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ELISA SPERA BRAGA A RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO: institutos, apontamentos históricos e crítica ao sistema penitenciário brasileiro Assis/SP 2014

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ELISA SPERA BRAGA

A RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO: institutos, apontamentos

históricos e crítica ao sistema penitenciário brasileiro

Assis/SP

2014

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ELISA SPERA BRAGA

A RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO: institutos, apontamentos

históricos e crítica ao sistema penitenciário brasileiro

Monografia apresentada ao Departamento do curso de Direito do Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis- IMESA e à Fundação Educacional do Município de Assis- FEMA como requisito parcial à obtenção do Certificado de Conclusão do curso.

Orientadora: Claudio José Palma Sanchez Área de Concentração: Direito Penal

Assis/SP

2014

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FICHA CATALOGRÁFICA

BRAGA, Elisa Spera.

A RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO: institutos, apontamentos históricos e

crítica ao sistema penitenciário brasileiro. Elisa Spera Braga.

Fundação Educacional do Município de Assis – FEMA – Assis, 2014.

Orientador: Claudio José Palma Sanchez. Trabalho de Conclusão de curso- Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis- IMESA.

1.A RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO: institutos, apontamentos históricos e

crítica ao sistema penitenciário brasileiro.

CDD: 340.

Biblioteca da FEMA.

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A RESSOCIALIZAÇÃO DO CONDENADO: institutos, apontamentos

históricos e crítica ao sistema penitenciário brasileiro

ELISA SPERA BRAGA

Monografia apresentada ao Departamento do curso de Direito do Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis- IMESA e à Fundação Educacional do Município de Assis- FEMA como requisito parcial à obtenção do Certificado de Conclusão do curso, analisado pela seguinte banca examinadora.

Orientador: Claudio José Palma Sanchez __________________________________ Examinador: Fábio Pinha Alonso_________________________________________

Assis/SP 2014

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meu pai, o grande homem da minha vida, que me incentiva e me atura, que eu tenho profunda admiração e amo. Tony Osvaldo Braga.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que me deu força e capacidade para concluir as atividades que tenho. Minha mãe Ivana F. Spera Braga pela paciência e compreensão, uma mulher que sempre esteve junto a mim de todas as formas, a mulher que me espelho e me vejo. A meu pai Tony Osvaldo Braga, pelo incentivo, apoio e pela força em todos os ramos da minha vida. A minha querida amiga, “chefa”, escrivã de polícia Camila Sanches Tamássia Vicente por toda ajuda, por todo ensinamento, pela grande lição que aprendi sobre a vida e claro, neste trabalho. Inteligente e muito mulher, que tem conteúdo e que tem coragem, além de um coração gigantesco. Minha amiga Clarissa Meyer Barreto que me deu o impulso necessário para que fizesse esse trabalho, uma excelente companheira. Agradeço por fim, meu orientador Cláudio Sanchez, o qual me mostrou o caminho para que este presente trabalho fosse feito, além de excelente professor e um grande homem.

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“Quereis prevenir os crimes? Fazeis leis simples e claras, fazei-as

amar; e esteja a nação inteira pronta a armar-se para defendê-las,

sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em

destruí-las.”

Cesare Beccaria

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso objetivo tratar da questão do processo de ressocialização dos condenados, bem como os fatores que determinam a efetividade desse processo ou sua falência, particularizando o ambiente social brasileiro. Para tanto, fez-se necessária uma análise histórica do processo evolutivo do Direito Penal, bem como uma análise mais específica acerca do Direito Penal no Brasil e de que como essa evolução afetava a questão do apenamento e da ressocialização. Após a devida análise dos aspectos históricos da pena e da situação do condenado nesse processo, há que se realizar a devida contextualização dessa conjuntura com as normas vigentes no país. De maneira que, para a tratativa da temática pretendida e nesta sequência, fez-se fundamental a análise de alguns tópicos da Lei de Execuções Penais, bem como dos contornos que essa norma dá ao processo de ressocialização, e ainda de como se faz necessária sua adequação aos princípios da Dignidade da Pessoa Humana. Buscou-se ainda a análise da importância das medidas preventivas no tocante a efetividade da ressocialização. Por fim, foi discorrido a respeito da efetividade desse processo, bem como a maneira como o ambiente carcerário e o modo como esse sistema foi estruturado no Brasil é determinante para os resultados obtidos até o presente momento. Sendo assim, para a consubstanciação desta pesquisa, foi realizado, mediante o uso de obras bibliográficas que abordassem a questão da ressocialização no Brasil, a elaboração de um levantamento e coleta de dados, bem como estruturação dos mesmos, para que assim fosse possível fundamentar o presente trabalho, de maneira a demonstrar a importância da efetividade na ressocialização para a redução da criminalidade e, por conseguinte, da paz social.

