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A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ADITIVOS E MULTIPLICATIVOS POR ALUNOS DO 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA DE VERGNAUD Fernanda Fetzer [email protected] Universidade Estadual de Ponta Grossa Ponta Grossa - Paraná Mary Ângela Teixeira Brandalise [email protected] Universidade Estadual de Ponta Grossa Ponta Grossa - Paraná Resumo: O raciocínio matemático utilizado por discentes do 6º ano do Ensino Fundamental para resolver problemas aditivos e multiplicativos foi o objeto do estudo aqui apresentado, partindo-se do seguinte questionamento: Quais raciocínios matemáticos os discentes do 6º ano do Ensino Fundamental desenvolvem com clareza e em quais eles sentem dificuldades para resolver problemas do tipo aditivo e multiplicativo? Para o desenvolvimento do estudo foi escolhida uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritiva, com apoio na teoria de Gérard Vergnaud sobre os raciocínios para resolução de problemas do tipo aditivo e multiplicativo. Os dados foram coletados a partir de uma atividade matemática proposta para uma amostra de cento e trinta alunos matriculados nas escolas públicas estaduais de um município paranaense. Para correção das questões, foram utilizados requisitos previamente estabelecidos, como os raciocínios necessários, acertos parciais e totais para as resoluções. Os resultados apontam que as dificuldades relacionadas à subtração são mais frequentes do que com a adição. Ainda percebe-se que o raciocínio multiplicativo, traz mais dificuldades devido a sua complexidade. Palavras-chave: Aprendizagem Matemática, Problemas aditivos, Problemas multiplicativos, Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud. 1 INTRODUÇÃO Fala-se muito hoje em instrumentos para ampliar a capacidade de percepção, de ação e de resolução de problemas. Contudo, às vezes, este trabalho se limita ao “ensino de técnicas ou instrumentos que poderão ser utilizados pelos alunos na vida prática para solucionar problemas”. (NUNES, 2005, p. 35).

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A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ADITIVOS E MULTIPLICATIVOS POR ALUNOS DO 6º ANO DO ENSINO

FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE A PARTIR DA TEORIA DE VERGNAUD

Fernanda Fetzer – [email protected] Estadual de Ponta GrossaPonta Grossa - ParanáMary Ângela Teixeira Brandalise – [email protected] Estadual de Ponta GrossaPonta Grossa - Paraná

Resumo: O raciocínio matemático utilizado por discentes do 6º ano do Ensino Fundamental para resolver problemas aditivos e multiplicativos foi o objeto do estudo aqui apresentado, partindo-se do seguinte questionamento: Quais raciocínios matemáticos os discentes do 6º ano do Ensino Fundamental desenvolvem com clareza e em quais eles sentem dificuldades para resolver problemas do tipo aditivo e multiplicativo? Para o desenvolvimento do estudo foi escolhida uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritiva, com apoio na teoria de Gérard Vergnaud sobre os raciocínios para resolução de problemas do tipo aditivo e multiplicativo. Os dados foram coletados a partir de uma atividade matemática proposta para uma amostra de cento e trinta alunos matriculados nas escolas públicas estaduais de um município paranaense. Para correção das questões, foram utilizados requisitos previamente estabelecidos, como os raciocínios necessários, acertos parciais e totais para as resoluções. Os resultados apontam que as dificuldades relacionadas à subtração são mais frequentes do que com a adição. Ainda percebe-se que o raciocínio multiplicativo, traz mais dificuldades devido a sua complexidade.

Palavras-chave: Aprendizagem Matemática, Problemas aditivos, Problemas multiplicativos, Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.

1 INTRODUÇÃO

Fala-se muito hoje em instrumentos para ampliar a capacidade de percepção, de ação e de resolução de problemas. Contudo, às vezes, este trabalho se limita ao “ensino de técnicas ou instrumentos que poderão ser utilizados pelos alunos na vida prática para solucionar problemas”. (NUNES, 2005, p. 35).

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Técnicas e algoritmos têm seu valor diante do conhecimento matemático, entretanto se não forem aliados à compreensão conceitual trazem um ensino pouco significativo. O trabalho com as quatro operações básicas, por exemplo, geralmente se volta para a execução correta de algoritmos que nem sempre fazem sentido para o aluno.

