão con- sagrada pertence a Anselmo de Cantuária (a fé procurando inteligibilidade), e a relação estabelecida foi a seguinte: «Creio para compreender, pois se não acre- ditar não compreenderei» ( Proslogion, 1). Vejamos dois textos que ilustram duas posições diferentes. A visão da Igreja Católica Encíclica Fides et ratio (Fé e razão) «O Concílio Vaticano I ensina que a verdade alcançada pela via da reflexão filosófica e a verdade da Revelação não se confundem. (...) A fé conta com a ajuda sobrenatural da graça, o conhecimento filosófico move-se com a luz do intelecto. O anúncio criso encontrou-se com as correntes filosóficas do seu tempo e S. Tomás colocou em primeiro lugar a harmonia entre a razão e a fé, argumentando que a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus, não se podendo, por isso, contradizer-se. Idade Média: período da história da Europa entre a Antiguidade e a Idade Moderna (séculos V-XV). Anselmo de Cantuária (1083 - 1109), conhecido como Pai da Escolástica, é um dos mais famosos filósofos medievais. O Concílio Vaticano I realizou-se de 8 de dezembro de 1869 a 18 de dezembro de 1870. AVALIAÇÃO EXTERNA

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

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QUESTÕES ORIENTADORAS

• Qual é a relação entre a razão e a fé?

• Quais as provas clássicas (argumentos) da existência de Deus?

• Qual é a posição de Kant acerca do problema da existência da Deus?

3.3.3 Religião, razão e fé

A relação entre a razão e féA questão é esta: devemos abordar a questão da existência de Deus através

da fé ou da razão? Qual o significado destes termos?

Fé (do latim fides, fidelidade) é a firme convicção de que algo é verdade, semque haja prova ou critério objetivo de verificação, sendo a convicção validada pela confiança que depositamos numa ideia ou fonte de transmissão. A fé opera através da vivência devocional (emocional).

E razão? É a capacidade humana para, através de signos (palavras, números, imagens), organizar a realidade estabelecendo relações entre proposições, com o fim de obter conclusões. A razão opera com conceitos, permite comunicar vá-rios tipos de informação, debater e discordar (argumentar), e difere da fé que apela mais à emoção do que à argumentação.

A questão é antiga, e tornou-se mais relevante quando filósofos e teólogos cristãos (na Idade Média) procuraram conciliar fé e razão. Uma expressão con-sagrada pertence a Anselmo de Cantuária (a fé procurando inteligibilidade), e a relação estabelecida foi a seguinte: «Creio para compreender, pois se não acre-ditar não compreenderei» (Proslogion, 1).

Vejamos dois textos que ilustram duas posições diferentes.

A visão da Igreja Católica

Encíclica Fides et ratio (Fé e razão)

«O Concílio Vaticano I ensina que a verdade alcançada pela via

da reflexão filosófica e a verdade da Revelação não se confundem. (...)

A fé conta com a ajuda sobrenatural da graça, o conhecimento filosófico

move-se com a luz do intelecto.

O anúncio cristão encontrou-se com as correntes filosóficas do seu

tempo e S. Tomás colocou em primeiro lugar a harmonia entre a razão

e a fé, argumentando que a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de

Deus, não se podendo, por isso, contradizer-se.

Idade Média: período da história da Europa entre a Antiguidade e a Idade Moderna (séculos V-XV).

Anselmo de Cantuária (1083 - 1109), conhecido como Pai da Escolástica, é um dos mais famosos filósofos medievais.

O Concílio Vaticano I realizou-se de 8 de dezembro de 1869 a 18 de dezembro de 1870.

AVALIAÇÃO

EXTERNA

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3.3 A dimensão religiosa

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Mas as posições radicalizaram-se e no século passado (século XIX)

alguns representantes do idealismo procuraram transformar a fé (...) em

estruturas racionalmente compreensíveis, conceção a que opuseram for-

mas de humanismo filosoficamente ateu que apontaram a fé como pre-

judicial e alienante para o desenvolvimento da razão. (...)

Assim, devido a uma progressiva separação entre a fé e a razão fi-

losófica (tanto uma como a outra) ficaram reciprocamente mais pobres

e débeis. A razão, privada do contributo da Revelação, corre o risco de

perder de vista a sua meta final. A fé, privada da razão, corre o risco de

deixar de ser uma proposta universal.»

Encíclica Fides et ratio, Papa João Paulo II, 1998.

O texto, adaptado de um documento oficial da Igreja Católica, defende que:• a reflexão filosófica e a fé não se confundem, pois a fé conta com a ajuda

sobrenatural, ao passo que o conhecimento filosófico só dispõe da luz natural do intelecto;

• apesar de S. Tomás de Aquino (século XIII) defender que a fé e a razão provêm de Deus e não podem contradizer-se, as posições dos respetivos defensores radicalizou-se e o humanismo ateu apresentou a fé como pre-judicial ao desenvolvimento da razão;

• a separação entre razão e fé tornou ambas mais débeis.

Hieronymus Bosch, As tentações de Santo Antão (c. 1495-1500).

A obra pode ser vista no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

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Atividades de exploração dos textos

1. Analise os textos da Encíclica e de Fernando Savater.2. Identifique as duas teses, e os respetivos argumentos em cada um dos textos.3. Debata a partir da confrontação entre as teses defendidas nos textos.4. Redija as conclusões, para posterior divulgação.

«A História é o lugar onde podemos constatar a «ação de Deus a favor da humanidade» é uma variante do argumento do desígnio, a estudar adiante.

A visão de um filósofo

A razão segundo João Paulo II

«Em Fides et ratio, o Papa João Paulo II fecha-se na tradicional sé-

rie de paralogismos que converte a reconciliação entre fé e razão num

arremedo de harmonia porque reclama (...) a submissão da segunda à

primeira. Segundo ele, o Homem deve procurar resposta para os misté-

rios da existência, desde que a indagação filosófica desemboque no aca-

tamento do que a fé já conhece (...).

Liberdade de pensamento? É a fé que permite a cada um exprimir

a sua própria liberdade, porque “a liberdade não se realiza nas opções

contra Deus”. À razão filosófica, resta-lhe a tarefa importante de “ilus-

trar conteúdos filosóficos como (...) a ação criadora de Deus no mundo, a

relação entre Deus e o homem, e a identidade de Cristo”.

