A Relação entre indivíduo e Coletivo na Criação do Solo de ... · 4 “A bailarina e...

37
1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA / CNPq A Relação entre indivíduo e Coletivo na Criação do Solo de Dança Orientando: Marcela Pereyra Páez Orientadora: Profª Drª Sayonara Pereira CAC – ECA – USP – Agosto 2013 São Paulo 2013

Transcript of A Relação entre indivíduo e Coletivo na Criação do Solo de ... · 4 “A bailarina e...

1

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS

RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA / CNPq

A Relação entre indivíduo e Coletivo na

Criação do Solo de Dança

Orientando: Marcela Pereyra Páez

Orientadora: Profª Drª Sayonara Pereira

CAC – ECA – USP – Agosto 2013

São Paulo

2013

2

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS

RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA / CNPq

A Relação entre indivíduo e Coletivo na

Criação do Solo de Dança

_______________________________

Marcela Pereyra Páez

______________________________

Profª Drª Sayonara Pereira

São Paulo

2013

3

SUMÁRIO

1) INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA: A ORIGEM DA PESQUISA ----------------------------------4

2) OBJETIVO GERAL--------------------------------------------------------------------------------6

3) OBJETIVOS ESPECÍFICOS-----------------------------------------------------------------------6

4) METODOLOGIA ----------------------------------------------------------------------------------7

5) RESULTADOS E ANÁLISE:

Relatos de um Testemunho: Das reflexões sobre o Fazer de uma estudante de graduação no

mundo Acadêmico ----------------------------------------------------------------------------------7

5.1) Sobre a Rede: procedimentos desenvolvidos, problemas de percurso e mudanças

de rumo --------------------------------------------------------------------------------------7

5.2) PARÊNTESIS----------------------------------------------------------------------------11

5.3) Encaminhamentos ---------------------------------------------------------------------12

5.4) Novo momento: sobre a criação e como os estudos teóricos nela interferiram----13

6) CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------------16

7) ANEXO 1: Primeira Pergunta-Provocação -----------------------------------------------------17

8) ANEXO 2: Primeiras Respostas ----------------------------------------------------------------18

9) ANEXO 3: Primeiros Esboços: Cênico e Coreográfico ----------------------------------------25

10) ANEXO 4: Segunda Pergunta-Provocação --------------------------------------------------26

11) ANEXO 5: Segundas Respostas -------------------------------------------------------------27

12) ANEXO 6: Dramaturgia do Solo “O que te resta e o que em ti restou”-------------------30

13) ANEXO 7: Retornos da Rede ---------------------------------------------------------------32

14) BIBLIOGRAFIA ------------------------------------------------------------------------------36

4

“O cerne da questão da pesquisa universitária em arte

(…) é, portanto em última análise, a questão da arte”

Jean Lancri

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIFA: A ORIGEM DA PESQUISA

É notório que na contemporaneidade a relação público x privado passa por uma

verdadeira crise1. Tal como apontam autores como Hannah Arendt e Richard Sennet, o âmbito

do público foi completamente “minguado” cedendo todo o espaço para o domínio privado, que

por sua vez foi sendo substituído e reduzido pelo caráter da privacidade. Este é o fenômeno

que Zygmund Baumann vai descrever (em seu livro “O amor líquido”) como principal marca da

sociabilidade contemporânea, que “determina” nosso comportamento tanto nas micro quanto

nas macroestruturas sociais.

É diante deste vasto e complexo contexto sociológico – em que a relação indivíduo x

coletivo se torna tão emergente e pulsante – que o fazer artístico é colocado em questão e

perguntas primordiais vem à tona, como: Como a dança pode falar sobre e para a sociedade?

O que há de político na dança, afinal? Com isto, podemos dizer que o interesse desta pesquisa

surgiu em primeiro lugar do nosso anseio por compreender como a dança dialoga com os

contextos históricos em que se insere.

Neste sentido a leitura de Eugênia Casini Ropa abre portas. Em seu artigo “O solo de

dança no século XX” a autora apresenta e analisa as razões históricas que levaram ao

surgimento dos solos de dança no século XX e sua posterior retomada na contemporaneidade;

em um trecho ela diz:

“Na sociedade atual, que avança cada vez mais rapidamente em direção à globalização,

dominada pela massificação dos gostos, das necessidades e dos comportamentos,

bombardeada por uma espetacularidade difundida, superficial e envolvente, muitos

dançarinos sentem a necessidade do isolamento, do silêncio, da suspensão do julgamento e

da reflexão trabalhosa sobre os próprios meios e os próprios fins. (…) Do ponto de vista

ideológico (…) O solo em época de modas massificadas (…) parece querer constituir um

bolsão de resistência, rebelde ao controle e à pasteurização.” (ROPA, 2009)

Partindo destas leituras e tendo em vista a provocação de Béla Balász (citado por Ropa):

“O que é arte coletiva? Uma massa uniformizada que age como um só corpo ou um indivíduo

sozinho que com criatividade revela no próprio corpo o espírito de uma massa com a qual se

identifica? Faz-se desaparecer o homem no coro ou se faz aparecer o coro no homem?” (2009).

Decidimos focar nosso recorte formal na criação solo, uma vez que esta forma

expressiva carrega em si a dialética que opõem uma tendência “pessoalizante” de

1 Para um estudo aprofundado destas questões: ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução: Roberto Raposo.

11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. e SENNET, Richard . O declínio do homem publico: as tiranias da intimidade . Tradução: Lygia Araujo Watanabe . São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

5

especificação, à outra de generalização através de uma síntese universal – ou seja, através do

indivíduo vislumbramos o coletivo.

Isto se deu porque a análise historicizante e política do solo de dança, proposta por

Ropa, entrou em profunda ressonância com o trabalho desenvolvido pelo LAPETT2 – que

pesquisa e estuda a filosofia do Tanztheater3 e seus procedimentos criativos – pois é notório

que grandes nomes dessa “escola”, desenvolveram no decorrer de suas trajetórias um amplo

repertório de coreografias solo, como é o caso, por exemplo, da coreógrafa e bailarina

Susanne Linke4.

A criação no Tanztheater também está muito ligada à questão do indivíduo, à busca

pela sinceridade pessoal no dançar, por uma marca humana no mover. Sendo assim, como

sugere Ropa, em muitos solos que se alinham à essa filosofia, o que se coloca em cena são

experiências e vivências pessoais que levam a um processo de identificação com o público,

como podemos ver nos seguintes trechos:

“Em um primeiro momento o que é apresentado na cena [do solo Na Banheira de Susanne

Linke] poderá ser percebido como uma experiência pessoal, todavia com o desenvolvimento

da obra o individual passa a ter um sentido coletivo” e sobre o trabalho de Linke e Herietta

Horn5 “as duas detém e expressam em seus corpos (…) vivências de momentos particulares.

Momentos que quando trazidos a cena criam uma cumplicidade entre artista e audiência –

que neste caso representa uma parcela da sociedade (...)” (PEREIRA, 2011)

O que fica evidente nestas passagens é que grande parte da força comunicativa dos

solos dessas artista (e tantos outros) provém da profunda sinceridade com que essas criadoras

falavam de si e da maneira como se relacionam com o público. O que em sala de ensaio

representa um verdadeiro mergulho introspectivo, para o público se apresenta como uma

revelação de intimidade e vulnerabilidade – como feridas abertas e expostas. Creio que é esse

estado expositivo que abre espaço para relações de identificação e empatia profundas com o

público, relações que podem se dar de forma visceral, porque é assim – com suor, sangue e

carne – que o artista se dá a ver.

Desta maneira, o que percebemos é que em nossa área de estudo existe um modo de

2 O LAPETT (Laboratório de Pesquisa e Estudos em Tanztheater) da Universidade de São Paulo, do Departamento de

Artes Cênicas (CAC) da Escola de Comunicação e Artes (ECA), é o grupo de pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Sayonara Pereira, junto ao qual este projeto se desenvolveu.

3 Movimento de dança surgido na Alemanha no início do século XX. O termo atribui-se à um de seus precursores, o

coreógrafo Kurt Jooss (1901-1979) que buscava através a transcendência do ballet clássico e da dramaticidade do teatro uma dança mais sincera e humana.

4 “A bailarina e coreógrafa é uma das criadoras pioneiras dentro do Tanztheater e na contemporaneidade é uma das

artistas vivas de maior referência dentro da chamada German Dance” (PEREIRA, 2009). Susanne Linke estudou com a bailarina Mary Wigman antes de entrar para a Folkwang-Hochschule em Essen, mais tarde entre 1970 e 1973 ela dançou no Folkwang Tanzstudio, que na época tinha como diretor artístico a coreógrafa Pina Bausch; na mesma época também começou a desenvolver seus próprios trabalhos. (informações extraídas de www.susanne-linke.com).

5 Henrietta Horn estudou na German Sport University Cologne de 1987 à 1992 quando obteve o título de “major in

Elementary Dance”, mais tarde ela continuou seus estudos em dança na Folkwang University em Essen e trabalhou como coreógrafa e bailarina após sua graduação. (informações extraídas de http://www.henrietta-horn.de/).

6

fazer que já coloca em questão a relação indivíduo x sociedade: a criação solo. Aparentemente

o procedimento que se tem utilizado mais comumente aposta no reconhecimento individual

para através dele atingir o coletivo. Tendo esta hipótese em vista e inspirados pelas perguntas

de Elida Tessler – O que é ser um artista contemporâneo? Como criar hoje? Quais as

alternativas do artista contemporâneo?6 – nos propusemos a colocar em prática e testar, um

outro procedimento de criação solo, no qual a coletividade fosse a primeira fonte de material e

onde o indivíduo pudesse se apresentar como síntese desse coletivo – buscando possivelmente

uma comunicação que não recorre à identificação pessoal de cada indivíduo na plateia, mas

que tenta falar à todos enquanto grupo, naquilo que todos compartilham (no seu mundo

“comum”7). No entanto reconhecendo os limites deste projeto de pesquisa e sabendo que uma

análise da recepção da obra requereria todo um outro investimento, optamos por nos restringir

à questão da criação coreográfica.