Palavras-chave: Ressocialização dos condenados; Lei de Execuções Penais; Dignidade da Pessoa Humana; Redução da criminalidade.

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ABSTRACT This completion of course work designed to address the issue of rehabilitation of convicted process as well as the factors that determine the effectiveness of this process or its bankruptcy, individualising the Brazilian social environment. To do so, it is necessary a historical analysis of the evolution process of the Criminal Law as well as a more specific focus on Criminal Law in Brazil and that such developments affecting the question of sentencing and rehabilitation. After due analysis of the historical aspects of the sentence and the offender's situation in this process, it is necessary to perform proper contextualization of this situation with the current national standards. So that, to the dealings of the desired theme and this sequence became critical analysis of some topics of Penal Execution Law as well as the contours of this standard gives the resocialization process, and even how to make your required appropriateness to the principles of Human Dignity. Still sought to analyze the importance of preventive measures regarding the effectiveness of rehabilitation. Finally, we discoursed about the effectiveness of this process and the way the prison system and how this system was structured in Brazil is decisive for the results obtained to date. Thus, for substantiation of this research was conducted through the use of bibliographic works that addressed the issue of rehabilitation in Brazil, developing a survey and data collection, as well as structuring the same, so that it was possible to base the present work, in order to demonstrate the importance of effectiveness in rehabilitation for reducing crime and therefore social peace. Keywords: resocialization of convicts; Law of Criminal Executions; Dignity of the Human Person; Reducing crime.

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SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO.................................................................................................11

2- BREVE HISTÓRICO..........................................................................................13

2.1- PARTE GERAL...................................................................................................13

2.2- DIREITO PENAL NO BRASIL............................................................................27

2.3- REFORMA DO SISTEMA PENAL (LEI N°7.209, DE 11/07/1984) –

TRATAMENTO LEGAL NO BRASIL PARA A RESSOCIALIZAÇÃO......................32

3- Tratamento legal no Brasil para a ressocialização...........................................35

4- Eficiência no sistema de ressocialização..........................................................46

5- Conclusões...........................................................................................................51

6-Bibliografia.............................................................................................................5

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1. Introdução

A temática da ressocialização do condenado é frequente no meio social nacional,

particularmente quanto a questões de redução da maioridade penal, endurecimento

do arcabouço jurídico e medidas mais rígidas no tocante ao apenamento do

delinquente.

Entretanto, necessário se faz uma análise de questões históricas do Direito Penal,

para que, na atualidade, se faça possível um entendimento do fenômeno vivenciado,

bem como das conseqüências em se adotar posturas nitidamente não humanitárias

no tocante ao apenado.

Se for realizada uma análise superficial no fenômeno da violência que se alastra

não apenas no Brasil, mas em boa parcela do mundo, a punição com rigor do

condenado bastaria para o rompimento deste fenômeno. Contudo, se realizada uma

análise mais acurada, descobrir-se-á que a ressocialização do condenado é

essencial para o rompimento desse processo violento, evitando-se assim que o

indivíduo reincida e, por consequência, permaneça como elemento transgressor da

norma penal e agente da violência de maneira generalizada.

Para tanto, é fundamental que se elabore um histórico, ainda que breve, da evolução

do Direito Penal, bem como sua evolução no Direito Pátrio, uma vez que é através

desse processo histórico que será possível o estudo de institutos que eram e muitas

vezes ainda são utilizados, bem como a viabilidade e efetividade dos mesmos, do

comportamento social e do comportamento do condenado, bem como as maneiras

como a pena era imposta e suas interações com o indivíduo e a sociedade.