Entretanto, as dificuldades começam a surgir quando é lançado, por exemplo, um problema, em que além de desenvolver um algoritmo de operação, o aluno ainda deve interpretar o que está escrito e compreender que operação deve ser utilizada para a resolução. Nessas horas é que se ouve a pergunta: “é de mais ou de menos”?

Este trabalho pretende discutir um pouco a compreensão conceitual que está implícita em problemas aditivos e multiplicativos fundamentada na classificação de problemas desenvolvida por Vergnaud (2009), fundamentada também em outros pesquisadores da área, como Barreto (2001) e Guimarães (2004).

Além desta compreensão conceitual, os PCN de Matemática para o Ensino Fundamental indicam algumas destrezas que os alunos devem ampliar com o auxílio da Matemática para a resolução de problemas, como o desenvolvimento da capacidade de investigação e da perseverança na busca de resultados, predisposição para alterar a estratégia prevista quando o resultado não for satisfatório e reconhecimento que pode haver diversas formas de resolução para um mesmo problema.

É em tal contexto de reflexões e discussões sobre o processo ensino-aprendizagem da Matemática e sobre as habilidades referentes à resolução de problemas que se insere esta pesquisa, recorte de uma pesquisa maior, centrada na seguinte questão norteadora:

Quais raciocínios matemáticos os discentes do 6º ano do Ensino Fundamental desenvolvem com clareza e em quais eles sentem dificuldades para resolver problemas do tipo aditivo e multiplicativo?

Na tentativa de responder a esta pergunta, o estudo se propôs a investigar o desempenho do aluno nesta área do conhecimento matemático. Numa abordagem qualitativa exploratório-descritiva, os dados foram coletados por meio de atividades avaliativas aplicadas para uma amostra de cento e trinta alunos matriculados nas escolas públicas estaduais de um município paranaense. Para correção das questões, foram utilizados requisitos previamente estabelecidos, como os raciocínios necessários, acertos parciais e totais para as resoluções.

2 OS PROBLEMAS ADITIVOS E MULTIPLICATIVOS

2.1 Fundamentação Teórica

A Teoria dos Campos Conceituais concebida por Gérard Vergnaud é uma “teoria cognitivista, que visa proporcionar um quadro coerente e alguns princípios básicos para o estudo do desenvolvimento e aprendizagem de habilidades complexas, incluindo as decorrentes da ciência e tecnologia” (VERGNAUD, 1990) 1.

Campo conceitual é um conjunto informal e heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento, conectados uns aos outros e, provavelmente, entrelaçados durante o processo de aquisição (VERGNAUD, 1987) 2.

1 Para aprofundamento consultar a obra de VERGNAUD, 1990 apud CANÔAS, S. S. O campo conceitual multiplicativo na perspectiva do professor das séries iniciais (1ª a 4ª série). São Paulo, 182p., 1997. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica – São Paulo. 2 VERGNAUD, 1987 apud CANÔAS, S. S. O campo conceitual multiplicativo na perspectiva do professor das séries iniciais (1ª a 4ª série). São Paulo, 182p., 1997. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica – São Paulo.

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Esta teoria trata do processo de conceitualização, pois a aquisição de significado de um conceito é realizada a partir da vivência de situações que aos poucos modelam um conhecimento.

Vergnaud organizou a teoria dos campos conceituais a partir de uma terna de três conjuntos C = {S, I, R}, de maneira que temos:

S – conjunto das situações que dão sentido ao conceito; I – conjunto dos invariantes (objetos matemáticos, propriedades, situações, etc.)

podem ser utilizados pelo sujeito domínio das situações.R – conjunto das formas linguísticas e não linguísticas que permitem representar

simbolicamente o conceito, suas propriedades, as situações e os procedimentos de tratamento.

Vergnaud se concentra em trabalhar em especial com dois campos conceituais que fundamentam este trabalho: o das estruturas aditivas e o das estruturas multiplicativas.

A estrutura aditiva refere-se ao conjunto das situações que demandam uma adição, uma subtração ou uma combinação de tais operações.

A partir desta definição Vergnaud cria uma classificação para os problemas envolvidos na estrutura aditiva. Podem-se distinguir três classes de problemas. São elas: Composição, transformação e comparação.

