A República Das Mangas Ou Sobre o Amargo Gosto de Tudo o Que Amadurece à Força

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    dizer, nem ocupadas por brancos de classesabastadas nem por trabalhadores braçais) queseparam a sublime capital modernista dascidades-satélite de traços igualmente moder-

    nistas, mas desprezados esteticamente. Comoatestam muitos autores, os trabalhadores queconstruíram a nova capital foram considera-dos alienígenas ameaçadores quando findasas obras do Plano Piloto. Seus barracos fo-ram derrubados, vilas inteiras postas por ter-ra. Como “recompensa”, a algumas famíliasfoi oferecido um lote em uma das cidades-satélite em construção. Esse processo pode sercompreendido de forma sintética, mas nãomenos pungente, quando descobrimos queo nome da maior cidade do Distrito Federal,Ceilândia, fundada em 1973 e hoje com meiomilhão de habitantes, deriva do acrônimo CEI– Campanha para Erradicação de Invasões.

     As pessoas removidas para Ceilândia eoutras localidades em construção nos anos1960 e 1970 experimentaram não apenasum deslocamento no espaço, mas também

    uma volta ao passado. Elas, que haviam en-frentado toda a penúria como desbravadorase pioneiras, foram retiradas à força das cer-canias do presente moderno e lançadas naobscuridade de um passado que acreditavamter superado. Novamente, como que presasem um pesadelo, olhavam ao seu redor e oque viam era uma terra deserta, coberta debarracos, sem água, sem saneamento, sem

    eletricidade, sem transporte. As casas oulotes que “ganhavam” colocavam-nas para-doxalmente em uma posição de dívida emrelação àqueles que as haviam despejado esegregado. Suas demandas por direitos bá-sicos, não raras vezes, foram qualificadascomo indolência ou ingratidão.

    Para quem vai pela primeira vez a Bra-sília, ao Plano Piloto, deve chamar atenção

    que em um lugar “onde não havia nada” vivam hoje quase 3 milhões de pessoas e

    que menos de 10% desse total more no Pla-no Piloto. A pergunta imediata é: onde estátoda essa gente que não vejo?! A segun-da pergunta poderia ser: será mesmo que

    não havia ninguém aqui quando a cidadefoi erguida? E outra questão, relacionadaà resposta dada à primeira pergunta: comoé possível o ocultamento contemporâneode mais de 2 milhões de pessoas?! Isso éespecialmente intrigante se pensarmos quemetade dessas não completou 20 anos deidade. Quem lê este texto pode responder:“Sim, mas isso acontece em qualquer lu-gar do mundo”. As pessoas de verdade, ospobres, vivem nas sombras, nas periferiasdistantes. Ou seja,trata-se de uma perguntatautológica para a qual já sabemos a res-posta. “Por que você faz então essa pergun-ta?”, a leitora me indaga. Faço essa pergun-ta porque me interessa debater a segregaçãoe a invisibilidade, especialmente de jovens,não somente no interior do aparato estatal(traço tão característico do modernismo à

    brasileira), mas também dentro da universi-dade onde trabalho. Como Brasília se fundasobre a invasão de terras, capitaneada porgrileiros que se tornariam futuros senhoresde terra e também pelo Estado, há uma dí- vida a ser debatida. Quem foi usurpado? Aquem se deve pagar o que foi roubado?

    É importante discutir portanto a  forma como no Brasil – especialmente se tomamos

    a presença pública mais recente do país nacena mundial –, as pessoas nascem e ex-perimentam desde a sua infância situaçõesabsolutamente não compreensíveis nemaceitáveis dentro da ideologia modernista. Emais, que a despeito de sua experiência indi-car uma esquizofrenia no sistema, para queo mesmo sistema seja preservado as pesso-as são arbitrariamente retiradas desse lugar

    de contestação, ou seja, despejadas de suahistória e empurradas à força para dentro

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    do modernismo, para um universal, um lu-gar onde são todos iguais, contemporâneos,onde a experiência pregressa pouco importa,onde o que é realmente importante é o pre-

    sente e o futuro que as aguarda. É justamen-te esse enigma que me interessa investigar.Em suma, embora o leitor sempre pos-

    sa questionar se há mesmo algo a se extrairde uma experiência particular que se parececom tantas outras, creio que o que vivemosno Distrito Federal brasileiro traz questõesimportantes ao menos para refletirmos so-bre nosso ofício como pesquisadores e pro-fessores no momento atual. Em nosso dia adia, o fardo dessa perspectiva se faz notar demaneira sub-reptícia: à maioria de nós, custaolhar para o passado e reconhecer as mar-cas de injustiça como fardos que esmagamas pessoas à nossa frente, que as impedemde assumir a idílica posição de iguais, sonha-da pelo ideário modernista que olha só parafrente. Hoje, creio que pesquisas em “territó-rios” entendidos como “modernistas” – como

    é o caso de Brasília – não devam tomar omodernismo como um suposto e medir todasas formas de vida existentes ou como alinha-das ou senão como refratárias, tangenciais oucontraditórias em relação ao “modelo”.

    Em minha tese de doutorado (BORGES,2004), discuti essa forma de fazer políticaem um território que “surge do nada”, apartir da exploração do trabalho político

    cotidiano das pessoas. Tentei demonstrarque o Estado e os governos em Brasília fo-ram erguidos sobre os ombros de mulherese homens que cotidianamente alimentamuma burocracia ávida por provas documen-tais de sua dedicação e de seu sofrimento.Meu trabalho falava, em última instância,

    da intensa politização da vida local. Poli-tização tanto em termos de conhecimentopopular da máquina burocrática quanto emtermos eleitorais, já que os políticos locais

    se utilizavam da distribuição de terras paraangariar simpatizantes e beneficiar seusapoiadores. Nessa busca por novos apoios,os distintos governos mudavam a seu bel-prazer os critérios de pontuação para or-denar as listas de espera por um lote de ter-ra. Adiante contarei uma história que co-nheci há pouco, na pesquisa com os jovens,e que trata justamente dos efeitos nefastosprovocados por um dos critérios agregadosà fórmula que procurava estabelecer quemeram os mais necessitados: a existência dealguma pessoa com deficiência na família.

    Naquele cenário de pesquisa, não haviadúvidas de que as condições estruturais dedominação eram determinantes de muitasdas ações dos sujeitos. No entanto, o fatode que todo mundo fazia suas próprias in- vestigações, buscava métodos, inventava o

    que poderíamos chamar de teoria (emboraas pessoas mesmas possam se recusar a re-duzir o que produzem a esse termo que con-sideramos, de forma arrogante, uma tábuade salvação) indicava um espaço de agênciae transformação que não poderia ser igno-rado. Minha tese tinha como foco a análisedas experiências de invasão de terras nasperiferias das cidades-satélite, de construção

    de barracos, de transição das ruas de terra aoasfalto, do ponto de vista das pessoas adul-tas envolvidas nesses processos. Embora atese refletisse o espírito da época, não possodeixar de lamentar tudo o que escapou demeu horizonte naquele momento, em espe-cial uma atenção às crianças e aos jovens3.