Sendo assim, o que apresento a seguir é um relato das atividades desenvolvidas e

apresentação das reflexões e análises geradas.

OBJETIVO GERAL

Este projeto se propõem a criar uma coreografia solo desenvolvida a partir da interação

entre a proponente e uma “rede multidisciplinar de artistas colaboradores”, com o objetivo de

analisar, na prática, a dialética indivíduo x coletivo inerente a esta forma expressiva.

OBJETIVOS ESPECIFICOS

- Estudar os procedimentos do Tanztheater,

- Instaurar uma “rede multidisciplinar de artistas colaboradores”,

- Estabelecer diálogo entre a solista e os colaboradores analisando as

“respostas artísticas”,

- Criar uma página virtual que sirva como banco de dados do material produzido, base para a

criação coreográfica,

- Criação da coreografia solo final e elaboração de ensaio escrita.

6 Livre adaptação das perguntas propostas pela autora em seu artigo “Coloque o dedo na ferida aberta ou a pesquisa

enquanto cicatriz”. 7 Utilizo aqui o termo de Hannah Arendt. Em “A condição humana” a autora diz que: o domínio publico se reconhece

em dois fenômenos, um deles seria o compartilhamento de um mundo comum, o “entre” que nos liga uns aos outros.

7

METODOLOGIA

Como dito anteriormente este projeto se propunha a criar uma coreografia solo tendo

em vista questões relativas a relação entre indivíduo e coletivo no que diz respeito à criação.

Tendo isto em vista e partindo da idéia de que “a criação, mesmo em uma área

aparentemente técnica como a dança, não deve partir apenas de si mesma, mas precisa

buscar outras articulações possíveis e apontar para uma prática multidisciplinar” (CYPRIANO,

2005). Desenvolvemos nossa proposta metodológica: a pesquisa se desenvolveria através da

relação entre a solista e uma “rede de colaboradores” constituída em parceria com outros

jovens (em uma faixa etária de 20 a 25 anos), artistas e estudantes de arte. Esta rede

produziria um acervo de material artístico coletivo abrangendo diversas áreas como: artes

plásticas, vídeo, literatura, poesia, música, etc. e que serviria como matéria-prima para a

criação coreográfica.

Por fim, esta pesquisa utilizaria para a concepção e desenvolvimento da coreografia

solo final procedimentos do Tanztheater; uma vez que se desenvolve junto ao LAPETT

(Laboratório de Pesquisa e Estudos em Tanztheater).

(RESULTADOS E ANÁLISE) Relatos de um Testemunho8:

Das reflexões sobre o Fazer de uma estudante de graduação no mundo

Acadêmico

Sobre a Rede:

Procedimentos desenvolvidos, problemas de percurso e mudança de rumos.

A primeira etapa da pesquisa era, sem dúvida, a mais simples (porém nunca simplória)

de realizar, pois já havia sido definida na formulação do projeto. Tal como proposto, criei uma

Rede de Colaboração e Contaminação artística com outros “jovens artistas” de minha faixa

etária, esta compreende: uma bailarina, dois atores, um dramaturgo, uma cantora, um artista

plástico e um ilustrador (que entrou posteriormente no grupo). A instruções que dei à eles

eram bem simples: todos receberam o acesso à uma página do Tumblr (uma espécie de blog

que permite compartilhar todo tipo de arquivo – imagem, vídeo, música, texto, etc.9) através

da qual eu enviaria perguntas-provocações, às quais eles deveriam responder individualmente,

8 O Título fica como eco-provocação do minicurso ministrado pela Profa. Helena Katz no III Encontro Científico da

ANDA (2013) na cidade de Salvador. 9 http://teatrodelonge.tumblr.com/

8

na “linguagem artística” que preferissem e em um prazo de quinze dias.

Este modelo de procedimento foi inspirado no método de criação de Pina Bausch10 que

(segundo Fabio Cypriano) pode ser compreendido da seguinte forma: com “dois eixos

fundamentais: o vertical que trata do método de pesquisa sobre as subjetividades e o

horizontal que se relaciona com o esgarçamento das fronteiras geográficas de seu trabalho a

partir da utilização de elementos de culturas diversas” (2005:20). Nossa proposta se inspira

especificamente no eixo vertical do trabalho de Bausch, uma vez que o nosso interesse estava

(e está) na possível contaminação que ocorreria entre as diferentes subjetividades que, em

princípio, estão trabalhando sozinhas; o que se liga fortemente com a seguinte observação:

“Ao trabalhar com individualidades Bausch não está interessada em histórias pessoais ou

marcas egocêntricas. O uso do subjetivo é estratégia para aflorar o social” (CYPRIANO,

2005:31).

O dito “eixo vertical” corresponde basicamente ao método de perguntas criado por

Bausch em 1978, através do qual ela criava suas obras a partir de cerca de cem perguntas

dadas aos bailarinos. As respostas podiam ser de três tipos: por palavras, por movimentos, ou

por ambos; e nem todas as perguntas precisavam ser respondidas, mas todas as respostas

eram registradas, depois selecionadas e retrabalhadas. Por fim, as perguntas propostas por

Bausch não tinham necessariamente o formato de uma questão, podiam ser palavras ou frases

insinuativas como: consolar, verão, ou preconceitos que nos fazem sentir marginalizados11.

Enquanto tema da produção-criativa escolhi o mote Nostalgia, por ser uma questão

pessoalmente muito pungente e que imagino o é, também, para muitos indivíduos de minha

geração. A meu ver a palavra Nostalgia, consegue abranger os dois âmbitos da minha

pesquisa (tanto o Individual, quanto o Coletivo), pois ao mesmo tempo em que ela diz respeito

à algumas das inquietações mais profundas do indivíduo – vinculadas a vivências e

experiências de caráter extremamente pessoal, como: a sensação nostálgica despertada por

um sabor que nos remete à uma situação vivida na infância – ela também é uma expressão

que permeia sensações mais coletivas, por exemplo: quando se diz que “a nossa (minha)

geração é uma geração morta” em oposição à uma suposta vitalidade atribuída à gerações

anteriores (como às de 1960). Dizeres como esse carregam em si um certo peso, uma espécie

de nostalgia de um tempo que não vivemos, despertada pela comparação que opõem de

maneira negativa o tempo presente em relação ao tempo passado. Sendo assim – e sem

maiores justificativas – optei por fazer esta aposta temática e em Outubro de 2012 dei início

ao trabalho prático com a Rede, enviando minha primeira Provocação.

A pergunta foi “O que é Nostalgia?” mas a Provocação como um todo estava composta

10 A coreógrafa e bailarina alemã Pina Bausch (1940 - 2009) foi uma das maiores representantes do Tanztheater,

tendo criado grandes obras junto a sua companhia, a Tanztheater Wuppertal; uma delas e provavelmente a mais conhecida é certamente sua versão de “A Sagração da Primavera” de Stravinsky

11 Referências: CYPRIANO, Fabio, “Pina Bausch” São Paulo: Cosac Naify, 2005. PEREIRA, S. “Rastros do tanztheater no processo criativo de ES-BOÇO” São Paulo: Anhamblume,

2010.

9

por: um texto (de minha autoria) a respeito de “imagens-mercadoria-nostálgicas”; a vinheta

de abertura da série “Anos Incríveis”; e a música de Belchior “Como nossos pais” (interpretada

por Elis Regina)12. O intuito era chamar a atenção para esse aspecto da Nostalgia coletiva,

tentando induzir as respostas para um temática mais coletivizante – o que eu esperava

pudesse gerar uma primeira fricção entre o tema e a forma de criação (totalmente

individualizada). Com relação à isso, as respostas não vieram como o esperado, pois de

maneira geral meus colaboradores se ativeram ao entendimento mais individual do termo; o

que, no entanto, não representou qualquer tipo de frustração para mim, pois as respostas

(enviadas ao longo de um mês) produziram não só um material criativo de considerável

qualidade, como também apresentaram uma evidente contaminação. As respostas dialogaram

muito entre si, apresentavam muitos pontos em comum, como: a questão da imagem (as

fotos, filmes, imagens instantâneas X memória, filtros de cor); a questão do espaço (um

espaço que diminui, que era habitado e se tornou vazio, um espaço que sente nostalgia); e a

metáfora da água, do líquido, que surgiu em diferentes momentos.

Diante destes primeiros resultados e, novamente, sem modelos pré-definidos para

seguir - pois eu não havia determinado a maneira como lidaria com o material produzido pela

rede - me mantive firme na convicção de “aprender no fazer” – lembrando que, como dizem

Thelen e Smith (citadas por Helena Bastos13) cognição e ação se dão em uma mesma escala

temporal – e decidi seguir minha intuição: reuni todas as respostas (três textos, duas

ilustrações, uma música, um texto-desenho e um vídeo)14 e busquei o que havia de comum

entre elas (palavras-conceitos, sensações, imagens similares, etc.) e o que nelas ecoava mais

fortemente em mim. A seguir, procurei sintetizar esses elementos em textos e palavras-chave

que por sua vez derivaram na criação de um pequeno monólogo, composto por colagens de

passagens dos textos produzidos pela rede – meu primeiro Esboço15-cênico – e em uma

pequena sequência gestual – por sua vez meu Esboço-coreográfico.

Foi a partir da constatação desses elementos comuns e desta tentativa de sintetizá-los,

que formulei a segunda Provocação composta por: um texto de minha autoria (minha tentativa

de síntese) e passagens do conto curto de J.L Borges “A testemunha”; a pergunta foi “O que

TE resta e o que EM TI restou?”16.