Eis um exemplo histórico de tal erro: a proclamação dos princípios

filosóficos da Declaração dos Direitos do Homem (1790) pela Assem-

bleia da França revolucionária foi condenada por Pio VI (março e abril

de 1791), uma vez que “o poder não deriva de um contrato social, mas do

próprio Deus, garante do Bem e do Justo”.

A asseveração de que necessitamos de mais fé e menos razão aparece

na página 20: “A história é o lugar onde podemos constatar a ação de

Deus a favor da humanidade”(...). Receio que continuemos tão sós como

antes.»

Fernando Savater, A razão segundo Wojtyla, El País, 15/11/1998,

http://ocanto.esenviseu.net/

Segundo Savater:• a encíclica Fides et ratio reclama a submissão da razão à fé, aceitando a

indagação filosófica desde que a razão acate o que a fé já conhece;• a encíclica não reconhece o direito à liberdade de pensamento, pois a

liberdade «não se realiza nas opções contra Deus»;• o Papa indica como tarefa para a filosofia o esclarecimento racional das

verdades da fé;• se «a História é o lugar onde podemos constatar a ação de Deus a fa-

vor da humanidade», então continuamos sós.

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3.3 A dimensão religiosa

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Anselm Kiefer, Die Bösen Mütter (2007-2011).

A vida precisa de um deus?

Argumento a priori: o que usa proposições que não dependem da experiência.

As provas clássicas da existência de Deus Têm sido elaborados argumentos para demonstrar a existência de Deus. Estes

argumentos podem ser a priori ou a posteriori, conforme as proposições usadas como premissas sejam a priori ou a posteriori. Assim, a proposição «O triângulo tem três lados» é a priori, e, por isso, é verdadeira em virtude da forma lógica, isto é, decorre da relação estabelecida entre os dois termos.

No caso das proposições a priori podemos afirmar que são verdadeiras ou falsas sem recurso à experiência, porque apenas precisamos de verificar o signi-ficado dos termos usados e se elas obedecem às regras da lógica.

Assim, dada a definição de triângulo («Uma figura geométrica com três lados e três ângulos»), sabemos que a proposição «Um triângulo tem três lados e quatro ângulos» é falsa porque é inconsistente com a definição de triângulo.

Por outro lado, as proposições «Este triângulo é de madeira» ou «Este triân-gulo de madeira é amarelo» são a posteriori , porque a sua verdade ou falsidade não depende da forma lógica da proposição, isto é, da relação entre os dois ter-mos, mas da experiência.

Os argumentos mais utilizados para provar a existência de Deus são:argumento ontológico – a priori;argumento teleológico (ou argumento do desígnio) – a posteriori;argumento cosmológico – a posteriori.

Argumento a posteriori: o que usa proposições que dependem da experiência.

Duas proposições dizem-se consistentes quando podem ser verdadeiras simultaneamente e inconsistentes quando não podem ser verdadeiras simultaneamente.

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

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Argumento ontológico

Em geral, o argumento ontológico é chamado assim porque pretende inferir a existência de um ser a partir da definição do seu conceito.

Neste caso, procura estabelecer a existência de Deus a partir da definição de Deus: não se pode pensar um ser absolutamente perfeito sem o pensar como existente, posto que um ser perfeito é, por definição, um ser cuja não-existência é impossível.

Analisemos a versão de René Descartes do argumento ontológico:

«Quando penso com mais atenção, torna-se-me claro que a existência não pode ser separada da essência de Deus, da mesma forma que não se pode separar da essência de um triângulo que a soma dos seus três ângulos seja igual a dois retos.

Mas ainda que eu não possa conceber um Deus sem existência, pare-ce não se seguir, por isso, que exista, pois o meu pensamento não impõe nenhuma necessidade às coisas; e como só depende de mim imaginar um cavalo alado, ainda que não exista nenhum que tenha asas, do mes-mo modo poderia atribuir a existência a Deus sem que nenhum Deus existisse. (…)

É aqui que há um sofisma oculto sob a aparência de objeção, pois se não se pode conceber uma montanha sem vale (...), do mesmo modo, pelo simples facto de eu não poder conceber Deus sem existência, segue-se que a existência é inseparável dele e, portanto, que ele existe verdadeira-mente; não que o meu pensamento possa fazer que isso seja assim e que ele imponha às coisas alguma necessidade, mas, pelo contrário, porque a necessidade da própria coisa, a saber, a existência de Deus, determina o meu pensamento a concebê-lo desta forma. Pois não está na minha li-berdade conceber um Deus sem existência (isto é, um ser soberanamen-te perfeito sem uma perfeição soberana), embora faça parte da minha liberdade imaginar um cavalo sem asas ou com asas.»

René Descartes, Méditations métaphysiques (V), Garnier-Flammarion, 1979, Paris.

Segundo Descartes, embora se possa distinguir a essência da existência ao ana-lisar a realidade dos seres comuns, tal separação não se aplica a Deus, tal como não se pode pensar uma montanha sem um vale, nem recusar que é da essência de um triângulo que a soma dos seus três ângulos seja igual a dois ângulos retos.

Ora, se não se pode pensar a montanha sem pensar o vale, também não se pode pensar a essência de um ser perfeito sem que se lhe atribua necessaria-mente existência. E porque Deus é um ser perfeito e a existência é uma das qua-lidades da perfeição, então, Deus existe.

Argumento ontológico é um tipo de argumento que pretende provar por meios meramente lógicos a verdade de uma proposição, sem recorrer a qualquer tipo de prova empírica.

René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês, autor da expressão: «penso, logo existo».

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3.3 A dimensão religiosa

247

Assim:

• podemos pensar seres cuja essência seja separada da existência (um ca-valo alado);

• mas não podemos conceber um triângulo sem aceitar que a soma dos seus três ângulos corresponde a 180o (pois, por definição, um triângulo é uma figura geométrica com três lados e três ângulos cuja soma é igual a180 graus);

• o mesmo sucede com a ideia de Deus:– sendo Deus, por definição, um ser perfeito (omnisciente e omnipotente

e sumamente bom), etc.;– dado que a um ser perfeito nada pode faltar;– dado que existir só na mente (como definição) é menos perfeito do que

existir na mente e também fora dela (na realidade);– dado que a existência é uma das qualidades da perfeição;– dado que não podemos conceber a essência de Deus sem aceitar a sua

existência;– então: Deus existe e esse ser é o mais perfeito de todos.

