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Interação em Psicologia, 2003, 7(2), p. 81-89 1

A relação natureza e cultura:O debate antropológico e as contribuições de Vygotski

Adriano Henrique NuernbergUniversidade do Sul de Santa Catarina

Andréa Vieira ZanellaUniversidade Federal de Santa Catarina

ResumoNa interface da antropologia e da psicologia, a presente discussão visa reafirmar a necessidade dodiálogo interdisciplinar para a busca de novas pistas para o problema da relação natureza e cultura.Revisando algumas das contribuições da antropologia e da psicologia histórico-cultural de Vygotski,pretende-se dar relevo a elementos conceituais deste debate, localizando-o em relação às demandassociais da modernidade que encontram expressão nas ciências humanas.

Palavras-chaves: Natureza; cultura; psicologia histórico-cultural.

AbstractThe relation nature and culture: the anthropological debate and the contributions of Vygotski

In the interface of anthropology and psychology, the purpose of the present discussion is to reaffirmthe necessity of an interdisciplinary dialogue for research into new themes for the problem of relationnature and culture. In the process of revising some of the contributions of Vygotski to anthropologyand historical-cultural psychology, it is intended to highlight conceptual elements of this debate,placing it in relation to modern social demands that find expression in the science of human beings.

Keywords: Nature; culture; historical-cultural psychology.

Considerações IniciaisHá debates científicos que atravessam os séculos,

tais como a questão da relação natureza e cultura.Muita tinta foi gasta em propostas de compreensãodessa relação, sobretudo no que tange à busca dosfatores que produzem o que é especificamentehumano, centrando as explicações ora emcaracterísticas hereditárias e instintivas ora para ascaracterísticas do meio ambiente em que o sujeito seinsere e no peso da cultura na condição humana.

A própria organização sócio-política ocidentalmoderna é influenciada por idéias sobre a naturezaque a opõe às noções que representam os modos devida considerados “civilizados”. Em autores clássicoscomo Hobbes e Rousseau, representantes docontratualismo, temos a idéia de que em nome dasuperação da condição da natureza na sociedadehumana se cria a figura do Estado para garantir amanutenção do “contrato social” (Bobbio & Bovero,1990). A plena emancipação em relação à natureza,vale destacar, é um elemento importante do projetomoderno de indivíduo, cujas capacidades racionaissão enunciadas como veículos para trilhar essecaminho que leva ao distanciamento do mundonatural, esse considerado “selvagem” e repleto delimitações.

Um dos casos clássicos que suscitou a polêmicaem torno dessa questão é o evento protagonizado porVictor de Aveyron, um menino selvagem encontradovivendo em uma floresta e que foi encaminhado aos

cuidados do famoso médico empirista Jean Itard.Nessa ocasião, em pleno século XVIII, propostasinatistas e ambientalistas entraram em confronto naanálise da precária condição intelectual de Victor,trazendo novas articulações dos argumentosdefendidos por estas diferentes perspectivas. Ou sedizia que Victor era “imbecil” de nascença ou sedefendia que sua debilidade se devia à carência deestímulos ambientais adequados. Tal evento tornou-seum marco histórico do debate em questão, servindo dereferência a grande parte das reflexões posterioresacerca da relação natureza e cultura.

Em realidade, esse debate caracteriza a história daCiência desde seus primórdios, expressando-se comespecial destaque nos variados campos disciplinaresdas Ciências Humanas. As diversas matrizesepistemológicas que caracterizam as linhas teóricasdesta área do conhecimento, de modo explícito ounão, consideram a importância das condições dadas àspessoas no momento do nascimento e/ou ao meioambiente na determinação dos fenômenos associados àvida humana.

O que talvez ainda esteja a descoberto, todavia, é oexercício de cotejar esses diferentes olharesdisciplinares, iluminando o debate em pontos aindapouco discutidos. Em se tratando de uma questão quepersegue toda Ciência, apresentar argumentos decampos disciplinares distintos pode fomentar essainsistente e relevante discussão. É com esse intuitoque aqui se destacam as reflexões de dois campos do

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saber marcados pelo debate natureza e cultura, aAntropologia e a Psicologia.

A exposição das idéias antropológicas sobre atemática certrar-se-á na contribuição de autores deexpressão que, desde os primórdios dessa ciência atéos dias atuais, vêm contribuindo significativamentecom o debate. No caso da psicologia, será privilegiadaa contribuição do psicólogo russo Lev S. Vygotski,posto que analisou a psicologia do seu tempo eprocurou erigir as bases para uma compreensão nãodicotômica da relação natureza e cultura. Aimportância e atualidade de suas contribuições nocampo psi, que justificam a centralidade naapresentação de suas idéias, decorrem do fato de teratribuído às relações sociais o lugar de

definidoras por natureza das funções mentaissuperiores,

1 ou seja, da natureza humana do

homem, [o que] constitui uma ‘subversão’ dopensamento psicológico tradicional. Vygotskidesloca definitivamente o foco da análisepsicológica do campo biológico para o campoda cultura, ao mesmo tempo que abre ocaminho para uma discussão do que constitui aessência do social enquanto produção humana(Pino, 2000, p. 61 – grifos do autor).

