A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade

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1 A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade Carla Fornari Colpani Elaborado em 08/2003. Parte 1 Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/4600/a- responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de- impunidade#ixzz2UWdjNRsH Inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com a normativa internacional. "Num momento em que se abre uma polêmica nacional, referente à redução da imputabilidade penal, inclusive com inúmeros projetos de lei em tramitação; num momento ainda em que a insegurança da sociedade, cada vez mais assustada com o aumento da criminalidade e da violência, gera discussões calorosas, acirradas e radicais sobre as soluções para o problema, há que se ter, antes de decisões possivelmente paliativas e equivocadas, uma visão mais ampla e profunda das características do adolescente infrator e do ato por ele cometido" (VIEIRA, 1999, p. 16). INTRODUÇÃO O presente trabalho objetiva compreender a responsabilização penal do adolescente infrator, que ocorre através das medidas sócio-educativas, e a sensação da ilusão de impunidade. O principal objetivo é entender que, inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com a normativa internacional.

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A responsabilizao penal do adolescente infrator e a iluso de impunidadeCarla Fornari ColpaniElaborado em08/2003.Parte 1

Leia mais:http://jus.com.br/revista/texto/4600/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade#ixzz2UWdjNRsHInobstante a mdia fornea dados inverdicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que no h responsabilizao, na verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com a normativa internacional."Num momento em que se abre uma polmica nacional, referente reduo da imputabilidade penal, inclusive com inmeros projetos de lei em tramitao; num momento ainda em que a insegurana da sociedade, cada vez mais assustada com o aumento da criminalidade e da violncia, gera discusses calorosas, acirradas e radicais sobre as solues para o problema, h que se ter, antes de decises possivelmente paliativas e equivocadas, uma viso mais ampla e profunda das caractersticas do adolescente infrator e do ato por ele cometido" (VIEIRA, 1999, p. 16).INTRODUOO presente trabalho objetiva compreender a responsabilizao penal do adolescente infrator, que ocorre atravs das medidas scio-educativas, e a sensao da iluso de impunidade.O principal objetivo entender que, inobstante a mdia fornea dados inverdicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que no h responsabilizao, na verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com a normativa internacional.Diante disso, inevitvel e essencial a explorao do tema para dirimir a iluso de impunidade, o que s ser alcanado atravs de uma aplicao eficaz das medidas scio-educativas, para a recuperao dos adolescentes infratores e a conseqente preservao da segurana pblica.A pesquisa produzida tem como finalidade primordial contribuir para a desconstruo do mito da impunidade, atravs do conhecimento da responsabilizao penal do adolescente infrator.Na composio e estruturao do tema, empregou-se uma metodologia baseada na pesquisa bibliogrfica interdisciplinar, de forma a garantir a logicidade da pesquisa, que se divide em trs captulos.O primeiro captulo, Histrico e Fundamentos da Legislao voltada Criana e ao Adolescente, consiste em consideraes sobre a evoluo das normas e das instituies voltadas para a proteo e responsabilizao penal da criana e do adolescente, bem como a normativa internacional e os princpios orientadores.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/4600/a-responsabilizacao-penal-do-adolescente-infrator-e-a-ilusao-de-impunidade#ixzz2UWe0ggLTO segundo captulo, A Responsabilizao Penal do Adolescente Infrator, aborda o perfil do adolescente em conflito com a lei e as medidas scio-educativas, quais sejam, advertncia, reparao do dano, prestao de servios comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internao, que so analisadas individualmente.No terceiro captulo, A Iluso de Impunidade, traa-se um paralelo entre os mitos existentes sobre a responsabilizao penal do adolescente infrator, com o objetivo de demonstrar que existe uma iluso de impunidade.Aborda-se inclusive, perspectivas e propostas para a implementao do Estatuto da Criana e do Adolescente.Nas consideraes finais, so sintetizadas algumas questes especficas sobre a pesquisa.1. HISTRICO E FUNDAMENTOS DA LEGISLAO VOLTADA CRIANA E AO ADOLESCENTEOs interesses da criana e do adolescente sempre existiram, mas nem sempre tiveram dimenso suficiente para fomentar o reconhecimento de que suas relaes pudessem interessar ao Direito, como explica Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 11):Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos, como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefcios da unio estariam contemplados pela proteo jurdica destinada aos ltimos. Figuravam, em regra, como meros objetos da interveno do mundo adulto, sendo exemplificativa a utilizao da velha expresso ptrio poder, indicativa de uma gnese onde o Direito tinha como preocupao disciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relao aos filhos, suas crias.Obviamente no existia a diferenciao que se conhece hoje, de criana e adolescente [1], sendo inicialmente feita uma distino que atualmente conhecemos como sendo de direito civil, entre menores pberes e impberes, at chegar-se aos conceitos especficos, como o de inimputabilidade penal [2], por exemplo.Isso se explica porque, como sabido, nas primeiras civilizaes, as mulheres, crianas e estrangeiros no eram considerados cidados, como informa John Boswell (apud MENDEZ, 1997, p. 11):O resto da populao permanecia, por toda a vida, numa situao jurdica equiparvel nfncia, no sentido de que tais relaes permaneciam sob o controle de algum outro. Um pai, um senhor, um patro, um marido, etc. Surge a tentao de deduzir, deste vnculo lingstico, que as crianas ocuparam a posio de escravos, mas mais provvel que a conexo verbal seja ligada ao fato de que os prprios papis sociais (escravo, servo, gleba, etc.) eram equivalentes ao papel social da criana, quanto a poder e condio jurdica, seja qual fosse a idade da pessoa.Assim, a compreenso dos institutos jurdicos voltados para as crianas e os adolescentes, depende de um conhecimento, em linhas gerais, da evoluo histrica desse ramo do Direito.1.1.Precedentes HistricosDesde a Antigidade [3], tanto no Ocidente quanto no Oriente, os filhos no eram considerados sujeitos de direito, durante a menoridade, mas sim servos da autoridade paterna, como relata Jos de Farias Tavares (2001, p. 46):O regime era comum a diversos povos, oriundo das civilizaes primitivas. O poder do patriarcado romano tinha o mesmo absolutismo no mundium do Direito germnico. O pai tinha o terrvel jus vitae necis sobre a pessoa do seu filho no emancipado, podendo alien-lo, e nos tempos mais recuados, at mat-lo. O filho "pertencia" ao pater, palavra esta que, segundo alguns romanistas, significava muito mais poder que paternidade propriamente dita, no sentido atual de relao parental e afetuosa da famlia.Em Esparta, a criana era objeto de Direito estatal, para ser aproveitada como futura formao dos contingentes guerreiros, com a seleo precoce dos fisicamente mais aptos, e os infantes portadores de deficincia, com malformaes congnitas ou doentes, eram jogados nos despenhadeiros.O Cdigo de Hamurabi [4] previa a pena de morte para o homem que roubasse o filho menor de outro, demonstrando uma proteo distinta, com base na idade.No Direito Romano [5], os juristas distinguiam os menores pberes dos impberes, e era feita uma avaliao fsica para saber se o jovem era pbere. Por outro lado, o povo judeu [6] amenizava a severidade das penas quando os autores eram menores impberes ou rfos.O Direito Medieval, de acordo com Jos de Farias Tavares (2001, p. 48), atenuou a severidade de tratamento das pessoas de idade mais tenra, em razo da influncia do estoicismo e posteriormente do cristianismo. J o Direito cannico manteve o princpio reverencial, que tinha profunda repercusso na educao domstica crist.No Perodo Feudal, relata Maria Auxiliadora Minahim (apud SARAIVA, 2003, p. 14), que em pases como a Itlia e a Inglaterra, era utilizado o mtodo da prova da ma de Lubecca, que consistia em oferecer uma ma e uma moeda criana, sendo que se escolhida a moeda, considerava-se comprovada a malcia, sendo inclusive aplicada pena de morte a crianas de 10 e 11 anos.Assim, s com o desenrolar da Histria, a evoluo da cidadania e o aperfeioamento das legislaes, foram sendo criadas regras especficas para a proteo da infncia e da adolescncia.Emlio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 14) enumera que, do ponto de vista do Direito, em termos de responsabilizao penal, possvel dividir a histria do Direito Juvenil em trs etapas: a) de carter penal indiferenciado; b) de carter tutelar e c) de carter penal juvenil.A primeira etapa, marcada pelo carter indiferenciado, vai do sculo XIX at a primeira dcada do sculo XX, e caracterizou-se por considerar as crianas e os adolescentes da mesma forma que os adultos, na medida em que eram recolhidos no mesmo espao.J o segundo momento, originado nos Estados Unidos, tem incio a partir do Sculo XX, fase em que a norma passa a ter um carter tutelar. A terceira etapa, a partir de 1959, inaugura um processo de responsabilidade juvenil, caracterizada por conceitos como separao, participao e responsabilidade.1.2 Normativa InternacionalO estudo da normativa internacional [7] possui grande importncia porque a legislao brasileira influenciada, em seu ordenamento jurdico, pelas normas internacionais [8].Joo Batista Costa Saraiva (2003, p. 31) aduz que o primeiro Tribunal de Menores foi criado em Ilinois, EUA, em 1899, sendo que a partir da experincia americana, outros pases aderiram criao de Tribunais de Menores, instituindo seus prprios juzos especiais: Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908, Argentina em 1921, Japo em 1922, Brasil em 1923, Espanha em 1924, Mxico em 1927 e o Chile em 1928.De acordo com Munir Cury (2002, p. 12), a constatao internacional de que as crianas e adolescentes necessitavam de uma legislao especial foi prevista inicialmente em 1924, atravs da Declarao de Genebra, que determinava a necessidade de proporcionar criana uma proteo especial.Os autores complementam que em 1948, a Declarao Universal dos Direitos Humanos das Naes Unidas estabeleceu o direito a cuidados e assistncia especiais. Seguindo a mesma orientao, a Conveno Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), em 1960, declarou em seu art. 19:Toda criana tem direito s medidas de proteo que na sua condio de menor requer, por parte da famlia, da sociedade e do Estado.A Declarao dos Direitos da Criana, celebrada em 1959, considerando os princpios