Neste momento da pesquisa, eu já havia posto em prática minha proposta no que diz

12 Ver ANEXO 1. 13

BASTOS, Maria H. “Variâncias: o corpo processando identidades provisórias”. PUC/SP: tese de doutorado, 2003. 14 Ver ANEXO 2. 15 O termo ESBOÇO foi simpaticamente furtado de Sayonara Pereira que em seu doutorado desenvolveu um processo

criativo com mesmo nome (ES-BOÇO). Em seu livro ela cita Milan Kundera: “O que pode valer a vida se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isto que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto mesmo “esboço” não é a palavra certa porque esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.” (1983:14)

Ver ANEXO 3. 16 Ver ANEXO 4.

10

respeito a produção de material junto a Rede de Colaboração – aplicando para tal o

procedimento inspirado no “eixo vertical” do trabalho de Pina Bausch – mas também no que

compete à criação pessoal a partir deste material; aqui utilizei outro procedimento, inspirado

de alguma maneira no trabalho de Dore Hoyer17, descrito nesta passagem: “Em relação aos

movimentos cênicos Hoyer desenvolveu diferentes variações que depois são ligadas e

transformadas em sequências coreográficas” (PEREIRA, 2010:50). Sendo assim, me deparei

com um primeiro momento de análise, no qual pude constatar que: embora, estes

procedimentos não tenham resultado per si ruins ou pouco eficientes, o processo criativo

apresentara alguns problemas.

Em primeiro lugar se tornou evidente que o ritmo de trabalho que eu havia imaginado e

proposto em meu projeto era totalmente inviável. Começando com o tempo de resposta da

rede que (apesar da ótima qualidade do trabalho enviado) demandou o dobro do tempo

previsto (um mês ao invés de quinze dias) e seguindo pelo fato de que eu mesma precisei de

cerca de um mês para produzir os esboços – não só por conta da criação, mas também pela

viabilização da filmagem, edição e compartilhamento dos mesmos que foram enviados

conjuntamente com a segunda provocação. A estes fatores somou-se também o fato de que,

devido ao final do semestre e a aproximação das férias, a rede teve uma grande queda de

produtividade e para a segunda provocação eu obtive duas respostas, uma (bastante rica, no

entanto, composta por: um texto, a citação de dois poemas e um vídeo) no tempo esperado, e

outra com cerca de um mês de atraso18.

Como meus colaboradores têm outras atividades, e prioridades em suas vidas pessoais,

era obviamente impossível exigir-lhes uma maior velocidade ou disponibilidade; por isso optei

por respeitar os seus tempos e adequar a minha prática a eles. Toda essa “calmaria” no

entanto, me permitiu refletir bastante sobre tudo o que já havia feito e perceber que eu não

estava totalmente satisfeita com o resultado dos primeiros esboços, especialmente com o

esboço coreográfico – que a meu ver foi muito prejudicado por um ritmo acelerado de

produção que eu mesma me impus. Tudo poderia ter sido mais mastigado e melhor digerido,

enfim, mais aprofundado.

Em meu plano original, eu previa um fluxo constante de “envio de provocações – envio

de respostas – criação de esboços”. Porém, naquele momento, após a aplicação dos

procedimentos e as reflexões por ela geradas, optei por modificar meu plano de trabalho

adiando/paralisando o envio das novas provocações. O material produzido até então era tão

amplo e rico que devia ser tratado com mais tranquilidade. Era preciso trabalhar e re-trabalhar

os esboços que já existiam, de forma que produção fosse fruto do aprofundamento e

complexificação do material, e não uma linha de produção em massa de material novo e

17 Dore Hoyer (1911 – 1967) foi uma importante bailarina e coreógrafa alemã, ela estudou com Emile Jacques

Dalcroze (1869 - 1950) e se formou como professor de Ginástica rítmica, mais tarde iniciou seus trabalhos com dança criando suas primeiras coreografias solo, ela também trabalhou com Mary Wigman (1886 - 1973) considerada a “mãe” da dança expressionista alemã. (fonte: PEREIRA, 2010:48)

18 Ver ANEXO 5.

11

superficial.

Na mesma passagem que citei anteriormente a respeito do trabalho de Dore Hoyer,

também está dito que “a maneira consequente com que [ela] criava cada movimento chegava

aos menores detalhes” (PEREIRA, 2010:50) e sobre Susanne Linke, Pereira escreveu: “[ela]

questiona todas as combinações de movimento que compõem (…) Todo movimento será

lapidado até ser sentido no corpo a mais fina ramificação dele, onde poderá ser percebido o

caminho de que a emoção se serve através do corpo.” (PEREIRA, 2009)... Se artistas como

elas se impunham e impõem tamanho preciosismo e rigor, porque a minha produção estaria

isenta de tratamento similar? A maior das armadilhas de Narciso é a fé preguiçosa na

genialidade espontânea que aparecerá na hora H.

Entretanto, também é preciso dizer que o “risco de superficialidade” não foi o único

problema diagnosticado na primeira etapa deste trabalho. Eu também me perdi na criação, e

com relação a isso, cabe um parêntesis autocrítico.

PARÊNTESIS

Para criar é preciso se entregar integralmente, “de corpo e alma”, à tarefa criativa. Não

há criação se há desconcentração ou pré-julgamento; não há cri-ação se o agente dessa ação

não está totalmente voltado para ela. Li muitas coisas, de diferentes autores e encontrei

diversos termos: atenção, escuta, percepção, fluxo, corpo vibrátil, corpo receptivo,

espiritualidade; todos no entanto parecem querer se referir a um mesmo estado que o corpo,

o artista, precisa encontrar tanto para desempenhar o processo criativo como para se colocar

em cena. O que eu recebo e entendo de tudo isso é que: para criar há a necessidade de estar

integralmente presente no tempo-espaço presentes (e muito concretos) do momento da

criação. Inicialmente, eu não consegui experienciar nada disso. Não consegui me desvincular

de autojulgamentos constantes, de modelos externos, daquilo que eu gostaria de fazer e não

faço, daquilo que os outros pensariam, do quanto os outros gostariam ou não, etc.

Me perdi de mim e me esqueci do principal, daquilo que Kurt Jooss19 pregava:

sinceridade e humanidade. Ele queria “formar bailarinos que desenvolvessem através de seu

instrumento (o corpo) não a técnica pela técnica, mas sim ótimas possibilidades para trabalhar

com precisão, sinceridade espiritual e humanidade” (BARTELT op.cit PEREIRA, 2010). Me

esqueci de ser sincera comigo mesma, de reconhecer minhas limitações; me esqueci de

silenciar e buscar a reverberação emocional de cada movimento e a sua potência expressiva

interna...

Aliás, Esquecer não é o verbo correto. Eu não esqueci, eu fugi desse desafio, porque ser

sincero consigo mesmo dá medo, porque “colocar o dedo na ferida aberta” (tal como preconiza 19 Kurt Jooss (1901-1979) é considerado o “pai do Tanztheater”, coreógrafo e pedagogo alemão

acreditava na busca de uma dança mais sincera e humana através da transcendência do ballet clássico.

12

Elida Tessler) dá medo. Dá medo, mas é preciso...

Encaminhamentos:

Esta reflexão autocrítica me permitiu redimensionar e clarificar minha prática,

estabelecendo com maior precisão os limites dos caminhos a seguir. Eu me encontrava em um

impasse com relação à criação e este impasse estava me imobilizando; no entanto as “pistas”

de como lidar com ele já me haviam sido dadas – eu apenas não as estava vendo. No início

deste trabalho eu falei sobre algumas artistas de referência, que desenvolveram diversas

coreografias solo no decorrer de suas carreiras, e sobre como a força comunicativa de seus

trabalhos se encontra na possibilidade que a linguagem solo oferece, ao criador, de

mergulhando em sua pessoalidade chegar à universalidade. Então, se tornou evidente para

mim que o desafio desta proposta consiste, justamente, em realizar o mesmo movimento – do

pessoal ao universal - mas partindo múltiplas pessoalidades (e não apenas da do criador-

coreógrafo).

A respeito disto, podemos dizer que:

Dado que existe “um parentesco consanguíneo do sabor com o saber [pois] saber

implica em saborear elementos do mundo e incorpora-los a nós (ou seja, trazê-los ao corpo,

para que dele passem a fazer parte)” (DUARTE, 2001 op.cit. PEREIRA); então o desafio era:

aprender a saborear experiências e memórias alheias ao ponto de torna-las saberes próprios,

de tal modo que possam ser verbalizados através do meu corpo e movimentos, no meu solo.

Por fim, tendo em vista que para aprender a lidar praticamente com um problema é

preciso que o corpo se exercite também teoricamente e partindo deste trecho de Helena

Bastos:

“É importante esclarecer que (...) teoria só se faz praticando. Teoria não se faz só lendo

livro, mas testando hipóteses. A arte não é diferente e o nosso fazer artístico é um fazer na

teoria” (2003:14).

Podemos dizer que, ao desmembrar as questões (relatadas acima) do nosso fazer prático

também vieram à tona questões do fazer teórico, e se evidenciou a necessidade de mudar o

foco da pesquisa na etapa de trabalho que estava por vir.

No primeiro momento do trabalho minhas questões estavam focadas no “Como criar?

Como pesquisar?”, mas a partir do momento em que a questão saiu desse âmbito e se dirigiu

ao: “Como transitar entre o individuo e o coletivo (para realizar a criação)?” ficou claro que era

preciso também mudar o caráter das leituras e reflexões a serem feitas. Se até então eu

estivera voltada para questões metodológicas, havia no entanto, chegado o momento de me

voltar para a questão da sociabilidade – enfim, para a pergunta-chave da pesquisa: Como se

dão as relações entre indivíduo e coletivo.

13

Novo momento:

Sobre a criação e como os Estudos teóricos nela interferiram.

Tendo passado por autores como Richard Sennet e Hannah Arendt (anteriormente

citados) e mesmo por Foucault (sobre o qual não me debrucei muito) foi em Bauman que

encontrei meu principal referencial teórico, principalmente por encontrar nele muitos paralelos

com o material que havia sido levantado – e vislumbrar ai uma verdadeira possibilidade de

dialogo entre teoria e prática.