Assim, após a elaboração desse processo histórico, torna-se possível um panorama

de como a pena foi utilizada como elemento repressor ao longo da história, e como

os diversos períodos históricos modificaram esse instituto, e ainda como o indivíduo

apenado era visto pelo Direito e pela sociedade.

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Ato contínuo a esse esboço é imperioso que se realize alguns apontamentos a

respeito do Direito Pátrio, tendo em vista que a temática deste estudo se atém,

principalmente, ao processo de ressocialização no Brasil. É possível constatar a

evolução, por assim dizer, humana, nas ordenações jurídicas brasileiras, que assim

como nas demais sociedades, com o passar do tempo, passou a ser influenciada

pela necessidade de se considerar o apenado também como sujeito de direito e,

como tutelado do Estado, merecedor de ferramentas que pudessem auxiliá-los a se

reinserir na sociedade.

Para tanto, a análise do sistema penal brasileiro, seu arcabouço jurídico e as

transformações referentes ao mesmo, são fundamentais para a compreensão do

processo de ressocialização e sua eficácia no país, fato este questionado por grande

parte da sociedade.

A legislação inerente a esta temática também será abordada, de maneira a

demonstrar o quão detalhado é o ordenamento jurídico brasileiro, em detrimento às

políticas públicas relativas ao apenado. É importante ressaltar que o apenado, além

de ser um sujeito que possui deveres, também é um sujeito de direito e, como

tutelado do Estado, deve ter os mesmos resguardados. Demonstrado fica, ao longo

da pesquisa que, enquanto à normatização brasileira produziu prodígios legais, isso

quanto à sua elaboração e teoria, não teve o mesmo cuidado com a efetivação de tal

arcabouço jurídico.

A análise desse processo é parte essencial para a consecução do presente trabalho,

que tem sua temática determinada justamente pela necessidade de elaboração de

um estudo que trate da questão da ressocialização e de como sua ineficiência, além

de ser extremamente prejudicial ao grupo social, uma vez que devolve a ele um

indivíduo sem condições de viver sem a transgressão das regras penais, mas que

também condena esses indivíduos a uma vida privada de direitos e à uma

marginalização que forçosamente o impede de tal exercício.

A ressocialização é, antes de tudo, um dever do Estado com o individuo que ele

pretende tutelar, bem como uma obrigação para a sociedade que é sua estrutura, e

que necessita de indivíduos aptos a conviver dentro dos ditames da paz social.

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2. Breves apontamentos históricos sobre os institutos da pena e da

ressocialização.

2.1 Aspectos gerais.

Para que se torne possível a tratativa da temática pretendida por esta pesquisa, é

necessário que se faça algumas considerações preliminares a respeito de institutos

do direito penal que estão intimamente ligados a ela. Questionamentos a respeito do

posicionamento do indivíduo frente o direito de liberdade, bem como as limitações

impostas pela vida em sociedade, são fundamentais para a compreensão do

processo de ressocialização daquele que delinqüe.

Ceder uma parcela de seu quinhão de liberdade é fundamental para a convivência

humana, entretanto, o homem, mesmo que inconscientemente, não o faz pelo bem

coletivo, mas simcedendo a interesses individuais. De maneira que o indivíduo, de

fato cede sua liberdade em nome da convivência, mas o faz em razão das

vantagens que as convenções trazem, e não por elas, simplesmente.

Cesare Beccaria (2005, p. 43), em sua obra “Dos delitos e das penas”, aborda com

precisão o apontamento acima realizado, conforme se vê na sequência:

Nenhum homem entregou gratuitamente parte de sua própria liberdade visando ao bem comum; essa quimera só existe nos romances. Se fosse possível, cada um de nós desejaria que os pactos que vinculam os outros não nos vinculassem; cada homem faz de si o centro de todas as combinações do globo. O que reuniu os primeiros selvagens foi a multiplicação da espécie humana, pequena por si só, mas muito superior aos meios que a natureza estéril e abandonada oferecia para satisfazer as necessidades que cada vez mais se entrecruzavam. As primeiras uniões formaram necessariamente outras para resistir àquelas e, assim, o estado de guerra se transferiu do indivíduo para as nações.