Estas situações se configuram a partir da teoria piagetiana (base para a teoria dos campos conceituais) dos esquemas de ação. Segundo Nunes (2005), Piaget acreditava que a criança aprende essas operações numéricas a partir dos esquemas de juntar, retirar, transformar e comparar elementos entre si.

A estrutura multiplicativa, por sua vez, refere-se ao conjunto das situações que demandam uma multiplicação, uma divisão ou uma combinação de tais operações. Esta estrutura pode ser dividida em problemas de isomorfismo de medidas, único espaço de medidas e produto de medidas.

Entre os conceitos relacionados a ela estão os de função linear e não linear, espaço vetorial, análise dimensional, fração, razão, taxa de proporção, multiplicação e divisão.

É importante ressaltar que não se possui domínio total do conhecimento envolvido em um campo conceitual, pois o raciocínio vai se tornando cada vez mais complexo de acordo com as dificuldades superadas.

O desenvolvimento desta pesquisa pautou-se na teoria dos campos conceituais de Vergnaud, especificamente, quanto as estruturas aditiva e multiplicativa para elaboração e análise das atividades propostas para os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, as quais serão discutidas nos itens abaixo.

2.2 Os caminhos da pesquisa

Das 43 (quarenta e três) escolas e colégios públicos estaduais do município com a oferta das séries finais do Ensino Fundamental, 30% foram selecionados aleatoriamente para amostragem desta investigação, correspondendo a 13 escolas pesquisadas. Para seleção da amostra de maneira a abranger com maior significância as características da população, uma amostragem aleatória proporcional foi definida, considerando-se a quantidade de escolas/colégios da cidade com o mesmo porte de alunos.

O porte das escolas estaduais paranaenses varia de acordo com a quantidade de alunos matriculados na instituição, de porte 1 (com até 160 alunos) até porte 9 (de 1961 a 2560 alunos). Após estabelecer contato com a equipe pedagógica e com o professor de Matemática do 6º ano das 13 escolas selecionadas, foram escolhidos aleatoriamente 10 alunos de cada instituição.

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Para cada escola e grupo de alunos selecionados foi aplicada uma avaliação contendo, entre outros, dois problemas abrangendo o bloco de conteúdos Números e Álgebra, um dos eixos propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino da Matemática.

Validado o instrumento de pesquisa, procedeu-se a aplicação dos mesmos para os alunos selecionados nas escolas amostradas. As questões foram corrigidas de acordo com critérios previamente estabelecidos: raciocínios necessários para cada resolução, acertos parciais e totais das questões.

2.3 Análise das questões

O primeiro problema do Eixo Números e Álgebra presente na avaliação foi o seguinte:

Ronaldo tinha 60 reais, comprou um caderno por 12 reais, um estojo por 6 reais e 5 canetas por 3 reais cada uma. Depois, ganhou 34 reais de sua mãe e 20 reais do seu pai. Com quantos reais Ronaldo ficou?

Basta ler o problema uma única vez para perceber que o mesmo é composto por vários raciocínios que exigem conhecimento e atenção do discente para conseguir resolvê-lo. Este foi um dos motivos pelo qual o problema foi escolhido para representar as operações de adição, subtração e multiplicação, mas ainda, pelas várias possibilidades de resolução que a questão traz.

Quanto às operações, o discente precisa perceber, em primeiro lugar que a ação de fazer compras implica em subtração de capital e que ganhar dinheiro da mãe e do pai implica em soma de capital. Essas percepções conceituais relacionadas à adição e à subtração provêm dos esquemas de ação da teoria piagetiana, já comentada. Neste problema, pode-se destacar a palavra comprar como indicativo de subtração e a palavra ganhar como indicativo de adição.

Ainda pode-se observar que se trata de um problema envolvendo raciocínios aditivos e multiplicativos. Quanto a sua característica aditiva, pode-se considerar um problema de composição de transformações, segundo a classificação de problemas do tipo aditivo de Vergnaud.

O autor difere quatro classes de problemas aditivos que devem ser trabalhados nos primeiros anos do Ensino Fundamental. São eles:

1º – Problemas de combinação, como são conhecidos, são definidos por duas medidas que se compõem para resultar em uma terceira, como por exemplo: Em numa turma há 23 meninos e 21 meninas. Quantos alunos há nela? Neste, há a junção de duas medidas (meninas e meninos) para resultar na terceira medida (alunos da turma).