A relação natureza e cultura na AntropologiaEmbora já houvessem relatos descritivos de outras

culturas, até meados do século XIX a Antropologianão havia se firmado como uma ciência oficialmentereconhecida. A partir das contribuições de Darwin,este campo de estudos inaugura uma nova fase emseus esforços de compreensão dos diferentes modossociais de organização humana, fundamentando-se noponto de vista que propõe a cultura como via deadaptação dos humanos na garantia e manutenção desua sobrevivência (Titiev, 1966). A idéia de evoluçãosubjacente ao darwinismo, por conseguinte, acaboupor levar os antropólogos à distinção etnocêntricaentre sociedades “primitivas” e “avançadas”, como seas diferenças entre elas revelassem indícios dosprogressos da espécie humana nos modos deadaptação, através do aprimoramento da cultura(Comissão Gulbenkian, 1990). Cumpre notar, todavia,que atualmente tais termos não são mais empregados,valendo apenas a distinção entre sociedades “tribais”(ou “não complexas”) e “complexas” (Velho, 1994).

Não obstante, é preciso destacar que, ainda que acultura tenha, em função das idéias de Darwin,emergido como categoria determinante da condutahumana e das trocas sociais dos grupos investigadospelos etnólogos, ela permanece sendo tomada por umaparte dos antropólogos como uma decorrência denecessidades naturais. Ora tomada como produto daevidencia de sua praticidade (como em Lewis HenryMorgam), ora por sua utilidade (como em FranzBoas), a cultura é constantemente reduzida a algosubordinado ao biológico. Mesmo em antropólogoscomo Bronislaw Malinowski, o interesse porcomunidades tribais exóticas revela a busca pelouniversal como modo de confirmar a existência de

uma pauta de dados naturais dos quais todos os grupossociais humanos compartilhem. Assim, rimando ouniversal com o natural, tais autores acabam porrestringir conceitualmente a cultura a uma espécie deepifenômeno da natureza (Sahlins, 1995).

Uma reação importante às teorias antropológicasinfluenciadas pela teoria evolucionista foi o trabalhoetnográfico de Margareth Mead (1988). Precursorados estudos de gênero, Mead a princípio acreditavahaver certa correspondência entre “sexo” e“temperamento”, como se os comportamentosevidenciassem sua origem no dado natural de sexo.No entanto, ao iniciar sua etnografia em gruposhabitantes da Nova Guiné, acabou por refutar suacrença inicial, demonstrando a extrema relatividadedesta tese. Seus argumentos acabaram por enunciaruma responsabilidade muito maior da cultura sobre oscomportamentos ligados aos sexos, abalando as tesesnaturalistas em pleno vigor na década de 30.

Em contraposição às teorias da utilidade epraticidade da cultura, a perspectiva estruturalista doantropólogo Claude Lévi-Strauss também representa apossibilidade de proporcionar um status maior àcultura, considerando-a em certa autonomia emrelação à natureza. Em sua busca de elementos quepautam a distinção entre o que é cultural e biológico,Lévi-Strauss (1976) propõe que aquilo que se mostraconstante na análise da diversidade cultural é critériopara definir o natural. Por outro lado, aquilo queconstitui uma regra reguladora dos comportamentosrevela-se como fator cultural. Nesse sentido, propõeque o dado por excelência que permanece, ao mesmotempo, invariante e portador do caráter de regra social,é a proibição do incesto. A universalidade do tabu doincesto, para o autor, é o elemento pelo qual deve seiniciar toda tentativa de elucidar a questão proposta,pelo fato de se configurar enquanto um fenômeno depropriedades concomitantemente próximas àstendências instintivas e culturais. Trata-se, portanto,de um processo que possui tanto o caráter deexpressão da natureza quanto o caráter de regra socialinviolável.

Nesse ponto de vista, salienta-se o valor que aordem simbólica possui para o estabelecimento emanutenção das trocas sociais. A cultura é mais aexpressão de uma economia de valores simbólicos doque um instrumento de garantia de melhorescondições de sobrevivência da espécie. O dadouniversal, como o tabu do incesto, nesse caso, serveaos propósitos da promoção da sociabilidade, nãocoincidindo apenas com o natural e nemcorrespondendo exclusivamente às respostasinstintivas. Ao se proibir os casamentos endogâmicos,são promovidos os casamentos exogâmicos, de modoa estabelecer as trocas sociais entre gruposconsangüíneos distintos. Assim, as variadas formas deorganização social e parentesco das diferentes culturassão vistas como maneiras de distribuição eclassificação dos indivíduos na ordem simbólica, nosentido de constituírem as relações de reciprocidadeque permitem a existência da sociedade.