De maneira que, partindo da premissa levantada por Beccaria, e considerando

eventos humanos como guerras, leis e agrupamentos sociais, é possível perceber

uma provável geração de consequências, ou seja, indivíduos que, agrupados e com

regulamentações de conduta que pautem suas interações sociais, possam

engendrar discussões, dissensos e delitos, gerando, por sua vez e em decorrência

desses fatos, a necessidade de punição àqueles que o cometessem. Por

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conseguinte, surge a necessidade do ajustamento de penas, em uma ação

encadeada: delito, punição e pena.

Ressalte-se que, na Antiguidade, as punições eram comumente aplicadas mediante

o emprego de proibições de cunho religioso, social ou político, conhecidas pelo

senso comum como “tabus” que, uma vez desconsiderados, acarretariam a pena a

ele correspondente.

Esta infração totêmica levou a coletividade à punição do infrator para serem

desagravadas as entidades gerando assim o conhecido “crime” e a “pena”, trazendo

por consequência o sacrifício da própria vida do infrator ou a oferenda por este de

objetos que portavam com alto valor quais sejam animais, peles e frutas para a

divindade. A pena significava a vingança, posto que, através da agressão sofrida o

infrator se arrependeria e se conscientizaria do delito cometido.

Saliente-se que, neste período histórico, existia um viés de sacralidade mesmo no

ato da violência, tendo em vista que a mesma era aceita como forma de cessar a

infringência à norma. A punição, ainda que mediante a violência física, possuía o

condão de interromper a sequência de atos violentos e, por conseqüência, da

violência.

Transportando tal exemplo para a atualidade, têm-se casos crescentes de

linchamentos e justiçamentos de indivíduos que, supostamente, infringiram a lei e,

dada a conjuntura social hodierna, ou ainda a gravidade do delito cometido, pelo

senso comum devem cumprir de imediato uma pena, basicamente a de morte.

Tais justiçamentos, além da influência das questões sociais atuais, nada mais são

que remanescentes de períodos anteriores, onde o indivíduo era punido de maneira

semelhante ao fato cometido, não se analisando assim, a ação do Estado como

necessariamente diferente do indivíduo transgressor.

Baseando-se na teoria mimética de René Girard, a qual apenas se ventila nesse

momento, e que trata justamente da questão da sacralização da violência, Adilson

Schultz (2004, p.09), afirma que: “O sagrado é a ferramenta reguladora da qual as

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sociedadeslançam mão diante da ameaça de violência generalizada. Este processo

é a própria fundação da cultura. O âmbito do sagrado está pleno de violência, e a

violência é sempre sacralizada.”

Nas palavras do próprio René Girard (1990, p.26):

“A função do sacrifício é apaziguar as violências intestinas e impedir a explosão de

conflitos”.

Sendo assim, na Antiguidade, o sagrado acaba regulando a sociedade em casos de

violência, particularmente quando o processo da violência beira a generalização e,

por conseqüência, põe em risco a ordem social. De maneira que o sagrado e a

violência, particularmente nesse período, se entrelaçam continuamente, de maneira

que não é possível abordar a questão da punição e da pena nos primórdios da

humanidade sem ao menos mencionar tal questão.

Adilson Schultz (2004, p.10), ainda complementa, afirmando que:

Tendo experimentado os benefícios da violência fundadora como solução para a crise que viveu, a sociedade busca meios para perpetuar esta estabilidade, passando a ritualizar freqüentemente o sacrifício. A vítima que cataliza todo o mal do grupo passa a ser fonte de todo o bem e toda a paz na comunidade. Este processo de transcendentalização da violência vitimizadora é a gênese do sagrado.

Assim, a violência programada pelo Estado ou pela organização social de uma

maneira geral, desponta como evento catalisador e solucionador da crise social

vivenciada por aquela comunidade. A punição do transgressor funciona como

agente solucionador da crise provocada pelo ato violento do mesmo. E é neste

contexto social que a pena ganha contornos importantes na manutenção da ordem

coletiva.