2º – Problemas clássicos de transformação, definido por uma transformação que ocorre sobre uma medida para resultar em outra medida. Podemos exemplificar com o seguinte problema: Se Mariana tinha R$32,00 e ganhou R$15,00 do seu pai, com quanto ela ficou? A medida inicial (R$32,00) sofre uma transformação (+R$15,00) e resulta em outra medida (R$47,00).

3º – Problemas de comparação, ou seja, quando uma relação liga outras duas. Por exemplo: O irmão de Gabriel tem 53 anos. Se Gabriel tem 7 anos a menos que o seu irmão, qual a sua idade? Neste caso a relação “7 anos a menos” é a ligação entre a idade de Gabriel e do seu irmão.

4º – Problema de composição de transformações, quando duas transformações se compõem para resultar em outra. Por exemplo: Rafaela tinha 15 bonecas. Ganhou 5 no seu aniversário, mas perdeu 3 brincando com suas amigas. Quantas bonecas ela tem

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agora? A primeira transformação é o ato de ganhar 5 bonecas e a segunda transformação é o ato de perder 3 delas.

O problema proposto na avaliação para os discentes tem características relacionadas ao 4º tipo de problemas aditivos: problema de composição de transformações. A primeira transformação no problema escolhido é relacionada às compras efetuadas por Ronaldo, e a segunda transformação tem relação com o dinheiro que ganhou do pai e da mãe.

Contudo, além destes raciocínios aditivos, o discente ainda deveria atentar para um raciocínio multiplicativo presente no problema, que exige também pensar em sua complexidade. Enquanto no raciocínio aditivo as situações podem ser analisadas pela relação entre as partes e o todo, ou ainda, pelo todo como soma das partes, no raciocínio multiplicativo, a relação existente é entre duas variáveis.

Quanto aos problemas de tipo multiplicativo, podemos distinguir três classes, mais uma vez de acordo com Vergnaud:

1ª – Isomorfismos de Medidas, quando os elementos seguem certa regularidade, de forma que A está para B assim como C está para D, como por exemplo: Numa festa, cada participante levou 2 refrigerantes. Ao todo, 8 pessoas participaram. Quantos refrigerantes havia na festa?

2ª – Único espaço de medidas, no qual há correspondência entre duas quantidades e dois objetos, como por exemplo: Para costurar uma calça são necessários 3 metros de tecido. Para costurar um vestido são necessários 5 vezes mais. Quantos metros de tecido são necessários para costurar um vestido?

3ª – Produto de Medidas, quando se deve encontrar um produto entre duas medidas, ou encontrar uma das medidas a partir do produto e da outra medida, como: um garoto tem 3 camisetas e 2 bermudas. De quantas maneiras diferentes ele pode se arrumar?

O problema aplicado aos alunos pesquisados traz um raciocínio multiplicativo do tipo de isomorfismo de medidas, pois o fato de Ronaldo comprar 5 canetas por 3 reais cada uma está trabalhando com uma relação quaternária em que possui a medida unitária (uma caneta custa três reais) e precisa encontrar o valor de 5 canetas. A resolução para isso implica em uma soma de parcelas repetidas (3+3+3+3+3) ou ainda em uma multiplicação (3x5). Caso o aluno não perceba isto irá contabilizar na compra de Ronaldo apenas uma caneta.

O segundo problema envolvendo o eixo Números e Álgebra na avaliação dos discentes foi:

Débora deverá ler um livro de 255 páginas. Ela pretende ler 17 páginas desse livro por dia até terminá-lo. Em quantos dias Débora terminará de ler o livro?

Este problema, aparentemente simples, possui algumas dificuldades para a sua resolução.

À nível teórico pode-se classificá-lo de acordo com Vergnaud (2009), como um problema do tipo multiplicativo, envolvendo isomorfismo de medidas. A multiplicação neste caso é vista como uma relação quaternária, na qual estão envolvidas quatro quantidades: duas quantidades são medidas de determinado tipo e outras duas, de outro tipo. Para facilitar o entendimento, podemos organizar o problema em um esquema simples.

Dias Páginas1 17x 255

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Assim, é possível perceber as quatro quantidades envolvidas. Duas delas referentes aos dias e outras duas referentes à quantia de páginas lidas em determinados dias. Este problema é resolvido por uma divisão, e possui dificuldades relevantes de serem observadas.