    3. A lacuna que indico não marcou apenas meu trabalho. A despeito de obras precursoras como a de Willis

    (1991), ou dos reiterados debates que ainda hoje ocorrem entre o legado de Bourdieu e as investigaçõesatuais de Lahire, como identificam Szulc e Cohn (2012), na última década o reconhecimento de um espaço

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    investigadores foi a seguinte: “Onde colocara ênfase?” ou “Que lado das suas históriasprivilegiar?”. Vejamos, por exemplo, umafaceta da história de Mayer, um homem de

    15 anos que vivia em Brazlândia. Mesmo quebem mais jovem que os investigadores ju-niores do grupo, ele experimentou mudan-ças de casa e de cidade na sua infância quereplicam muitas das experiências dos jovensinvestigadores do projeto, moradores da ci-dade onde fiz minha pesquisa de doutorado. A família de Mayer, em busca de um futuromelhor, muda da cidade já “modernizada”,ou seja, Ceilândia, uma cidade com infra-estrutura, para uma cidade da zona rural. Oque se passa com as crianças nessa constru-ção de um futuro?

    Eu me lembro muito bem quando nos mu-

    damos para a zona rural de Brazlândia. Foi a

    primeira vez que visitei o lugar onde eu iria

    morar. No começo eu não gostei muito, pois

    gostava muito de Ceilândia, mas com o tem-

    po fui me acostumando. Entrei em uma es-cola que se chamava Rodeador e nela estou

    até hoje. Quando eu entrei comecei a chorar,

    pois fiquei com medo, porque só havia mato

    ao redor da escola e eu pensava que se eu me

    perdesse ninguém iria me encontrar (infor-

    mação verbal4).

    Olhando para certos aspectos de suas

    narrativas, percebemos que os jovens nas-cidos no fim do século XX experimentamagruras similares – ao menos na forma –àquelas vividas por quem é cinco, dez ouquinze anos mais velho que eles.

    Uma perspectiva analítica voltada paratais aspectos de suas experiências demons-tra que continuamente linhas que partem

    do centro, do Plano Piloto, expulsam paraa periferia pessoas que passam a viver co-tidianamente o paradoxo de voltar ao pas-sado em pleno presente, de adentrar uma

    máquina do tempo que as empurra a umcenário onde inexistem certas “facilidades”no tocante ao que é moderno, o que os dei-xa revoltados: eles sabem que jovens comoeles, que vivem no Plano, não combinam opresente dos computadores e celulares como passado das ruas de barro e lama, com asnoites de escuridão ou com a casinha queserve de banheiro no fundo do lote. Nissoque é próprio do modernismo fabricado emBrasília com o sangue, o suor e os sonhosde pessoas como Mayer – ou seja, o ne-cessário retorno ao passado para aceder àprosperidade –, algumas famílias decidempor um retorno total, por voltar aos luga-rejos do interior do país de onde seus ve-lhos parentes saíram em décadas passadas,como podemos igualmente ler nesta passa-gem do testemunho de Shine:

    No curto tempo que morei no Maranhão não

    consegui no início me adaptar ao lugar. As

    coisas eram difíceis, meu pai não conseguia

    emprego algum e para falar a verdade qua-

    se passei fome. Eu emagreci bastante. Eu não

    gostava do clima que era diferente de morar

    no DF (aqui faz um friozinho bom). Meu pai

    teve que ir para outro estado e acabou que

    foi quando minha mãe, eu e meu irmão aca-bamos voltando para Planaltina (informação

     verbal5).

    Mesmo que suas experiências se apro-ximem de um ponto de vista discursivo,podemos afirmar que a vida desses jovens,quando comparadas, são mais similares ou

    4. Depoimento de Mayer, 2011.5. Depoimento de Shine, 2011.

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    diferentes? E de que nos vale tomar umaou outra posição? Percebemos que o tra-balho de longa duração feito com o apoiode jovens mais velhos, junto aos mais jo-

     vens, embaralhou muitas das estratégias depesquisa que tínhamos no início do proje-to. Foi justamente por causa do que saiudo script   que chegamos à possibilidadede afirmar que esses jovens rechaçam ostraços modernistas da história do DistritoFederal. Tal narrativa mestra não lhes dizrespeito. Sua história é bem menos linear,mais criativa e, em certos pontos, até mes-mo “fantástica”.

    Na construção dos roteiros para os do-cumentários sobre a história de cada cida-de, por exemplo, houve um afastamentototal das primeiras narrativas, mais realis-tas, mais adequadas à narrativa modernistahegemônica a que especialmente os mais velhos (os professores e os pesquisadoresseniores do projeto) estavam acostumados.Comento brevemente uma dessas mudan-

    ças para ilustrar o problema teórico com oqual passamos a lidar. No primeiro encon-tro que tivemos em Santa Maria, enquantodiscutíamos uma abordagem narrativa quedesse conta da história da cidade, emergiuuma anedota sinistra.

    Na minha tese, eu havia escrito sobreas contínuas mudanças nos critérios queo governo utilizava para ranquear ou hie-

    rarquizar as pessoas que demandavam umlote para a construção de um barraco. Emcerto governo, famílias que tivessem pa-rentes com deficiências passaram a serconsideradas mais necessitadas. Para cor-rigir a fórmula a partir do novo critério, afamílias com deficientes eram dados pon-tos a mais. Essa mudança nas regras da po-lítica habitacional, na memória de alguns,

    relacionava-se a um deputado distrital, elemesmo cadeirante e defensor dos direitos

    dos deficientes. O deputado, não por coin-cidência, tinha sua principal base eleitoralna cidade de Santa Maria. Como a mudan-ça no cálculo aconteceu enquanto a cidade

    se erguia, muitas pessoas que foram “as-sentadas” na cidade tinham em sua famíliaalgum parente com deficiência. Ao menosesse era o mito.

    Bem, na oficina que tivemos com estu-dantes e professores, construiu-se um con-senso acerca do alto número de estudantessurdos nas escolas de Santa Maria. Outrorumor emergiu. Dizia-se à boca miúda quepais haviam despejado água fervente ouóleo quente nos ouvidos de suas criançaspequenas para obter mais facilmente o lotede que tanto necessitavam. Algumas pes-soas na oficina ficaram chocadas. Outras,incrédulas. Outras riam muito. Só podia seruma piada. De todo modo, como um dos“produtos” esperados pelo projeto era umdocumentário (curta), todos pareciam con-cordar que esse enredo seria um ótimo ro-

    teiro para contar a história da cidade comouma história de terror.

    Lembro-me de ter compartilhado essacontrovérsia com alguns colegas. Eu estavaincrédula e aterrorizada. Não sabia comolidar com uma narrativa na qual os pais se-riam culpados por terem ensurdecido seusfilhos devido a uma pressão do governopara beneficiar pessoas com deficiência.