Ao paralisar a “produção criativa” com a rede eu me dediquei novamente a identificar

quais eram os aspectos comuns que ligavam as diferentes respostas dos meus colaboradores,

o que pulsava ali. Dessa forma pude levantar três questões centrais: a metáfora da ÁGUA

(muito ligada à idéia de transformação constante, a impermanência), a questão do TEMPO X

ESPAÇO (num jogo entre o tempo que passa, o espaço que sente, o tempo que há em excesso

e o espaço que encolhe) e a questão do EU – que nomeei assim, por grande parte do material

estar permeado por um certa angústia, um medo, um pesar, um locutor que sente e não sabe

o que fazer, e que por isso tenta manipular o passado (nas histórias que conta, nas fotos que

tira) ao mesmo tempo em que reconhece sua insignificância no presente (não somos, apenas

estamos).

O interessante foi perceber como todas essas questões aparecem com força na

descrição que Bauman faz da sociedade líquida. Este encontro vem no sentido de fortalecer a

questão das padronizações de comportamento abordadas pelo autor, evidenciando que as

“coincidências temáticas” que surgiram nas respostas, podem não ser meras coincidências, e

sim uma amostra sintomática de como se dá a nossa sociabilidade.

Esta constatação também me permitiu começar a perceber e pensar como a questão da

pesquisa – entenda-se “como se dão as relações entre indivíduo e coletivo” - poderia ser

colocada em cena mesmo sem ser enunciada claramente, como a teoria que estava sendo

estudada poderia emergir no “resultado coreográfico final”. Aos poucos fui percebendo que da

mesma maneira em que padrões e normas sociais atuam sobre nós influenciando a forma

como nos relacionamos, nossa questão-chave permeia a maneira como o material é

trabalhado; e tal como essas influências comportamentais não se expressam de maneira

consciente para nós, tornando-se visíveis através da análise de dados concretos da vida

(nossas ações cotidianas, por exemplo), assim também, a questão-chave não surge em cena

como uma reflexão teórica literal, mas sim pode ser vislumbrada nos dados concretos da cena

(nos movimentos realizados e nas palavras ditas).

A primeira reflexão que fiz no sentido de imbricar a teoria com a cena diz respeito à

forma de enunciação do texto, que se constrói sempre na relação à um outro – a tentativa é

criar uma espécie de “monólogo dialógico” escapando do “eu que fala consigo mesmo”. Tal

escolha formal tem sua origem no seguinte raciocínio:

No capítulo inicial de “O amor líquido” Bauman foca sua análise e descrição sobre as

14

relações interpessoais. Um dos aspectos mais abordados por ele diz respeito à criação de

vínculos (ou melhor, à dificuldade de cria-los); ele diz que o homem contemporâneo não

consegue criar vínculos pois vive a dualidade de deseja-los e ao mesmo tempo teme-los. Sem

entrar em maiores detalhes à respeito, o que se percebe neste primeiro momento do livro é

que existe uma grande influência da lógica consumista (do “usar e descartar”) também na

maneira como nos relacionamos uns com os outros – o que causa uma série de sintomas

como: a dificuldade de criar vínculos e uma constante sensação de incompletude e

insatisfação, etc.

Bauman toma outros rumos em sua análise, mas o que se percebe é que existe um

padrão de comportamento vinculado à lógica do consumo e que não se aplica apenas às

macroestruturas responsáveis pela produção e circulação de bens, mas também às

microestruturas que condicionam as trocas entre indivíduos. O que o livro parece nos indicar

em seu subtexto é que: sem a padronização dessas microestruturas, sem a padronização de

“fenômenos” como a angústia, a ansiedade, o medo e mesmo a depressão (como Maria Rita

Kehl indica em sua palestra “Aceleração e depressão”20), não há como manter as

macroestruturas. A partir daí é interessante constatar que essas padronizações se dão no nível

da relação e não diretamente sobre o indivíduo, isso ocorre porque o reconhecimento de quem

somos parte do reconhecimento de quem é o outro, percebemos nossos limites ao perceber os

limites do outro21. Sendo assim, fica claro que o foco da questão está no entre e não no

indivíduo em si, e que por mais que sintomas como angústia e medo pareçam profundamente

subjetivos é visível que suas origens são muito concretas; daí surge a escolha por um texto

cênico que possuí sempre um interlocutor claro – um recurso que procura não só dar

concretude à ação, localizando-a claramente no tempo-espaço, mas também destacar a

existência desse entre, desse espaço “comum”22.

Com este exemplo podemos compreender melhor como se deu o diálogo entre uma das

questões centrais (destacadas do material da Rede) – no caso, a questão do EU – e as análises

de Bauman. Não pretendo fazer aqui uma descrição detalhada de todo o processo, no entanto

creio que seriam pertinentes dois esclarecimentos: Em primeiro lugar, no que diz respeito à

questão TEMPO X ESPAÇO, é verdade que ela surge por diversos momentos na escritura de

Bauman, no entanto acredito que ela encontra discussões mais aprofundadas em outros

autores como por exemplo: Maria Rita Kehl (em cujos textos a questão da velocidade e

aceleração são temas constantes) e Gumbrecht que ao apresentar suas noções de “cultura de

sentido” e “cultura de presença” trás uma interessante dualidade entre tempo e espaço.

Em segundo lugar, é bom evidenciar que esta organização do material, com três

questões fundamentais claramente definidas, se dá aqui com o intuito didático de melhor

20 Fala emitida no programa televisivo Café filosófico em 24 de Junho de 2009. 21 Apesar destas considerações serem fruto de uma noção rasa da psicologia, elas encontram certo eco em LANCRI

(2002, pg 20-21). 22

Retomando o comentário da nota de rodapé n.7.

15

apresentar o trabalho e que, no entanto, esses três focos surgem em cena (assim como no

processo) totalmente entrelaçados.

Tendo tudo isto em vista podemos falar um pouco mais sobre a criação da coreografia.

É evidente que como em todo processo criativo, a cena foi se constituindo aos poucos e passou

por diversas modificações. Em um primeiro momento haviam dois símbolos muito fortes: a

gota d’água e a caixa de lembranças, estes dois elementos existiam fisicamente em cena e

encerravam em si uma espécie de ciclo dramatúrgico; posteriormente optou-se por eliminar

tais objetos e manteve-se apenas o som da água. Sendo assim, podemos dizer que a metáfora

da ÁGUA foi a primeira a concretizar-se em cena e tem um papel fundamental enquanto trilha

sonora permanente – uma vez que o som da gota que pinga, nos remete não só à nossa

matéria escorregadia, mas também a passagem do tempo (que acumula água).

Partindo daí, a cena foi construída a partir de seis trechos dramatúrgicos23 escolhidos

dentre o material produzido (tendo sempre em vista nossas 3 questões centrais). Destes, três

são recortes de textos escritos pelos meus colaboradores em suas repostas, e os outros três

foram extraídos de meus exercícios de síntese, então são passagens que buscam associar

elementos trazidos por duas ou mais pessoas. Para cada um destes trechos dramatúrgicos foi

criada uma partitura de movimentos e estas foram criadas a partir da aplicação dos

procedimentos de criação que estudamos no LAPETT.

No contexto do LAPETT nós trabalhamos a criação a partir de diferentes estímulos

externos – que não são necessariamente um texto; podem ser imagens, objetos ou gestos –

através dos quais criamos pequenas sequências de movimento, que podem se relacionar de

diferentes maneiras com o estímulo inicial (reforçando o seu sentido ou opondo-se a ele). Com

relação à criação a partir de textos, a sequência pode ser criada de forma que para cada

palavra dita haja um gesto correspondente – que pode ou não ser “literal” – ou de maneira

mais genérica partindo de uma sensação por ele causada, ou uma idéia nele contida. Também

é possível fazer um jogo entre: só dizer o texto, só fazer o gesto ou realizar os dois

simultaneamente. Foi seguindo estes modelos que se deu a criação de cada trecho

dramatúrgico. Sendo assim, o trecho n.3 teve como estímulo inicial o gesto de esfregar os pés

(proposto em vídeo por uma colaboradora) e a imagem do espaço que se reduz; uma vez

pronta a sequência o texto foi nela encaixado. O trecho n.4 foi criado a partir do sistema “um

gesto para cada palavra” mas optou-se por utilizar em cena apenas a sequência gestual, que

foi desmembrada e associada às outras. Já os trechos n.2 e n.6 são simplesmente ditos em

cena e aparecem associados em sequência com outros movimentos que surgiram de outros

estímulos (como a idéia de fluxo e aflição). E por fim, o trecho n.5 é o único que passou por

um procedimento um pouco diferente dos trabalhados no Laboratório, pois para este trecho foi

resgatada e modificada a sequência de um exercício já existente24, este foi escolhido por

possuir uma clara intenção de onda na essência dos movimentos.

23 Ver ANEXO 6. 24

Exercício criado por Lu Favoreto e por ela utilizado em seu curso livre de dança contemporânea.

16

Uma vez criadas as partituras de cada trecho o trabalho se resumiu a organizar e

costurar todos estes elementos.

CONCLUSÃO

Podemos dizer que o procedimento proposto e empregado neste projeto mostrou-se

muito bem sucedido, em primeiro lugar por possibilitar uma outra maneira de produzir e

intercambiar material, de uma forma que é ao mesmo tempo impessoal e aberta – impessoal

por que os participantes da rede (que não necessariamente se conhecem) podem produzir

suas respostas livremente em casa e ao compartilha-las no espaço virtual podem se sentir

mais despreocupados com relação aos julgamentos alheios; ao mesmo tempo há uma abertura

para a contaminação, e os participantes se sentem convidados a dialogar com o material que

já fora compartilhado anteriormente; assim, comentários como “vi que o outro escreveu um

texto e quis escrever também” foram recorrentes. Sem contar que a proposta de uma

produção em rede que possibilitasse ao mesmo tempo o “ensimesmamento” e a contaminação

foi um dado de interesse comum à todos os colaboradores. No entanto é claro para mim que

tanto a maneira de conduzir essa produção e contaminação, como a reflexão a respeito do

próprio conceito de “rede” poderiam ser muito mais discutidos e aprofundados, e certamente

renderiam todo um novo projeto de pesquisa (não sendo o foco específico deste).