Em um apanhado da evolução do Direito Penal, antes das necessárias

especificações de cada período relevante, o autor Maércio Falcão Duarte (1999, p.

01):

Desde os primórdios da humanidade, o homem tem progredido em todos os

sentidos. Através do desenvolvimento da razão, dom não atribuído a

nenhum outro animal, exceto à espécie humana, o homem tem sempre

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estado organizado em grupos ou sociedades. No entanto, a interação social

nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado instintivo: a

agressividade. Podemos afirmar que através dos tempos o homem tem

aprendido a viver numa verdadeira "societas criminis". É aí que surge o

Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e promover uma

sociedade mais pacífica. Se houvesse a certeza de que se respeitaria a

vida, a honra, a integridade física e os demais bens jurídicos do cidadão,

não seria necessário a existência de um acervo normativo punitivo,

garantindo por um aparelho coercitivo capaz de pô-lo em prática. Não

haveria, assim, o "jus puniendi", cujo titular exclusivo é o Estado. (grifos do

autor).

Com a evolução histórica das comunidades, bem como das leis que a

regulamentaram através dos séculos, houve também uma evolução da vingança

anteriormente aplicada como pena. De maneira que os métodos de aplicação da

pena foram evoluindo na mesma sistemática das comunidades que o aplicavam.

Entretanto, em termos históricos, apenas recentemente a pena passou a se

desvincular da religião, assumindo uma secularização até então inexistente. De

forma bastante simplificada, apenas a título de exemplificação, é possível dividir

estas fases em: vingança privada, vingança divina e vingança pública.

O mesmo autor (1999, p. 01), assevera que:

Tendo início nos tempos primitivos, nas origens da humanidade, o Período

da Vingança prolonga-se até o século XVIII.Nos tempos primitivos não se

pode admitir a existência de um sistema orgânico de princípios gerais, já

que grupos sociais dessa época eram envoltos em ambiente mágico e

religiosos. Fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções

vulcânicas eram considerados castigos divinos, pela prática de fatos que

exigiam reparação.Pode-se distinguir as diversas fases de evolução da

vingança penal, como a seguir: Fase da vingança privada; Fase da

vingança divina e Fase da vingança pública.

A vingança privada consistia basicamente na reação da vítima, de sua parentela ou

grupo social, a uma ofensa cometida. A reação não mantinha uma relação de

proporcionalidade da ação do autor, o que, por questões claras, acabava

engendrando um grande número de injustiças, que não eram vistas como tal

naquele período, dadas as construções sociais da época.

De acordo com Júlio Fabrinni Mirabete (2003, p. 35):

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“Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da

vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à

ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo” (grifo do autor).

De maneira que, neste período, não havia uma proporcionalidade entre a

ofensa/crime cometidos e a reprimenda ao ofensor. A ação se constituía muito mais

em processo de retrucar o mal feito do que qualquer tentativa de fazer entender ao

ofensor que o mesmo havia praticado um ato que desestabilizava a ordem social

vigente e que, portanto, deveria ser punido.

Em um fenômeno que constituiu considerável avanço jurídico, passa a vigorar o

talião, evitando assim que a punição fosse desproporcional ao mal cometido. Este

fenômeno evolutivo, por assim dizer, se fez necessário em razão do caos social que

a vingança privada promovia, tendo em vista que, uma vez realizada uma ação,

essa ensejada uma reação, que demandava outra ação, de maneira repetida e

sistemática, provocando um círculo de violências que punha em risco a própria

organização social. A teoria mimética, já citada, encontra guarida justamente em

virtude desse processo.

Mirabete (2003, p.2003), continua o histórico evolutivo do direito penal afirmando

que;

Com a evolução social, para evitar a dizimação das tribos, surge o talião (de talis= tal) que limita a reação à ofensa a um mal idêntico ao praticado (sangue por sangue, olho por olho, dente por dente). Adotado no Código de Hamurabi (Babilônia), no Êxodo (povo hebraico) e na Lei das XII Tábuas (Roma), foi ele um grande avanço na história do Direito Penal por reduzir a abrangência da ação punitiva. (grifo do autor).