    Um colega de Portugal me deixou aindamais deprimida: iria eu permitir que a pes-quisa propusesse um vídeo no qual os paisseriam assim representados? Confesso quefiquei sem saber o que fazer.

    Depois de concluída a grande oficina,os jovens investigadores começaram seutrabalho “de formiguinha” com os estu-dantes da escola. Nesse processo, aproxi-

    maram-se dos estudantes e, mais de perto,de Salomé. Ela lhes contou que era guitar-

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    rista de uma banda de rock, que gostavade quadrinhos e de escrever canções. Di-zia-se feliz, mas advertia que nem sempreo tinha sido. Quando foi viver em Santa

    Maria deparou-se com uma cidade ondenão podia se mexer na sua cadeira de ro-das. Ela tinha sido uma criança paraplé-gica. E, como se diz, desenganada pelosmédicos. Sua condição tinha ajudado suafamília a somar mais pontos e a conseguiro tão sonhado lote, no qual, ao longo dosanos, ergueram sua casa.

    Depois de quatro meses do início dapesquisa, começamos a discutir coletiva-mente os roteiros para os curtas-metra-gens. Ou seja, tínhamos de finalizar “osprodutos” considerando o que havia sidoelaborado pelos sujeitos da pesquisa. Paraminha surpresa, os estudantes de SantaMaria decidiram contar a história de Salo-mé como a história de sua cidade. As rodasda cadeira, assim como as rodas de outrosbrinquedos próprios para o asfalto e para

    os espaços modernizados, não se moviamem Santa Maria quando essas crianças láforam morar. Tiveram de esperar por anosa chegada do asfalto para brincar dessascoisas. Salomé, por um milagre que nin-guém tentava explicar no roteiro, gradu-almente voltou a mover suas pernas e bra-ços. Aprendeu a tocar guitarra, a cantar, aandar. O filme termina com um show da

    banda de Salomé.Essa guinada reiterou minha postura

    ante as falácias dos testemunhos, das nar-rativas mestras que tendemos a reificar,especialmente quando estamos dedicadosa pesquisas de curta duração, em que nos-sa intimidade com os sujeitos é pouca. Porsorte não cheguei em casa depois da ofi-cina para escrever um paper  sobre os pais

    que ensurdeciam os filhos com óleo fer- vente para ganhar um pedaço de terra; não

    tomei ao pé da letra aquela história nema transformei numa narrativa fundacional,quase mítica, dos indivíduos ou da socie-dade pesquisada.

    Uma opressora narrativa mestra queno Brasil sublinha e aplaude o desenvol- vimento modernista mascara persistentesproblemas como a desigualdade e o racis-mo (TOSTA; ALVES, 2012). É essa narrati- va que temos de desafiar. É isso que esses jovens têm nos dito em nossas investiga-ções colaborativas. Eles têm compartilhadoconosco a recusa ao insulamento de suas vidas nos escaninhos sombrios que a eco-nomia global e os mitos nacionais e desen- volvimentistas para eles destinaram. Suasteorias nos revelam a necessidade de umanova epistemologia, de uma nova metodo-logia ou forma de conhecimento que real-mente nos permita dizer algo de novo sobrea relação entre passado e futuro, entre tra- jetória e esperança (TOREN, 2010).

    O esquecimento coletivo no Brasil das

    condições cotidianas de existência em nomedos ideários equalizantes da democraciasob a estética e a ética do modernismo criaum cenário onde a ignorância das classesdominantes sobre a vida da maioria susten-ta a ilusão de que existe igualdade e que,portanto, todos podem vir a competir emequilíbrio. Basta que existam escolas paratodos. Basta que as crianças já não neces-

    sitem trabalhar porque suas mães recebema bolsa família. Basta que o sistema únicode saúde (SUS) alcance a toda gente. Paraesses jovens com quem fazemos pesquisa, omodernismo do Plano Piloto e o inferno deboas intenções que o inspira nunca fizeramparte de suas vidas, marcadas pela segrega-ção e pelo racismo (GODOY; SILVA, 2014).Para eles, tudo isso que as elites dizem lhes

    bastar não basta.

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    também tem razão: assim como as bana-nas, as mangas não são endógenas. Elaschegaram aqui junto com o imperialismo).

    Passo agora a falar sobre a dialética do

    ser seduzido/deixar-se seduzir ou, comolhes disse, do to fall in love  que, menos du-alista que o par do jogo da sedução, parecealudir mais a um terceiro: o “love” , no caso,me soa como um estado, uma possessão,quase como quando dizemos em português“cair em desgraça”.

    Eu caí em desgraça e me deixei seduzir porum edital da CAPES (Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Nível Superior).

    Em meados de 2010, uma pesquisado-ra com quem eu tinha trabalhado de for-ma intermitente desde 2007 no Recantodas Emas, em um projeto de pesquisa queenvolvia jovens moradores da cidade, estu-dantes do ensino médio e jovens alunas docurso de ciências sociais da UnB, me escre- veu perguntando se eu não toparia apre-sentar um projeto pela UnB.

    Era a manga perfeita. Nem me passoupela cabeça apalpá-la, nem, muito menos,cheirá-la. Um projeto institucional – cadaIFES poderia ter somente um – de gran-des proporções, com recursos volumosos.Nós duas nos sentamos e fizemos um pro- jeto, um tanto descrentes de que seríamoscontempladas. Se ele não fosse aprovado,continuaríamos como antes: passando o

    chapéu aqui e ali e desenvolvendo nossasatividades de campo nos limites de nossosrecursos e tempos.

    No fim de 2010, recebemos com entu-siasmo a notícia de que aquela manga eranossa. Que poderíamos degustá-la ao lon-go de 2011.

     Ao longo de 2011, o grupo de pesquisa-dores que havia se consolidado no Recanto

    das Emas conduziu o processo de investi-gação narrado na seção anterior do artigo,

    em cinco escolas do DF, com o objetivo deproduzir registros escritos e audiovisuaisde histórias locais normalmente sufocadaspela narrativa modernista acachapante que

    grassa no Distrito Federal. Ao projeto, ironicamente, demos onome de Um Toque de Mídias, em alusãoa Midas e aos Meios Audiovisuais, capa-zes, cada um à sua maneira, de transformarem ouro tudo o que tocam. Pois bem, senos lembrarmos bem do mito do Rei Midas,agraciado por Dionísio com a capacidadede transformar tudo o que tocava em ouro,não nos surpreenderá saber o que se passoucom o projeto Um Toque de Mídias.