O problema traz uma relação entre duas variáveis (dias e páginas), trazendo como dados a relação páginas por dia. Assim sendo, ao dividir 255 por 17, o raciocínio empregado é inverso à operação direta “x 17 páginas/dia”.

O problema refere-se a uma relação entre duas variáveis (páginas/dia). O esquema abaixo representa, no primeiro quadro, o raciocínio direto para o problema, que está relacionado ao número de páginas lidas por um único dia, fazendo referência à unidade. Resolver este problema implica em realizar a operação inversa (dividir 255 por 17), o que permite a passagem para o raciocínio da 1ª linha, que faz menção ao dia e o número de páginas lidas no dia.

Dias Páginas 17x páginas/dia1 17x 255:17 – relação inversa

Para Vergnaud (2009) esta relação entre variáveis é uma dificuldade implícita ao problema. O mesmo não ocorreria se o mesmo fosse escrito da seguinte maneira: “Débora leu 255 páginas em 15 dias. Quantas páginas ela leu em um dia”?

O esquema de resolução para este problema se configura da seguinte maneira:

Dias Páginas1 x15 255

Dividindo 255 por 15 deve-se estabelecer apenas um operador adimensional, que reflete na segunda coluna a razão de proporção estabelecida na primeira. Neste caso, é conhecida a relação de correspondência entre as duas grandezas de natureza diferente, basta apenas encontrar o valor unitário. Diferente do problema original, no qual se conhece o valor unitário, contudo é preciso encontrar o número de unidades da primeira grandeza correspondente à segunda.

2.4 Análise da resolução das questões

Dos 130 alunos amostrados, apenas 28 deles, conseguiram resolver completa e corretamente o primeiro problema. Foram duas as estratégias de resolução utilizadas por eles. A primeira consistiu em subtrair compra por compra de quanto Ronaldo tinha, e depois somar quanto ele ganhou do pai e da mãe. Catorze alunos pensaram desta maneira, como mostra a 1ª estratégia da Figura 1. Os outros treze somaram todas as compras feitas por Ronaldo, e depois subtraíram de quanto ele tinha. Por fim, somaram com o quanto ele ganhou do pai e mãe, raciocínio exibido na 2ª estratégia da Figura 1. Todos estes alunos encontraram como resposta R$ 81,00.

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Figura 1 – Estratégias de resolução do problema.Fonte: instrumento da pesquisa. Instrumentos L9 e B6.

Contudo, a nossa maior preocupação com este trabalho não é exatamente a resposta que os discentes encontraram, mas o raciocínio que utilizaram para resolver o problema e onde ele falhou. Dos 130 discentes amostrados, 28 conseguiram resolver o problema, 26 não responderam à questão, ou apenas colocaram a resposta sem evidenciar o raciocínio utilizado.

A análise das questões feita abaixo foi realizada a partir das outras 76 avaliações em que o raciocínio estava incorreto, mas explícito. Para tanto, o problema foi dividido em três raciocínios considerados indispensáveis para que um aluno chegasse à solução. A maioria dos discentes se equivocou em mais um raciocínio.

Gráfico 1 – Acertos e erros referentes aos raciocínios utilizados na resoluçãoFonte: As autoras

O primeiro raciocínio, referente à primeira parte do problema, envolvia subtração, pois se Ronaldo tinha 60 reais e fez compras, ele deixa de possuir o dinheiro que gastou com as compras. Sendo assim, independente da maneira que tenha feito, o discente deveria subtrair as compras do dinheiro que Ronaldo possuía. Dos 76 alunos que erraram o problema, 28 se equivocaram neste raciocínio, como mostra o gráfico.

Alguns alunos, especificamente 13 deles, somaram o valor que Ronaldo tinha com o valor que ele gastou em compras. Isto reflete dificuldade de relacionar o problema aos esquemas de ação, sobre os quais comentamos anteriormente. Outros 8 alunos demonstram ter compreendido que se trata de uma subtração, contudo subtraem apenas a primeira compra (R$12,00 de um caderno que Ronaldo comprou) e não subtraem o valor do estojo e das canetas. Alguns discentes amostrados (4 deles) ainda ignoram esta parte do problema e se detêm apenas à segunda parte, em que Ronaldo recebe dinheiro de seus pais.