Em uma continuação do processo evolutivo do direito penal, tem-se a fase

conhecida como justiça divina, já em um fenômeno que envolve o estabelecimento

da religião como agente punitivo. O Direito Penal passa a atuar como uma espécie

de extensão punitiva da religião e, em última análise, de deus ou dos deuses,

transformando o clero em elementos de efetivação de justiça e julgamento.

Mirabete (2003, p. 36), esclarece que:

A fase da vingança divina deve-se à influência decisiva da religião na vida dos povos antigos. O Direito Penal impregnou-se de sentido místico desde seus primórdios, já que se devia reprimir o crime como satisfação aos

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deuses pela ofensa praticada no grupo social. O castigo, ou oferenda, por delegação divina era aplicado pelos sacerdotes que infligiam penas severas, cruéis e desumanas, visando especialmente à intimidação. Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livros das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (Pentateuco).

De modo que a religião tornou-se (e em termos históricos reforçou-se com o passar

do tempo – vide Inquisição, cruzadas e guerras “santas”) elemento punitivo da

população, muitas vezes, a bem da verdade na maioria delas, exacerbando o flagelo

aos ofensores ao máximo, sendo essa característica entendida como um motivo de

satisfação da (s) divindade (s). Estas passam a ter um caráter intimidatório

crescente, a ponto do clero, na maioria destas culturas, representar um dos

estamentos sociais de maior influência e prestígio.

Também a esse respeito, explica Maércio Falcão Duarte (1999, p. 01) que:

Aqui, a religião atinge influência decisiva na vida dos povos antigos. A repressão ao delinqüente nessa fase tinha por fim aplacar a "ira" da divindade ofendida pelo crime, bem como castigar ao infrator. A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça. Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A "vis corpolis" era usa como meio de intimidação. No Antigo Oriente, pode-se afirmar que a religião confundia-se com o Direito, e, assim, os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor. (grifos do autor).

Assim, em um processo continuo de evolução social, os grupos sociais, em uma

sinalização de que passavam a ter maior organização jurídica, se transportam à fase

da vingança pública. E os exemplos desse processo de desenvolvimento podem ser

apontados, tais como a Lei das XII Tábuas em Roma e a representatividade do

soberano e seus sacerdotes enquanto emissário divino e seus acólitos na Grécia.

Outro grupo social que merece destaque é o hebreu, uma vez que nessa

organização social a pena de talião foi substituída pelas penas de multa, prisão e

desafios físicos. A pena de morte já se fazia quase inexistente e a figura da prisão

perpétua toma seu lugar.

Mirabete (2003, p. 36), explana a esse respeito, afirmando que:

Após a etapa da Legislação Mosaica, evoluiu o Direito Penal do Povo hebreu com o Talmud. Substituiu-se a pena de talião pela multa, prisão e imposição de gravames físicos, sendo praticamente extinta a pena de

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morte, aplicando-se em seu lugar a prisão perpétua sem trabalhos forçados. Os crimes poderiam ser classificados em duas espécies: delitos contra a divindade e crimes contra o semelhante. O Talmud, assim, foi um formidável suavizador dos rigores da lei mosaica. (grifo do autor).

Já em Roma, a religião se desprende do Direito após as fases do talião e da justiça

divina, passando a vigorar uma divisão entre os crimes de ordem pública e privada.

Mirabete (2003, p. 37), informa que: “Em Roma, evoluindo-se das fases de vingança,

por meio do talião e da composição, bem como da vingança divina na época da

realeza, Direito e Religião separam-se”

É necessário salientar que o Direito Romano se constitui em importante alicerce

para o Direito tal qual conhecido atualmente, sendo que alguns de seus institutos

perduram ao longo do tempo. Outra consideração que é fundamental sobre tais

aspectos é que princípios penais sobre a conceituação de dolo, culpa, erro, legítima

defesa, dentre outros, tiveram origens no Direito Romano. De maneira geral, o

Direito Romano pode ser considerado uma das bases do direito atual,

particularmente do direito vigente em sistemas legais como o nacional.