    Não tardamos a perceber que a manga-cavalo-de-troia que nos foi oferecida pelaCapes tinha seu interior podre. Os recursosdisponibilizados pela Capes não preveem aremuneração de bolsistas, o que soa apa-rentemente interessante na medida em quepessoas não acadêmicas podem ser remu-neradas por sua participação em um projeto

    de pesquisa. Eu já havia visto isso em CapeTown, no trabalho que Sophie Oldfield re-aliza em Valhalla Park, junto com AuntieGoet e outras pessoas. Vocês me dirão: “Atéagora não vimos nada de errado com esseprojeto”. A seção anterior desenhava umprojeto tão bem-sucedido! Digo-lhes entãoqual foi o problema. O problema do projetoteve a ver basicamente com o tempo.

    Um projeto de pesquisa em escolas –como a realizada pelo grupo que levouadiante o projeto Um Toque de Mídias – nãopode, ou melhor, não deve ser provocadorde mais expectativas frustradas. No casoem questão, as compensações, especial-mente as financeiras, a meu ver, mascaramo fato de que a Capes, por meio de editaisdessa ordem, de alguma maneira lava suas

    mãos em relação à educação básica. Aindanos perguntamos como pudemos crer em

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    um projeto e inscrevê-lo para em um anofazer um trabalho que visa[va]

    [...] a inclusão social e o desenvolvimento

    da cultura científica por meio de atividadesextracurriculares para alunos e professores

    das escolas da rede pública de educação bá-

    sica. As atividades deverão ocorrer nas de-

    pendências de universidades, laboratórios e

    centros avançados de estudos e pesquisas,

    museus e outras instituições, inclusive em-

    presas públicas e privadas, visando o apri-

    moramento e a atualização de professores e

    alunos da educação básica. (trecho extraído

    da chamada pública6)

    Tudo de que as escolas públicas ondetrabalhamos parecem não necessitar é deatividades extracurriculares. Noutra pes-quisa que fiz com a professora SayonaraLeal, sobre a pertinência de nossa licencia-tura na UnB para o contexto de ensino desociologia em escolas de ensino médio, o

    que mais vimos foram atividades extracur-riculares que são mandatórias em muitoscasos e entram em rota de colisão com o volume de conteúdo previsto pelas diretri-zes educacionais formuladas pelo próprioMEC (BORGES et al., 2015b).

    Em publicações anteriores, procurei de-monstrar como a máquina pública se apro-pria do trabalho daqueles que demandam

    benefícios dos governos, por meio da ex-ploração ininterrupta de sua disponibilida-de constante para estar a postos diante dequalquer guichê ou formulário que se lhesimponha (BORGES, 2006; BORGES, 2012).Nos espaços universitários, especialmente,

    mas não exclusivamente, nos projetos deextensão, uma apropriação semelhante se verifica. Apaziguados em suas consciênciaspor conceitos como “compromisso com a

    comunidade”, professores, estudantes efuncionários corroboram o modo regular,estatal, de produzir “saídas” para os proble-mas sociais, como se houvesse uma relaçãodireta – não mediada – entre pesquisa e so-lução de enigmas. E mais, como se as pes-quisas acadêmicas fossem mais legítimasque as não acadêmicas para o encontro desoluções para os problemas “da comunida-de”. A espraiada ideia de contrapartida nosfaz entender que não somos remuneradosem tais ações porque tais intervenções nãoseriam mais que uma obrigação, dada nos-sa posição privilegiada. Nessa trama sórdi-da, aceitamos de bom grado, e até mesmodesejamos, que nosso trabalho não remu-nerado – ou seja, nossa mais-valia – in-cida diretamente sobre as frequentementechamadas “populações”. De um só golpe

    esquecemos que trabalhamos para o Estadoe que nossa benevolente amnésia não nosfaz menos parte do Estado7.

     Vejam bem, o projeto financiado pelaCapes visa a que, em um ano, nós consiga-mos garantir “a inclusão social e o desen- volvimento da cultura científica” em umaescola na qual professores e alunos já estãoassoberbados, soterrados em meio a escom-

    bros de atividades com o amargo sabor demangas maduras que lhes são ofertadasdiariamente. Vejam o quão pernicioso étodo o processo. Por um lado, a profusão deatividades extracurriculares para fomentaros chamados “novos talentos”; por outro, e

    6. O Programa Novos Talentos foi criado pela Portaria da CAPES nº 112, publicada no Diário Oficial daUnião em 4 de junho de 2010, Seção 1, pág. 8.

    7. Agradeço ao parecerista anônimo a oportunidade de esclarecer o uso que faço do termo mais-valia nes-te contexto específico.

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    em concomitância com esse plano mirabo-lante, a assunção velada de um epistemo-centrismo que se esconde por trás do para-doxo de se apregoar (i) a inclusão social e

    (ii) o desenvolvimento da ciência.Preciso me fazer mais clara a esse res-peito.

    Qual a relação entre “inclusão social” e“cultura científica”? O projeto serviria paraincluir uns e desenvolver a cultura científi-ca de outros? Ou o programa propõe que ainclusão social se dá por meio da ciência e,mais ainda, que a ciência é uma cultura?!Se for assim, eu me permito afirmar que ainclusão por meio da ciência consiste ain-da hoje em um projeto epistemocêntrico emque o Outro (miserável, ignorante, sem direi-tos e sem talento) será ungido pela ciência e,só assim, autorizado a ingressar nos templossagrados do saber que são as universidadesem relação às escolas de ensino médio.

     Vejam bem: o dia tem 24h para qual-quer um, inclusive para quem toma trans-

    porte público. A sobreposição de políticaspúblicas na área da educação, apesar desuas boas intenções, não considera justa-mente o quão escasso é o tempo ou, comodizia no princípio, o quanto custa para queuma manga amadureça.

    Nesse contexto, a educação curricular– considerada pelos indicadores do própriogoverno como precária – existe a despeito

    desses outros empreendimentos. A educa-ção curricular estaria para a manga verdeassim como a extracurricular para a mangade supermercado.

    E nesse jogo, nós, acadêmicos, estamossendo usados, para continuar no reino dasfrutas como bem o sublinhou minha colegaRegina Machado em comunicação pessoal,atuando como laranjas, como testas de ferro.