Objeções ao argumento ontológico

A crítica mais comum é: este tipo de argumento permitiria demonstrar a exis-tência de qualquer coisa simplesmente a partir da sua definição, o que é obvia-mente absurdo. Se definíssemos uma ilha perfeita como aquela onde o mar seria absolutamente agradável, sem perigos, com uma vegetação perfeita, animais perfeitos, etc., e onde qualquer pessoa poderia ser feliz, não se poderia inferir desta definição a existência dessa ilha, pois ela seria um ser imaginário, ou sim-plesmente pensado.

A objeção mais consistente foi feita por Immanuel Kant:

«Os exemplos propostos (para provar a existência de Deus) são ex-

traídos unicamente de juízos, mas não de coisas e da sua existência. A

necessidade incondicionada dos juízos não é uma necessidade absoluta

das coisas. A proposição “um triângulo tem três ângulos” manifesta uma

necessidade lógica e não diz que três ângulos são absolutamente neces-

sários, mas apenas que, posta a condição de existir um triângulo, então

há necessariamente três ângulos.

Esta necessidade lógica demonstrou um tão grande poder de ilusão

(...) que na opinião corrente a existência está incluída na compreensão

da definição. (...) Poder-se-ia refutar, sem mais, (o argumento ontológico)

se não se desse o caso de a ilusão de confundir um predicado lógico com

um predicado real quase excluir todo o esclarecimento.»

I. Kant, Crítica da razão pura, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, Lisboa, p. 501.

Um filósofo contemporâneo apresentou a seguinte versão:

«Um celibatário pode ser definido com um homem solteiro. Ser sol-

teiro é uma propriedade essencial (faz parte da essência) definidora de

um celibatário. Se eu dissesse “os celibatários existem”, não estaria a

PROFESSOR

Crítica da razão pura,

A 592-593/B 620-621, capítulo

«O Ideal da razão pura», quar-

ta secção: Da impossibilidade

de uma prova ontológica da

existência de Deus.

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

248

descrever mais uma propriedade dos celibatários.

A existência não é o mesmo tipo de coisa que a

propriedade de ser solteiro: para que uma pessoa

possa ser celibatário tem de existir, apesar de o

conceito de celibatário ser o mesmo quer existam

celibatários quer não.

Se aplicarmos o mesmo raciocínio ao argumen-

to ontológico, vamos tratar a existência (de Deus)

como se fosse uma qualquer outra propriedade,

como a omnisciência ou a omnipotência, uma vez

que Deus não poderia ser omnisciente nem om-

nipotente sem existir. Portanto, ao definir Deus

como omnipotente e omnisciente já estamos a

pressupor que Deus existe. Acrescentar a existên-

cia como mais uma propriedade essencial de um

ser perfeito é cometer o erro de tratar a existência

como uma propriedade, em vez de a tratar como

condição de possibilidade para que qualquer coisa

possa realmente ter uma propriedade qualquer.

Claro que podemos falar acerca das proprie-

dades de um unicórnio (...) mas isso apenas quer

dizer: se os unicórnios existissem seriam seres as-

sim e assim”. Dizer “um unicórnio tem um só cor-

no” é uma afirmação hipotética (e de modo algum

implica a sua existência).»

Nigel Warburton, Elementos básicos de filosofia, Gradiva,

2007, Lisboa, pp. 42-43.

Giovanni Borelli (1608-1679), «Interpretação mecânica da anatomia humana», in De Motu Animalium.

Argumento teleológico ou do desígnio (argumento a posteriori)

O chamado argumento teleológico ou argumento do desígnio tem sido uti-lizado pelos defensores do teísmo. Vejamos como um filósofo contemporâneo apresenta o problema:

«Este argumento afirma que, se observarmos a natureza, não pode-

mos deixar de notar como tudo é apropriado à função que desempenha:

tudo mostra sinais de ter sido concebido. Isto demonstraria a existência

de um Criador [omnisciente e omnipotente e bondoso]. Se, por exemplo,

examinarmos o olho humano, verificaremos que todas as suas ínfimas

partes se adaptam entre si e que cada parte está judiciosamente adapta-

da àquilo para que aparentemente foi feita: ver. Tal como, ao observar

um relógio, podemos ver que foi concebido por um relojoeiro, também

ao observar o olho, argumentam eles, podemos ver que foi concebido por

uma espécie de Relojoeiro Divino.»

Nigel Warburton, Elementos básicos de filosofia, Gradiva, 2007, pp. 30-32.

Teleológico: do grego telos, fim, finalidade.

Argumento teleológico é o tipo de argumento que fundamenta a validade de uma inferência na existência, fictícia ou não, de uma finalidade ou causa final. Tornou-se famoso a partir da sua utilização por William Paley (1743-1805) que o usou para provar que o universo foi criado com um determinado propósito por Deus.

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3.3 A dimensão religiosa

249

Este argumento, também conhecido por analogia do relojoeiro, tenta de-monstrar que o universo foi criado por uma inteligência superior (Deus). A ana-logia consiste, neste caso, na comparação da complexidade da natureza com a complexidade do relógio: se ao observar um relógio nos damos conta da mara-vilhosa complexidade da sua maquinaria concluindo que essa complexidade é indício da existência de um fabricante inteligente, então também a maravilhosa complexidade do universo exige a existência de um construtor ou criador.

Partindo de um efeito, infere-se a sua causa: observamos o efeito (o relógio ou o olho) e tentamos descobrir o que o causou (um relojoeiro humano ou um relojoeiro divino).

Os defensores do argumento do desígnio afirmam que ao olharmos para a na-tureza, encontramos cada vez mais indícios que confirmam a existência de Deus, porque a Universo foi concebido de forma muito mais engenhosa do que um re-lógio, e o relojoeiro divino deve, concomitantemente, ser mais inteligente do que o relojoeiro humano.

Objeções ao argumento teológico ou do desígnio

«Trata-se de analogia fraca

Os argumentos por analogia baseiam-se na existência de semelhan-

ças entre as coisas comparadas. Há analogias fortes e analogias fracas: se

a semelhança for fraca, as conclusões que podem ser retiradas com base

na comparação serão igualmente fracas.

Este argumento baseia-se numa analogia fraca, pois aceita, sem dis-

cussão, a existência de uma semelhança significativa entre os objetos na-

turais e os artificiais. Contudo, não é garantido que o olho humano seja

realmente como um relógio. Neste caso, apesar de existir alguma seme-

lhança entre um relógio e um olho – ambos são intrincados e cumprem as

suas funções específicas –, essa semelhança é vaga e quaisquer conclusões

baseadas nessa analogia serão igualmente vagas.