Reserva-se à natureza, nessa perspectiva, o papelde mediadora para tais processos, de modo que a

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cultura busca na natureza as categorias sobre as quaisse assenta para organizar o espectro social. Asdiferentes formas de totemismo, por exemplo,medeiam a classificação dos indivíduos na ordemsimbólica, de modo a estabelecer os interditos evalores que pautam as trocas sociais. Naargumentação da antropologia estruturalista francesa,mesmo as categorias do pensamento têm comoinspiração a natureza. O pensamento é, portanto,estruturado a partir do modelo que a natureza lhefornece, de tal modo que operamos mentalmente combase em categorias sustentadas em dados naturais. Aescolha dos animais totêmicos, inclusive, deve-se àsanalogias que evocam ao pensamento, e não, comoargumenta Malinowski, à importância que estespossuem às práticas alimentares das culturas. Comodiz Lévi-Strauss, a natureza é “boa para pensar”,sendo utilizada no totem como recurso para elaborarcognitivamente a diversidade humana (Lévi-Strauss,1975, p. 94).

Tal tese permite, por conseguinte, aproximar opensamento “primitivo” do “civilizado”, através daanálise daquilo que lhes é comum. O pensamentocientífico, assim, corresponde apenas ao refinamentodas estruturas de pensamento compartilhadas com osconsiderados primitivos, posto que opera seguindo amesma lógica do totem, o que nos permite, por suavez, codificar os símbolos de uma cultura para outra.Para Lévi-Strauss, mesmo as criações maisaprimoradas do pensamento racional expressam ascategorias sensíveis baseadas na natureza. Talpressuposto, por sua vez, nega a tese evolucionistaque compreende o avanço das estruturas mentaisatravés da história.

Cumpre apontar também o grande impacto dotrabalho de Geertz (1991) às teorias naturalistas, cujasteses não só introduziram um novo modo de concebera cultura, como também enfocaram a delicadaproblemática da influência da subjetividade doetnógrafo na interpretação das culturas. Para esseautor, a cultura é essencialmente semiótica, sendo ohomem “um animal amarrado a teias de significadosque ele mesmo teceu” (Geertz, 1991, p. 15). Em razãodesse ponto de vista, Geertz promoveu um relativoafastamento da antropologia em relação ao métodoexperimental, levando esta ciência a uma ênfase maiorno caráter interpretativo do trabalho etnográfico.

Há ainda a destacada importância de autorespertinentes às demais ciências sociais, como ÉmileDurkheim. Conforme Alexander R. Luria (1990), adivulgação e aceitação das idéias de Durkheimrepresentou a rejeição às teses evolucionistas sobre osprocessos humanos. Para Durkheim, a compreensãodestes processos deve ser buscada nos modos deorganização da sociedade, especificamente nasrepresentações coletivas dispostas nesse contexto eque agem sobre os indivíduos. Tais tesesfundamentaram a teoria do antropólogo francêsLucien Lévy-Bruhl que, por sua vez vai influenciargrande parte dos pesquisadores das ciências humanasna década de 20 do século passado.

Verifica-se nas teorias do antropólogo Lévy-Bruhlum outro ponto de vista sobre a relação natureza e

cultura. Neste caso, o cerne do debate se localiza nacomparação das diferentes formas de configuração dacognição humana no interior das culturas, opondoformas primitivas de pensamento às formas científicasde interpretação da realidade. Esse confronto pode serresumido na diferença de eleição dos fatores queconstituem a realidade e produzem os fenômenos danatureza: enquanto nas formas consideradas“primitivas” predominam idéias de “participação”,onde tudo está vinculado a tudo, nas formasconsideradas “científicas”, próprias da culturaocidental contemporânea, predomina a leitura lógico-causal dos acontecimentos. Se para as primeiras asidéias mágicas têm ampla aceitação, nas demais, todotipo de explicação que foge às leis da lógica érejeitada.

Cumpre esclarecer, no entanto, que para Lévy-Bruhl as diferenças qualitativas do pensamento entreas culturas não têm origem na seleção natural, comoentendem os evolucionistas, mas no desenvolvimentosócio-histórico (Luria, 1990). Do mesmo modo, asformas primitivas de pensamento não representammodos rudimentares da lógica formal. Tratam-se demodos diferentes de articulação das funçõescognitivas, em razão do instrumental psicológicodisponível num dado contexto social (Vygotski &Luria, 1996).

Outra das contribuições mais significativas daantropologia ao debate é a relativização dos modos depensar a relação natureza e cultura no ocidente,sobretudo no contexto da produção científicaespecializada. De maneira geral, pensamos que anatureza é um dado estável, a ponto de se considerar auniversalidade desta dimensão. Nesse sentido, o quenos diferenciaria é a cultura, a dimensão responsávelpor nos singularizar enquanto seres humanos.