Em segundo lugar, e talvez principalmente, podemos dizer que o projeto foi bem

sucedido pelo procedimento proposto ter-se mostrado não só uma rica fonte de inspiração

para o criador, mas também por que foi capaz de colocar concretamente em questão a relação

“indivíduo x coletivo” no processo criativo, possibilitando verdadeiramente uma reflexão

teórico-prática sobre o tema proposto. Por fim, o produto final também atingiu o objetivo

esperado, uma vez que a coreografia criada conseguiu, à vista dos colaboradores envolvidos,

trazer em si as questões por eles levantadas durante o processo, sendo que eles se sentiram

“contemplados” pela cena. Nesse sentido o retorno de um deles é muito claro:

“(…) Quando eu te vi dançando com nossas palavras (com nossos corpos) eu vi você tentando

estar com a gente naquela sala. Eu vi onze minutos de muita gente entrando e saindo de um

corpo só, dentro de um lugar que chama mais outras muitas pessoas que estavam dançando ali

também (…) Era Marcela chamando Gustavo, chamando Pedro, Aline, Valentina, gente que eu

não conheço e me chamando também. Assim, eu acho que vi várias Marcelas criando vários

Vinicius que se perdiam em vários Gustavos que se tornavam várias Valentinas que se

confundiam com muitos Pedros que se perdiam em mais muita gente e viravam Marcela, aquela

muitas em uma só. (…)”

Com isto, concluímos este processo bastante satisfeitos, reconhecendo no entanto

todas as limitações de tempo e momentos falhos do processo, e considerando, justamente por

isso, dar continuidade à pesquisa com o fim de melhor aprofundar os aspectos até aqui

17

descobertos.

ANEXO 1: Rede de Colaboração e Contaminação (http://teatrodelonge.tumblr.com/)

Primeira Pergunta-Provocação

Texto 1:

“(…) Ai eu estou ouvindo Bob Dylan e todas as imagens-mercadoria da Indústria Cultural

invadem a minha mente e eu sinto nostalgia de um tempo que eu não vivi, de um tempo

ilusório, criado e deturpado pela Indústria Cultural com o único fim de: que me fazendo sentir

infeliz em meu próprio tempo eu tente preencher o vazio consumindo mais e novas imagens

mercadoria! (…)”

[ Maio 2012 - Dramaturgia da Cia. Abismo Teatral]

Vídeo 1:http://www.youtube.com/watch?v=AQb0_0AIkt4&feature=player_embedded

Vídeo 2:http://www.youtube.com/watch?v=2qqN4cEpPCw&feature=player_embedded

Texto do vídeo:

“(…) Nossos ídolos ainda são os mesmos

E as aparências não enganam, não.

Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém…

Você pode até dizer que eu tô por fora, ou então que eu tô inventando…

Mas é você que ama o passado e que não vê,

É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem…

Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos

Nós ainda somos os mesmos e vivemos,

Ainda somos os mesmos e vivemos Como os nossos pais…”

Tendo em vista o que foi publicado; Responda como quiser:

“O que é Nostalgia?

18

ANEXO 2: Rede de Colaboração e Contaminação (http://teatrodelonge.tumblr.com/)

Primeiras Respostas

1)

“Abrindo umas caixas hoje eu achei umas fotos antigas tinha aquelas desde antes de eu

nascer tinha aquela em que eu já tinha nascido tinha aquelas no sítio tinha aquela de quando a

gente tomou chuva mas não tem da gente doente no dia seguinte tinha de quando você

conheceu o papai tinha aquela quando eu quebrei minha perna andando de bicicleta tinha

aquela de quando a gente passou o feriado inteiro de pijama tinha você me segurando no colo

pela primeira vez tinha aquela quando eu fui pra escola pela primeira vez tinha aquela de

quando eu corri pelado pelo corredor quando tinha visita em casa e você ficou brava comigo

tinha você e o papai encostados num fusca sei lá onde tinha aquela única foto da vovó me

segurando no colo antes de morrer. Ela morreu quanto tempo depois disso?

Tinha aquela com você me amamentando eu era gordo daquele jeito? Tinha todas

aquelas que pareciam que as coisas eram muito melhores tinha daquela época em que você

falava que a situação era melhor tinha aquela antes do papai perder o emprego tinha umas

que eu tirei sozinho no meu quarto quando eu me senti triste tinha aquela de quando eu

peguei avião pela primeira vez tinha uma do meu corte no joelho tinha da festa do dia dos pais

que eu fiz aquela dança vestido de papel crepom lá na escola não consigo me lembrar mais

qual era a música, mas acho que era uma sertaneja tinha uma em que eu estava vestido de

Papai Noel quando a Manuela nasceu tinha aquela quando eu passei na faculdade tinha aquela

da minha primeira peça na escola por que você me deixou fazer aquela cara na verdade

porque nunca mais a minha cara saiu boa nas fotos?

Sabe o que é mais engraçado? É que enquanto eu via essas fotos todas eu tive a

sensação que você sorria bem mais antigamente. Não que você não seja feliz hoje, mas eu

tive a impressão que vocês todos da foto entendiam alguma coisa que hoje não entendem

mais, ou nem existe. Parece que ter tido filhos roubaram de vocês alguma coisa.

Talvez eu esteja só viajando. Ou sendo complexado. Mas antigamente era mais

simples, não era? Sem internet. Sem TV a Cabo. Sem celulares. Parecia que vocês tinham

muito mais que a gente. E na verdade até bem pouco tempo. Acho que tudo nos é roubado

numa época da vida. Acho que pra mim foi quando eu ganhei o meu vídeo game quando eu

tinha sete anos ou quando eu entrei no colegial ou quando eu entrei na faculdade ou no final

do segundo ano ou foi ontem ou foi no último ponto final.

Por que parece que as coisas que se passaram a dez segundos atrás foram mais

simples e melhores? Eu já sinto falta do que almocei ontem. O gosto que vou me lembrar é

melhor do que eu colocar na boca mais tarde.

19

Eu pensei em tudo isso vendo os álbuns que eu achei na caixa. Aquelas pessoas das

fotos tinham escolhas, tinham vontade, tinham muito mais coisa que a gente – ou só eu

mesmo - temos hoje em dia. Na verdade aquele que vai ficar depois que eu terminar essa

carta tinha muito mais do que o que o que vem depois de eu terminar essa carta. E eles dois

tinham alguma coisa que vai se perdendo.

Que saudade da época em que não se precisava falar dessas coisas!”

Vinicius Garcia Pires - Outubro 2012

2) Tarda mas não falha...

“Às vezes andando pela minha casa eu penso: olhe bem pra esta casa. por que tanta

pressa em sair daqui se um dia vai sentir nostalgia?, e vai esquecer como era ruim morar

numa casa que em verdade não é sua, e que guarda toda a história do esfacelamento da

família.

Um dia, indo pra escola de carro com o meu pai (ou seja, faz muito tempo!), eu estava

especialmente nostálgica. aí eu pensei: vou guardar pra mim, na memória, a sensação e a

imagem dessa curva na avenida, quando acaba a ponte e vai entrar na marginal. e deu certo,

a imagem ficou. mas nada mais ficou. nada. nem o que aconteceu nesse dia, nem quem eu

era nesse dia, nem como foi que a gente vendeu o carro e como foi que meu pai foi embora. é

certo que eu não era mais feliz nesse tempo, e não sinto nostalgia quando lembro, mas nesse

dia, em que eu capturei a imagem da curva-após-a-ponte e toda a aura daquilo, eu estava

nostálgica. sinto na hora, na cena, que com certeza aquilo ali vai se perder e que eu não sou

dona de nada, muito menos do tempo, e ainda da memória. porque ela edita gostoso o que foi

mais-ou-menos, e aponta como foi terrível, quando na verdade apenas foi o que foi. às vezes

converso com uma amiga e quando ela me conta o nosso passado, parece que despe o meu

passado e veste com uma nova roupa de sensação, porque ela lembra outros detalhes que não

os meus, e não viu o filtro do abandono em cada imagem.

Queria te dar um presente. mas não pode ser algo que dure, que resista ao tempo, que

forneça provas evidentes. queria te dar uma pedra, a melhor parte de mim, a mais fixa, a mais

verdadeira, a mais constante. mas sou água, e num sopro me derramo, sempre em constante

mutação, sempre adquirindo a forma do vaso em que me encontro. queria te dar um milhão

de flores, mas quando penso quão rápido elas morreriam e como passariam uma nova

mensagem com sua morte e seu apodrecimento, não quero mais. queria te dar um pedaço de

madeira fossilizada, mas sinto terrível claustrofobia! não posso te dar nada, talvez um pedaço

de papel de seda, que fosse se molhar e se perder muito rapidamente. não suporto o efeito do

tempo sobre os presentes que eu queria te dar. não vou te dar nada, apenas minha presença

que se vai pelo portão. já sei que de novo vamos lanchar nessa tarde o desejo de parar o

tempo e ficar mais um pouco. e nunca dá tempo! nunca dá tempo… a tarde insiste em virar

20

noite, e isso é tão constante, tão fixo, que deveria me dar segurança, mas não dá. não suporto

o efeito do tempo sobre o amor que sinto. não sei se sou uma pessoa a longo prazo, ou se

tenho data pra expirar com essa história, minha vontade é de me guardar na geladeira junto

com a manteiga e outros perecíveis… queria te dar a noite inteira, mas para nós a noite é um

recado implacável do não-lugar que habita esse amor. a geladeira vai conservar, mas também

pode esfriar e endurecer, ressecar… tem papel filme aí?”