Ignora a Teoria da evolução das espécies

A existência de um relojoeiro divino não é a única explicação possível

de como os animais e as plantas [e o olho humano] estão tão bem adap-

tadas às suas funções, pois a teoria da evolução pela seleção natural, de-

fendida por Charles Darwin, oferece-nos uma explicação alternativa deste

fenómeno.

Darwin mostrou como, pelo processo de sobrevivência do mais apto, os

animais e as plantas melhor adaptadas ao seu meio ambiente sobrevivem

e transmitem os seus genes aos seus descendentes.

Embora a teoria da evolução de Darwin não refute a existência de Deus

– na verdade, muitos cristãos aceitam as teses de Darwin – enfraquece a

força do Argumento do Desígnio, uma vez que explica os mesmos efeitos

sem necessitar de Deus como causa.

Charles Darwin (1809-1882),naturalista inglês, criador da teoria da evolução por seleçãonatural.

PROFESSOR

Sugestão

Organização de grupos de

trabalho para leitura e aná-

lise das objeções contra o

argumento do desígnio apre-

sentadas pelo fi lósofo esco-

cês David Hume (1711-1776)

na secção XI da Investigação

sobre o entendimento huma-

no, edição Gulbenkian.

Redação de conclusões a pu-

blicar no jornal e na página

da escola.

Analogia: semelhança entre elementos comparados.

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

250

Não justifica a existência do mal

Uma outra limitação do argumento é a que se refere ao caráter omnis-

ciente e bondoso do Criador. Muitas pessoas acham que o mal existente

no mundo, e que vai desde a crueldade humana, o assassínio e a tortura,

ao sofrimento causado pelos desastres naturais e pela doença, contraria a

atribuição dessas qualidades a Deus. Se, como o argumento do desígnio

sugere, devemos olhar à nossa volta para ver os sinais da obra de Deus,

muitas pessoas acham difícil aceitar que o que vêm seja o resultado de um

criador benevolente.»

Nigel Warburton, Elementos básicos de filosofia,

Gradiva, 2007, Lisboa, pp. 32-37.

Argumento cosmológico ou da causa primeira (argumento a posteriori)

O argumento cosmológico ou argumento da causa primeira tenta provar a existência de Deus a partir da necessidade de haver um criador do Universo, e socorre-se da investigação feita desde as filosofias de Platão e Aristóteles que buscavam a causa primeira de toda a realidade, uma causa incausada. Apesar da sua antiguidade, a teologia contemporânea continua a utilizá-lo.

O argumento cosmológico pode formular-se do seguinte modo:

• tudo o que começa a existir tem uma causa;

• o Universo começou a existir;

• logo, o Universo teve uma causa.

Este argumento tem várias versões e é conhecido sob as designações: argumento a partir da causalidade universal, argumento da causa primeira, argumento causal ou argumento da existência.

Theophilus Britt Griswold, Universe Timeline /NASA

(2006).

Representação visual da idade e da expansão do Universo.

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3.3 A dimensão religiosa

251

A ideia fundamental é esta: já que existe um Universo em vez de nenhum, ele deve ter sido causado por algo ou alguém além dele mesmo. O raciocínio baseia--se na lei da causalidade, que diz que qualquer coisa finita ou contingente é cau-sada por algo diferente de si mesma, e chama a essa primeira causa Deus. Usa as seguintes premissas:

• (I) verificamos constantemente que todas as coisas e acontecimentos têm uma causa, sendo causados por outros acontecimentos anteriores (tal como o crescimento das plantas é provocado pela absorção de nutrientes);

• (II) como não é possível uma série infinita de causas, teve de haver uma primeira causa que iniciou a série de causas e efeitos que tiveram comoresultado o Universo tal como o conhecemos hoje.

Objeções ao argumento cosmológico

1. Embora a primeira premissa (I) seja aceitável, a segunda premissa (II) nãoo é, pois a matemática demonstrou que é possível existirem séries infinitas de eventos ou causas.

2. Mesmo que aceitássemos a verdade de ambas as premissas (I e II):a) o argumento provaria apenas que cada série de causas tem uma causa

primeira ou causa incausada; ora, isso não provaria que todas as cau-sas eram parte de uma série única de causas que tivesse uma única primeira causa, porque é possível que nem todas as causas sejam par-tes de uma série única de causas;

b) o argumento provaria apenas, no melhor dos casos, que a primeira causa existe; ora isso não prova que essa primeira causa seja Deus (po-dia ser uma força sobrenatural maléfica ou simplesmente uma força cósmica não sobrenatural).

A fragilidade principal deste argumento reside em:

• primeiro, afirmar que tudo tem uma causa;

• aceitar, contraditoriamente, que há uma causa sem causa, a causa primei-ra, pois pode sempre perguntar-se: «Qual é a causa de Deus?».

Além disso, por que não poderão os fenómenos retroceder infinitamente no tempo? Se o Universo for eterno, terá uma primeira causa? E mais: quando os teís-tas dizem que Deus é sumamente bondoso, omnisciente e omnipotente, isto não tem qualquer relação com a existência de uma causa primeira. Se a causa primeira tem estas características, como explicar a existência do mal?

Atividades

1. Identifique os argumentos a favor e contra o argumento do desígnio.

2. Relacione o caráter omnisciente e bondoso do Criador com o problemaproposto na situação-problema.

3. Debata sobre o tema. Redija as conclusões.

PROFESSOR

Respostas

1. Se ao observarmos um re-lógio, damo-nos conta da sua maravilhosa complexi-dade, concluindo que essa complexidade é indício da existência de um fabricante inteligente, então também a maravilhosa complexida-de do Universo exige a exis-tência de um criador.

2. Aceitar o argumento de que Deus é omnisciente e sumamente bondoso é in-compatível com o pade-cimento imposto a Job. O uso dos argumentos racio-nais (cosmológico, onto-lógico ou do desígnio) tem subjacente a ideia de uma entidade divina que foge ao caráter ambivalente do sagrado (divino/demonía-co) defendido por Mircea Eliade (O sagrado e o pro-fano). A conceção cristã separou o bem e o mal de modo radical, atribuindo o primeiro a Deus e o segun-do a Satã. Ora, pode argu-mentar-se que Deus, como omnipotente criador, criou também o mal, o que é con-traditório com a noção de um ser sumamente bom.