Mirabete (2003, p. 37), quanto a essas contribuições, ressalta que:

Contribuiu o Direito Romano decisivamente para a evolução do Direito Penal com a criação de princípios penais sobre o erro, culpa (leve e lata), dolo (bônus emalus), imputabilidade, coação irresistível, agravantes,

atenuantes, legítima defesa etc. (grifo do autor).

Por conseguinte é possível afiançar que o direito atual deve muitas de suas

construções ao Direito Romano, ainda hoje estudado como base de constructos

vigentes até os dias de hoje.

Outros povos também exerceram sua influência no campo do direito, não sendo

restritas às contribuições romanas ao mesmo. Os povos ditos germânicos também

contribuíram para a evolução do Direito de modo geral, bem como do Direito Penal,

especificamente. Mirabete (2003, p. 37), descreve:

O Direito Penal germânico primitivo não era composto de leis escritas, mas constituído apenas pelo costume. Ditado por características acentuadamente de vingança privada, estava ele sujeito à reação indiscriminada e à composição. Só muito mais tarde foi aplicado o talião por influência do Direito Romano e do cristianismo. Outra característica do direito bárbaro foi a ausência de distinção entre dolo, culpa e caso fortuito,

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determinando-se a punição do autor do fato sempre em relação ao dano por ele causado e não de acordo com o aspecto subjetivo de seu ato. No processo, vigoravam as “ordálias” ou “juízos de Deus” (prova de água fervente, de ferro em brasa etc.) e os duelos judiciários, com os quais decidiam os litígios, “pessoalmente ou através de lutadores profissionais”. (grifos do autor).

Diferentemente do Direito Romano, o Direito Germânico é pautado essencialmente

pelos costumes, não havendo, pois, ordenamento escrito que os estruturasse.

Semelhante a esse modelo, e transportando-se aos dias atuais, pode-se traçar um

paralelo com o sistema da Comnon Law, até hoje presentes em sistemas jurídicos

de países como Estados Unidos e Inglaterra. Os costumes ditavam o direito

germânico, o qual não era dotado de leis escritas e tinha características da fase da

vingança privada, bem como à composição e à reação indiscriminada, tendo sido

aplicado o talião posteriormente.

Outra contribuição que importa ressaltar é a dada pelo Direito Canônico, que

também pode ser chamado de Direito Penal da Igreja, modelo este que tem em suas

bases construções típicas do cristianismo, dentre eles a humanização do Direito

Penal. Castigos considerados cruéis foram sendo paulatinamente substituídos por

penas com caráter ressocializador, onde o arrependimento do criminoso e a

purgação de sua culpa eram fatores primordiais da pena.

Entretanto, cumpre ressaltar que a pena de morte ainda era vigente, bem como,

durante períodos extensos da história da Igreja Católica, a tortura e a purgação dos

“pecados” eram aplicados com freqüência, dentre estes, a já citada Inquisição,

responsável, dentre outras ocorrências, pela alcunha dada pelo senso comum à

Idade Média de “Idade das Trevas”.

Essa denominação, que em muito desprestigia o período histórico, é fruto,

justamente, do terror imposto pela Igreja Católica, que foi responsável não apenas

pelo julgamento e condenação de milhões de pessoas, mas, particularmente, pela

morte de milhões de mulheres consideradas “bruxas”, o que também alcunha o

período como de “caça às bruxas”. O terror gerado por esse período reflete-se,

ainda hoje, na tratativa que se dá à Idade Média como sendo um período de

retrocesso da humanidade.

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Mirabete (2003, p. 37), afirma que:

Entre a época dos direitos romano e germânico e a do direito moderno, estendeu-se o Direito Canônico ou o Direito Penal da Igreja, com a influência decisiva do cristianismo na legislação penal. Assimilando o Direito Romano e adaptando este às novas condições sociais, a Igreja contribuiu de maneira relevante para a humanização do Direito Penal, embora politicamente sua luta metódica visasse obter o predomínio do Papado sobre o poder temporal para proteger os interesses religiosos de dominação.