proclamados na Carta das Naes Unidas, definiu os direitos universais das crianas, reconhecendo que a infncia tem direito a cuidados e assistncias especiais. O art. 12 [9], da Conveno, refere-se ao direito da criana manifestar a sua opinio e express-la livremente.J o art. 40, caput, reconhece que mesmo no caso de violao s leis penais, a criana e o adolescente merecem um tratamento diferenciado, de modo a promover seu sentido de dignidade e valor, objetivando-se a reintegrao na sociedade:Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criana, a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais, de ser tratada de modo a promover a estimular seu sentido de dignidade e valor, e fortalecero o respeito da criana pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em considerao a idade da criana e a importncia de se estimular sua reintegrao e seu desempenho construtivo da sociedade.As Regras de Beijing, recomendadas no 7 Congresso das Naes Unidas sobre preveno de delito e tratamento do delinqente, realizado em Milo no perodo de 26.08 a 06.09.85, e adotada pela Assemblia Geral em 29.11.85, estabelecem como orientao fundamental a necessidade de promover o bem estar da criana e do adolescente, bem como de sua famlia, prevendo que a Justia da Infncia e da Juventude ser concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento de cada pas, prevendo a Regra 7:Respeitar-se-o as garantias processuais bsicas em todas as etapas do processo, como a presuno de inocncia, o direito de ser informado das acusaes, o direito de no responder, o direito assistncia judiciria, o direito presena dos pais ou tutores, o direito confrontao com testemunhas e a interrog-las e o direito de apelao ante uma autoridade superior.Deve-se s essas regras a moderna inclinao no sentido de restringir a delinqncia juvenil s infraes do Direito Penal, sem incluir assim fatos penalmente indiferentes.Em 1980, a Conveno Internacional dos Direitos da Criana foi aprovada pela Assemblia das Naes Unidas, com natureza coercitiva, exigindo dos Estados deveres e obrigaes. De acordo com Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 23): "Se fizssemos um paralelo entre a Conveno Internacional dos Direitos da Criana e do Adolescente e o Estatuto da Criana e do Adolescente poderamos constatar a grande afinidade entre os dois normativos". Fazendo um comparativo entre a Conveno Internacional e a Declarao Universal dos Direitos da Criana, a autora (1997, p. 12) esclarece ainda que:Nesse sentido, chama ateno o fato de que a Conveno Internacional, diferentemente da Declarao Universal dos Direitos da Criana, no se configura numa simples carta de intenes, uma vez que tem natureza coercitiva e exige do Estado Parte que a subscreveu e ratificou um determinado agir, consistindo, portanto, num documento que expressa de forma clara, sem subterfgios, a responsabilidade de todos com o futuro.Em 14 de dezembro de 1990 a Assemblia Geral das Naes Unidas publicou as Regras Mnimas para os Jovens Privados de Liberdade, reconhecendo a vulnerabilidade dos adolescentes, preconizando a necessidade de ateno e proteo especiais para que sejam garantidos os direitos de cada adolescente, dispondo na Regra 2:Os adolescentes s devem ser privados de liberdade de acordo com os princpios e processos estabelecidos nestas Regras e nas Regras Mnimas das Naes Unidas para a Administrao da Justia da Infncia e da Juventude (Regras de Beijing). A privao de liberdade de um adolescente deve ser uma medida de ltimo recurso e pelo perodo mnimo necessrio e deve ser limitada a casos excepcionais. A durao da sano deve ser determinada por uma autoridade judicial, sem excluir a possibilidade de uma libertao antecipada.Ainda em 1990, foram aprovadas as Diretrizes das Naes Unidas para Preveno da Delinqncia Juvenil Diretrizes de Riad, reconhecendo que necessrio estabelecer critrios e estratgias nacionais, regionais e inter-regionais para prevenir a delinqncia juvenil, prevendo no art. 1:A preveno da delinqncia juvenil parte essencial da preveno do delito na sociedade. Dedicados a atividades lcitas e socialmente teis, orientados rumo sociedade e considerando a vida com critrios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes no criminais.J no plano interno, a legislao brasileira considerada a primeira, dentre as legislaes dos pases latino-americanos, que incorporou em seu texto tanto as regras de proteo e de garantia dos direitos do adolescente infrator como as de proteo da criana vtima de abandono ou outra violncia.Percebe-se que, a normativa internacional sobre o tema possui vastos e especficos dispositivos voltados para a proteo da infncia e juventude, demonstrando a importncia e seriedade que o assunto envolve no mbito internacional, e servindo de inspirao para o legislador brasileiro.1.3 Legislao Nacional e a Responsabilizao Penal da Criana e do AdolescenteDe acordo com Snia Margarida (2002, p. 34), em palestra realizada na IV Conferncia Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente [10], o Brasil demorou cinco sculos para construir leis de ateno infncia e adolescncia, atravessando os sculos XVI, XVII, XVIII e XIX sem editar nenhuma disposio legal sobre o tema, ponderando que:Sabemos que este no um dado sem significados. Isto diz muito sobre as concepes de infncia e de adolescncia que tm sido historicamente dominantes em nosso pas, sobre as polticas que tm sido elaboradas e sobre as que no tm sido desenvolvidas e implementadas. Refletir sobre o atendimento prestado infncia e adolescncia significa pensar a prpria histria da infncia e adolescncia brasileira.A autora prossegue, dissertando sobre o tema, explicando que as primeiras medidas educativas ou de poltica pblica para a infncia brasileira foram a criao das Casas de Roda [11], fundada na Bahia em 1726, a Casa dos Enjeitados, no Rio de Janeiro em 1738, e a Casa dos Expostos, no Recife em 1789, destinadas a abrigar crianas e adolescentes.No perodo colonial [12], as crianas filhas de ndios e escravos no possuam nenhum tipo de proteo legal e no podiam dispor nem sequer de um documento de identidade, o que demonstra que no tinham nenhum direito assegurado legalmente.No Brasil colnia, os espaos sociais eram absolutamente distintos e imveis. Assim, havia duas infncias e adolescncias e duas formas sociais de construo dessa fase da vida humana: a infncia e adolescncia dos filhos brancos portugueses e a infncia e adolescncia dos ndios (MARGARIDA, 2001, p. 35).At 1830, Joo Batista Costa Saraiva (2003, p. 23) explica que vigoravam as Ordenaes Filipinas, e a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe reduo da pena. A ttulo de comparao com a o que estava acontecendo no cenrio mundial no mesmo momento, o autor destaca que:Na Inglaterra se construa o embrio do Direito da Infncia. Era editada a primeira normativa de combate ao trabalho infantil, conhecida como Carta dos Aprendizes, de 1802, ato que limitava a jornada de trabalho criana trabalhadora ao mximo de doze horas dirias e proibia o trabalho noturno.O autor prossegue explicando que em 1830, o primeiro Cdigo Penal brasileiro fixou a idade de imputabilidade plena em 14 anos, prevendo um sistema biopsicolgico para a punio de crianas entre 07 e 14 anos.J em 1890, o Cdigo Republicano previa em seu art. 27, 1, que irresponsvel penalmente seria o menor com idade at 09 anos. Assim, o maior de 09 anos e menor de 14 anos submeter-se-ia a avaliao do Magistrado.De outro lado, Paula Gomide (2002, p. 20) considera que a histria da poltica social brasileira voltada para as crianas e adolescentes pode ser dividida em trs fases.A primeira fase caracteriza-se pela criao de programas de assistncia ao menor a cargo da assistncia mdica, cujas principais medidas utilizadas eram de carter profiltico. Essa preocupao culminou com a fundao do Instituto de Proteo e Assistncia Infncia do Rio de Janeiro, em 1889.J na segunda fase, os termos criana e menor comeam a ser diferenciados, sendo criadas instituies correcionais. nessa etapa que surge o primeiro Cdigo de Menores [13], criado atravs do Decreto-Lei n 17.947/27-A, no dia 12 de outubro de 1927, conhecido como o Cdigo de Mello Matos.Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 26) relata que o Cdigo de Mello Mattos sintetizou, de maneira ampla e aperfeioada, leis e decretos que se propunham a aprovar um mecanismo legal que desse ateno especial criana e ao adolescente. A autora comenta ainda que o Cdigo substituiu concepes obsoletas, passando a assumir a assistncia ao menor de idade, sob a perspectiva educacional.Paula Gomide (2002, p. 15) lembra que em 1930, os escritores Jorge Amado e Anton Makarenko ofereceram s comunidades cientfica e literria internacionais duas obras fundamentais para o entendimento das questes referentes s crianas e adolescentes marginalizados, nos seguintes termos:MAKARENKO, consagrado educador russo, em 1933, publicou Poemas Pedaggicos, onde narrou sua extraordinria experincia ao dirigir uma instituio correcional para crianas e jovens considerados antisociais. Em Capites da Areia, publicado em 1937, Jorge Amado retratou, com a preciso peculiar do romancista sensvel que , a realidade em que viviam os meninos abandonados da cidade de Salvador.A terceira fase marcada pela criao do Servio de Assistncia ao Menor (SAM), em 1941, e depois da Fundao Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) [14], em 1964, atravs da Lei n 4.513/64, entidade que deveria amparar, atravs de polticas bsicas de preveno e centradas em atividades fora dos internatos e tambm atravs da medida scio-teraputica, que compreendia as aes dirigidas aos infratores internados [15].A inspirao para os discursos e para as novas legislaes que sero produzidas neste momento vem da legislao americana que, em nome da proteo da criana e da sociedade, concedeu aos juizes o poder de intervir nas famlias, particularmente nas famlias pobres e nos chamados lares desfeitos, quando se julgava que, por sua influncia, as crianas poderiam ser encaminhadas para o crime (ABONG, 2001, p. 37).Nessa poca, como lembra Josiane Rose Petry Veronese (1998, p. 153), o Estado brasileiro no permitia a participao popular e armava-se de mecanismos que lhe garantiam reprimir as formas de resistncia popular, como por exemplo, a centralizao do poder. A prpria FUNABEM um exemplo dessa centralizao, pois a instituio foi delegada para ser administrada pela Poltica Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). A autora complementa que:A PNBEM, como as outras polticas sociais definidas neste perodo do regime militar, revestiu-se com um manto extremamente reformista e modernizador, passando a colocar em relevo uma perfeio tcnico-burocrtica e metodolgica. Dava-se ao problema do ento "menor" solues pragmticas e imediatistas, que se propunham escamotear sua verdadeira natureza (VERONESE, 1998, p. 153-154).O SAM tinha objetivos de natureza assistencial, enfatizando a importncia de estudos e pesquisas, bem como o atendimento psicopedaggico, no entanto, no conseguiu