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

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Kant e o problema da existência de Deus Immanuel Kant escreveu várias obras investigando algumas questões funda-

mentais da filosofia. Numa delas, a Crítica da razão pura, procurou responder à pergunta «que posso saber?» e, ao investigar o que é o conhecimento, concebeu que a realidade podia ser organizada em três grandes módulos ou ideias:

• a ideia de Deus (ideia teológica);

• a ideia de mundo (ou de liberdade, ideia cosmológica);

• e a ideia de alma (ideia antropológica).

Ao examinar a ideia de Deus, Kant verificou que os argumentos tradicionais que visavam provar a sua existência não apresentavam provas lógicas convin-centes. Concluiu, então, que os argumentos não eram baseados em nenhum co-nhecimento objetivo, mas que pressupunham (subjetivamente) que Deus existiria antes de analisar a possibilidade da sua existência. Ou seja, defendiam já uma conclusão antes de formularem o raciocínio. Viu-se, pois, perante um desafio: como é possível o conhecimento da existência de Deus?

Kant examinou exaustivamente aquilo a que se chamou «conhecimento», a partir das seguintes proposições:

• os objetos reais existem independentemente do sujeito que os queira co-nhecer;

• os objetos da realidade (as coisas em si ou mundo numénico, objetivo), são diferentes dos objetos que nós percecionamos (as coisas para nós oumundo fenoménico, subjetivo);

• o conhecimento (científico) resulta da aplicação das estruturas organiza-tivas já existentes no sujeito (por isso, a priori) à sensação obtida numa experiência (por isso, a posteriori);

• para haver conhecimento tem de haver experiência sensorial (que fornece a matéria do conhecimento).

«Partícula de Deus»?

A 4 de julho de 2012, a Organização Europeia para a PesquisaAtómica (CERN) anunciou a descoberta de uma nova partícula subatómica que pode ser o Bosão de Higgs.

Teorizado pelo físico britânico Peter Higgs, em 1964, o bosão é igualmente conhecido como a «partícula de Deus» fora dacomunidade científica, uma vez que é esta partícula que permite que todas as restantes possuam diferentes massas, segundo oModelo Padrão de partículas.

(Imagem: Simulação do evento do bosão – CERN.)

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3.3 A dimensão religiosa

253

Kant concluiu que só podemos ter conhecimento de objetos do mundo feno-ménico, uma vez que o mundo das coisas em si está para além da experiência sensorial possível.

Ora, dado que

• nós, humanos, não podemos ter experiências extrassensoriais;

• Deus, a existir, tem de ter uma natureza extrassensorial ou extrafenoméni-ca;

• só podemos conhecer o mundo sensorial (fenoménico);

então, não podemos saber se Deus existe.

Porém, reconhecer a impossibilidade de saber se Deus existe não significa que possamos afirmar que Deus não existe; apenas permite reconhecer os limites do conhecimento humano, isto é, que o conhecimento só pode ocorrer no quadro da experiência sensorial.

Ora, dado que os seres humanos não são apenas sujeitos cognitivos (dimen-((são teórica), mas também pessoas morais (a dimensão prática(( ), Kant remeteu a aaquestão da existência de Deus para o domínio moral: não podemos saber se Deus existe, mas podemos agir como se Deus existisse, e os seres humanos, devido aos conflitos das disposições da sua natureza, precisam de ser impelidos a seguir a lei moral.

Tal não significa tornar os seres humanos submissos a Deus, pois um dos pi-lares fundamentais da ética kantiana é a liberdade humana, e sem se pressupor essa liberdade (a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, ou seja, o livre--arbítrio) não se pode falar em vida moral.

Como a lei moral é o único princípio determinante do querer ou da vontade, a total conformação das intenções à lei moral – a que Kant chamou autonomia – é a condição suprema para tornar a vontade humana, dividida e imperfeita, numa vontade absolutamente boa, isto é, numa vontade santa.

Com efeito, só a autonomia expressa a liberdade da vontade, sendo esta a condição de possibilidade de independência relativamente ao mundo fenoméni-co (as disposições sensíveis).

Daqui decorre a pergunta de Kant: É possível alcançar a perfeição da vontade – o bem supremo – neste mundo sensível?

O próprio Kant responde:

• nenhum ser racional (um ser humano) consegue atingir tal perfeição no mundo sensível devido aos conflitos entre as disposições da natureza hu-mana (conflitos entre o sensível e o racional);

• contudo tal perfeição da vontade tem de ser possível, por definição, pois trata-se de uma exigência da própria moralidade, porque não faria senti-do procurar aperfeiçoar-se se isso fosse, por princípio, considerado im-possível.

Bem supremo é a santidade da vontade, isto é, a perfeita coincidência entre ser e dever-ser.

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

254

Deus como postulado da razão prática

Então, para encontrar uma saída para esta aporia (dificuldade), Kant foi levado a concluir que esse processo contínuo de aperfeiçoamento da vontade só é viável mediante a suposição de um ser racional dotado de uma personalidade que per-dure indefinidamente, isto é, que exista como alma imortal.

Kant afirma:

«Este progresso infinito, porém, só é possível sob o pressuposto de

uma existência e de uma personalidade indefinidamente persistentes

no mesmo ser racional (a que se dá o nome de imortalidade da alma) (…);

por conseguinte esta, enquanto indissoluvelmente ligada à lei moral, é

um postulado da razão pura prática.»

Kant, Crítica da razão prática, Edições 70, 2011, Lisboa, p. 141.

Na verdade, para perseverar incansavelmente no seu próprio aperfeiçoamento moral, o ser racional tem de ter a esperança de poder alcançar o bem supremo (ou seja, a santidade), e a imortalidade da alma é a condição dessa pos-sibilidade prática.

Outro dos postulados da razão prática é Deus. A existência de Deus é postulada como condição necessária da união entre moralidade e felicidade, a que Kant chama soberano bem.

A argumentação de Kant é semelhante à anterior: do mes-mo modo que a santidade da vontade pressupõe a imortali-dade da alma como condição da sua possibilidade, também o soberano bem deve ser possível, e somente Deus pode garan-tir essa possibilidade.

E porquê? Porque a felicidade de que fala Kant não é um estado de contenta-mento resultante da satisfação das necessidades e inclinações sensíveis. A felici-dade é, antes, o resultado de uma coincidência entre vontade e natureza supras-sensível, coincidência que o ser humano não possui (devido aos conflitos entre as suas disposições).

Ora, só um ser em que esses conflitos não existam, um ser em que haja coin-cidência entre vontade e natureza (Deus), pode garantir a união entre moralidade e felicidade. Por isso, Kant fala da existência de uma ligação necessária entre a moralidade e a felicidade, considerando esta como uma consequência da mora-lidade.