Valentina Bagno - Outubro 201

3)

Gustavo Colombini – Outubro 2012

21

4) Domingo

“Tudo era familiar mas com uma proximidade que assustava, era um parente que estava

enterrado, ele não viu essa cena, nem eu vi mas não duvidávamos que tenha acontecido. As

pessoas passavam por ele e não o surpreendiam, era o protagonista da história e sabia disso,

alguém parece que havia morrido e ele não chorava, mas carregava consigo todo esse peso.

Estava em casa mas com um desconforto incomum, quase acordou assustado quando já

estava colocando as calças. Saindo na rua lembrou que o pai estava bem vivo, os carros

passando e ele voltando a se surpreender com os acontecimentos.

Era domingo de manhã, quando o sol por alguma razão consegue bater diferente da quarta

feira de manhã ou até do sábado amigo. No domingo de manhã algo acontece que o planeta

esta mais á vontade, a luz reage no corpo das pessoas tornando-as aparentemente

despreocupadas mas profundamente ansiosas. O tempo esta curtido de outra maneira, ao

meio dia de domingo não estamos mais na semana ou em determinado mês, estamos

habitando somente o meio dia de domingo, quase um feriado insistente que toda semana

aparece. Quantos anos existiram entre ele e aquela mesa de domingo? Entre ele e aquela

mesa repleta de delicias que conservavam o mesmo sabor desde que ele tinha oito anos de

idade? Aqueles pratos estavam ali intocados desde os seus oito anos de idade?

Alguém tocou a campainha, aquele som enferrujado invadiu a cozinha levando-o a correr á

frente da casa para abrir o portão, como se a velha sineta da casa de sua avó tivesse

condicionado-o a abrir portas. Voltou a mesa, seu primo entrou, sentou em sua frente seu

velho tio, entre todas as rugas expostas naquela cozinha passou a procurar algo que

remetesse a aparência do irmão de seu pai, neste esforço foi encontrando em cada marca do

rosto de seu tio uma expressão que já havia passado por ali. Estava reparando o peso que

aparecera em cima dos olhos do tio quando alguém lembrou do velho Pancho, cachorro

inesquecível, barganha conquistada pela venda de um fusca. Alguém tentou latir que nem o

cão fazia, logo a matilha toda em volta da mesa uivava e o peso sobre os olhos de seu tio

sumiu, ”vi de novo naquele rosto inchado o mesmo homem que me disse, ainda criança, o

porquê do mar ser azul.”

A comida se esgotou, provavelmente no próximo domingo estaria restaurada no mesmo lugar,

aquele gosto de tomate já estava imperceptível dentro do corpo de alguém que cresceu

comendo o mesmo tomate. Ainda assim o café posto após tudo marcava território com seu

sabor. Todos ali na outra sala resgatavam a sobriedade com o café preto, e ali quase

cochichando projetavam nessa sala outras disposições que o sofá, a cadeira, a mesa e o rádio

já ocuparam. Houveram tempos em que nesse mesmo lugar que o avô se sentou, uma porta

dava para um extenso corredor, e ali onde derrubaram o café ficava um tapete amarelo que

22

não existe mais em lugar algum. O café no chão jogou para o ar todo o cheiro que a casa

exala quando a tarde chega no domingo.

Na casa estavam aprisionados, todos assonados viam imagens passando na televisão sem nem

saber o que assistiam. Domingo como fenda na semana de todos ali, dia que não lembraremos

que existiu, mas dia que separamos para lembrar o que existiu. Era tudo mais fácil, era tudo

tão diferente, ele acha que era mais bonito naquele tempo sem saber que esta bem mais

bonito agora. Os filtros de cores desta nostalgia não são sépia, nem amarelados, mas da

mesma cor de qualquer dia da semana.

Ele saiu, não precisou dizer tchau. Foi na porta da vizinha chama-la, ia voltar pra São Paulo.

Ela foi algo novo, as saudades que tinha dela eram muito mais recentes que a saudade de ser

criança ao lado dela. Ela desceu de vestido e mochila, entraram no carro e pegaram a estrada,

fazia dois dias que vieram para a cidade natal e estava na hora de sair de lá. Ela que nunca

deixou de estar ao seu lado mas conseguia surpreende-lo. Já na estrada há 110 por hora ele

abriu a janela do carro, o vento se espalhou por entre eles impossibilitando que ouvissem

tranquilamente o som do rádio. A madrugada estava ali, entrando pela janela do carro, e ele

achou que seria um bom momento para dizer “te curto em segredo”. Ela reagiu a vibração

grave da sua voz com um sorriso apaziguador, ele não tinha certeza se ela era agora cúmplice

dele, o vento falava mais alto que qualquer um, mas nós todos sabíamos que aconteceu algo

ali. Ela encostou a cabeça no seu ombro e dormiu tranquila.

Ele ficou ali, sendo levado pelo carro rumo à sua vida e a semana que se abria de novo. Ali,

quase dormindo viu que era da bochecha macia em seu ombro coberto que se lembraria

durante a semana inteira. Lembrou que essa estrada era sua velha conhecida, dirigia de noite

em alta velocidade sem medo, pois conhecia todas as curvas dela, e se lembrou que há um

ano estava nessa mesma situação, dois anos na realidade, ou três anos se passaram e ele

nunca contou para ninguém as histórias que aconteciam nessas curtas viagens triviais, ele

sempre preferia contar as histórias que aconteciam nos bares, na noite paulistana, preferia as

histórias rodeado de amigos do que essas sozinho no carro. Já estava ficando com saudades

de ser jovem e ter vergonha de se declarar para uma mulher quando ela comentou que algum

familiar dela tinha morrido, ele não sabia quem era e mesmo assim não se surpreendia. Ela

falava, era a protagonista da sua própria história sem saber, alguém morreu e ela não chorava

sabendo que tudo isso ia algum dia passar. E ele concordando, pensando em quais histórias

iria contar quando estivessem velhos.”

Música: http://www.youtube.com/watch?v=A16VcQdTL80&feature=player_embedded

Pepi Oliveira – Outubro 2012

23

5) N O S T A L G I A

Guilherme Minoti – Novembro 2012

6)

Vídeo:http://www.youtube.com/watch?v=bXD7YpDtx_A&feature=player_embedded

Texto do vídeo:

“A casa tem saudades de alguém.

a casa tem nostalgia dos movimentos de quem não está.

a casa sofre o tempo da morte.

a casa parou no tempo e espaço do ontem

a esperar…”

Aline Alves – Novembro 2012

24

7) [ Resposta atrasada ]

Texto:

“Dragões são criaturas fantásticas criadas a partir de pedaços de criaturas que existem.

Quando juntas as partes criam esta nova criatura com elementos conhecidos mas tão diferente

que temos que chamá-la por um novo nome. Eis o dragão.

As lembranças são os pedaços de criatura, e o nome do dragão é nostalgia. Dragão com

grandes asas e corpo alongado.”

Miguel Bezerra – Dezembro 2012

25

ANEXO 3: Rede de Colaboração e Contaminação (http://teatrodelonge.tumblr.com/)

Primeiros Esboços: Coreográfico e Cênico

Retorno às primeiras respostas – Sobre a Nostalgia

Video:http://www.youtube.com/watch?v=-6cO4ZiDWg8&feature=player_embedded

Texto:

“Hoje eu encontrei uma caixa de fotos tinha aquelas de antes deu nascer, tinha aquela de

quando eu nasci, tinha daquela vez que a gente tomou chuva, mas não tinha da gente doente

no dia seguinte. Tinha aquela última foto do vovô. Entre todas as rugas ali expostas eu

procurei algo que me remetesse a aparência do homem que me disse o porquê do mar ser

azul.

Tinham todas aquela de quando parecia que tudo era melhor, aquelas da época em que você

dizia que a situação era melhor, aquelas de antes d’eu perder o emprego. Você acha que era

bem mais bonito antes sem saber que tá bem mais bonito agora.

Tive a impressão de que você ria mais antigamente.

Queria te dar um presente, queria te dar uma pedra, a melhor parte de mim, a mais fixa, mais

constante, mais verdadeira. Mas sou água e num sopro me derramo e transformo.

Não suporto o efeito do tempo nos presentes que eu queria te dar. Não vou te dar nada, só a

minha presença que se esvai pelo portão. Sei que mais uma vez vamos lanchar nessa tarde o

desejo de parar o tempo e ficar mais um pouco, mas não dá tempo! nunca dá tempo! A tarde

insiste em virar noite.

Não suporto o efeito do tempo no amor que eu sinto! Queria poder te dar a noite inteira, mas

pra nós a noite é só um lembrete implacável do não-lugar que habita esse amor. Acho que

tudo nos é roubado em algum momento da vida… Hoje a cor dessa nostalgia não é sépia, nem

amarela, é da cor de todo dia.”

Vídeo:http://www.youtube.com/watch?v=9Lx0noqaSZk&feature=player_embedded

Marcela Páez – Novembro 2012

26

ANEXO 4: Rede de Colaboração e Contaminação (http://teatrodelonge.tumblr.com/)

Segunda Pergunta – Provocação

TENDO EM VISTA TODAS AS RESPOSTAS ANTERIORES e:

Texto 1:

“Das imagens que formam a nossa memória. As imagens instantâneas que totalizam épocas

em momentos e parecem excluir o ruim, o mal, o triste. Das imagens que somos capazes de

guardar, mas que não contém os seus contextos. Dos filtros do abandono, os filtros sépia, os

filtros amarelos. Os filtros cor de todo dia. Das imagens que selecionamos; das que não

selecionamos, mas que vão ficar. Da imagem que meu corpo construiu no espaço. Da imagem

do espaço que me escapa. Da imagem que o espaço fez do meu corpo. Da imagem que o

espaço fez dos corpos que lhe escapam. Das coisas que gostaria de dizer e não digo, dos

presentes que gostaria de dar e não dou. Das regras que construímos, do vazio que enfim

resta, e das pedras no caminho. De tudo resta um pouco, resta um pouco de você no rosto da

tua filha.”