contribuir suas finalidades, como explica Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 32): "No entanto, o SAM no conseguiu cumprir suas finalidades, sobretudo devido sua estrutura emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a mtodos inadequados de atendimento, que geraram revoltas naqueles que deveriam ser amparados e orientados".Sobre a FUNABEM, a autora relata (VERONESE, 1999, p. 35) que serviu como instrumento de controle da sociedade civil, mas demonstrou que no estava sendo eficiente, ante o crescimento do nmero de crianas marginalizadas, alm da incapacidade [16] de proporcionar a reeducao.No entanto, e infelizmente, apesar dos princpios ditos tuteladores que fundamentavam a doutrina da "situao irregular", as instituies que deveriam acolher e educar esta criana ou adolescente, no mais das vezes no cumpriam este papel. Isso porque a metodologia aplicada, ao invs de socializ-lo, o massificava, o despersonalizava, e deste modo, ao contrrio de criar estruturas slidas, nos planos psicolgico, biolgico e social, afastava este chamado menor em situao irregular, definitivamente, da vida comunitria (VERONESE, 1997, p. 96).A Constituio Federal de 1934, abordou o tema de forma genrica, referindo-se maternidade e infncia, sendo que em todas as constituies que se seguiram foram sendo acrescentadas previses expressas de um tratamento diferenciado para a criana e o adolescente, como explica Jos de Farias Tavares (1999, p. 13):A nvel constitucional a preocupao do legislador brasileiro foi consignada pela primeira vez na Constituio de 1934, art. 121, 1, d, e 3, arts. 139 e 150, pargrafo nico, se bem que de forma genrica referindo-se maternidade e infncia. Na Carta autocrtica de 1937: arts. 16, XXVII, 127, 129 a 132 e 137, K, Constituio democrtica de 1946: arts. 157, IX, 164, 168, I a III. A Lex Magna de 1967: arts. 158, X, 167, 4, 168, 3, II e 170, que, com a Emenda 1/69, foram remunerados para, respectivamente: arts. 165, X, 175, 4, 176, 3, II e 178.O Cdigo Penal de 1940 (Decreto-Lei n 2.848, de dezembro de 1940), que est em vigor at hoje, estabeleceu a imputabilidade penal aos 18 anos de idade, em seu art. 27 [17].Durante o regime militar, Joo Batista Costa Saraiva (2003, p. 50) lembra que o Cdigo Penal Militar Decreto-Lei n 1.001, de 21.10.1969, fixou a imputabilidade penal, frente a crimes militares em 16, dispositivo que s veio a ser totalmente revogado pela Constituio Federal de 1988.Em 1979, na comemorao do Ano Internacional da Criana, foi publicada a Lei n 6.697/79, instituindo o segundo Cdigo de Menores, fundamentado na Doutrina da Situao Irregular [18].Atravs da Lei n 7.209, de 11.07.1984, foi dada nova redao Parte Geral do Cdigo Penal, mantendo a imputabilidade penal aos 18 anos [19], observando assim um critrio objetivo.O governo de transio democrtica editou o Decreto-Lei n 2.318, de 30 de dezembro de 1986, que dispunha sobre a iniciao ao trabalho do menor assistido e institua o "Programa do Bom Menino", depois, foi publicado o Decreto n 94.337 de 1987, que regulamentou o programa. Em 1987, atravs da Lei n 7.644, houve a regulamentao da atividade da me social [20].Analisando a evoluo histrica da legislao nacional dispensada ao Direito da Criana e do Adolescente percebe-se que muito embora tenham sido criadas normas especficas, estas no alcanaram todos os objetivos propostos, pois as entidades de internao apresentavam graves problemas, os quais persistem at hoje, como a promiscuidade e a ausncia de profissionais especializados, deixando-se assim de garantir a proteo integral ao adolescente.Toda essa previso legal, embora meritria mas utpica, no teve correspondncia na prtica, j que no encontrou campo propcio ao seu desenvolvimento. preciso, de uma vez por todas, que as nossas autoridades se conscientizem de que os problemas sociais, econmicos e mesmo polticos no se resolvem com a feitura de leis, que nunca chegam a ser aplicadas, ou por serem inexeqveis ou porque so elaboradas com o nico propsito de se dar ao povo a impresso de que alguma coisa est sendo feita (NOGUEIRA, 1996, p. 6).Ou seja, ao dar prioridade para polticas excludentes, repressivas e assistencialistas, o pas perdeu a oportunidade de colocar em prtica polticas pblicas capazes de promover a cidadania, como indica Josiane Rose Petry Veronese (1998, p. 161):Observou-se, outrossim, que a questo da criana e do adolescente no deixou de ser, ao longo da histria, contemplada em leis. Todavia, raramente estas foram obedecidas, o que refora a idia de que o ordenamento jurdico, por si s, no resolve os problemas sociais. Urgem, portanto, medidas pblicas adequadas demanda. Faz-se necessria a implantao de polticas que garantam acesso a uma educao popular, ao trabalho e ao salrio justo, como, tambm, imprescindvel o engajamento de toda a sociedade, sobretudo daqueles segmentos que detm o capital e, dessa forma, tm condies de engajar-se em campanhas e projetos alternativos que visem criana e ao adolescente, fazendo-os trilhar pelo caminho da consolidao da cidadania.J a Constituio de 1988 foi mais abrangente, dispondo sobre a aprendizagem, trabalho e profissionalizao, capacidade eleitoral ativa, assistncia social, seguridade e educao, programa de rdio e televiso, proteo como mnus pblico, prerrogativas democrticas processuais, incentivo guarda, preveno contra entorpecentes, defesa contra abuso sexual, estmulo adoo e a isonomia filial. [21]Assim, pela primeira vez na histria da legislao brasileira, a criana e o adolescente so tratados como prioridade absoluta, sendo dever da famlia, da sociedade e do Estado proteg-los.Em 1993, atravs da Lei n 8.742/93, Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS) e da Lei n 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), surge a inspirao para a implantao dos Conselhos de Direitos da Criana e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos Setoriais de polticas pblicas.Inspirando-se na legislao internacional, bem como em toda a abrangncia da Constituio Federal, com o advento do Brasil Novo, a Lei n 8.069/90 criou o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), revogando o Cdigo de Menores, rompendo com a doutrina da situao irregular, estabelecendo como diretriz a doutrina da proteo integral.Ressalta-se que o ECA, alm de prever a proteo integral, elevou o adolescente a categoria de responsvel pelos atos considerados infracionais que cometer, atravs da aplicao das medidas scio-educativas, revolucionando assim o entendimento at ento existente, e servindo de alento para a sociedade vitimada pela falta de segurana.1.4 Princpios OrientadoresO ECA regido por uma srie de princpios, que servem para orientar o intrprete, sendo os principais, conforme o entendimento de Paulo Lcio Nogueira (1996, p. 15), os seguintes: Preveno Geral, Preveno Especial, Atendimento Integral, Garantia Prioritria, Proteo Estatal, Prevalncia dos Interesses, Indisponibilidade, da Escolarizao Fundamental e Profissionalizao, Reeducao e Reintegrao, Sigilosidade, Respeitabilidade, Gratuidade, Contraditrio e Compromisso.O Princpio da Preveno Geral est previsto no art. 54, incisos I e VII [22], e art. 70 [23], segundo os quais, respectivamente, dever do Estado assegurar criana e ao adolescente ensino fundamental obrigatrio e gratuito, e dever de todos prevenir a ocorrncia de ameaa ou violao desses direitos.Pelo Princpio da Preveno Especial, expresso no art. 74 [24], o Poder Pblico, atravs dos rgos competentes, regular as diverses e espetculos pblicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etrias a que no se recomendem, locais e os horrios em que sua apresentao de mostre inadequada.O Princpio da Garantia Prioritria, consignado no art. 4, alneas a, b, c e d [25], estabelece que a criana e o adolescente devem receber prioridade no atendimento dos servios pblicos e na formulao e execuo das polticas sociais.O Princpio da Proteo Estatal, evidenciado no art. 101 [26], significa que programas de desenvolvimento sero estabelecidos visando a formao biopsquica, social, familiar e comunitria.Seguindo a mesma orientao, os Princpios da Escolarizao Fundamental e Profissionalizao, encontrados nos arts. 120, 1 e 124, inciso XI [27], tornam obrigatrias a escolarizao e a profissionalizao.J o Princpio da Prevalncia dos Interesses do Menor, criado atravs do art. 6 [28], orienta que na interpretao da lei, sero levados em considerao os fins sociais a que o Estatuto se dirige, as exigncias do bem comum, os direitos e deveres indisponveis e coletivos, e condio peculiar do adolescente infrator de pessoa em desenvolvimento.O Princpio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor e da Sigilosidade, previsto no art. 27 [29], reconhece que o estado de filiao direito personalssimo, indisponvel e imprescritvel, observado o segredo de justia.O Princpio da Reeducao e Reintegrao, observado no art. 119, incisos I a IV [30], estabelece a necessidade da reeducao e reintegrao do adolescente infrator, atravs das medidas scio-educativas e medidas de proteo, promovendo socialmente a sua famlia, fornecendo-lhes orientao e inserindo-os em programa oficial ou comunitrio de auxlio e assistncia, bem como supervisionando a freqncia e o aproveitamento escolar;Pelo Princpio da Respeitabilidade e do Compromisso, estabelecidos nos arts. 18, 124, inciso V e art. 178 [31], depreende-se que dever de todos velar pela dignidade da criana e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatrio ou constrangedor, de acordo com os arts. 18, 124, inciso V e art. 178 [32], sendo que todos que assumirem a guarda ou tutela devem responder bem e fielmente pelo desempenho do seu cargo.O Princpio do Contraditrio [33], previsto inicialmente no art. 5, LV, da Constituio Federal, garante aos adolescentes infratores ampla defesa e igualdade de tratamento no processo de apurao de ato infracional, como dispem os arts. 171 a 190 do Estatuto.A Constituio Federal acolheu o princpio do contraditrio como um dos direitos indisponveis do indivduo, que, desde os primrdios, no pode ser condenado sem antes ser ouvido. Alis, Sneca j ensinava que inquo o julgador que sentencia sem ouvir o acusado (VALENTE, 2002, p. 61).Alm disso, Joo Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 16) considera fundamental explicar que o ECA estrutura-se a partir de trs sistemas de garantia: o Sistema Primrio, o Sistema Secundrio e o Sistema Tercirio.O Sistema Primrio versa sobre as polticas pblicas de atendimento a crianas e adolescentes, previstas nos arts. 4 e 87. O Sistema Secundrio aborda as medidas de proteo dirigidas a crianas e adolescentes em situao de risco pessoal ou social, previstas nos arts. 98 e 101, e, por fim, o Sistema Tercirio trata da responsabilizao penal do adolescente infrator, atravs das medidas scio-educativas, previstas no art. 112, que so aplicadas aos adolescentes que cometem atos infracionais. O autor (2003, p. 24) complementa que:Este trplice sistema, de preveno primria (polticas pblicas), preveno secundria (medidas de proteo) e preveno terciria (medidas scio-educativas), opera de forma harmnica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criana ou o adolescente escapar ao sistema primrio de preveno, aciona-se o sistema secundrio, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com alei, atribuindo-se a ele a prtica de algum ato infracional, o terceiro sistema de preveno, operador das medidas socioeducativas, ser acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema de Justia (Polcia/ Ministrio Pblico/ Defensoria/ Judicirio/ rgos Executores das Medidas Socioeducativas).Do exposto, depreende-se que o ECA fundamenta-se em princpios jurdicos herdados de outras normas, como o caso do Princpio do Contraditrio, assegurado inicialmente na Constituio Federal, bem como em fundamentos previstos em legislaes internacionais, e que foram previstos de forma expressa em seus artigos, tais como o Princpio da Preveno Geral e da Proteo Estatal, expresso no art. 4, segundo o qual: dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e a convivncia familiar e comunitria.Alm desses princpios previstos na Constituio Federal e no ECA, no podem ser esquecidas, conforme adverte Aloysio Nunes Ferreira (2002, p. 22), em palestra na IV Conferncia Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente, das diretrizes que surgiram com o passar do tempo, atravs da efetivao de medidas de proteo, como o caso do Princpio da Descentralizao das Aes, que significa o dever da participao da sociedade, por meio das suas entidades representativas, na proteo e reeducao dos adolescentes.1.5 Doutrina da Situao Irregular e Doutrina da Proteo IntegralNo mundo jurdico, para Emlio Garcia Mendez (1997, p. 12), doutrina o conjunto da produo terica elaborada por todos aqueles ligados, de uma ou de outra forma, ao tema, sob a tica do saber, da deciso ou execuo. O autor entende ainda que:Normalmente, em todas as reas do direito dos adultos a produo terica encontra-se homogeneamente distribuda entre os diferentes segmentos do sistema, o que, estimulando-se a pluralidade dos pontos de vista, assegura eficazes contrapesos intelectuais na interpretao das normas jurdicas.A Doutrina da Proteo Integral substituiu a Doutrina da Situao Irregular, fundamento do revogado Cdigo de Menores, sendo que para a compreenso da importncia da doutrina atual faz-se necessrio discorrer, brevemente, sobre a doutrina que vigorava anteriormente.A Doutrina da Situao Irregular definia o estado de patologia social, que quando constatado, indicava que o menor deveria ser alcanado pela norma. O revogado Cdigo de Menores, em seu art. 2 estabelecia que se considerava em situao irregular o menor: com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptao familiar ou comunitria [34].Os fundamentos jurdicos dessa doutrina remontam ao Congresso Internacional de Menores, realizado em Paris, no perodo de 29 de junho a 1 de julho de 1911, momento em que se consagrou, de acordo com Emlio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 33), o binmio carncia/delinqncia.Assim, o Cdigo de Menores no garantia uma proteo verdadeira para as crianas e adolescentes, pois se apoiava na falsa idia de que todos teriam as mesmas oportunidades scio-econmicas, como se o caminho do crime fosse uma opo, garantindo proteo apenas nas situaes determinadas, conhecidas como situaes irregularesSobre o mesmo assunto, Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 13) explica que:O Cdigo revogado no passava de um Cdigo Penal do "Menor", disfarado em sistema tutelar; suas medidas no passavam de verdadeiras sanes, ou seja, penas, disfaradas em medidas de proteo. No relacionava nenhum direito, a no ser aquele sobre a assistncia religiosa; no trazia nenhuma medida de apoio famlia; tratava da situao irregular da criana e do jovem, que na realidade, eram seres privados de seus direitos.A Doutrina da Proteo Integral tem como antecedente direto a Declarao dos Direitos da Criana (1959), condensando-se em quatro documentos internacionais fundamentais: a Conveno Internacional dos Direitos da Criana, as Regras Mnimas das Naes Unidas para a Administrao da Justia Juvenil (Regras de Beijing), as Regras Mnimas das Naes Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes das Naes Unidas para a Administrao da Justia Juvenil (Diretrizes de Riad).No Brasil, por sua vez, foi inicialmente prevista na Constituio Federal, no art. 227, que prev: dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.Ou seja, de acordo com esta doutrina, todos os direitos da criana e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo que estes direitos so especiais e especficos, no dizer de Joo Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 15), principalmente pela condio que ostentam de pessoas em desenvolvimento. O autor complementa que:A Doutrina da Proteo Integral foi adotada pela Constituio Federal, que a consagra em seu art. 277, tendo sido acolhida pelo plenrio do Congresso Constituinte pela extraordinria votao de 435 votos contra 8 [...] Na aplicao da Doutrina da Proteo Integral no Brasil, o que se constata que o Pas, o Estado e a Sociedade que se encontram em situao irregular.Desta forma, consoante Jos de Farias Tavares (2002, p. 07), enquanto o Cdigo de Menores preocupava-se to somente com os menores em situao irregular, o ECA inovou [35] ao abranger toda criana e adolescente em qualquer situao jurdica, rompendo definitivamente com a doutrina da situao irregular, assegurando que cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, mesmo que cometa um ato considerado ilcito.Com essa nova orientao, aboliu-se o termo estigmatizante menor, que passou a ser tratado como criana ou adolescente infrator, como sintetiza Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 15).Na concepo tcnico jurdica, "menor" designa aquela pessoa que no atingiu ainda a maioridade, ou seja, 18 anos. A ele no se atribui a imputabilidade penal, nos termos do art. 104 do ECA c/c art. 27 do CP. Se isso no bastasse, a palavra "menor", com o sentido dado pelo antigo Cdigo de Menores, era sinnimo de carente, abandonado, delinqente, infrator, egresso da FEBEM, trombadinha, pivete. A expresso "menor" reunia todos esses rtulos e os colocava sob o estigma da "situao irregular".Ou seja, a partir da entrada em vigor do ECA foram estabelecidas as diretrizes para uma poltica pblica que reconhece a condio especial de pessoa em desenvolvimento, que as crianas e os adolescentes merecem, tanto que, em seu art. 1, prev:Esta Lei dispe sobre a proteo integral criana e ao adolescente.No entanto, importante ressaltar que apesar do amplo sistema de garantias previsto nessa lei, nem todos os seus objetivos foram imediatamente alcanados, porque a sua efetivao depende de diversos fatores, tais como a existncia de medidas pblicas e a diminuio da criminalidade e da misria, como lembra Cludio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 13), ao apresentar a IV Conferncia Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente:Nestes anos todos de implantao do Estatuto da Criana e do Adolescente, os ndices de violncia aumentaram significativamente, assim como o empobrecimento da populao. Na mesma medida, crianas e adolescentes em um maior nmero esto sujeitos a violaes de mltiplas formas e o seu envolvimento em aes de conflito coma lei numa relao direta tem aumentado.Destarte, o ECA uma legislao de acordo com todas as diretrizes internacionais sobre os direitos das crianas e dos adolescentes, e se no representa a soluo para todos os problemas que a infncia e a adolescncia brasileira encontram, certamente indica o caminho, atravs da Doutrina da Proteo Integral.

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Parte 2

A responsabilizao penal do adolescente infrator e a iluso de impunidade

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2. A RESPONSABILIZAO PENAL DO ADOLESCENTE INFRATORO conceito de inimputabilidade penal do adolescente faz-se imprescindvel na compreenso do ECA, porque embora no sejam aplicadas as sanes previstas no Cdigo Penal, o adolescente em conflito com a lei responsabilizado, de maneira pedaggica e retributiva, atravs das medidas scio-educativas.Apesar disso, a inimputabilidade no significa que ao adolescente sero aplicadas medidas mais brandas do que aos maiores de 18 anos, uma vez que h medidas scio-educativas que tm a mesma correspondncia das penas alternativas, previstas no Cdigo Penal, como a prestao de servios comunitrios, por exemplo.Sobre a responsabilidade penal do adolescente, Emlio Garcia Mendez apud Joo Batista Costa Saraiva (2003, p. 74-75) ensina que:A construo jurdica da responsabilidade penal dos adolescentes no ECA (de modo que foram eventualmente sancionados somente os atos tpicos, antijurdicos e culpveis e no os atos anti-sociais definidos casuisticamente pelo Juiz de Menores), inspirada nos princpios do Direito Penal Mnimo constitui uma conquista e um avano extraordinrio normativamente consagrados no ECA.Para sofrer a ao estatal, a conduta deve ser reprovvel, ou seja, alm de tpica, deve ser antijurdica. Desta forma, no haver culpabilidade quando houver erro inevitvel sobre a ilicitude do fato, erro inevitvel a respeito do fato que configuraria uma descriminante, obedincia ordem, no manifestamente ilegal, de superior hierrquico e ainda a inexigibilidade de conduta diversa na coao moral irresistvel. [36]Alm das medidas scio-educativas, podem ser aplicadas outras medidas especficas, como explica Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 100), como o encaminhamento aos pais ou responsvel, mediante termo de responsabilidade; orientao e acompanhamento temporrios; matrcula e freqncia obrigatrias em escola pblica de ensino fundamental, incluso em programas oficiais ou comunitrios de auxlio famlia e ao adolescente e orientao e tratamento a alcolatras e toxicmanos.Textos relacionados