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (1996)argumenta, com base em sua etnografia de gruposindígenas amazônicos, que esta é apenas uma daspossibilidades de compreensão dos atributosespecíficos da natureza e da cultura. Conformedemonstra em seu estudo, alguns povos ameríndios daregião amazônica compreendem que todo ser vivodispõe de um mesmo ponto de vista, de modo quetodas as espécies compartilham das mesmascategorias de interpretação da realidade. No entanto,nessa ordem simbólica específica, as espéciesconsideram a si mesmas como seres diferentes dasoutras espécies, pelo fato de possuírem corposdiferenciados, o que caracteriza um modo deperspectivismo.

Para Viveiros de Castro, o perspectivismoameríndio é uma possibilidade racional da relaçãocultura e natureza, sendo tão exótico quanto nossopensamento científico. Assim, não se apresenta umabismo entre o pensamento ameríndio e o esforçopositivista de eliminar qualquer alteridade do que seinvestiga. Trata-se de formas diferenciadas dedistribuir as mesmas categorias de interpretação darelação cultura e natureza. Em realidade, operspectivismo inverte a oposição natureza e culturada racionalidade ocidental: se para nós a natureza éuniversal e a cultura é particular, para o

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perspectivismo do pensamento ameríndio a cultura éque é universal. Nesse último caso, a particularidade édada pelas diferentes naturezas, de modo que o quesingulariza é o corpo. Ironicamente, temos de um ladoo multiculturalismo, do outro o multinaturalismo, semque se possa dizer a validade maior de uma e de outrapossibilidade lógica das noções de cultura e natureza.

Há ainda outros pressupostos defendidos implícitaou explicitamente pela Ciência que merecem umaanálise mais detida, à luz da Antropologia. Na maiorparte das vezes, considera-se a humanidade comooposta à animalidade, sendo a natureza um outro lugarsimbólico do qual nos distinguimos em razão dacultura (Ellen, 1996). Por outro lado, ora tratamos ahumanidade como uma condição, ora como oconjunto dos seres vivos que caracterizam a espéciehumana, sem muito cuidado em fazer notar asimplicações destas noções.

Conforme o antropólogo Tim Ingold (1995),atingir uma maior precisão dos conceitos dehumanidade e animalidade passa por distinguir trêstópicos da relação entre essas noções: o aspectoconceitual, o epistemológico e o moral. No primeiro,há que se considerar o conceito de espécie humana, oqual engloba um espectro de diferentesmanifestações/variações físicas, constituindo achamada humanidade, como uma espécie entre outras,embora com uma distância relativa entre estas. Já osegundo diz respeito ao aspecto epistemológico,através do qual o autor problematiza a humanidade emdois modelos: como condição e como espécie. Trata-se de uma relevante distinção, pois considerar que ahumanidade é uma condição é supor que existem doistipos de ciência: as naturais e as humanas. Emcontrapartida, se consideramos a humanidade comoespécie, então só há uma ciência que abrange os ditosfenômenos naturais e humanos. Vale dizer que noprimeiro caso - da humanidade como condição - háuma clara correspondência com os modos ocidentaisde pensamento, que tendem a dicotomizar e opor osfenômenos como modo de classifica-los paracompreendê-los. Como último aspecto, da relaçãohumanidade e animalidade, destaca-se a dimensãomoral destas categorias. A “cilada” deste aspecto éque, de acordo com o modo de compreensão dahumanidade, ora se produz o etnocentrismo, ora oantropocentrismo. Se tomarmos o evolucionismo, porexemplo, distinguindo graus entre as diferentesespécies onde a humanidade se localiza no maiselevado patamar, então tal disposição hierárquicaconstitui uma postura etnocêntrica. Por outro lado, sepropomos uma relação de equivalência entre ahumanidade e os animais então afirmamos um tipo depostura antropocêntrica, onde o modelo decomparação por excelência é o humano.

As contribuições de Vygotski ao debate sobre arelação natureza e cultura

Desde o século XIX a Psicologia vive aintensificação de uma crise2 que há muito tempo adivide entre dois modos distintos de conceber einvestigar o psiquismo humano (Vygotski, 1996). No

cerne desta divisão está a diferença no valor atribuídoaos fatores orgânicos na constituição dascaracterísticas especificamente humanas defuncionamento psicológico ou, em outras palavras, àinter-relação de condições hereditárias com fatores domeio ambiente. Se por um lado as tendênciasidealistas acreditam haver certa autonomia dasprocessos psicológicos em relação à base orgânica, astendências materialistas enfatizam justamente osdeterminantes biológicos e a realidade objetiva naanálise do comportamento humano.