Texto 2:

“Em um estábulo situado quase à sombra da nova igreja de pedra, um homem de olhos

cinzentos e barba cinzenta, estendido entre o cheiro dos animais, humildemente procura a

morte como quem procura o sonho (…) O homem dorme e sonha, esquecido. O toque da

oração o desperta. No reino da Inglaterra o som dos sinos já é um hábito da tarde (…) antes

do alvorecer [ o homem ] morrerá, e com ele morrerão, sem retornar jamais, as últimas

imagens imediatas dos ritos pagãos; o mundo será um pouco mais pobre quando este saxão

estiver morto. Fatos que povoam o espaço e que chegam ao fim quando alguém morre podem

maravilhar-nos, mas uma coisa, ou um número infinito de coisas, morre em cada agonia (…)

No tempo houve um dia que apagou os últimos olhos que viram Cristo; a batalha de Junín e o

amor de Helena morreram com a morte de um homem. O que morrerá comigo quando eu

morrer, que forma patética ou perecível o mundo perderá? (…)”

[ J.L.Borges ]

RESPONDA:

“O que TE resta e o que EM TI restou?”

(Responda como quiser, em prosa, poesia, desenho, fotografia, música, composição, dança,

teatro e tudo mais)

27

ANEXO 5: Rede de Colaboração e Contaminação (http://teatrodelonge.tumblr.com/)

Segundas Respostas

1) O que sempre me resta em mim

Sempre pensei em fazer tatuagens, por algum motivo eu nunca as fiz. Mas começo a achar

que existe algo de renovador num corpo sem desenhos. Muitas das minhas cicatrizes somem

com o passar do tempo. Algumas nunca se apagarão. Outras, estranhamente, voltam a

aparecer depois de já terem deixado meu corpo há muito tempo. Essa semana eu acordei e

encontrei na minha perna uma cicatriz já bem delineada e que eu ainda não conhecia. Me

estranhei. Fiquei me perguntando onde eu tinha conseguido aquela cicatriz, onde foi que eu

perdi a lembrança dela ali, como ela foi feita? Como se eu não conhecesse a minha própria

história, não fosse capaz de ler as minhas marcas na pele.

Uma amiga que pretende continuar se tatuando até o fim dos tempos me disse que quando

você tatua algo é como se aquele desenho sempre estivesse ali, fazendo parte de você, e a

tatuagem é simplesmente o ato de tornar visível essa parte sua. Como se você pudesse pegar

uma borracha e apagar a pele, e por baixo ela ser toda colorida e desenhada. E por isso às

vezes pode acontecer de alguém fazer uma tatuagem sem saber muito bem o porquê, e ao

longo da vida ir descobrindo os significados que sempre estiveram lá. Mas é algo como um

mapa de si mesmo, um mapa pra memória. Dizem que nosso corpo, nossas células, se

renovam completamente a cada sete anos de vida. Como elas se renovam e a gente não deixa

de ser quem é? Deve ser porque não somos… estamos.

Mas sinto que se apagasse um trecho da minha pele, por menor que fosse, ia aparecer em

grandes quantidades mas não sei bem a cor, solidão e talvez vazio. Parece que é o que

sempre me sobra por debaixo da pele. Se eu fosse capaz de me despir da minha pele acho que

globos coloridos de memória boiariam num líquido negro de solidão, e essa mistura se

espalharia lentamente no espaço.

Essas memórias são tão só-minhas. E sempre que chego a alguma conclusão sobre a vida,

uma conclusão que me parece tão real e palpável e é uma coisa que eu tenho como mais certa

até do que a morte: é a solidão. Para viver, penso e acabo sentindo que existe uma matéria

invisível e úmida que nos conecta aos outros seres viventes. Mas a solidão é certeira. Nela

você pode confiar. Sempre estará aqui pra você.

Valentina Alexandre – Dezembro 2012

28

Poema 1: “Meus pensamentos de mágoa Boiam leves, desatentos Meus pensamentos de mágoa Como no sono dos ventos As algas, cabelos lentos Do corpo morto das águas Boiam como folhas mortas À tona de águas paradas São coisas vestindo nadas Pós remoinhando nas portas Das casas abandonadas Sono de ser sem remédio Vestígio do que não foi Leve mágoa, breve tédio Não sei se para, se flui Não sei se existe ou se dói” (Poema de Fernando Pessoa)

Poema 2:

“Procuro despir-me do que aprendi,

Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,

E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,

Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,

Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,

Mas um animal humano que a Natureza produziu.”

(Poema de Alberto Caeiro)

Video:http://www.youtube.com/watch?v=s4QLukT-cvw&feature=player_embedded

Valentina Bagno – Dezembro 2012

29

2) Última onda

Foi perdido tanto naquela última onda. Ela levou meus óculos, meu relógio, minhas roupas e

minha mochila. Eu não estava preparado e acho que ninguém mais estava também Não foi

previsto e por isso não prevenimos, não fui o único a perder as coisas. Depois daquela última

onda eu sobrei aqui. Fico me perguntando por quê ela teve de levar tudo, menos eu? Por que

eu tive de ficar? Devo eu permanecer enquanto as coisas escapam de mim?

Aquela última onda me deixou molhado. Lavou meu corpo, meus cabelos, meus pesos, meus

cansaços, minhas alegrias, aquela onda lavou todos de mim. Fiquei eu, sozinho, nu e ensopado

olhando para onde a onda fugiu com aquilo que eu acreditava ser eu. A última onda me deixou

perdido e sem nada, mas talvez tenha me restado coisas que eu nunca mais veria, ou talvez

seja só uma desculpa minha pra acreditar em algum “porque continuar”.

A verdade é que não sei o que foi e o que ficou. A última onda limpou de mim toda e qualquer

possibilidade de medir as coisas, porque a última onda foi só a última onda, o que ela levou

foram só as coisas e um pouco de mim.

Sei que não adianta ficar na beira d’água esperando que as coisas voltem, mas só sei que

agora não tenho muito pra onde ir. Então, espero a próxima onda só pra descobrir o que

acontecerá depois que ela levar o que resta. E enquanto isso permaneço.

Vinicius Garcia Pires

30

ANEXO 6: Dramaturgia do Solo “O que te resta e o que em ti restou”

Trecho Dramatúrgico 1:

“Hoje eu encontrei uma caixa de fotos tinha aquelas de antes deu nascer, tinha aquela de

quando eu nasci, tinha daquela vez que a gente tomou chuva, mas não tinha da gente doente

no dia seguinte. Tinha aquela última foto do vovô. Entre todas as rugas ali expostas eu

procurei algo que me remetesse a aparência do homem que me disse o porquê do mar ser

azul.

Tinham todas aquela de quando parecia que tudo era melhor, aquelas da época em que você

dizia que a situação era melhor, aquelas de antes d’eu perder o emprego. Você acha que era

bem mais bonito antes sem saber que tá bem mais bonito agora.

E eu, tive a impressão de que você sorria mais antigamente.

Queria te dar um presente, queria te dar uma pedra, a melhor parte de mim, a mais fixa, mais

constante, mais verdadeira. Mas eu sou água e num sopro me derramo e transformo.

Eu não suporto o efeito do tempo nos presentes que eu queria te dar. Eu não vou te dar nada,

só a minha presença que se esvai pelo portão. Sei que mais uma vez vamos lanchar nessa

tarde o desejo de parar o tempo e ficar mais um pouco, mas não dá tempo! nunca dá tempo!

A tarde insiste em virar noite.

E eu não suporto o efeito do tempo no amor que eu sinto! Queria poder te dar a noite inteira,

mas eu sei que pra nós a noite é só um lembrete implacável do não-lugar que habita esse

amor. Acho que tudo nos é roubado em algum momento da vida… Hoje a cor dessa nostalgia

não é sépia, nem amarela, é da cor de todo dia.”

Trecho Dramatúrgico 2:

“Você não entende.

Não é o Tempo que me falta, é o Espaço que está se acabando.

Meu espaço está cada vez menor,

O medo está comendo ele aos poucos e constantemente.

As cercas estão fechando o meu espaço e isso devia ser bom, mas isso é absurdamente sério.

Eu não consigo mais medir o meu espaço.

Eu tenho apenas 5 minutos restantes de sala, 1 polegar de Sol que passa pela janela e daqui a

2 milímetros já não restará nada, só o Tempo que sobra e o Espaço que me falta.

(Eu só tenho o espaço do meu celular. Isso quer dizer que por enquanto eu tenho

todo espaço que é o mundo todo, mas quando a bateria acabar eu vou ficar no lugar

nenhum que é o lugar com celular fora de rede)”

31

Trecho Dramatúrgico 3:

“A quanto tempo eu parei de caber debaixo da sua cama?

Eu tenho pensado muito nisso. Eu não caibo mais embaixo da sua cama e isso é

absurdamente sério.

Eu tenho tanta coisa pra te contar. Mas eu não consigo.

E não é que eu não tenha tempo, é o espaço que anda me faltando.

Antes eu media essa casa com o seu corpo: As paredes mediam 10 mãos por 16m

de largura, 6 das suas pernas preenchiam a minha janela e sobravam 2 pés seus (3

meus) no tamanho da cama”.

Trecho Dramatúrgico 4:

“Ela que nunca deixou de estar ao seu lado mas conseguia surpreende-lo. Já na

estrada há 110 por hora ele abriu a janela do carro, o vento se espalhou por entre

eles impossibilitando que ouvissem tranquilamente o som do rádio. A madrugada

estava ali, entrando pela janela do carro, e ele achou que seria um bom momento

para dizer “te curto em segredo”. Ela reagiu a vibração grave da sua voz com um

sorriso apaziguador, ele não tinha certeza se ela era agora cúmplice dele, o vento

falava mais alto que qualquer um, mas nós todos sabíamos que aconteceu algo ali.

Ela encostou a cabeça no seu ombro e dormiu tranquila.”