     Ao fim de um ano de projeto, lembro-me de que, em uma tensa discussão sobre a

    prestação de contas, foi-me confidenciadoque o dinheiro recebido do projeto serviapara pagar a faculdade de pesquisadorasque antes eram elas mesmas estudantes de

    uma escola pública de ensino médio no Re-canto e que, findo o projeto, o recurso lhesfaria muita falta. Naquele momento o gostoamargo da manga madura penetrou fundonas minhas papilas e na minha consciên-cia. Como poderiam concluir a faculdade seo projeto iria acabar?! Naqueles anos to-dos de trabalho de pesquisa com os jovensadultos do Recanto das Emas, já tínhamosnos dado conta de que o sistema escolar eracolonial (e tudo o que isso implica: elitista,escravocrata, racista etc.) e que, a despeitodos inegáveis talentos que as e os estudan-tes do Recanto das Emas esbanjavam, qua-se nenhum deles tinha sido aprovado no vestibular da UnB. Eles agora estavam emuniversidades privadas, engajados em umprojeto para despertar outros jovens comoeles, usando a remuneração que recebiam

    para pagar uma universidade privada.Não creio que nosso problema mais

    premente no momento seja mais reflexi- vidade sobre o fazer antropológico, masuma reflexão e, se não, uma insurgênciacontra um Estado violento que nos agri-de a todas, fazendo com que “caiamos emdesgraça” ao nos seduzir com os encantosde suas mangas podres, ofertadas todos os

    anos, a professores e estudantes de ensinomédio que, quando chegam ao fim de seuscursos, têm apenas a certeza da frustraçãoiminente a que se acostumaram depois detantos projetos fracassados e a que sabemestar eternamente fadados. Como disseanteriormente, não podemos seguir nisso,pois um sonho despedaçado é impossívelde se reparar.

    Se tivéssemos encerrado nossa oficinaapenas com o roteiro sobre a história de

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    Salomé/Santa Maria, o desfecho deste textoseria outro. Como o projeto precisou conti-nuar, entrando ano letivo adentro, esbarroucom a concorrência tanto de outros proje-

    tos que inundam as escolas, como de ou-tras atividades prementes, próprias do anoletivo que chega ao final. Infelizmente ofilme sobre Salomé não foi realizado8. Nãosoubemos nessa ocasião tornar a frustraçãoprodutiva, explorando e produzindo algosobre o que cremos ter contribuído para anão realização do filme. Acabamos produ-zindo um videoclipe muito precário, em queos estudantes cantavam, em um estúdio demúsica, uma letra que celebrava de formaquase ufanista a cidade de Santa Maria.

    Um Toque de Mídias – segunda tentativa

    Não nos demos por derrotados, a des-peito da frustração inicial. Do que entreou- víamos nas escolas, chamava-nos atençãocomo se fosse a primeira vez sempre que

    uma aluna ou aluno nos perguntava: “Equanto custa para estudar na UnB? Deveser muito caro”. Também ficávamos semreação quando os estudantes diziam que jamais se inscreveriam para concorrer auma vaga pelo sistema de cotas porque se-riam eternamente acusados de ter entradopela porta dos fundos (VALENTIM, 2012).Esses e outros ditos nos fizeram considerar

    a possibilidade de seguir adiante com UmToque de Mídias. Como percebêramos queo tempo era nosso pior inimigo político e

    epistemológico, decidimos por fazer o tra-balho desta feita em cinco escolas locali-zadas em uma cidade apenas: Ceilândia, amaior do Distrito Federal. A fim de refletir

    e agir sobre o abismo que separa as escolasde ensino médio públicas da Universidadede Brasília, resolvemos usar os espaços docampus  Darcy Ribeiro e do campus  Cei-lândia para nossas oficinas. Essa guinadaem nossa logística permitiu que alguns dosproblemas anteriormente enfrentados fos-sem sanados. Além disso, certamente nãosomente pela influência do projeto, algunsdos estudantes do ensino médio que se en-gajaram no projeto ingressaram na UnB. Amaioria deles, não.

    Como dito, as atividades do projeto UmToque de Mídias no interstício 2012/13 ti- veram como palco cinco instituições pú-blicas de ensino médio do Distrito Federale envolveram alunos e professores das es-colas, bem como estudantes de graduaçãoe pós-graduação e professores da Univer-

    sidade de Brasília. Tendo como interesseprimordial compartilhar aspectos da áreade Humanidades e Artes com educadores eestudantes que almejavam ingressar no en-sino superior, desenvolvemos ao longo doperíodo oficinas em quatro áreas: sociolo-gia, etnografia, fotografia e audiovisual. Asatividades foram se configurando a partirdo cotidiano próprio de cada escola. Em

    algumas foi possível reunir professores eestudantes nos mesmos horários e espaçosde discussão. Em outras, especialmente em

    8. A realização de um filme exigia bem mais do que supunham todas as diversas expectativas dos partici-pantes. Na segunda edição do Um Toque de Mídias enfrentamos um desafio similar. No entanto, desta feita,fizemos das dificuldades para a finalização do filme o mote do próprio filme. Em show de pagar , menciona-do mais adiante, as vicissitudes do projeto ganharam espaço no próprio material audiovisual produzido pe-lo coletivo de alunos e alunas. O confronto entre o que se cria como filme possível e o constrangimento demeios para fazê-lo tal qual planejado (especialmente quando predominam os parâmetros estéticos das gran-

    des corporações midiáticas) é extremamente violento. Sobre o risco da esterilidade na produção de certas“formas” de conhecimento e arte, ver o debate, tangencial ao nosso tema, de Franchetto (2008).

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    função de os professores trabalharem emdiferentes escolas, em ambos os turnos, asoficinas foram ofertadas separadamente,em dias desencontrados.

    Os quatro eixos de nossa intervençãodialogaram mutuamente com os fins dedespertar nos estudantes o interesse pelascarreiras em Humanidades e Artes (a des-peito de sua predileção ou não por essasáreas), fornecer um conhecimento maispalpável sobre o funcionamento da Univer-sidade de Brasília, propiciar um entendi-mento da inserção da universidade públicaem suas vidas cotidianas e reconhecer asdiferentes experiências de vida e interes-ses intelectuais dos jovens envolvidos noprojeto. Quanto aos professores, a despeitodas diversas áreas de conhecimento em queatuavam, ao compartilharmos técnicas depesquisa e de produção de conhecimento(textual, fotográfica e audiovisual), pude-mos construir coletivamente diversas re-flexões sobre o cotidiano escolar, sobre os

    abismos e proximidades entre a escola e auniversidade pública, chegando mesmo adespertar em muitos deles um interesse ge-nuíno em retomar suas carreiras em cursosde pós-graduação.

    Em termos de resultados substantivos,ao longo do período produzimos exposi-ções fotográficas, ensaios em vídeo e nar-rativas escritas. Para além desses produtos,

    previstos em nosso projeto inicial, em umadas escolas (CEM 04), a pesquisa socioetno-gráfica conduziu os participantes à escritade um texto teatral e à encenação da peça,da qual participaram alunos e professores,para a comunidade escolar.

     As oficinas de audiovisual foram reali-zadas aos sábados, dada a disponibilidadede horário tanto de estudantes e professores

    das escolas como da Universidade de Bra-sília. Delas participaram ainda o cineasta

     Adirley Queirós, responsável pelas ativida-des, meu colega Breitner Tavares e eu, alémdos estudantes da Universidade de Brasíliaque atuavam como monitores das atividades

    nesses dias e ao longo da semana, no con-traturno escolar, em cada uma das escolas.Boa parte dos encontros se deu no campus da UnB que se localiza na Ceilândia, dadaa proximidade com a moradia do grupo. Alguns desses encontros aconteceram noDepartamento de Antropologia, no campus Darcy Ribeiro. Além das oficinas, em algu-mas ocasiões, promovemos após os nossostrabalhos algumas visitas guiadas a espa-ços da universidade até então desconheci-dos dos estudantes e de alguns professores(como a Biblioteca Central, o RestauranteUniversitário e a Reitoria, por exemplo).