Afirma Kant:

«Devemos procurar fomentar o soberano bem (o qual, portanto, deve

ser possível); por isso, postula-se a existência de uma causa da natureza

no seu conjunto, distinta da natureza, a qual contém o princípio desta

conexão, a saber, da concordância exata da felicidade e da moralidade

que contenha o princípio da concordância da natureza não só como uma

lei da vontade dos seres racionais mas também como causalidade livre.»

Kant, Crítica da razão prática, Edições 70, 2011, Lisboa, pp. 143-144.

Postulado: é uma proposição apresentada como condição para que algo possa ocorrer; a imortalidade da alma é um postulado da razão prática, pois é a condição necessária para o progresso moral da vontade.

William Bouguereau, Alma transportada para o Céu (1878).

PROFESSOR

David Hume Obras sobre religião,

Fundação Calouste Gulbenkian,

2005, Lisboa.

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3.3 A dimensão religiosa

255

Kant e o problema da existência de Deus

Postulados da razão prática, segundo Kant

Segundo Kant, os argumentos de prova da existência Deus continham um erro lógico: defendiam a conclusão antes de formularem o raciocínio.

Reconhecer a impossibilidade de saber se Deus existe, não significa que Deus não existe.

Os seres humanos além de sujeitos cognitivos são pessoas morais.

A questão da existência de Deus passa para o domínio moral.Não podemos saber se Deus existe, mas podemos agir como se Deus existisse.

Sendo a lei moral o único princípio determinante da vontade, a conformação das intenções à lei moral – a autonomia – é a condição suprema para transformar a vontade humana numa vontade santa.Só a autonomia expressa a liberdade da vontade.Para perseverar no aperfeiçoamento moral, o ser racional tem de ter a esperança de poder alcançar o bem supremo (a santidade).

A imortalidade da alma é a condição dessa possibili-dade prática.Para ter esperança de superar os conflitos entre o sen-sível e o racional temos de admitir a existência de Deus.Liberdade, imortalidade da alma e Deus são postulados como condição necessária da união entre moralidade efelicidade: o soberano bem.

A imortalidade da almaCondição de possibilidade de du-ração adequada para a perfeita rea-lização da lei moral (temos de tertempo para nos aperfeiçoarmos).

A liberdade da vontadeCondição de possibilidade de inde-pendência relativamente ao mundofenoménico e capacidade de deter-minar a vontade humana pelas leisda razão.

A existência de DeusCondição de possibilidade de umsoberano bem, isto é, da união en-tre felicidade e moralidade.

Podemos saber se Deus existe?

• só podemos conhecer objetos do mundo fenomé-nico;

• o mundo das coisas em si está para além da expe-riência sensorial possível.

Dado que:

• os seres humanos não podem ter experiências ex-trassensoriais,

• Deus, a existir, tem de ter uma natureza extras-sensorial ou extrafenoménica,

então, não podemos saber se Deus existe.

Estes postulados não são objetos de conhecimento, mas ideias pensadas como condições necessárias para o agir moral. Portanto, Deus é pensado como condição necessária da moralidade.

Em resumo

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3. Dimensões da ação humana e dos valores

256

Ideias a reter

CONCEITOS ESPECÍFICOS

• A posteriori

• A priori

• Analogia• Analogia do relojoeiro• Aporia• Argumento cosmológico• Argumento ontológico• Argumento teleológico

(ou do desígnio)• Bem supremo• Fé• Fenoménico• Imortalidade da alma• Liberdade• Numénico• Postulado• Postulados da razão

prática• Princípio da não con-

tradição• Razão• Razão prática• Vontade santa

•• Teísmo: doutrina que defende a existência de Deus.

•• Ateísmo: doutrina que nega a existência de Deus.

•• Agnosticismo: o conhecimento humano não é suficiente para decidir se Deus exis-te ou não.

•• Um argumento por analogia baseia-se nas semelhanças entre duas coisas com-paradas: se são análogas em alguns aspetos, provavelmente também serão em muitos outros.

•• O argumento ontológico defende a existência de Deus partindo de uma definição. A sua refutação consiste em demonstrar a radical diferença entre uma ideia e a realidade.

•• O argumento cosmológico (ou argumento da causa primeira) defende a existência de Deus a partir da necessidade de haver uma causa primeira (criador) para a existência do Universo. Refuta-se indicando que um universo eterno não tem ne-cessidade de causa primeira, e que a existir uma causa primeira não é obrigatório identificá-la com Deus.

•• O argumento teleológico (ou do desígnio) defende que o sentido de um desígnio intencional que encontramos na natureza sugere que o mundo tem um «arquite-to» ou criador (Deus). A sua refutação consiste em mostrar que se trata de uma analogia fraca, ignora a teoria da evolução das espécies e não justifica a existência do mal.

Posição de Kant sobre a existência de Deus.

•• Partindo da refutação dos argumentos tradicionais, descobre que esses argumen-tos não fornecem provas lógicas conclusivas nem estão fundados no conhecimen-to objetivo, pelo que não podemos saber se Deus existe.

•• Da impossibilidade de saber se Deus existe não se pode inferir que Deus não exis-te, apenas reconhecer os limites do conhecimento.

•• Os seres humanos não são apenas sujeitos cognitivos (dimensão teórica) mas também pessoas morais (dimensão prática), pois mesmo sem saber se Deus exis-te podemos agir como se soubéssemos.

•• Os seres humanos têm de admitir alguns supostos (condições) como incentivo para agir moralmente. Chamou postulados da razão prática a essas condições.

•• Apresentou três postulados: a liberdade do ser humano, a imortalidade da alma, a existência de Deus.

•• A liberdade é uma condição indispensável para a existência da vida ética, dado que é condição de possibilidade para determinar a vontade.

•• A alma imortal é postulada como condição de duração (pois temos de ter tempo para nos aperfeiçoarmos).

•• A existência de Deus é condição de possibilidade de uma vontade santa (em que não há conflitos entre elementos sensíveis e racionais).

•• A existência de Deus tem uma função moral (impele-nos a agir moralmente).

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3.3 A dimensão religiosa

!Verifi cação da aprendizagem............................

1. Quais são as três principais doutrinas relativamente à existência de Deus?

2. Qual é o significado dos termos teísmo, ateísmo e agnosticismo?

3. O que é um argumento por analogia?

4. O que defende o argumento ontológico? Quais as refutações possíveis?

5. O que diz é o argumento teleológico (ou do desígnio)? Quais as refutações possíveis?

6. O que defende o argumento cosmológico? Quais as refutações possíveis?

7. Qual é o percurso argumentativo de Kant para chegar aos postulados da razão

prática?