Trecho Dramatúrgico 5:

“Foi perdido tanto naquela última onda. Ela levou meus óculos, meu relógio, minhas roupas e

minha mochila. Eu não estava preparado e acho que ninguém mais estava também. Não foi

previsto e por isso não prevenimos, não fui o único a perder as coisas. Depois daquela última

onda eu sobrei aqui.

(…)

Sei que não adianta ficar na beira d’água esperando que as coisas voltem, mas só sei que

agora não tenho muito pra onde ir. Então, espero a próxima onda só pra descobrir o que

acontecerá depois que ela levar o que resta. E enquanto isso permaneço.”

Trecho Dramatúrgico 6:

“Dizem que o nosso corpo, todas as nossas células, se renovam completamente a cada sete

anos de vida. Como elas se renovam e a gente não deixa de ser quem é? Deve ser porque não

somos... estamos.”

32

ANEXO 7: Retornos da Rede

1)

12 10 16 1 1 80 6 2

“Eu vi a transformação do texto (mudança de tempo e de pessoa) e isso me levou a repensar

a trajetória criativa da minha proposta. quando pensei em “nostalgia” lembrei dos tempos

verbais que formam o tempo na linguagem. o tempo dos verbos é alguma coisa que fica na

palavra, não se mexe, são todos os tempos do mundo paralisados, todos os tempos do mundo

esperando pra acontecer. pensei no quanto de saudade existe nas estruturas dos verbos. a

gramática fala de três principais estruturas do verbo: o radical, a vogal temática e as

desinências. por exemplo, o verbo “dançamos” pode ser dividido assim: danç (radical), a

(vogal temática), mos (desinência de pessoa e de tempo = nós/presente ou passado). o verbo

é o grande responsável pelo tempo na construção linguística. o nosso corpo é o grande

responsável pela nostalgia na construção do tempo. poderíamos, então, ser divididos nas

mesmas estruturas do verbo: o radical, a vogal temática e as desinências. vendo o teu vídeo,

eu posso te dividir assim, como um verbo. o seu radical é o portador do sentido, da identidade

do tempo (o seu corpo), a vogal temática é o elemento que liga o radical às desinências, é o

que você faz pro espaço ser tempo, (o seu movimento) e a desinência é o elemento que junto

com o seu corpo e o seu movimento me transforma em tempo, na sua linguagem (no verbo do

seu corpo).

tempo x linguagem (palavra e dança). eu sou contemplado quando o seu movimento mede o

espaço. quando o texto volta triturado, com outra pessoa e outro verbo. e quando você tem

finalmente “5 minutos restantes de sala”, eu estou tentando entender o que são 11 minutos de

saudade. e aí eu lembro que o tempo sempre sobra, o que falta mesmo é espaço.

por Gustavo Colombini

33

2) Massa não se perde, se tranforma- (água tb é massa)

(trechos-dragão nossos)

Procuro despir me do que aprendi

O que resta de mim

A casa tem saudades de quem não está

Nostalgia

Meus pensamentos de mágoa

Meus pensamentos de água

Minhas lembranças-dragão

O que te resta e o que em ti restou?

Aquelas em que parecia que tudo era melhor

Sou água

Não suporto o efeito do tempo nos presentes que eu queria te dar

______________________________________________________

Você morreu molhado mas não morreu de água-você morreu do coração- você ficou molhado

porque estava na água na hora que chama- mas você não morreu de água. Você morreu sim,

de problema no encanamento das águas vermelhas- isso é outra coisa.

Gosto muito do elemento de composição em dança chamado: repetição. Gosto de como ele

aparece resignificado na sua composição (Marcela). Gosto de como seus desejos se

transformam em gestos, alguns de saudade, e que não deixa de ser um certo tipo de

repetição. Fazer novamente, falar novamente mais alto dessa vez para ser ouvida, tocar

novamente, mais forte dessa vez para virar presença, correr novamente, mais intenso dessa

vez para se fazer entendida- fechar a caixa novamente só para ter a oportunidade de abri-la

pandora; subir por necessidade fugindo da água mas quando preciso for, voltar até o térreo

inundado. Começar a composição no chão, ganhar a caminhada, aprender a ficar de pé, a

maior conquista terrestre de batalha contra a gravidade- para voltar ao chão. Fechar o ciclo

das fotos. Cíclico!

34

___________________________________________________

diretamente sobre teu vídeo

A água entra em ebulição a 100º- vejo essa ebulição-espiral em 1min e 40seg

A “música” com acordes (pq antes já tinha música) só entra em 2min e11seg- o q é que ela

instaura? O q é que ela traz?

6min outra linguagem em ação, espaço menor, gestual potente- provoca inquietação e

curiosidade na tentativa de te decifrar-Quando o texto entra é bonito, não reitera

Em 8min a volta para casa- (a caminhada de volta para casa)

10min os pequenos redemoinhos dentro de mim

Voltar ao chão

____________________________________________________

Leituras, palavras-chave, expressões

saudade nos pés

O corpo enquanto termômetro

O corpo enquanto mapa/trina

____________________________________________________

suscitou em mim:

Tem uma estrutura de esqueleto de água cíclico! E eu vou entender melhor cada vez que

repetir para/e assim criar memória.

CARA (O) AMIGA (O)VOCÊ JÁ Dançou na ÁGUA? OU VC TB É A PROVA d´AGUA COMO UM

RELÓGICO CARO, UM CELULAR CARO?

Aline Alves

35

3)

Chamando

Eu vi seu vídeo hoje e parece que eu nunca te vi dançando, mas sei que isso é uma grande

mentira porque eu já vi sim, uma vez.

Parece que eu nunca vi o seu corpo no espaço.

Na verdade parece que nunca percebi nossos corpos no espaço, e com isso estou querendo

dizer que às vezes parece que nunca percebi que aquilo que a gente fala é o nosso corpo no

espaço também. Então hoje quando eu te vi dançando com nossas palavras (com nossos

corpos) eu vi você tentando estar com a gente naquela sala. Eu vi onze minutos de muita

gente entrando e saindo de um corpo só, dentro de um lugar que chama mais outras muitas

pessoas que estavam dançando ali também. Não sei, vi mais Marcela, eu vi mais a Marcela

com quem eu converso, mas não era ela, eu sei, era muita gente transformando muitas

Marcelas. Era Marcela chamando Gustavo, chamando Pedro, Aline, Valentina, gente que eu

não conheço e me chamando também. Assim, eu acho que vi várias Marcelas criando vários

Vinicius que se perdiam em vários Gustavos que se tornavam várias Valentinas que se

confundiam com muitos Pedros que se perdiam em mais muita gente e viravam Marcela,

aquela muitas em uma só.

Eu vi Marcela.

Chamando todo mundo pra dançar, sozinha, com todo mundo.

Eu vi seu vídeo hoje e foram dez meses e onze minutos de muita gente e Marcela.

E eu vi seus corpos no espaço.

Vinicius Garcia Pires

36

BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Hannah. “A condição humana”. Tradução: Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2010.

BASTOS, Maria H. “Variâncias: o corpo processando identidades provisórias” PUC/SP: tese de

doutorado, 2003.

BAUMAN, Zygmund . “Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos” . Tradução:

Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004

CYPRIANO, Fabio. “Pina Bausch” . São Paulo: Cosac Naify, 2005.

FABIÃO, Eleonora. “Corpo cênico, Estado cênico” . Revista Contrapontos – eletrônica: vol.10 –

n.3, Set-Dez 2010.

FORTIN, Sylvie. “O processo formativo como construção de novos procedimentos criativos”

in: RAMOS, L. (org) “Arte e Ciência: Abismo de rosas” . São Paulo: ABRACE, 2012.

GARAUDY, Roger. “Dançar a Vida” . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

GREINER, Christine. “O Corpo: Pistas para estudos indisciplinares” . São Paulo: Anhamblume,

2005.

GUMBRECHT, Hans Ulrich.“Graciosidade e Estagnação: EnsaiosEscolhidos” .Tradução: Luciana

Villas Bôas, Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2012.

KEHL, Maria Rita. “Muito além do espetáculo” in: NOVAIS, A. (Org.) “Muito além do

Espetáculo” . São Paulo: Senac, 2005.

LANCRI, Jean. “Colóquio sobre a metodologia da pesquisa em artes plásticas na Universidade”

in: BRITES, B. TESSLER, E. (org) “O Meio como Ponto zero: metodologia da pesquisa em Artes

Plásticas” Porto Alegre: Ed/UFRGS, 2002.

LAUNAY, Isabelle. “Quando bailarinos fazem-se historiadores” in: RAMOS, L. (org) “Arte e

Ciência: Abismo de rosas” . São Paulo: ABRACE, 2012.

37

PEREIRA, Sayonara.“Dança solo: Cerimonial ou simplesmente dançar só”. Reunião Científica

ABRACE-2011.

__________. “Rastros do Tanztheater no processo criativo de ES-BOÇO”

São Paulo: Anhamblume, 2010.

__________. “Tanztheatralidade: História, Características, Ferramentas Empregadas”. São

Paulo, 2010.

___________. “DoreHoyer” . São Paulo, 2010.

___________. “Visitante Ilustre: Susanne Linke” . Dezembro, 2009

www.conectedance.com.br

___________. “Corpos que esboçam memórias” . Campinas, 2006.

___________. “Memória/Identidade” . Campinas, 2006.

ROPA, Eugenia. “O solo de dança no século XX” . Revista Urdimento: Março 2009 – n.12.

TESSLER, Elida. “Coloque o dedo na ferida aberta ou a pesquisa enquanto cicatriz”

in: BRITES, B. TESSLER, E. (org) “O Meio como Ponto zero: metodologia da pesquisa em Artes

Plásticas” Porto Alegre: Ed/UFRGS, 2002.

SENNET, Richard. “O Artiífice” . Rio de Janeiro: Ed. Record, 2009.

___________. “O declínio do homempublico: as tiranias da intimidade” .Tradução: Lygia

Araujo Watanabe . São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

VIANNA, Klauss. “A Dança” . São Paulo: Summus, 2005.