     A apresentação do projeto às escolas eo engajamento de professores e estudantesdessas escolas só se mostraram produtivosporquanto se construíram uma confiançamútua e um reconhecimento íntimo dos es-

    paços de convívio e de existência cotidianade ambos os grupos, a saber, as escolas e auniversidade. Por essa razão mostrou-se tãoimportante essa possibilidade de trânsito ecirculação que as escolas nos oferecerampara a concretização do projeto. Em relaçãoa esse aspecto, é importante notar que asescolas onde trabalhamos diferiam entre siem relação a certa “inflação” de projetos de

    extensão e de outros tipos de cursos e es-tágios por lá implementados – em algumashavia muitos “projetos” e em outras, umaabsoluta escassez de atividades extraclasse.Essa variável se mostrou crucial para nós,pois entendemos que a sobrecarga de pro- jetos exige de professores e estudantes maisde seu tempo do que podem ou querem. Portal motivo, quando fomos compartilhar os

    critérios de seleção dos participantes (pro-fessores ou estudantes), preferimos optar

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    por pessoas que estivessem mais livres parase empenhar com afinco no projeto. Em re-lação aos professores, tal critério foi mui-to bem-vindo. Porém, estes se mostraram

    renitentes em engajar alunos “disponíveis”ao projeto. Segundo alguns depoimentos,alunos que não estão em algum projeto ouestágio são, por definição, pouco fiáveis.Insistimos em nossa posição, afirmandoque não necessariamente os “melhores”alunos ou os mais atarefados seriam maisbeneficiados com o projeto Um Toque deMídias, tendo em vista algumas decepçõesem nosso ano anterior de pesquisa. Feliz-mente, os estudantes indicados para parti-cipar do projeto em cada escola, a despeitode algum estigma que sobre eles recaísse noprincípio, tiveram um rendimento fabulosoao longo das atividades, reelaborando emmuitos casos seus anseios de vida e de fu-turo pessoal e profissional.

    Menciono, a título de ilustração, um post “saudoso” deixado por um dos alunos

    no grupo Um Toque de Mídias, criado noFacebook, quando já findo o projeto: “ powsdds do curso no sábado”.

    O ritmo cuidadoso nos pareceu condi-ção sine qua non para uma inserção pro- veitosa de projetos do teor de Um Toquede Mídias  em escolas públicas de ensinomédio. Há muitos aspectos da realidade deestudantes e professores que precisam ser

    respeitados para que nossas atividades nãose imponham de maneira autoritária e simde modo consentido e negociado.

     Antes de iniciarmos o ensino de técnicasaudiovisuais no sentido estrito, procuramosfamiliarizar os estudantes e professores comproduções de cinema independentes, con-trastando-as com outras produções maisamplamente conhecidas. Ao mesmo tem-

    po, procuramos despertar nos estudantes eprofessores um reconhecimento da íntima

    relação entre pesquisa, narrativas escritas eprodução audiovisual.

    Em nossos primeiros encontros no cam- pus exibimos filmes, aos quais se seguiam

    debates e tarefas a serem desenvolvidas du-rante a semana pelos grupos de cada esco-la. As atividades ao longo da semana eramacompanhadas pelos monitores (estudantesde graduação da UnB), nas próprias esco-las. Nos encontros nas escolas reconhece-mos que, para além das atividades propos-tas, era gerado um debate sobre o acessoà Universidade (a qual muitos, incluindoprofessores, tinham passado a frequentarapenas após o engajamento no projeto),sobre a convivência na UnB com estudan-tes e professores de outras escolas e estu-dantes e professores universitários. Essesencontros no campus  e nas escolas ense- jaram reflexões sobre diferenças territoriaisimportantes para a condução posterior dasatividades do projeto. Após uma familiari-zação com diversas produções, os alunos e

    professores foram convidados a refletir so-bre as condições de sua produção, ou seja,sobre o trabalho necessário para se colocarna tela a ideia seminal de um roteiro, sejade ficção ou documental.

     As atividades propostas conclamavamestudantes e professores a pensar nas ca-madas de realização de um filme, nas vá-rias mãos em cooperação, produzindo ini-

    cialmente uma fragmentação do filme vistocomo uma massa homogênea, a fim de re-conhecer os vários agentes envolvidos emsua fabricação. Essa reflexão sobre o au-diovisual evocou em todos os casos a com-plexa composição do conhecimento nasescolas. Assim, lentamente, com exercíciosque iam da caracterização dos personagens(compondo assim uma preocupação com

    aspectos de arte) à composição sonora dascenas imaginadas (configurando um núcleo

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    de som), passando por vários outros aspec-tos (uso de câmera fotográfica e produçãode fotonovela, desenhos, redações, entre- vistas, pesquisa em arquivo, construção de

    histórias de vida), estudantes e professoresse dividiram em áreas de conhecimentoespecíficas e passaram a se envolver maisdetidamente com as áreas de direção, de fo-tografia, de dramaturgia, de som, de arte etambém de produção.

     A partir dessa separação do grupo emunidades especializadas, passamos a desen- volver atividades específicas. A separaçãolevou a uma especialização da formação e,em última instância, ao aprimoramento detalentos evidentemente existentes entre osmembros de cada equipe, cada qual compos-ta por pessoas ora com afinidade ora comalguma vivência prévia – mesmo que ama-dora – em elementos de direção, de compo-sição de roteiro, de direção de arte ou de fo-tografia, ou mesmo em composição sonora.

    Nessa nova fase das oficinas, é im-

    portante destacar que houve uma maioraproximação entre as pessoas das diversasescolas participantes, tendo em vista quecada núcleo reunia indivíduos de escolasdistintas. A proximidade e o convívio des-pertaram novas reflexões sobre a políticaterritorial de segregação racial e de classeque perpassa a vida de quem frequenta auniversidade e a escola pública, incitando

    férteis debates sobre diferença e tolerân-cia que renderam frutos muito positivos aolongo dos meses de trabalho coletivo.

    Nem todos os estudantes e professoresdas escolas onde trabalhamos comparti-lham a mesma trajetória ou o mesmo diaa dia; há diferenças extremas em seus co-tidianos, em suas memórias e em suas as-pirações. Conflitos familiares, violência

    doméstica, racismo, problemas financeiros,anseios profissionais e afetivos, inquieta-

    ções religiosas e inúmeras outras “chavesanalíticas” reúnem de forma meramenteesquemática as inúmeras nuances de suas vidas (THIN, 2006).