Nas psicologias idealistas, segundo Lev S.Vygotski, valoriza-se tudo aquilo que édesconsiderado pela tendência materialista,enfocando-se os fatores subjetivos como pautaprincipal de investigação. A fenomenologia deEdmund Husserl e o introspeccionismo de Guerrgui I.Tchelpanov e Wilhelm Wundt são as tendências quemelhor representam, no início da psicologia, essegrupo, cuja característica fundamental é defender aautonomia dos processos psicológicosespecificamente humanos em relação à base orgânicae ao ambiente. O psiquismo é, assim, compreendidocomo algo independente e que possui uma existênciarelativamente autônoma da realidade.

Por outro lado, às psicologias materialistaspertencem as propostas que utilizam o modelo deinvestigação típico das ciências naturais, valorizandoos fatores orgânicos e ambientais na compreensão docomportamento humano. A Reflexologia, a Gestalt-psico-logia3 e o Behaviorismo são as três grandestendências que representam esse grupo, sendo queestas enfatizam os fatores objetivos em detrimento dosfatores subjetivos em suas teses psicológicas. Paraesse grupo a Psicologia é uma ciência natural, talcomo a biologia e a física, devendo esta ciênciaafastar-se de toda análise que parta de fenômenos nãodiretamente observáveis ou pouco verificáveisempiricamente.

Aparentemente arbitrária, essa divisão correspondeà análise que Vygotski (1996) realiza sobre osignificado histórico da crise na Psicologia, cujaatualidade tem sido defendida por diferentespesquisadores (Blanck, 1987; Rivière, 1985). Para ele,o núcleo desta crise é a divisão da psicologia em duascorrentes, de acordo com o ponto de vistametodológico que as caracteriza. Nesse caso, o‘divisor das águas’ é o método das ciências naturais,de um lado visto como o único que concederia àPsicologia o caráter de Ciência e, por outro, posto delado para preservar a relevância da subjetividade. Valedizer que, para Vygotski, foi a emergência dapsicologia aplicada que gerou demandas práticas dasquais a psicologia idealista não deu conta, o que levouà valorização do método científico-experimental comopossibilidade concreta de atender às necessidadespragmáticas voltadas ao conhecimento psicológico.

Resgatando as análises de Ingold (1995) sobre asdiferentes noções de humanidade, podemosacrescentar um elemento na compreensão dosaspectos epistemológicos desta crise. Ao tomar omodelo das ciências naturais, a vertente materialistanada mais está afirmando que a humanidade é uma

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espécie entre outras e que os fenômenos humanosdevem ser estudados do mesmo modo que todos osfenômenos naturais. Por outro lado, ao afirmar aautonomia dos processos humanos em relação à baseorgânica e à realidade material, subentende-se que osidealistas concebem a humanidade como umacondição, cujo caráter afasta os humanos das demaisespécies de seres vivos.

Essa separação, já anunciada por Wundt quando daemergência da Psicologia enquanto ciênciaindependente, ainda hoje se mantém e aparece nascategorizações das áreas de conhecimento dasagências de fomento, como CAPES e CNPq, ou nomodo como se insere no âmbito dos cursosuniversitários. Enquanto em algumas universidades oCurso de Psicologia pertence ao Centro de CiênciasBiológicas, em outras está alocado no Centro deCiências Humanas. Ou seja, a própria estruturaorganizacional das universidades reflete esse dilemados conceitos em torno da relação natureza e culturana compreensão das especificidades humanas.

Algumas teorias psicológicas cunhadas no decorrerdo século XX desenvolveram caminhos intermediáriosque servem de alternativa a esse dualismo quecaracteriza o pensamento ocidental sobre a relaçãonatureza e cultura na explicação do psiquismohumano. Jean Piaget, o mais famoso representante davertente construtivista, contempla em suaepistemologia genética a relevância tanto dosprocessos biológicos quanto dos processos ambientaisque determinam a condição humana. No entanto, aoconsiderar os processos de conhecer e a linguagemcomo epifenômenos na garantia da adaptação dosseres humanos, esse autor tende para a maioraceitação da humanidade enquanto espécie,aproximando-se da perspectiva que caracteriza aPsicologia como ciência natural (Palangana, 1994).

Ao elaborar o projeto de uma Psicologia querepresentasse a síntese dialética das posições quecaracterizavam a crise nesta ciência, Vygotski,contrapondo-se às diversas correntes psicológicas deseu tempo, dedica-se à tarefa de superar ascontradições entre as noções de espécie e condiçãohumana. Em se tratando de um projeto inspirado nateoria marxista, a perspectiva histórica na explicaçãoda constituição das características especificamentehumanas é fundante de todo o seu arcabouço teórico,pois “... a história da psique humana é a história socialde sua constituição... Assim como a psique não é algoimutável e invariável no curso do desenvolvimentohistórico da sociedade, não é tampouco no curso dodesenvolvimento individual; as transformações queexperimenta são tanto estruturais quanto funcionais”(Shuare, 1990, p. 61).