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O ECA construiu um novo modelo de responsabilizao penal do adolescente, atravs de sanes aptas a interferir, limitar e at suprimir temporariamente a liberdade, possuindo alm do carter scio-educativo, uma essncia retributiva.2.1 O Perfil do Adolescente InfratorA adolescncia, do ponto de vista da Psicologia [37], uma fase que alm das modificaes do corpo humano, caracterizada pela definio de identidades, atravs de mudanas na fixao do carter e da afirmao da personalidade do indivduo, como explica Miguel Moacir Alves Lima (2002, p. 373):Alm disso, a adolescncia uma fase evolutiva de grandes utopias que, no geral, tendem a tornar mais problemtica a relao do adolescente com o ambiente social, porquanto sua pauta de valores e sua viso crtica da realidade, ora intuitiva ou reflexiva, acabam destoando da chamada ordem instituda.O ECA, com fundamento da Doutrina da Proteo Integral, bem como Nos critrios mdicos e psicolgicos, considera o adolescente como pessoa em desenvolvimento, prevendo que assim deve ser compreendida a pessoa que possui entre 12 e 18 de idade [38].Quando o adolescente comete uma conduta tipificada como delituosa no Cdigo Penal ou em leis especiais, passa a ser chamado de adolescente infrator, e no de menor, como as legislaes anteriores previam, bem como ainda diversos meios de comunicao insistem em se referir, com manchetes do tipo menor assalta criana, como esclarece Joo Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 88):Pela nova ordem estabelecida, no se admitem manchetes de jornal do tipo menor assalta criana, de manifesto cunho discriminatrio, onde a criana era o filho bem-nascido, e o menor, o infrator. Esta espcie de manifestao, comum no Brasil, ainda hoje, ainda presente na linguagem dos prprios Tribunais, se constitui em legtimo produto de uma cultura excludente norteador do anterior sistema que distinguia crianas e adolescentes de menores; que fazia uma diviso entre aqueles em situao regular dos demais em situao irregular.O adolescente infrator inimputvel perante as cominaes previstas no Cdigo Penal, ou seja, no recebe as mesmas sanes que as pessoas que possuem mais do que 18 anos de idade, vez que a inimputabilidade penal est prevista no art. 227 [39] da Constituio Federal, que fixa em 18 anos a idade de responsabilidade penal e no art. 27 [40] do Cdigo Penal, critrio de poltica criminal que varia entre os pases [41]:A propsito de idade de responsabilidade penal, onde seguidamente os Estados Unidos da Amrica so invocados como paradigmas, cumpre destacar que em Estados como Califrnia, Arkansas e Wyoming a idade de imputabilidade penal est fixada em 21 anos. J pases como ndia, Paraguai e Egito estabelecem a idade de imputabilidade penal em 15 anos (SARAIVA b, 2002, p. 54).Apesar de ser inimputvel, o adolescente infrator responsabilizado pelos seus atos, pelo Estatuto da Criana e do Adolescente, atravs das medidas scio-educativas.Em pesquisa realizada no estado de Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira [42] constatou que entre os adolescentes infratores, o maior ndice de atos infracionais praticado por adolescentes do sexo masculino, com idade entre 16 e 17 anos:Constatou-se que, do total de adolescentes entrevistados, 181 eram do sexo masculino (92,34%) e apenas 15 do sexo feminino (7,66%). No tocante idade, verificou-se que a maioria dos adolescentes estava na faixa de 16 e 17 anos de idade [...] O nmero de adolescentes que cometem ato infracional aumenta gradativamente de acordo com o progresso na idade cronolgica, de forma bastante clara (VIEIRA, 1999, p. 23).Alis, essa a situao do resto do pas, como depreende-se do resultado da pesquisa de Mrio Volpi [43]:Quanto ao gnero dos adolescentes privados de liberdade, 3.987 94,8% - pertencem ao sexo masculino, enquanto 320 apenas 5,2%, portanto pertencem ao sexo feminino [...] A permanncia mais prolongada das meninas no lar tem sido apontada como um dos fatores responsveis pela sua maior frequncia escola, pela menor presena das mesmas nas ruas e pelo seu menor envolvimento em ato infracional (VOLPI, 1999, p. 57-58).Apesar disso, de acordo com Simone Gonalves de Assis e Patrcia Constantino (2002, p. 20), nos Estados Unidos a taxa de crimes cometidos por adolescentes do sexo feminino vem aumentando:Dados do Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention para 1996 informam que o percentual de prises de jovens tem se tornado maior que o dos adultos e que a taxa de crimes violentos cometidos por jovens do sexo feminino vem crescendo mais do que a do sexo masculino (125% e 67%, respectivamente), entre 1985 e 1994. Mesmo assim, o patamar masculino continua muito acima do feminino.Desta forma, a adolescncia est estabelecida objetivamente com incio aos 12 anos e trmino aos 18 anos, sendo que a maior parte dos atos infracionais cometida por adolescentes infratores do sexo masculino, na faixa etria entre 16 e 17 anos de idade.2.1.1 Adolescente infrator portador de doena ou deficincia mentalQuando um adolescente infrator, portador de doena ou deficincia mental, comete uma conduta tipificada na lei penal, de acordo com o art. 112, 3 [44], do ECA, receber atendimento individual e especializado, em local adequado s suas condies.Ou seja, assim como no Cdigo Penal, que prev em seu art. 26 que isento de pena o agente que possui doena mental ou desenvolvimento penal incompleto, o ECA tambm estabeleceu um critrio diferenciado para o atendimento dos jovens que, se fossem adultos, seriam considerados inimputveis.Essa uma questo de grande importncia, porque o adolescente portador de doena mental no pode ficar internado com os demais, em razo dos cuidados e ateno diferenciados que deve receber, afinal, como definiu Douglas Tavolaro (2002, p. 17), "conhecer as peculiaridades da insanidade enclausurada tomar contato com uma realidade irreal que muitos preferem ignorar. Esto ali pacientes que convivem com regras prprias num mundo que se misturam medo, paixo e clera".Joo Batista Costa Saraiva (2003, p. 80) aduz que no possvel que se permanea a tratar igualmente os desiguais, supondo que um adolescente portador de sofrimento psquico, incapaz de discernir e neste caso sem responsabilidade juvenil, submeta-se a uma medida scio-educativa. O autor sugere que deve ser aplicada uma medida de proteo, como por exemplo a internao em hospital psiquitrico.Desta forma, so necessrias medidas que priorizem unidades especiais de atendimento, voltadas para o adolescente com deficincia mental, a fim de assegurar a sua recuperao de forma eficaz e preservar a recuperao dos outros adolescentes infratores.2.2 Ato InfracionalO ato infracional uma ao praticada por um adolescente, correspondente s aes definidas como crime cometidas pelos adultos, e est definido no art. 103 [45], do ECA. Para Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 15):No direito penal, o delito constitui uma ao tpica, antijurdica, culpvel e punvel. J o adolescente infrator, embora inegavelmente causador de problemas sociais graves, deve ser considerado como pessoa em desenvolvimento, analisando-se aspectos como sua sade fsica e emocional, conflitos inerentes idade cronolgica, aspectos estruturais da personalidade e situao scio-econmica e familiar.No entanto, preciso ter em mente, como lembra Jos Jacob Valente (2002, p. 66), que "a cada crime ou contraveno praticado por adolescente no corresponde uma medida especfica, ficando, como vimos, a critrio do julgador escolher aquela mais adequada hiptese em concreto".Sobre os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais em Santa Catarina, de acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 48), vo desde a influncia dos amigos, o uso de drogas, a evaso escolar, at a pobreza.Verifica-se que a influncia de amigos, o uso de drogas e a pobreza so as razes principais para a prtica delituosa e se equilibram em termos numricos [...] As respostas demonstram a fragilidade do adolescente influncia de terceiros e a ntima relao do ato infracional com o uso de drogas.No Brasil, alm das causas mencionadas, outra grande causa da delinqncia juvenil a falta de instruo e a evaso escolar, uma vez que sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos infracionais. De acordo com Mrio Volpi (1999, p. 56-57):A grande maioria dos adolescentes pesquisados 96,6% - no concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos de 15,4%. O nmero de adolescentes que concluram o 2 grau, conseqentemente, torna-se praticamente nulo 7 num total de 4.245 (cujas informaes foram obtidas), o que representa a nfima parcela de 0,1% [...] dos 4.245 adolescentes, sujeitos desta pesquisa, 2.498 61,2%, portanto no freqentavam a escola por ocasio da prtica do ato infracional. o que aconteceu com o personagem Busca-p", do livro Cidade de Deus (LINS, 1997, p. 14), que entre a oportunidade de estudar, e os atrativos da rua, acabou sendo influenciado pela segunda opo, assim como a grande maioria dos adolescentes:Busca-p mecanicamente verificou a hora, constatou que estava atrasado para a aula de datilografia, mas que se foda (sic), j tinha perdido um monto de aulas, mais uma no iria alterar nada. No estava mesmo com saco para ficar batendo mquina por uma hora e no iria tambm ao colgio [...] A vermelhido precedera um corpo humano morto. O cinza daquele dia intensificou-se de maneira apreensiva. Vermelhido esparramando-se na correnteza, mais um cadver.Depreende-se assim que os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econmicos, sociais e culturais, bem como pela influncia de amigos, a evaso escolar, o uso de drogas e a pobreza, indicando assim as reas que as polticas pblicas devem atuar com maior urgncia.2.2.1 Procedimento de apurao de ato infracionalQuando um adolescente comete um ato infracional, a polcia militar acionada e a vtima deve registrar uma ocorrncia, noticiando o fato para a autoridade policial, sendo instaurado pela polcia civil um procedimento, com as provas colhidas, que ento remetido para o Frum.Depois, o representante do Ministrio Pblico (Promotor de Justia) notifica o adolescente para comparecer, acompanhado do seu responsvel, na promotoria de Justia, para a Audincia de Apresentao.Nesta ocasio, o Promotor de Justia conversa com o adolescente, e dependendo das provas colhidas, gravidade da infrao e de ser caso ou no de reiterao da prtica de ato infracional, pode tomar as seguintes providncias: arquivamento, aplicao de alguma das medidas scio-educativas e pela remisso, ou representao.A remisso [46] no se constitui em perdo, pois sem prejuzo de aplicao da medida scio-educativa, busca a supresso do processo judicial. Faz-se admissvel na fase pr-processual, antes do oferecimento da Representao, quando ser concedida pelo Ministrio Pblico e ter como efeito a excluso do processo de conhecimento, ou ento, na fase judicial, pelo Juiz, ocasionando a excluso ou suspenso do processo.Tem seu parmetro no art. 107, inciso V [47], do Cdigo Penal, que trata do perdo do ofendido e do perdo judicial, considerados causas extintivas da punibilidade. interessante notar que pode ser aplicada mesmo havendo somente indcios de autoria e materialidade, sem que existam provas concretas da prtica do ato infracional, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 108):Para a concesso da remisso no necessrio o reconhecimento ou a comprovao da responsabilidade do infrator, ou seja, que existam provas suficientes da autoria e da materialidade do ato infracional. Se existirem apenas indcios do ilcito, o perdo poder ser aplicado, de modo que o representante do Ministrio Pblico no dar prosseguimento ao caso, deixando de coletar provas e requisitar diligncias complementares.Vale lembrar que, de acordo com o art. 127 [48], do ECA, a remisso no implica o reconhecimento ou comprovao da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes criminais.Diferentemente das especificaes previstas no Cdigo Penal, todos os atos infracionais cometidos por adolescentes infratores processam-se por ao pblica incondicionada.Caso o representante do Ministrio Pblico entenda que a remisso no alcanar seus objetivos, oferecer a Representao, narrando a conduta