Além desses equívocos, dois alunos interpretaram como um problema multiplicativo, e assim sendo, multiplicaram todos os valores das compras de Ronaldo. E um único aluno subtraiu o valor de uma compra de outra compra, deixando a resolução sem sentido.

O segundo raciocínio faz menção ao problema multiplicativo envolvido na questão quando se observa que Ronaldo comprou 5 canetas por 3 reais cada uma. Já

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comentamos sobre a complexidade deste raciocínio, e a confirmação da teoria de Vergnaud está no desenvolvimento prático da questão. Foi o raciocínio que apresentou maior número de erros: 50 alunos se enganaram com ele, porém de maneiras diferentes.

Oito deles ignoraram o fato de serem cinco canetas, e trabalharam apenas com o valor 3. O contrário também aconteceu, três discentes consideraram apenas as cinco canetas, ignorando o valor de cada uma delas.

Contudo, o maior erro neste caso foi o de ignorar o raciocínio multiplicativo da questão, e considerar os dois valores (3 e 5) como valores de produtos independentes entre si. Foi o erro que 19 alunos cometeram. Ao somar todas as compras de Ronaldo os alunos fizeram: 12 + 6 + 5 + 3 = 26. Por mais que a continuação do raciocínio esteja coerente, o discente não chega à solução correta por não perceber este raciocínio multiplicativo.

Outros erros também apareceram. Um muito comum (5 alunos assim fizeram) foi considerar o preço de apenas 3 canetas. Os alunos subtraíram 9 reais ao invés dos 15 gastos com canetas. Outros 10 discentes consideraram apenas a compra do caderno e do estojo e ignoraram a compra das canetas. Além disso, 3 alunos multiplicaram todos os dados envolvidos com compras e 2 demonstram não haver compreendido o problema, pelos cálculos incompreensíveis que apresentam.

O terceiro raciocínio exigido pelo problema é relacionado à operação de adição e foi o de menor dificuldade para os discentes, pois apenas 15 deles apresentaram dificuldades de resolução. Esse raciocínio aparecia na segunda transformação do problema. Depois que Ronaldo havia feito compras, ele ganhava R$ 34,00 de sua mãe e R$ 20,00 de seu pai.

Provavelmente por se tratar justamente da segunda transformação do problema, 10 discentes se esqueceram dele. Esses alunos fizeram os cálculos referentes às compras e deram a solução do problema por encerrada. Observe na Figura 2 como um deles desenvolveu seu raciocínio:

Figura 2 – Resolução do problema apenas com a primeira transformaçãoFonte: instrumento da pesquisa. Instrumento E5.

Ainda houve 2 discentes que ao invés de somar, multiplicaram os valores, dois alunos que apresentaram cálculos incompreensíveis e um último aluno, que interpretou este raciocínio como uma subtração, o que nos faz relembrar mais uma vez do conceito de adição e subtração desenvolvidos na criança a partir dos esquemas de ação piagetianos.

Além dos raciocínios apresentados, é valido ressaltar um obstáculo importante na resolução deste problema: os algoritmos. Para 22 alunos eles foram determinantes na resolução errada do problema, e para a metade desses, os raciocínios para resolução do problema estavam todos corretos e a resposta foi alterada devido aos algoritmos errados.

O principal erro, cometido por 13 alunos foi resolver a subtração: 60 - 12. Aliás, oito alunos encontraram como resposta: 60 – 12 = 52. Com a “conta armada” pode-se perceber com mais clareza o erro comum. Os alunos subtraem 2 - 0 na ordem das unidades, ao invés de transformar uma dezena em dez unidades, como na Figura 3.

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Figura 3 – Erro na resolução do algoritmo de subtração.Fonte: instrumento da pesquisa. Instrumento D7.

Outro erro comum foi que os alunos “criaram” um novo algoritmo de subtração, em que se podem subtrair vários números ao mesmo tempo. Pode-se observar esse raciocínio no cálculo abaixo.

Figura 4 - Resolução do problema com subtração de vários números ao mesmo tempo.Fonte: instrumento da pesquisa. Instrumento E6.