A abordagem histórica delineada pelo psicólogorusso abrange três conjuntos de aspectos entrelaçados,dos quais os dois primeiros dizem respeito à noção dehumanidade como espécie e o último representa anoção de humanidade enquanto condição (Leontiev,1991). São os seguintes:

1) A maior parte dos autores concorda que osfatores biológicos atuam no desenvolvimento efuncionamento do psiquismo humano. Neste caso, não

se está falando dos processos que nos distinguem dosanimais, afinal, as demais espécies de seres vivostambém sofrem a influência de sua base orgânica emseu desenvolvimento e funcionamento psíquicoelementar.

2) Como segundo conjunto de fatores, destacam-seos que se constituem a partir da ontogênese, onde ascondições ambientais atuam na experiência de cadaser vivo transformando a base hereditária eestabelecendo comportamentos fundamentais àmanutenção da própria existência. No caso dos sereshumanos, tais processos são representados pelascapacidades que envolvem a garantia de condiçõesadequadas à sobrevivência frente às constantesmudanças ambientais. Vale dizer que ainda se estátratando de questões comuns entre animais e sereshumanos e, portanto, depurando a noção dehumanidade como espécie homo sapiens.

3) Há, contudo, um terceiro conjunto de fatoresque representam os processos que determinam oaparecimento e a formação das capacidadesexclusivamente humanas. Tais processos não seproduzem nem como resultado da atuação de fatoresendógenos nem são estritamente o produto daexperiência individual. Em realidade, esses processossão o resultado da apropriação, por parte dos sujeitos,das conquistas culturais da humanidade por diferentesgerações e que constituem tudo o que diz respeito àcondição humana.

A característica fundante dos seres humanos,portanto, é o fato de não se adaptarem à realidade,como o fazem os animais, mas dela se apropriaremativamente, de torná-la própria. Isso é possível porquedesde que nasce a criança está imersa em um universode objetos humanizados, isto é, significados. Todarelação que estabelece com a realidade é mediadapelos outros com os quais convive, sendo que estasrelações são eminentemente comunicativas.

Vygotski destaca que os processos psicológicossuperiores,4 que constituem as faculdades conscientesdos seres humanos, são o produto dessas relações emque as pessoas desde muito cedo participam em suavida. Nesse sentido, parte da tese de que o planointrapsicológico se constitui

...na conversão,5 na esfera privada, dasignificação que as posições sociais têm naesfera pública. O que nos conduz a afirmar queas funções psicológicas constituem a projeçãona esfera privada (plano da pessoa ou dasubjetividade) do drama das relações sociaisem que cada um está inserido. Ou, em outrostermos, as funções psicológicas são função dasignificação que as múltiplas relações sociaistem para cada um dos envolvidos nelas, comtodas as contradições e conflitos que elasenvolvem em determinadas condições sociais(Pino, 2000, p. 72 – grifos do autor).

Tal tese sobre o desenvolvimento psicológicoaponta as tramas sociais como constitutivas do sujeito,

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de suas características singulares que expressampossibilidades e impedimentos sociais, limites eperspectivas. Isso implica afirmar que todo o substratocultural que transita no contexto do qual participaativamente o sujeito é dele constitutivo, pois este teceas rendas que o tecem na medida em que este tornaseu o que é coletivamente produzido (Zanella, 1999).

Retoma-se assim a temática da relação natureza ecultura. Na perspectiva de Vygotski, a cultura e anatureza se expressam através de processos que são aomesmo tempo autônomos e mutuamente constitutivos:se a natureza, essencialmente histórica para os sereshumanos, fornece a base para o desenvolvimentocultural, este último redimensiona as faculdadesherdadas, tornando-as conscientes. Nessa perspectiva,as duas noções de humanidade - como espécie econdição – estão dialeticamente relacionadas.

Essa síntese dialética objetiva-se na psiquehumana, a qual “(...) não deve ser considerada comouma série de processos especiais que existem emalgum lugar na qualidade de complementos acima eaparte dos cerebrais, mas como expressão subjetivadesses mesmos processos, como uma faceta especial,uma característica qualitativa especial das funçõessuperiores do cérebro” (Vygotski, 1991, p. 100)6.

A tese da unidade dos processos fisiológicos epsicológicos, sustentada por Vygotski, aponta para anecessidade de se considerar, nos estudospsicológicos, os aspectos subjetivos e objetivos, postoque todo ser humano é expressão e fundamento de umtempo histórico, de uma herança filogenética, de umacultura que imprime marcas no seu próprio corpo eque, ao mesmo tempo em que é apropriada, éconstantemente transformada.

Essa tarefa implica, por sua vez, uma racionalidadeque supere dicotomias e reconheça a unidade nadiversidade. Para o autor,

A profunda diferença entre os processospsíquicos e fisiológicos resulta totalmenteinsuperável para o pensamento metafísico,sendo que a irredutibilidade de uns a outrosnão constitui obstáculo algum para opensamento dialético, acostumado a analisaros processos de desenvolvimento por um ladocomo processos contínuos e, por outro, comoprocessos que vão acompanhados de saltos, doaparecimento de novas qualidades (Vygotski,1991, p. 99).