8. Como define Kant conhecimento?

9. Porque é que não podemos saber se Deus existe, segundo Kant?

10. Quais são as duas dimensões do ser humano?

11. O que são postulados? Quais são os postulados da razão prática (segundo Kant)?

12. Qual é a função dos postulados da razão prática na filosofia de Kant?

Esquema-síntese

Relação fé versus razão

Provas da existência de Deus

• Firme convicção de que algo é verdade, sem que haja prova ou critério objetivo de verificação.

• A encíclica Fides et Ratio diz «A fé conta com a ajuda sobrenatural da graça, o conhecimento filo-sófico move-se com a luz do intelecto.»

Argumento ontológico

• Estabelece a existência de Deus a partir de uma definição: não se pode pensar um ser absolu-tamente perfeito sem o pensar como existente.

Objeções

• Este tipo de argumento permi-tiria demonstrar a existência dequalquer coisa simplesmente a partir da sua definição, o que é absurdo.

Argumento teleológico

• Tudo existe em função de uma finalidade.

Argumento cosmológico

• Tudo o que existe tem uma causa.• Deus é a causa primeira do Uni-

verso.

Razão

• Capacidade humana para organizar a realidade usando raciocínios.

• O filósofo Savater diz: «O Papa João Paulo II con-verte a reconciliação entre fé e razão num arreme-do de harmonia porque reclama a submissão dasegunda à primeira.»

Objeções

• Analogia fraca.• A existência do mal.

Objeções

• Na matemática há séries infi-nitas.

• Um universo eterno não temcausa.

257

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258

Tarefa

1. Confronte a linguagem poética deste texto com a linguagem dos argu-mentos da existência de Deus.

TEXTO 1

Uma visão poética da relação ser humano – Deus

O texto desafia a visão comum da relação entre o humanoe o divino, colocando-a num patamar de amizade recíproca.

Num meio-dia de fim de primavera

Tive um sonho como uma fotografia.

Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte

Tornado outra vez menino,

A correr e a rolar-se pela erva

E a arrancar flores para as deitar fora

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu (...)

Hoje vive na minha aldeia comigo.

É uma criança bonita de riso e natural.

Limpa o nariz ao braço direito,

Chapinha nas poças de água,

Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.

A mim ensinou-me tudo

Ensinou-me a olhar para as cousas.

Mostra-me como as pedras são engraçadas

Quando a gente as tem na mão

E olha devagar para elas.

O Menino Jesus adormece nos meus braços

e eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.

Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.

Ele é o humano que é natural,

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E por isso é que eu sei com toda a certeza

Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

A Criança Nova que habita onde vivo

Dá-me uma mão a mim

E a outra a tudo que existe

E assim vamos os três pelo caminho que houver,

Saltando e cantando e rindo

E gozando o nosso segredo comum

Que é o de saber por toda a parte

Que não há mistério no mundo

E que tudo vale a pena.

Textos de apoio

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Textos de apoio

Tarefa

1. Considera que o senti-mento de desespero, de solidão e de abandono que por vezes domina as pessoas seja suficiente para provar a existência de Deus?

Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens

E ele sorri, porque tudo é incrível.

Ri dos reis e dos que não são reis,

E tem pena de ouvir falar das guerras,

E dos comércios, e dos navios

Que ficam fumo no ar dos altos-mares.

Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade

Que uma flor tem ao florescer.

Depois ele adormece e eu deito-o.

Ele dorme dentro da minha alma

E brinca com os meus sonhos.

Quando eu morrer, filhinho,

Seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo

E leva-me para dentro da tua casa

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde,

Para eu tornar a adormecer.

E dá-me sonhos teus para eu brincar

Até que nasça qualquer dia

Que tu sabes qual é.

Alberto Caeiro, O guardador de rebanhos (excerto),

Assírio & Alvim, 2001, Lisboa, pp. 37-41.

TEXTO 2

Onde está Deus?

Um texto desafiante de um ser desamparado.

«Onde está Deus, mesmo que não exista? Quero rezar e chorar, arre-

pender-me de crimes que não cometi, gozar, ser perdoado com uma carí-

cia não propriamente materna.

Um regaço para chorar, mas um regaço enorme, sem forma, espaçoso

como uma noite de verão, e contudo próximo, quente, feminino ao pé de

uma lareira qualquer (…). Poder ali chorar coisas impensáveis, falências

que nem sei quais são, ternuras de coisas inexistentes, e grandes dúvidas

arrepiadas de não sei que futuro...

Uma infância nova, uma ama velha outra vez, e um leito pequeno onde

acabe por dormir, entre contos que embalam, mal ouvidos, com uma aten-

ção que se torna morna, de perigos que penetravam em jovens cabelos

louros como o trigo (…). E tudo isto muito grande, muito eterno, definitivo

para sempre, da estatura única de Deus, lá no fundo triste e sonolento da

realidade última das coisas (…).

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260

Afinal eu quem sou, quando não brinco? Um pobre órfão abandonado

nas ruas das sensações, tiritando de frio às esquinas da Realidade, tendo

que dormir nos degraus da Tristeza e comer o pão dado da Fantasia. De

um pai sei o nome; disseram-me que se chamava Deus, mas o nome não

me dá ideia de nada. Às vezes, na noite, quando me sinto só, chamo por

ele e choro, e faço-me uma ideia d’Ele a quem possa amar (…). Mas depois

penso que O não conheço, que talvez Ele não seja assim, que talvez não

seja nunca esse o pai da minha alma (…).

Quando acabará isto tudo, estas ruas onde arrasto a minha miséria, e

estes degraus onde encolho o meu frio e sinto as mãos da noite por entre

os meus farrapos? Se um dia Deus me viesse buscar e me levasse para

sua casa e me desse calor e afeição (…). Às vezes penso isto e choro com

alegria a pensar que o posso pensar (…). Mas o vento arrasta-se pela rua

fora e as folhas caem no passeio (…). Ergo os olhos e vejo as estrelas que

não têm sentido nenhum (…). E de tudo isto fico apenas eu, uma pobre

criança abandonada, que nenhum Amor quis para seu filho adotivo, nem

nenhuma Amizade para seu companheiro de brinquedos.