Isso acontece por uma generalização da estrutura aditiva das operações. É possível somar vários números ao mesmo tempo e esta propriedade da adição é transposta pelos alunos para a subtração. Isto provavelmente ocorre devido ao trabalho complementar desenvolvido entre essas duas operações no âmbito escolar. A operação de subtração é tida como a operação inversa da adição “e o problema que se impõe ao professor é o de mostrar o caráter oposto ou recíproco da adição e da subtração, não de segunda em relação à primeira”. (VERGNAUD, 2009, p. 209)

Esta observação se confirma com dados relacionados às dificuldades com o algoritmo da adição, onde apenas 3 alunos erraram somas.

Independente da análise realizada é relevante mostrar uma maneira diferente de pensar sobre o problema. Apenas um aluno, que por alguns erros de raciocínio e nos algoritmos, acabou errando a questão, pensou em resolvê-lo de outra maneira. A intenção dele era somar todo o saldo positivo de dinheiro que passou por Ronaldo (60 + 34 + 20) e subtrair dele todas as compras de Ronaldo. Observe na Figura 5 a tentativa de resolver o problema por outro caminho.

Figura 5 – Tentativa de resolução do problema utilizando outra estratégia.Fonte: instrumento da pesquisa. Instrumento G3.

Para resolver a segunda questão do questionário o discente deve ter um raciocínio: escolher corretamente a operação que resolve o problema. Não se trata de uma questão simples, pelas várias características já delineadas. Dos 130 alunos amostrados 27 resolveram corretamente o problema, ou seja, ao perceberem que para

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descobrir o número de dias que Débora levaria para ler o livro poderiam dividir 255 por 17, o fizeram corretamente.

Entre os outros 103 discentes, 29 não resolveram ou apenas colocaram a resposta sem evidências de que raciocínios utilizaram para resolver a questão. Para a análise da questão vamos nos deter aos 74 alunos que por algum motivo se equivocaram na resolução do problema. Para facilitar o entendimento, os dados foram agrupados de acordo com o esquema abaixo:

Figura 6 – Esquema de agrupamento dos dados.

O raciocínio necessário para resolver este problema está diretamente relacionado com a divisão, como vimos anteriormente. Contudo, dentre os 74 alunos que erraram a resolução do problema, 41 decidiram resolvê-lo por meio de outra operação. Seis alunos decidiram somar 255+17 para encontrar o número de dias que Débora levará para ler todo o livro. Outros 14 discentes subtraíram 17 de 255 na tentativa de encontrar o resultado. É perceptível que estes alunos ainda não possuem domínio do campo conceitual multiplicativo. O mesmo acontece com outros 7 alunos que fizeram vários rascunhos no questionário, contudo não conseguir traduzir para algoritmos o raciocínio que estavam tentando desenvolver.

Por fim, 14 alunos procuraram na multiplicação a resposta para o problema. É importante ressaltar que apesar de este não ser o caminho correto para resolver o problema proposto, foi possível identificar grande dificuldade dos discentes para desenvolver o algoritmo de multiplicação. Dos 14 estudantes que tentaram este caminho, apenas 1 resolveu a operação corretamente. Os diferentes cálculos efetuados para resolução do problema podem ser observados na Figura 7.

Figura 7 – Cálculos realizados na tentativa de resolver o problema.Fonte: instrumento da pesquisa. Instrumentos D6, C7 e L2.

Dentre os outros 33 alunos que perceberam a divisão como a operação para resolver o problema proposto, mas que também não conseguiram chegar à resposta, estão 8 discentes que não conseguiram desenvolver o algoritmo e 23 que erraram o cálculo. Observando o desenvolvimento dos mesmos, não é possível perceber nenhuma

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regularidade entre eles. Quanto às respostas, foram as mais variadas, contudo, percebe-se que a principal dificuldade está relacionada ao divisor, um número formado por dois algarismos.

Além deste raciocínio comum, um aluno procurou uma maneira curiosa para resolver o problema. Pode-se observar na Figura 8 que ele somou 17 várias vezes, com a intenção de chegar ao número 255. Contudo, acabou errando uma soma. Outro aluno, por sua vez, fez o contrário, a partir de 255 foi subtraindo sucessivas vezes o número 17, mas também acabou errando as subtrações.

Figura 8 – Estratégia diferente para resolver o problema.