cometida pelo adolescente infrator, dando incio ao processo de apurao de ato infracional na fase judicial, sobre o crivo do contraditrio e da ampla defesa, que culminar com a aplicao de alguma das medidas scio-educativas.Aps o oferecimento da Representao, marcada uma audincia de apresentao, sendo que o juiz, aps ouvir o representante do Ministrio Pblico, pode aplicar a remisso ou dar prosseguimento ao feito, e o adolescente deve produzir sua defesa, atravs de testemunhas e demais provas, contando inclusive com a defesa tcnica de um advogado.Obviamente, o procedimento da apurao do ato infracional, para alcanar todos os resultados, depende de uma ao efetiva entre os membros envolvidos, bem como de celeridade [49], a fim de que a medida scio-educativa seja aplicada logo aps a prtica do delito.Aps a sentena final, contra as decises extintivas do processo, com julgamento de mrito ou no, decises homologatrias de remisso com extino do processo, e decises interlocutrias, cabem os recursos previstos no Cdigo de Processo Civil, como depreende-se do art. 198 [50], com as alteraes da lei especial.Desta forma, conclui-se que o ECA estabeleceu o procedimento a ser adotado na apurao de ato infracional, adotando normas do direito processual penal, e na fase recursal, normas do direito processual civil.2.3 medidas scio-educativasO ECA, de acordo com Joo Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 28), em face de sua organizao e medidas, pode ser dividido em duas vertentes: medidas de proteo e as medidas scio-educativas.As medidas de proteo, elencadas no art. 101 [51], do ECA destinam-se s crianas e adolescentes, sempre que seus direitos reconhecidos forem ameaados ou violados, bem como, no caso de uma criana praticar uma infrao, a ela ser aplicada alguma dessas medidas. o que aconteceria com o personagem Dadinho, da obra Cidade de Deus, caso fosse surpreendido pela autoridade policial (Delegado de Polcia), vez que com 06 anos de idade, s poderia receber a aplicao de uma medida de proteo, atravs do Conselho Tutelar:Dadinho gostava de levar as armas at perto do local a ser assaltado e entreg-las aos bandidos. Entretanto a sua mentalidade de menino de seis anos de idade no discernia o que estava fazendo. Sabia que era errado, mas ter sempre um trocado no bolso para as guloseimas, as figurinhas dos lbuns dos times de futebol, as pipas, as linhas, as bolas de gudes e o pio valia a pena (LINS, 1997, p. 184).J as medidas scio-educativas, previstas no art. 112 [52], do ECA, aplicam-se to somente aos adolescentes autores de ato infracional, ou seja, atravs delas ocorre a responsabilizao penal do adolescente infrator, que passa a ser sujeito responsvel pelo seus atos, como aduz Joo Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 45):No se pode ignorar que o Estatuto da Criana e do Adolescente instituiu no pas um sistema que pode ser definido como de Direito Penal Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de carter pedaggico em sua concepo e contedo, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal de todos os princpios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princpios do Direito Penal MnimoDe acordo com Olympio Sotto Maior (2002, p. 362), trata-se de um rol taxativo, sendo portanto vedada a imposio de medidas diversas das enunciadas.Ento, para o adolescente autor de ato infracional a proposta de que, no contexto da proteo integral, receba ele medidas scio-educativas (portanto, no punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreenso da realidade e efetiva integrao social (CURY, 2002, p. 364).As medidas scio-educativas devem ser aplicadas de acordo com as caractersticas da infrao, circunstncias familiares e a disponibilidade de programas especficos para o atendimento do adolescente infrator, garantindo-se a reeducao e a ressocializao, bem como, tendo-se por base o Princpio da Imediatidade, ou seja, logo aps a prtica do ato infracional, conforme adverte Mrio Volpi (1999, p. 42):A aplicao de medidas socioeducativas no pode acontecer isolada do contexto social, poltico e econmico em que est envolvido o adolescente. Antes de tudo preciso que o Estado organize polticas pblicas infanto-juvenis. Somente com os direitos convivncia familiar e comunitria, sade, educao, cultura, esporte e lazer, e demais direitos universalizados, ser possvel diminuir significativamente a prtica de atos infracionais cometidos por adolescentes.Conforme os arts. 111 [53] e 113 [54], do ECA, somente devero ser aplicadas aps o exerccio do direito de defesa, levando-se em conta as necessidades pedaggicas, priorizando-se aquelas medidas que visem o fortalecimento dos vnculos familiares e comunitrios.Assim, a responsabilizao penal do adolescente infrator efetiva-se atravs da aplicao das medidas scio-educativas, que passaro a ser explicadas, individualmente, a seguir.2.3.1 AdvertnciaA Advertncia a medida scio-educativa considerada mais branda, pois consiste em uma admoestao verbal, feita pelo Promotor de Justia ou pelo Juiz e est definida no art. 115 [55], do ECA.De acordo com Mrio Volpi (1999, p. 23), a advertncia constitui uma medida admoestatria, informativa, formativa e imediata, devendo ser observado o princpio do contraditrio na sua aplicao, como explica Paulo Lcio Nogueira (1996, p. 170):A advertncia poderia dispensar perfeitamente o procedimento contraditrio, pois trata-se de admoestao verbal, que deveria ser imposta de plano em face do boletim de ocorrncia ou relatrio policial. E sua imposio estender-se-ia aos pais ou responsveis, o que tornaria a medida mais abrangente e eficaz, sendo apenas reduzida a termo. No entanto, dado o formalismo do processo legal, que pressupe contraditrio e amplitude de defesa, assim como apego s formalidades, tambm a advertncia como medida scio-educativa no pode prescindir do processo legal, como, alis, tm reconhecido os tribunais.Ou seja, a advertncia consiste em censurar verbalmente o adolescente, na presena de seus pais ou responsveis, explicando a ilegalidade da conduta praticada, bem como as conseqncias da reiterao da prtica de infraes.Dirige-se a adolescentes que no registrem antecedentes de atos infracionais, e para os que praticaram atos de pouca gravidade, sendo possvel aplic-la tanto na fase extrajudicial, quando da concesso da remisso pelo representante do Ministrio Pblico, homologado pelo juiz, assim como na fase judicial, quando aplicada pela autoridade judicial, no curso da apurao do ato infracional ou aps a sentena final. evidncia, muito ser exigido do juiz e do promotor de justia, que devero avaliar com muito critrio os casos apresentados, no ultrapassando os limites do rigor nem, tampouco, sendo por demais tolerantes, sempre tendo em vista as circunstncias e conseqncias do fato, o contexto social, da personalidade do adolescente e sua maior ou menor participao no ato infracional (LIBERATI, 2002, p. 89).De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 55), em Santa Catarina a advertncia a medida scio-educativa aplicada em 26,64% dos casos, o que demonstra uma preocupao crescente na aplicao de medidas em que no h a privao da liberdade. importante, para que sejam obtidos resultados efetivos, que a advertncia seja aplicada ao adolescente infrator logo em seguida primeira prtica do ato infracional, e que no seja repetida diversas vezes, pois pode acabar incutindo na mentalidade do adolescente que seus atos no so responsabilizados de forma concreta, o que no verdade.2.3.2 Obrigao de reparar o danoA obrigao de reparar o dano caracteriza-se por ser coercitiva e educativa, levando o adolescente a reconhecer o erro e repar-lo, estando prevista no art. 116 [56], do ECA, que estabelece trs hipteses de reparao: devoluo da coisa, ressarcimento do prejuzo e a compensao do prejuzo por qualquer meio.Deve ser aplicada em procedimento contraditrio, como adverte Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 89), assegurando-se ao adolescente a ampla defesa, igualdade processual, presuno de inocncia e a assistncia tcnica de advogado.Paulo Lcio Nogueira (1996, p. 180) explica que cabe vtima entrar com o respectivo pedido de reparao, ou executar a sentena penal condenatria, para obter o ressarcimento do dano sofrido. No entanto, o autor questiona a constitucionalidade da obrigao de reparar o dano, nos seguintes termos:A medida de obrigao de reparar o dano, salvo melhor juzo, parece-nos de duvidosa constitucionalidade, pois no pode o Juiz de Menores imp-la como medida obrigatria, mas apenas tentar a composio do dano como previa o Cdigo de Menores revogado (art. 103), j que nem mesmo ao adulto condenado criminalmente pode ser imposta pelo juiz a obrigao de reparar o dano causado, nem mesmo como condio do sursis, embora a no-reparao do dano causado pelo condenado constitua causa obrigatria de revogao desse benefcio.Apesar desse dissenso doutrinrio, urge considerar que se trata de uma medida com grande carter pedaggico, pois ensina ao adolescente o respeito por tudo que pertence s outras pessoas, proporcionando o desenvolvimento, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 90), "do senso por responsabilidade daquilo que no seu".Em Santa Catarina, aplicada em 1,10% dos casos, conforme comprovou Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 59):A medida scio-educativa de obrigao de reparar o dano, embora simples, de fcil aplicao e bastante pedaggica, no foi muito usada nas Comarcas pesquisadas [...] Tal fato reflete, talvez, um certo esquecimento por parte de Promotores de Justia e Juzes da Infncia e Juventude dos benefcios desta, ressalvada, claro, a possibilidade do adolescente em compensar o prejuzo causado.Assim, depreende-se que a obrigao de reparar o dano uma das medidas que mais possui carter pedaggico, porque atravs de uma imposio, faz com que o adolescente reconhea a ilicitude dos seus atos, bem como garante vtima a reparao do dano sofrido e o reconhecimento de que o adolescente responsabilizado por seus atos.Contudo, a efetividade da reparao do dano, atravs do ressarcimento do prejuzo, esbarra na impossibilidade do cumprimento, ante as condies financeiras do adolescente infrator e da sua famlia, o que pode ser agravado quando se tratam de irmos que cometem o mesmo ato.2.3.3 Prestao de servios comunidadeA Prestao de Servios Comunidade [57] que constitui, na esfera penal, pena restritiva de direitos, est prevista no art. 117 do ECA, propondo a ressocializao do adolescente infrator atravs de um conjunto de aes, como alternativa internao.Deve ser aplicada de acordo com a gravidade e os efeitos do ato infracional cometido, a fim de mostrar ao adolescente os prejuzos causados pelos seus atos, sendo necessria a colaborao da comunidade, na fiscalizao do cumprimento da medida.O ideal seria que o servio fosse prestado de acordo com o ato infracional praticado. Assim, o pichador de paredes ficaria obrigado a limp-las; o causador de algum dano a repar-lo [...] Mas, para que esse tipo de punio surtisse efeito, seria indispensvel a colaborao da comunidade