Esses saltos e novas qualidades resultamjustamente da apropriação, na trama das relaçõessociais, de novas formas de mediação, ou então datransição para uma versão mais avançada de umaforma de mediação já existente (Wertsch, 1988), o queaponta para o lugar fundamental da cultura noprocesso de humanização, pois “...a cultura criaformas especiais de conduta, muda o tipo da atividadedas funções psíquicas” (Vygotski, 1987, p. 38).

Reorganiza-se, portanto, com a apropriação dacultura, todo o conjunto de processos psicológicos

superiores, pois ainda que se faça referência aosmesmos separadamente, na atividade humanaobjetivam-se como um todo integral, assim como osujeito da atividade apresenta-se sempre enecessariamente como cognitivo, afetivo, corpóreo,com características de gênero, geração, classe social eetnia, entre outras categorias sociais. Enfim, comosujeito social e histórico.

Considerações FinaisO debate sobre a relação natureza e cultura é, a

partir do que aqui foi exposto, complexo, sendo suaatualidade marcada pelos fatores históricos quedemandaram à ciência encontrar as respostas sobre oque define as especificidades humanas, o que nos levaà questão da constituição do indivíduo ocidental nobojo da modernidade. Nesse sentido, cabe aquidestacar dois argumentos:

1) Desde o início da modernidade, o processocivilizador leva ao constante exercício de negação dadimensão instintiva da vida humana, através daemergência da necessidade de autocontrole comomeio eficaz de regulação da vida social (Elias, 1990).À medida que a natureza foi impregnada dos sentidosque a tomam como campo de desordem, coube àrazão, como atributo exclusivo humano, a tarefa degarantir a emancipação dos humanos em relação asuas características consideradas próximas aosanimais.

2) O indivíduo, como argumentam Sennett (1988)e Velho (1994), é uma abstração que representa abusca de autonomia e de autenticidade, cada vez maispresente nos modos de vida ocidentais. Assim, aodescobrir o que lhe é específico, o indivíduo dassociedades ocidentais moderno-contemporâneasconsegue ter em mãos a garantia de estar além doslimites naturais, projetando-se como um ser autênticoe singular.

A investigação da emergência e característicasdessa singularidade mobiliza diversos camposdisciplinares, entre os quais a Antropologia e aPsicologia, que se distinguem em razão daespecificidade de seus objetos de estudo e dosmétodos de investigação empregados. Ainda assim, épossível tecer um profícuo diálogo na medida em queas aproximações e distanciamentos trazem luz a umdebate atual que está longe de ser encerrado, ou seja,sobre a relação natureza e cultura.

Tentativas no sentido de superar divergências vêmde longa data, marcadas muitas vezes pelo discursoque nega a crise das ou que busca resolvê-la viaafirmação hegemônica de uma perspectiva. Algumaspropostas têm sido defendidas em outra direção, taiscomo a de Edgar Morin (1973). Para esse autor, nãohá oposição inconciliável entre natureza e cultura, demodo que se verifica a necessidade de se buscar umaAntropologia Fundamental como base da integraçãodas ciências naturais e humanas. Argumenta Morinque é preciso superar a “noção insular do homem”(Morin, 1973, p. 193) e a idéia de ser humano comoser distanciado da (própria) natureza. Para o autor, aAntropologia Fundamental a ser criada “deve rejeitar

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toda a definição que faça do homem uma entidade,tanto supre animal (...) como estritamente animal”(Morin, 1973, p. 193). Para tanto, sua lógica deve serpautada nos princípios da complexidade e da auto-organização, de modo a não reduzir o ser humano anenhuma das dimensões que o constituem.

Na mesma direção, muitas décadas atrás, Vygotskidefendia a construção de uma Psicologia “básica oucentral”, de uma Psicologia Dialética definida como

a ciência das formas mais gerais do devir talcomo se manifesta no comportamento e nosprocessos de conhecimento, isto é, assim comoa dialética da ciência natural é, ao mesmotempo, a dialética da natureza, a dialética dapsicologia é, por sua vez, a dialética do homemcomo objeto da psicologia (Vygotski, 1996, p.247).

Ainda que Vygotski tenha se debruçado, ao falardo sujeito, sobre a relação entre fisiológico epsicológico e a constituição do psiquismo humano,debate este que na sua época mobilizava teóricos dediferentes tendências epistemológicas, apresentouaspectos centrais que apontam para a necessidade deconsiderar o sujeito como um todo e sua complexarelação com a cultura. Ao destacar que “(...) cadapessoa é, em maior ou menor grau, o modelo dasociedade, ou melhor, da classe a que pertence, já quenela se reflete a totalidade das relações sociais”(Vygotski, 1996, p. 368), Vygotski sinaliza anecessidade do diálogo entre psicologia e sociologia,psicologia e antropologia, psicologia e história, emuitos outros campos das chamadas ciências humanase sociais. Sinaliza igualmente para o diálogo entreciências humanas e naturais, fundado noreconhecimento das especificidades e dascontribuições de ambas para a explicação da gênesesocial da condição humana.