    Por essa razão foi se desenvolvendouma reflexão sobre a necessidade de sepromover um conhecimento verdadeira-mente complexo que se opusesse ao olharmais desavisado que pode em princípioachatar essas diferenças, tornando planoum relevo de relações que, a despeito deser acidentado, oferece pistas importantespara pensarmos uma renovação nos meiosde ensino existentes em nossas instituições.Para ilustrar tal relação e suas implicações,mencionamos os diversos diálogos quemantivemos com pais, mães e outros res-ponsáveis pelos alunos, tanto no momentoem que pedimos seu consentimento infor-mado quanto ao longo do projeto. Nessastrocas periódicas fomos interpelados porpreocupações genuínas dos responsáveispor seus filhos e filhas, indicando no míni-

    mo algumas implicações sobre a presençado projeto no interior das casas e na vizi-nhança dos estudantes envolvidos.

     As diferenças entre cada sujeito respon-deram ao longo do processo por reaçõesdiversas em relação ao ambiente da UnB,onde se davam as atividades coletivas. Es-sas reações – de admiração e sensação debem-estar, e de rechaço e reconhecimento

    de violentas barreiras simbólicas –, eramdebatidas nos encontros semanais queaconteciam nas escolas e em conversas in-formais entre os participantes do projeto.Dentre os inúmeros debates realizados, fi-cou patente o quanto a universidade pú-blica, apesar de muitos discursos aparen-temente devotados à inclusão social, aindacontinua refratária a uma mudança radical

    em sua paisagem social. Entre as diversaslocalizações dos preconceitos e da intole-

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    rância mútua, especialmente em meio aos jovens, ficou patente a importância do gos-to musical e da produção da indumentáriana construção de identidades – algumas em

    diálogo e algumas imiscíveis. Aparentemente, nessa fase da vida emque ainda não concluíram o ensino médio,trabalhando algumas vezes em empregostemporários e precários, os jovens apostamem uma definição de quem são e daque-les com quem gostam de estar a partir damúsica que escutam, das coreografias quedançam e das vestimentas que marcam asutileza entre eles e os outros. Dessa refle-xão surgiu de um dos estudantes vincula-dos ao projeto a ideia-mestra para um dosfilmes produzido pelas escolas envolvidas.O filme Show de pagar  gira em torno da ri- validade entre funk, pagode e rock, emble-mática de embates envolvendo questões ra-ciais, de classe, de sexualidade e de gênero.

     As oficinas de fotografia ministradaspelo fotógrafo José Rosa, por sua vez,

    ocorreram em cada escola separadamen-te, envolvendo professores e alunos, queacudiram às aulas no contraturno escolar.Inicialmente houve debates promovidospelo fotógrafo, com o auxílio de monito-res estudantes da Universidade de Brasília,acerca da fotografia como objeto estéticoe narrativo. Dada a familiaridade de mui-tos dos envolvidos com instrumentos digi-

    tais que fotografam – como celulares –, omaior desafio aqui foi sustentar a propostade expandir as possibilidades da fotogra-fia para além dos limites conhecidos. Nasoficinas, técnicas foram compartilhadas esua aplicação se deu de maneira mais pro-dutiva no exercício de  pinhole , quandoprofessores e estudantes produziram foto-grafias artesanais em preto e branco, atu-

    ando no processo da captação à revelaçãodas fotos. Algumas das fotografias foram

    posteriormente selecionadas pelo grupo eimpressas em formato maior, compondouma exposição fotográfica inicialmenteexibida no campus da UnB em Ceilândia e,

    posteriormente, em cada uma das escolasparticipantes. A exposição fotográfica naUnB aconteceu quando da realização daSemana Acadêmica, ocasião em que pro-movemos também uma mesa-redonda coma participação de estudantes e professoresdas escolas envolvidas, a respeito do proje-to Um Toque de Mídias. Cabe frisar que, àsmoscas nessa semana, a universidade nãocumpriu seu papel de acolher a comunida-de que a ela se dirigiu, nessa data especial,para ver como é a vida supostamente vi-brante naquele ambiente.

    Já as oficinas de pesquisa em antropo-logia e sociologia foram ministradas pormim e pelo professor Breitner Tavares, nósdois da UnB, nas cinco escolas engajadasno projeto. As oficinas começaram comdiscussões amplas sobre a pesquisa socio-

    lógica e antropológica, quando comparti-lhamos por meio de apostilas nossa própriaprodução com professores e estudantes dasescolas. O interesse despertado por nossasatividades de investigação anteriores, pelosartigos que escrevemos e disponibilizamosnas apostilas, abriu caminho para o projetoUm Toque de Mídias, afinal, nosso interes-se presente ancorava-se em uma trajetória

    mais longa de pesquisa com questões ir-manadas àquelas que ora apresentávamosaos diretores, coordenadores, professores eestudantes das diferentes escolas.

    Promovemos em seguida debates emtorno de alguns métodos ou abordagensque amenizam as dificuldades da pesqui-sa em ciências sociais. Tratamos de discutirnoções de escala, de significância, de ge-

    neralização, de transitoriedade (tempo) eabrangência (espaço), a partir de algumas

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    técnicas como a entrevista (questionário,survey , história de vida, relato), a pesquisadocumental (acervo e registros pessoais ouinstitucionais) e a observação com interes-

    se etnográfico. Em cada oficina buscamosdespertar nos participantes um interes-se pela vida alheia, pelo companheiro aolado (fosse este estudante ou professor). Oresultado desses “encontros investigativos”foi admirável; a despeito do convívio coti-diano intenso, muitas pessoas se revelaramsurpresas com aspectos da vida daqueles edaquelas de quem se consideravam íntimase, em outros casos, dadas as descobertassobre alguém a respeito de quem não senutria maiores interesses, novas relaçõesde amizade e troca foram estabelecidas, elaços estreitados (SEFFNER, 2011).

    O exemplo mais evocativo desse pro-cesso se deu com a construção coletiva dapeça teatral Doralice . O texto surgiu a partirdas oficinas de socioetnografia, e retratavao cotidiano de uma professora que, em al-

    guma medida, apesar do caráter ficcionalda obra, sintetizava aspectos da vida de to-dos os professores e professoras da escola.Quando de sua encenação, em larga medidaem função de seu caráter jocoso, professo-res e estudantes da plateia não somente sesurpreenderam com o talento dos colegasno palco, mas com a natureza das questõespor eles trazidas a uma arena pública de

    apreciação e discussão.

    Conclusão: entendimento e admiração mú-tua como ponte para aproximar Escola eUniversidade

    Esses movimentos de circulação dos jo- vens e professores das escolas na univer-sidade e de mergulho em suas interações

    mais íntimas e cotidianas levaram o grupocomo um todo a desenvolver debates subs-

    tanciais a respeito do papel da universidadepública em suas vidas. Mais do que pro-mover a UnB como panaceia para todosos males, pareceu a todos mais prudente

    e pertinente problematizar a universidadecomo ela existe e se faz presente na vidado Distrito Federal, em suas contribuições,mas também em seus limites e sua negli-gência em relação à vida local.