na sua aplicao, pois a simples imposio, sem a correspondente fiscalizao do seu cumprimento, torna-se uma medida incua sem qualquer resultado (NOGUEIRA, 1996, p. 182-183). importante considerar que as tarefas no podem prejudicar o horrio escolar, tendo como tempo de execuo mximo um semestre, devendo ser atribudas conforme a aptido do adolescente.A medida favorece o desenvolvimento do sentimento de solidariedade, pela oportunidade de conviver com desfavorecidos, desvalidos, doentes mentais e excludos sociais, atravs da realizao de tarefas de interesse coletivo.Foi a medida mais aplicada aos adolescentes infratores em Santa Catarina, entre os anos de 1995 a 1998, possibilitando assim aos adolescentes a reeducao sem a privao da liberdade:A medida de prestao de servios comunidade foi a mais aplicada entre todas as medidas scio-educativas (39,23%), sendo que Florianpolis, Itaja, Blumenau, Chapec e Lages apresentam nmeros significativos. Tal fato, como dito anteriormente, mostra a preocupao crescente em adequar-se a medida s condies do adolescente, preferindo-se aquela que o mantm no prprio meio e que lhe possibilite reflexo sobre si prprio e sua conduta, no contexto social (VIEIRA, 1999, p. 59-60).Desta forma, a prestao de servios comunidade garante ao adolescente infrator a possibilidade de ressocializar-se perante o ambiente em que vive, mostrando-se til, atravs da realizao de tarefas no remuneradas.2.3.4 Liberdade assistidaA Liberdade Assistida consiste em acompanhar e orientar o adolescente, objetivando a integrao familiar e comunitria, atravs do apoio de assistentes sociais e tcnicos especializados, e est prevista nos arts. 118 [58] e 119 [59], do ECA.Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e famlia). Sua interveno educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado, garantindo-se os aspectos de: proteo, insero comunitria, cotidiano, manuteno de vnculos familiares, freqncia escola, e insero no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos (VOLPI, 2002, p. 24).O programa de liberdade assistida exige uma equipe de orientadores sociais, que so designados pelo juiz, sendo que "devero os tcnicos ou as entidades desempenhar sua misso atravs de estudo de caso, de mtodos de abordagem, organizao tcnica da aplicao da medida e designao de agente capaz" (LIBERATI, 2002, p. 93).A durao da medida limitada a seis meses, de acordo com o pargrafo 2, do art. 118, do ECA, e pode ser prorrogada, revogada ou substituda por outra medida. interessante notar, atravs dos incisos do art. 119, que essa medida cuida tambm de preservar os laos familiares, a escolaridade e a profissionalizao.Deve ser aplicada nos casos de reincidncia ou prtica habitual de atos infracionais, enquanto o adolescente demonstrar que necessita de acompanhamento e orientao, vez que o ECA no prev prazo mximo para o cumprimento da medida.Em Santa Catarina, a liberdade assistida vem sendo aplicada em 25,87% dos casos (VIEIRA, 1999, p. 60), o que denota a existncia de programas especficos, bem como o reconhecimento do benefcio pedaggico da medida.Para Olympio Sotto Mayor (2002, p. 364), a liberdade assistida a medida que se mostra com as melhores condies de xito, nos seguintes termos:Nesta tica, no temos dvida em afirmar que, do elenco das medidas scio-educativas, que se mostra com as melhores condies de xito a da liberdade-assistida, porquanto se desenvolve direcionada a interferir na realidade familiar e social do adolescente, tencionando resgatar, mediante apoio tcnico, as suas potencialidades. O acompanhamento, como a insero no sistema educacional e do mercado de trabalho, certamente importaro o estabelecimento de projeto de vida capaz de produzir ruptura com a prtica de delitos, reforados que restaro os vnculos entre o adolescente, seu grupo de convivncia e a comunidade.A liberdade assistida assim uma medida aplicada aos adolescentes que cometem atos infracionais considerados de maior gravidade, mas que ainda no comportam a privao total da liberdade, significando assim a possibilidade de o adolescente infrator reconhecer a responsabilidade de seus atos e repensar a sua conduta, vez que vai contar com o apoio psicolgico e de assistentes sociais, durante o processo do cumprimento da medida.2.3.5 SemiliberdadeA medida scio-educativa de semiliberdade est prevista no art. 120 [60], do ECA, sendo coercitiva, vez que afasta o adolescente do convvio familiar e da comunidade, sem contudo restringir totalmente o direito de ir e vir, pois se destina aos adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e noite recolhem-se em uma entidade especfica.De acordo com Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 95), existem duas formas de semiliberdade, sendo a primeira a determinada pela autoridade judiciria desde o incio, aps a prtica do ato infracional, atravs do devido processo legal, e a segunda, ocorre quando o adolescente internado beneficiado com a mudana de regime, de internamento para a semiliberdade.A medida consiste na permanncia do adolescente infrator em algum estabelecimento prprio, determinado pelo Juiz, com a possibilidade de atividades externas, sendo obrigatrias a escolarizao e a profissionalizao.No Brasil, a aplicao desse regime esbarra na falta de unidades especficas para abrigar os adolescentes s durante a noite, e aplicar medidas pedaggicas durante o dia, como constatou Mrio Volpi (2002, p. 26):A falta de unidade nos critrios, por parte do judicirio na aplicao de semiliberdade, bem como a falta de avaliaes das atuais propostas, tm impedido a potencializao dessa abordagem. Por isso prope-se que os programas de semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma destinada a adolescentes em transio da internao para a liberdade e/ou regresso da medida; e a outra aplicada como primeira medida scio-educativa (VOLPI, 2002, p. 26).Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 61) chegou mesma concluso, no sentido de que a inaplicabilidade da medida deve-se inexistncia de programas especficos:Sendo uma medida de transio para o meio aberto ou determinada desde o incio, incontestvel sua necessidade em muitos casos. Contudo, fcil deduzir que a sua no-utilizao na grande maioria das Comarcas catarinenses ocorre devido absoluta inexistncia de um programa a ampar-la, fato constatado no Inqurito Civil Pblico n 01/95, instaurado pelo Procurador-Geral de Justia, para apurar as Polticas Pblicas na rea da Infncia e Juventude.Paulo Lcio Nogueira (1996, p. 186) relata que em So Paulo tambm no existem estabelecimentos que permitam o cumprimento da semiliberdade:Tambm de reconhecer que no existem estabelecimentos no Estado de So Paulo que comportem o regime de semiliberdade para os adolescentes, os quais deveriam passar o dia trabalhando externamente e s se recolher noite ao estabelecimento.Ou seja, a medida scio-educativa de semiliberdade, apesar do evidente carter pedaggico a que se prope, em permitir que o adolescente trabalhe e estude durante o dia, no vem recebendo aplicabilidade na prtica, pela ausncia de programas especficos.2.3.6 InternaoA medida scio-educativa de Internao consiste na privao da liberdade do adolescente infrator, e est prevista no art. 121 [61], do ECA, sujeita aos princpios de brevidade, excepcionalidade e respeito condio peculiar de pessoa em desenvolvimento [62] do adolescente.O tempo da internao poder ser de no mnimo 6 meses e no pode exceder o prazo de trs anos, sendo que o adolescente deve ser liberado quando completar 18 anos de idade [63].Deve ser proposta pelo representante do Ministrio Pblico e aplicada pelo Juiz somente nos casos mais graves, que se fizer realmente necessria, como depreende-se do art. 122 [64], do ECA, ou seja, nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaa ou violncia a pessoa, por reiterao no cometimento, por descumprimento reiterado e injustificvel da medida anteriormente imposta, sendo um rol taxativo e exaustivo. a mais severa das medidas scio-educativas estabelecidas no Estatuto. Priva o adolescente de sua liberdade fsica - direito de ir e vir vontade [...] O adolescente poder trabalhar e estudar fora do estabelecimento onde recolhido, se no oferecer perigo segurana pblica ou sua prpria incolumidade, segundo avaliao criteriosa da equipe interprofissional que assessora a Justia da Infncia e da Juventude (TAVARES, 1999, p. 118).Deve ser aplicada somente quando se fizer realmente necessria, pois como lembra Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 99), provoca nos adolescentes insegurana, agressividade e frustrao, e alm disso, afasta-se dos objetivos pedaggicos das outras medidas.Na verdade, por melhor que seja a entidade de atendimento, a internao deve ser aplicada de forma excepcional, porque provoca no adolescente os sentimentos de insegurana, agressividade e frustrao, acarreta exacerbado nus financeiro e no responde s dimenses do problema.O ideal que a entidade de internao seja dotada de profissionais especializados, com propostas pedaggicas, pautadas em critrios de criminologia, para permitir a reeducao do adolescente infrator.At porque, a falta de entidades especializadas, com profissionais preparados, j mostrou suas conseqncias, quais sejam, as rebelies na FEBEM, nas grandes cidades.O adolescente infrator privado de liberdade possui direitos especficos, delimitados no art. 124 [65], do ECA, como o de entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministrio Pblico, receber visitas, ter acesso aos meios de comunicao social e permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais prxima ao domiclio de seus pais.Ou seja, a conteno no em si a medida scio-educativa, a condio para que ela seja aplicada. De outro modo ainda: a restrio da liberdade deve significar apenas limitao do exerccio pleno do direito de ir e vir e no a outros direitos constitucionais, condio para sua incluso na perspectiva cidad (VOLPI, 1999, p. 28).De acordo com o art. 122, inciso III [66], do ECA, existe a possibilidade da aplicao da internao, em caso do descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente imposta. Como exemplo, pode ser determinada a internao do adolescente que no cumpre todo o perodo da prestao de servios comunidade, de forma reiterada.Conforme Olympio de S Sotto Maior Neto (2001, p. 185) quando da elaborao deste dispositivo, houve quem argumentasse a necessidade do internamento por at trs meses, para dar um "susto" no adolescente, sendo que ele ponderou o seguinte:Inconformado com tal naipe de raciocnio, respondi que s defendia esse ponto de vista quem tinha certeza de que os prprios filhos jamais seriam encaminhados para uma unidade de internao, onde o susto pelo qual se quer que os filhos dos outros passem pudesse implicar a prtica de violncias fsicas, psicolgicas e sexuais.A internao objetiva assim, atravs da privao da liberdade do adolescente infrator, a ressocializao e a reeducao, demonstrando ao adolescente que a limitao do exerccio pleno do direito de ir e vir a conseqncia da prtica de atos delituosos.