Fonte: instrumento da pesquisa. Instrumento M2.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira ressalva que se pode fazer é a respeito do campo aditivo. Para alunos de 6º ano do Ensino Fundamental, este deveria ser considerado um conceito compreendido, contudo não é o que a pesquisa mostra, principalmente, no que diz respeito à operação de subtração, já que 22% dos discentes se equivocaram com o raciocínio subtrativo em comparação aos 12% de erros relacionados à adição.

Este fato ocorre, provavelmente, por causa da observação de Vergnaud, já comentada no texto, de que a subtração é vista como a operação inversa da adição, limitando a visão sobre ela e sobre suas características a partir do conceito e das características da adição.

Se no campo aditivo os estudantes já apresentam dificuldades de aprendizagem quando o conhecimento matemático vai se tornando mais complexo, a tendência é que as elas também se intensifiquem. Este é um problema típico da Matemática, já que ela é uma ciência de caráter cumulativo, em que um saber necessita de outros saberes, estudados anteriormente, para ser compreendido.

Conceitualmente, esta dificuldade com os problemas multiplicativos se intensifica principalmente por causa do aumento de variáveis a serem relacionadas, e à nível de resolução de algoritmo, a multiplicação, tida como soma de parcelas iguais e a divisão como subtração de parcelas iguais, mostra que por não haver domínio das operações aditivas, as multiplicativas (mais complexas) são prejudicadas. Basta observarmos que 38% dos alunos tiveram erros conceituais relacionados à multiplicação no primeiro problema. Já no segundo problema, os erros conceituais relacionados à divisão foram de 32%. Contudo, se considerarmos também os erros de algoritmos e os discentes que nem registraram uma estratégia de resolução, o percentual de erros aumenta para 79%.

Não poderia também passar despercebido o foco acentuado dos alunos (de 100% deles) em procurar resolver os problemas propostos com o auxílio de algum algoritmo. Quando o discente não conseguiu encontrar o algoritmo correto, então o problema foi tido com insolúvel. Nenhum aluno procurou outro método, seja por meio de desenhos, esquemas, entre outros, para encontrar uma solução.

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Contudo, a predisposição para alterar a estratégia de resolução de um problema e a percepção de que há várias formas de resolvê-lo são algumas das atitudes a serem desenvolvidas pelo discente, como foi dito anteriormente. Afinal, seja por meio da Matemática ou da criatividade, entramos em uma era que se privilegia a habilidade para resolver problemas.

4 REFERÊNCIAS

BARRETO, I. M. A. Problemas verbais multiplicativos de quarta-proporcional: a diversidade de procedimentos de resolução. São Paulo, 123p., 2001. Dissertação (Mestrado) – Pontífica Universidade Católica – São Paulo.

CANÔAS, S. S. O campo conceitual multiplicativo na perspectiva do professor das séries iniciais (1ª a 4ª série). São Paulo, 182p., 1997. Dissertação (Mestrado) – Pontífica Universidade Católica – São Paulo.

GUIMARÃES, K. P. Processo cognitivos envolvidos na construção de estruturas multiplicativas. Campinas, 197p., 2004. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas.

NUNES, T et al. Educação Matemática: números e operações numéricas. São Paulo: Cortez, 2005.

VERGNAUD, G. A criança, a matemática e a realidade. Curitiba: Ed. UFPR, 2009.

RESOLUTION OF ADDITIVE AND MULTIPLICATIVE PROBLEMS BY 6TH YEAR BASIC EDUCATION STUDENTS: AN

ANALYSIS BASED ON VERGNAUD’S THEORY

Abstract: The object of the study reported in this article is the Mathematical thinking 6th year Basic Education students use to solve additive and multiplicative problems. The study started from the following question: Which mathematical thinking 6th year Basic Education students fully develop and which they have difficulties to solve additive and multiplicative problems? In order to carry out the study a qualitative, descriptive- exploratory research approach was adopted with the support of Gérard Vergnaud’s theory about reasoning to solve additive and multiplicative problems. The data was collected from a Mathematical activity proposed to a sample of 130 students enrolled in mainstream schools in a city in the state of Paraná. Previously established requisites were used to correct the problems such as: necessary thinking, partial right answers and complete right answers. The results point out that the difficulties related to subtraction are most frequent than the difficulties related to addition. It is possible to observe that multiplicative thinking causes more difficulties to students due to its complexity.

Keywords: Mathematical Learning, Additive Problems, Multiplicative Problems, Vergnaud’s Theory of Conceptual Fields.