O debate, portanto, aqui apresentado a partir dascontribuições da antropologia e da psicologia,pertence na verdade a todas as ciências queinvestigam o humano e à Filosofia, as quais ainda nãoencontraram solução possível na tarefa de

Reconciliar a continuidade do processoevolutivo com a consciência de que vivermosuma vida que se coloca além do “meramenteanimal”. Isso não pode ser realizado pelaredução do estudo da humanidade seja a umapesquisa da natureza e evolução da espéciehomo sapiens, seja a uma investigaçãoda condição humana conforme manifestada nacultura e na História. Nossa meta deveria sertranscender a oposição entre essas concepçõesque têm se mantido tradicionalmente comoterritórios exclusivos da ciência natural e dashumanidades. Em outras palavras, precisamosestudar a relação entre a espécie e a condição,entre seres humanos e ser humano (Ingold,1995, p. 52).

Pelo exposto, os dilemas aqui analisados são oresultado da tentativa humana de encontrar seu lugarno mundo, seja como mais um animal ou como um serdistinto de todas as espécies em razão de suaspeculiaridades. Se o desenrolar dessa tentativa resultaem crises por parte das ciências, então não se pode vê-las a não ser como momentos necessários daproblematização da condição humana.

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Recebido: 14.10.2003

Revisado: 16.12.2003

Aceito: 05.12.2003

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Notas:1

Assim como o faz com vários outros termos, Vygotski utiliza indiscriminadamente as expressões “funções psicológicassuperiores”, “funções superiores da conduta”, “processos mentais superiores”, para se referir à especificidade da atividadepsicológica do ser humano. Não há, no entanto, qualquer aproximação com as teorias funcionalistas, pois “ao conceber opsiquismo como um conjunto de funções e estas como sendo de natureza cultural, não biológica, Vygotski se distancia tanto dasteorias funcionalistas e estruturalistas quanto das concepções biologizantes e mecanicistas” (Pino, 2000, p. 69). Reconhecendo aimprecisão do termo e na tentativa de sermos mais fiéis ao pensamento do autor, utilizaremos no decorrer deste texto a expressãoprocessos psicológicos superiores, mantendo outras expressões em caso de citações literais, como a que deu origem a esta nota derodapé.2 A idéia da crise da psicologia já tem um século de existência, sendo tematizada por uma série de autores como Langue, Frank,Vygotski e, mais recentemente, por Figueiredo (1991). Em suma, trata-se do confronto entre matrizes idiocráticas e nomotéticas,ou seja, entre aquelas que enfatizam a dimensão subjetiva e aquelas que salientam os determinantes objetivos do comportamentohumano.3 Importante destacar que Vygotski (1996) analisou as contribuições de teóricos da Gestalt no início do século XX, que nada maisestavam propondo que a localização da Psicologia como uma ciência natural, à medida que a noção de estrutura aparece comoum fenômeno que possui um caráter psicofísico. Nesse sentido, o psíquico e o físico fazem parte de um mesmo todo homogêneoe, por essa razão, a Gestalt se enquadraria numa classificação de psicologia materialista. Entretanto, a psicologia da Gestaltmodificou-se consideravelmente, principalmente com o desenvolvimento da Gestalt Terapia que realiza a leitura desta proposta apartir dos pressupostos da fenomenologia.4 “...esse conceito está constituído pelos processos de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e do pensamento:o idioma, a escrita, o cálculo, o desenho; em segundo lugar, está constituído pelos processos de desenvolvimento das funçõespsíquicas superiores especiais, não limitadas nem determinadas de nenhuma forma precisa e que tem sido denominadas pelapsicologia tradicional com os nomes de atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos, etc.” (Vygotski, 1987, p. 32).5 O termo conversão (Molon, 1999) é bastante fiel aos pressupostos de Vygotski à medida que permite dar o sentido de umprocesso que acompanha a mudança de estado (inter para intrasubjetivo) e a mudança de sentido (eu-outro) para (eu-eu mesmo).6 Sobre o processo de formação de sistemas cerebrais, consultar Alexis Leontiév, 1978.

Sobre os autores:

Adriano Henrique Nuernberg: Mestre em Psicologia pela UFSC, aluno do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar emCiências Humanas / Doutorado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professor da UNISUL. E-mail:[email protected].

Andréa Vieira Zanella: Doutora em Psicologia pela PUC/SP, professora do Curso de graduação em Psicologia e do Programade Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected] – Endereçopara correspondência: Manoel Luís Duarte, 235 – Lagoa da Conceição – 88062-415 Florianópolis - SC.