Parte 3A responsabilizao penal do adolescente infrator e a iluso de impunidade

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3. A ILUSO DE IMPUNIDADEA delinqncia juvenil vem se mostrando um tema angustiante, porque a maioria das pessoas desconhece o amplo sistema de garantias do ECA e acredita que o adolescente infrator, por ser inimputvel, acaba no sendo responsabilizado pelos seus atos, o que no verdade, conforme se demonstrou, vez que a responsabilizao penal do adolescente se d atravs das medidas scio-educativas, como sintetiza Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 100):O Estatuto da Criana e do Adolescente no incorporou em seus dispositivos o sentido da acusao. Apesar de no ocultar a necessidade de responsabilizao social do adolescente infrator, no entanto, esta no resulta em pena. Ser-lhe- aplicada uma medida scio-educativa art. 112 -, que poder ser a advertncia, a obrigao de reparar o dano, a prestao de servios comunitrios, a imposio da liberdade assistida, e a internao em estabelecimento educacional, a qual ser sempre breve e de carter excepcional art. 227, pargrafo 3, V da CF.Na verdade, a opinio pblica baseada nas informaes passadas pela mdia [67], que com freqncia alerta para o aumento da violncia, tentando fazer crer que os adolescentes infratores so os responsveis pelo aumento desses ndices, bem como que nada acontece para os adolescentes que cometem ato infracional, formando uma viso preconceituosa e reacionria contra o adolescente em confronto com a lei.Como alerta Karina Sposato [68] (2001, p. 54), que realizou uma pesquisa sobre a relao entre a criminalidade e a televiso, o grau de violncia com que a opinio pblica vai atuar est relacionado com a importncia com que as pessoas atribuem a determinado acontecimento. preciso considerar tambm que, alm da influncia dos meios de comunicao, a iluso de impunidade foi herdada da Doutrina da Situao Irregular, que ainda se faz presente no imaginrio coletivo, como aduz Joo Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 31):Textos relacionados

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A expresso com menor no d nada, de vezo discriminatrio e preconceituoso, ainda se faz presente no inconsciente coletivo, decorrente de uma apreenso equivocada da legislao. Percepo distorcida, que se faz produto da antiga doutrina da situao irregular, montada sobre a idia fundante de que o infrator necessitava de um certo tratamento, como se portador de uma molstia.Assim, os meios de comunicao veiculam diariamente informaes sem respaldo em dados concretos, tentando disseminar diversos mitos, que podem ser classificados, de acordo com Mrio Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p. 33), em trs categorias, quais sejam: mito do hiperdimensionamento do problema, mito da periculosidade do adolescente, e o mito da impunidade, que sero analisados individualmente, adiante.- 3.1 Mito do Hiperdimensionamento do ProblemaO mito do hiperdimensionamento do problema resulta de uma manipulao de informaes, por parte da mdia, que passa opinio pblica a falsa idia de que h cada vez mais adolescentes envolvidos com a criminalidade.Esse mito atinge a sociedade dentro da perspectiva do medo, atravs de um conjunto de hipteses segundo as quais efetivamente h um elevado nmero de adolescentes cometendo delitos, elevando assim a insegurana.No entanto, no h qualquer dado que autorize afirmar o crescimento da delinqncia juvenil, como concluiu Mrio Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p. 34), analisando informaes extradas do Censo Penitencirio Brasileiro, do Ministrio da Justia, concluindo que para cada 88 presos adultos, existem apenas 3 adolescentes internados:Em 1994, havia 88 presos (adultos) para cada cem mil habitantes no Brasil, enquanto a proporo para adolescentes privados de liberdade era de 3 para os mesmos cem mil habitantes. A proporo entre delitos por adultos e delitos por adolescentes se manteve inalterada trs anos depois, pelos dados obtidos oficialmente em 1997.No mesmo sentido o entendimento de Cludio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 14), que explica que dos crimes praticados no pas, apenas 10% so cometidos por adolescentes infratores, sendo que 90% so delitos contra o patrimnio:Sob o aspecto do enfrentamento aos absurdos ndices de violncia com os quais somos obrigados a conviver, sabida a ineficcia de tal iniciativa. Dos delitos praticados no pas, em torno de 10% so atribudos a adolescentes e, destes, cerca de 90% so delitos contra o patrimnio e no contra a vida.De acordo com a pesquisa realizada por Karina Sposato (2001, p. 54) analisando durante uma semana a programao dos canais abertos da televiso brasileira, os telespectadores assistiram a 1211 cenas de crimes, sendo que o furto apareceu 0,4%, apesar de ser o crime mais praticado no Brasil, enquanto o trfico de drogas, o seqestro e o estupro foram super representados, aparecendo dez vezes mais na televiso do que o nmero de vezes em que eles ocorreram de fato. A concluso foi que:Ento, a primeira constatao que as emissoras optam pela divulgao de determinados crimes em detrimento de outros, e, nos parece, a preferncia pelos de mais clamor e apelo popular, como os crimes sexuais, trfico de drogas, seqestro e crimes contra o patrimnio, cuja veiculao exagerada acaba gerando uma sensao generalizada de insegurana, o que a gente chama de sndrome do mundo perigoso. Em funo desta sndrome, todo mundo que assiste a tais programaes da TV fica com medo de ser assassinado, estuprado, ou seqestrado.Ou seja, embora os adolescentes tambm sejam responsveis pelo aumento da violncia no Brasil, preciso considerar que o ndice dos atos infracionais cometidos baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas, no havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do problema.3.2 Mito da Periculosidade do Adolescente InfratorA outra idia que se passa para a sociedade, atravs dos meios de comunicao e da persistncia da Doutrina da Situao Irregular, no imaginrio coletivo, de que os atos infracionais praticados por adolescentes revestem-se cada vez mais de intensa violncia, incutindo assim o mito da periculosidade do adolescente infrator. claro que h casos em que adolescentes infratores envolvem-se em crimes brbaros, porm, de acordo com as pesquisas realizadas, no h que se falar em alta periculosidade com relao ao adolescente infrator, pois dos 20 milhes de adolescentes brasileiros, apenas 0,1% est envolvido na prtica de atos infracionais, como explica Joacir Della Giustina (2001, p. 36):Segundo o ltimo Censo, os adolescentes brasileiros so 20 milhes. Deste total, 20 mil esto envolvidos com atos infracionais, isto , 0,1% daquele total. Destes 20 mil, cerca de 6 mil esto com a medida scio-educativa da internao, compreendendo-se assim que 14 mil no detm a denominada "alta periculosidade".Joo Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 35) partilha do mesmo pensamento, alertando ainda que os delitos graves (homicdios, estupros e latrocnios) constituem apenas 19% dos delitos praticados pelos adolescentes infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos.O ato infracional tpico da adolescncia em conflito com a lei o furto. Homicdios, latrocnios, estupros ocorrem, mas o percentual destes dados no se fazem impressionantes, tanto que delito com violncia praticado por adolescente (felizmente) ainda d manchete de jornal, ante a banalizao da violncia (SARAIVA b, 2002, p. 37).Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 45) chegou mesma concluso, tendo sido o furto praticado em 51,33% dos casos analisados.Alm disso, para agravar o mito da periculosidade do adolescente infrator, os meios de comunicao divulgam dados inverdicos sobre os atos infracionais cometidos, apenas relacionados ao momento da consumao, privando o telespectador de informaes sobre o prosseguimento do feito, a instruo e a sentena, o que induz a sociedade a imaginar que est vivendo em um caos, onde aparentemente os crimes no esto sendo julgados, nem seus autores condenados, como comprovou Karina Sposato (2001, p. 55):Contudo, a proporcionalidade dos crimes mostrada na TV no a real. A segunda constatao que a cobertura dos telejornais dos canais de TV aberta se concentra muito mais no momento do crime. A descoberta da autoria negligenciada, assim como toda a fase de instruo e julgamento dos processos pela justia, o que induz falsamente a sociedade pensar que ns estamos vivendo um caos, pois muitos crimes aparentemente no esto sendo desvendados e seus autores devidamente julgados e condenados. Assim, sensao de insegurana soma-se tambm a sensao de impunidade.Conclui-se assim que a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes so os delitos contra o patrimnio, em especial o furto. Ou seja, no se revestem de grave ameaa, ou violncia, no havendo sentido no mito da periculosidade do adolescente em conflito com a lei.3.3 Mito da ImpunidadeA iluso de impunidade, alm de ser ocasionada pela mdia, uma das principais heranas da Doutrina da Situao Irregular. Fundamenta-se na falsa idia que o adolescente infrator no responsabilizado pelos seus atos, provocando assim no sistema de atendimento aos adolescentes uma presuno de inidoneidade, at porque, como ensina Emlio Garcia Mendez (apud SARAIVA b, 2002, p. 43), suficiente que "um problema seja definido como um mal para passar a tornar-se mal".No entanto, preciso considerar que essa argumento est mal focado, pois como restou demonstrado no captulo anterior, o ECA prev um amplo sistema de medidas scio-educativas que so aplicadas aos adolescentes, quando praticam atos infracionais, compatveis com sua condio de pessoa em desenvolvimento e ao fato delituoso em que se envolveu, como aduz Joo Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 48):Ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criana e do Adolescente instituiu no pas um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento, de carter pedaggico em sua concepo, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princpios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princpios do Direito Penal MnimoA idia da impunidade decorre de uma apreenso equivocada da Lei, como prossegue o autor, fundamentalmente da ignorncia e desconhecimento de que o ECA um instrumento de responsabilidade do Estado, da sociedade, da famlia e do prprio adolescente, complementando que os meios de comunicao, por no conhecerem a diferena entre impunidade e inimputabilidade [69], induzem em erro a opinio pblica, distorcendo os fatos.VIEIRA (1999, p. 21) lembra que vigora na sociedade a idia de que as entidades de internao seriam pr-escolas para o crime, e que a passagem pela Justia da Infncia e da Juventude antecede a priso quando o adolescente torna-se imputvel penalmente. Contudo, essa idia falsa, como comprovou em sua pesquisa, constatando que o ndice de reincidncia, aps alcanar a maioridade penal, de 8,86%:Verifica-se [...] que apenas 8,86% dos cidados recolhidos nas penitencirias e presdios catarinenses que prestaram as informaes solicitadas, tiveram passagem pela Justia da Infncia e Juventude, quando adolescentes [...] Na verdade, o nmero de presos que tiveram passagem pela Justia da Infncia e Juventude, enquanto adolescentes, relativamente baixo, contrariando o pensamento generalizado de que a delinqncia juvenil leva obrigatoriamente ao crime (VIEIRA, 1999, p.21).Ou seja, o resultado da pesquisa demonstra que as medidas scio-educativas possuem eficcia, pois estando apoiadas em carter pedaggico, afastam o adolescente infrator da prtica de novos crimes.Para aqueles que acreditam que as medidas scio-educativas so apenas paliativas, importante considerar que, do ponto de vista das sanes previstas no Cdigo Penal, h medidas previstas no ECA com a mesma correspondncia, como a prestao de servios comunidade. Inclusive, a Internao possui carter aflitivo, vez que priva a liberdade do adolescente, ou seja, no h fundamento na idia de que nada acontece ao adolescente, ou que a medida apenas abranda a situao.Na realidade, o ECA disponibiliza um aparato de carter retributivo e pedaggico, para o enfrentamento da delinqncia juvenil, apto a, como explica Joo Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 50), "trazer a resposta que a sociedade almeja enquanto instrumento de segurana pblica, bem como propondo paralelamente, a construo de polticas bsicas fundamentais de carter preventivo."3.3.1 Reduo da idade penalA violncia urbana, com seus reflexos em todos os segmentos do pas, produzem um sem-nmero de proposies para o enfrentamento da questo. Na esteira do mito da impunidade, a primeira soluo encontrada para aqueles que desconhecem o amplo sistema de garantias pre