    Essas forças de atração e de repulsão dauniversidade puderam ser bem percebidasno desenvolvimento do filme e das fotogra-fias produzidas ao longo do projeto. No fil-me, algumas cenas se deram nas casas dosparticipantes, nas ruas da cidade e tambémnos corredores da UnB. Aparentemente, ve-mos um investimento claro por parte dosestudantes e professores na produção deum objeto de conhecimento e arte que bor-ra as fronteiras entre o espaço acadêmico ea vida cotidiana. Entretanto, dada a formade acesso ainda restrita e bastante elitiza-da aos bancos universitários, estudantes e

    professores das escolas de cidades perifé-ricas como aquelas onde desenvolvemos oprojeto sabem o quão pouco provável é seuingresso e, quanto ele acontece, sua perma-nência em instituições universitárias públi-cas como a UnB.

     Ainda que não houvesse muitas das de-mais razões acima elencadas, apenas poresta – problematizar a ética e a estética

    dominantes nas universidades públicas denosso país e o persistente rechaço a outrasformas de conhecimento e arte que existem,a despeito dos cânones, fora dos muros aca-dêmicos –, já garantiríamos o sucesso doprojeto Um Toque de Mídias, recebido comgrande entusiasmo em escolas onde profes-sores e estudantes tinham as mínimas con-dições – institucionais e pessoais – de trans-

    formar seus cotidianos de trabalho, ensino eaprendizagem a partir do que propusemos.

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    Como fazem esses professores e estudan-tes, devemos aprender a abrir brechas emnosso dia a dia para experimentar outrasformas de conhecer e de transmitir conhe-

    cimento, para além daquelas a que estamoshabituados. Assim como as escolas têm nosacolhido com cortesia, quando nossa chega-da não é por demais violenta, por demaisestatal, também a universidade e outras ins-tituições superiores de ensino e pesquisa emnosso país precisariam abrir seus braços esuas mentes para a incorporação do novoque, no caso da escola pública, coincide como que foi sempre indesejado pelas elites econsiderado improvável pelas estatísticas.

     As políticas de reserva de vagas em cur-so e em expansão precisam levar em contaa experiência particular do Distrito Federalbrasileiro. Aqui, como desenhei no começodo ensaio, um projeto modernista se impôsà força, a partir do mito da terra de nin-guém. O suposto desenraizamento de todosque chegaram e chegam a Brasília produzi-

    ria em si certa igualdade. Ora, o que procureinarrar nas linhas precedentes foi justamenteas venturas e desventuras de um projeto deextensão que se encontrou constantementeconfrontado com os paradoxos e a violênciadesse mito fundador. Em Brasília os senho-res ainda ocupam a casa-grande. A tal pon-to que o Ministério da Educação, dando-seconta das pequenas chances de ingresso de

    estudantes advindos de escolas públicas deeducação fundamental em carreiras tidascomo científicas, propõe um edital a fim deque professores universitários busquem sa-ídas para tal problema em projetos de ex-tensão. Esquecemo-nos (nós da academia etambém nossos colegas técnicos do gover-no) de que tanto professores quanto alunos

    da educação básica em escolas públicas con-tinuam sendo usurpados, a exemplo de umapersistente escravidão.

    Sem nossa autorreflexão e escuta atenta

    aos sinais com que nossos interlocutores nosbrindam, corremos o risco de entrar nas es-colas com possíveis cavalos de Troia, ou seja,projetos que, ao invés de reparar as perdashistóricas, acabam por drenar ainda mais oescasso tempo político e epistemológico da-queles que nos acolhem. A noção de tempoaqui empregada deve ser portanto compre-endida a partir das reservas que estabeleceem relação a outras abordagens9. O tempo deque falo não pode ser entendido como umacategoria social de entendimento como sus-tenta Durkheim. Tampouco como fenômenoextrínseco e igualmente inexorável a todasas criaturas, como se costuma formular otempo cronológico. Quando afirmo que aospesquisadores que aterrissam em escolas “so-bra tempo”, quero sugerir que sua associaçãocom aquele lugar, com aquelas pessoas e suas

     vicissitudes difere do envolvimento e com-promisso de seus anfitriões (BORGES, 2009).Essa seria uma evidência quase “concreta”da divisão entre “nós” e “eles”. Ter mais oumenos tempo, nesse caso, seria equivalentea dizer ser mais ou menos Outro. Minha pro-posta de etnografia popular visa justamentea problematizar a noção de alteridade e suarelação direta com a antropologia colonial,

    racista e predatória a que nos dedicamos(BORGES et al., 2015a). Em suma, creio queseja chegada a hora de todos os que estãodentro dos muros universitários dedicaremseu tempo para colocar o muro abaixo, parainventar o novo, em que a divisão e o abismonão sejam sequer lembranças.

    9. Agradeço ao parecerista anônimo a oportunidade de esclarecer esta questão fulcral para meu argumento.

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    Recebido em: 09/05/15Aprovado em: 21/10/15

    RESUMOO presente ensaio narra as venturas de umprojeto de extensão da Universidade deBrasília, voltado para a pesquisa etnográfi-ca em colaboração com estudantes e profes-sores universitários e de escolas públicas deensino médio no Distrito Federal. Estimula-do por um edital de fomento que visava à“[...] inclusão social, [...] [ao] desenvolvi-mento da cultura científica [e ao] aprimora-mento e [à] atualização de professores ealunos da educação básica”, Um Toque deMídias provou o amargo sabor de certa in-flação de projetos que soterra algumas dasescolas que conhecemos. Ao longo de cincoanos, tivemos elementos e tempo para re-fletir sobre os limites da proposta inicial.Na segunda edição do projeto, ensaiamosalgumas soluções para os becos sem saídaexperimentados na primeira fase. Percebe-mos a urgência de se reconhecer o abismoque separa a escola da universidade públi-ca, de torná-lo conhecido de todos e de re-pensar propostas paliativas que dificilmen-te encaram o racismo e a desigualdade co-mo desafios cruciais.

    PALAVRAS-CHAVEEtnografia. Escola. Extensão. Educação Bá-sica. Brasília.

    ABSTRACTIn this essay a testemonio is given on anExtension Programme led by the author atthe University of Brasília, between 2010and 2014. The project was sponsored by agovernmental fund which target was “topromote social inclusion, the developmentof a scientific culture, the betterment andupdating of basic education students andteachers”. Along the following lines wenarrate some challenges our researchgroup has faced in its first year of activity.Subsequently we give a deep thought on aformer hidden subject to which we havedecided to emphasize in our last and sec-ond period of research: the gap that stillexists between public schools and univer-sity in Brazil. We propose issues like rac-ism and inequality should be part of ouragenda in spite of project’s specificities.

    KEYWORDSEthnography. School. Extension. Basic Ed-ucation. Brasília.