Tenho frio demais. Estou tão cansado no meu abandono. Vai buscar, ó

Vento, a minha Mãe. Leva-me na Noite para a casa que não conheci (…).

Torna a dar-me, ó Silêncio, (…) a minha ama e o meu berço e a minha can-

ção com que eu dormia.

Fernando Pessoa (Bernardo Soares), Livro do desassossego, vol. II,

Ed. Ática, 1982, Lisboa, pp. 14-15.

Vincent Van Gogh, At Eternity’s Gate (1890).

Biografi as

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Textos de apoio

Esquema-síntese geral

RELIGIÃO

↓ Duas etimologias e dois significados da palavra religare/relegere.

Dois planos de realidade

Sagrado (o numinoso)

• Sobrenatural

• Só acessível através de uma experiência

Profano

• Quotidiano

• Plano onde se manifestam as hierofanias

Sentido da existência

Perguntas

• Qual o significado da existência?

• Que orientação para a existência?

• Qual o valor da existência?

Karl Marx«A religião é o ópio do povo.»

Friedrich Nietzsche«Deus está morto.»

Jean-Paul Sartre«Deus não existe. O ser humano éresponsável pela sua existência.»

William Craig«Sem Deus a vida é absurda.»

Khalil Gibran«Deus está em toda a parte.»

Thomas HuxleyÀ questão: «Existe um Deus?»responde «Não sei nem possosaber.».

AteísmoNega a existência de Deus.

TeísmoAfirma a existência de Deus.

AgnosticismoNão afirma nem nega que Deusexiste.

Respostas

261

(continua na página seguinte)

de conceitosA dimensão

religiosa – Análise

e compreensão da

experiência religiosa

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Esquema-síntese geral (continuação)

Como abordar a existência de Deus

Provas da existência de Deus

Kant e a existência de Deus

• Firme convicção de que algo é verdade, sem quehaja prova ou critério objetivo de verificação.

• A impossibilidade teórica de conhecer Deus.

• Os postulados da razão prática.

• Deus como consequência necessária da moral.

Argumento ontológico

• Estabelece a existência de Deusa partir de uma definição.

Objeções

• Demonstrar a existência dequalquer coisa a partir da suadefinição é absurdo.

Argumento teleológico

• Tudo existe em função de uma finalidade.

Argumento cosmológico

• Tudo o que existe tem uma causa.

Razão

• Capacidade humana para organizar a realidade usando raciocínios.

Objeções

• É uma analogia fraca.Objeções

• Um universo eterno não tem causa.

262

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263

Ficha formativa

1. Indique as afirmações verdadeiras e corrija as falsas.

I

II

III

Afi rmações V/F

a) Religião é a relação entre o ser humano e o sagrado.

b) O termo transcendência divina designa a existência de seres divinos para além doslimites do mundo e da compreensão humana.

c) Imanência divina designa a existência de um ser supremo exterior ao plano do chamadomundo natural

d) Na religião existem crenças, cultos e ritos sociais.

e) O termo sentido designa:• o significado de uma palavra;• uma orientação no caminho da vida;• o valor atribuído a uma ação.

f) Segundo Nietzsche, «A religião é o ópio do povo.»

g) Marx escreveu: «Se Deus não existisse, tudo seria permitido.»

h) À questão «Existe um Deus?» um agnóstico responde: «Claro, isso podemos saber.»

i) Razão é a firme convicção de que algo é verdade, sem que haja prova ou critério deverificação.

j) Um argumento ontológico pretende inferir a existência de um ser a partir da defini-ção do seu conceito.

k) O argumento conhecido por analogia do relojoeiro tenta demonstrar que o relógioperfeito foi produzido na Suíça.

1. Responda de modo sucinto às seguintes questões (deve ter em atenção a utilização correta dos conceitos e apresentar argumentos sólidos).

a) Defina os conceitos de teísmo, ateísmo e agnosticismo.

b) O que é um argumento por analogia?

c) O que defende o argumento do desígnio?

d) Quais as principais críticas ao argumento do desígnio?

e) Kant defende a existência de Deus? Jusfifique.

1. Leia atentamente o texto e responda às questões que se seguem.«Este progresso infinito, porém, só é possível sob o pressuposto de uma existência e

de uma personalidade indefinidamente persistentes no mesmo ser racional (a que se

dá o nome de imortalidade da alma) (…); por conseguinte esta, enquanto indissoluvel-

mente ligada à lei moral, é um postulado da razão pura prática.»

Kant, Crítica da razão prática, Lisboa, Edições 70, 2011, Lisboa, p. 141.

1.1 O que entende Kant por postulado?

1.2 O que é um postulado da razão prática? Quais são e para que servem os postula-dos da razão prática?

PROFESSORSoluções I1.a) V. b) V.

c) F. Imanência divina designa a exis-

tência de um ser supremo não

exterior ao plano do chamado

mundo natural.

d) V. e) V.

f) F. Segundo Karl Marx «A religião é

o ópio do povo.»

g) F. Dostoievski escreveu: «Se Deus

não existisse, tudo seria permitido».

h) F. Um agnóstico à questão «Existe

um Deus?» responde «Não sei» –

ou «Não posso saber».

i) F. Fé é a firme convicção de que al-

go é verdade, sem que seja neces-

sário demonstrá-la.

j) V.

k) F. O argumento conhecido por

analogia do relojoeiro tenta de-

monstrar que o universo foi cria-

do por uma inteligência superior

(Deus).

II1.a) Ver manual, pág. 227.

b) Ver manual, pág. 249.

c) Ver manual, pág. 249.

d) Ver manual, pág. 249.

e) Segundo Kant, dado que os seres

humanos não são apenas sujeitos

cognitivos (dimensão teórica) mas

também pessoas morais (dimensão

prática), e mesmo que não saibamos

se Deus existe, podemos agir como

se soubéssemos.

III

1.1 Kant chamou postulados da ra-

zão prática às condições (ou su-

postos) para agir moralmente.

1.2 Os postulados são três: a liber-

dade, imortalidade da alma, a

existência de Deus. A liberdade

é uma condição indispensável

para a existência da vida ética,

dado que é condição de possibi-

lidade para determinar a vonta-

de: a alma imortal é postulada

como condição de duração (pois

temos de ter tempo para nos

aperfeiçoarmos); a existência de

Deus é condição de possibilidade

de uma vontade santa (em que

não há conflitos entre elemen-

tos sensíveis e racionais), pois é a

existência de Deus que nos impe-

le a agir moralmente.

(Versão professor

e versão aluno)