Em uma continuação temporal da análise de evolução do Direito Penal, há a

necessidade de algumas explanações a respeito do chamado Direito Medieval, que

se constituía em uma mescla dos direitos germânico, canônico e romano,

destacando-se, dentre estes, as penas de cunho mais cruel, bem como a pena

capital. Mirabete (2003, p. 38), nesse sentido, afirma que:

No período medieval, as práticas penais entrelaçaram-se e influenciaram-se reciprocamente nos direitos romano, canônico e bárbaro, o Direito Penal, pródigo na cominação da pena de morte, executada pelas formas mais cruéis (fogueira, afogamento, soterramento, enforcamento, etc.), visava especificamente à intimidação. As sanções penais eram desiguais, dependendo da condição social e política do réu, sendo comuns o confisco, a mutilação, os açoites, a tortura e as penas infamantes. Proscrito o sistema de composição, o carácter público do Direito Penal é exclusivo, sendo exercido em defesa do Estado e da religião. O arbítrio judiciário, todavia, cria em torno da justiça penal uma atmosfera de incerteza, insegurança e verdadeiro terror.

Outro período histórico relevante para a evolução do Direito Penal é o Iluminismo,

fenômeno responsável por profundos avanços, não apenas em sentido jurídico,

político ou social, mas também grande impulsionador da cultura e da arte, elementos

fundamentais para a evolução social de maneira mais integral.

Mirabete (2003, p. 38), afirma, a esse respeito, que:

É no decorrer do Iluminismo que se inicia o denominado Período Humanitário do Direito Penal, movimento que pregou a reforma das leis e da administração da justiça penal no fim do século XVIII. É nesse momento que o homem moderno toma consciência crítica do problema penal como problema filosófico e jurídico que é. Os temas em torno dos quais se desenvolve a nova ciência são, sobretudo, os do fundamento do direito de punir e da legitimidade das penas.

Esse período é emblemático no processo de evolução do Direito Penal, dando

contornos mais humanitários ao mesmo, fazendo com que a pena tenha um aspecto

mais nitidamente correcional que meramente punitivo. Diversas são as obras desse

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período que consubstanciam esse posicionamento, uma vez que nomes como

Vontaire, Rosseau, dentre outros, despontam nesse período histórico.

Maércio Falcão Duarte (1999, p. 01), sobre este período, também ressalta:

O período conhecido por Período Humanitário transcorre durante o lapso de

tempo compreendido entre 1750 e 1850. Tendo seu início no decorrer do

Humanismo, esse período foi marcado pela atuação de pensadores que

contestavam os ideais absolutistas. Pregava-se a reforma das leis e da

administração da justiça penal no fim do século XVIII. Os povos estavam

saturados de tanto barbarismo sob pretexto de aplicação da lei. Por isso, o

período humanitário surge como reação à arbitrariedade da administração

da justiça penal e contra o caráter atroz das penas. Os escritos de

Montesquieu, Voltaire, Rosseau, D’Alembert e o Cristianismo foram de

suma importância para o humanismo, uma vez que constituíram o próprio

alicerce do mesmo. (grifo do autor).

Com o pensamento filosófico mais aflorado, o indivíduo paulatinamente acentua a

problemática do direito de punir e da legitimidade das penas. Nesse período houve a

publicação de uma das mais importantes e emblemáticas obras do Direito Penal,

Dos Delitos e das Penas, de CesareBeccaria, isso no ano de 1764.

Mirabete (2003, p. 38), a respeito da obra em questão, analisa que:

Em 1764, Cesar Bonesana, Marquês de Beccaria (nascido em Florença, em 1738), filósofo imbuído dos princípios pregados por Rousseau e Montesquieu, fez publicar em Milão a obra Dei delitti e delle pene (Dos delitos e das penas), um pequeno livro que se tornou o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal emtão vigente. Demonstrando a necessidade de reforma das leis penais, Beccaria, inspirado na concepção do Contrato Social de Rousseau, propõe novo fundamento à justiça penal: um fim utilitário e político que deve, porém, ser sempre limitado pela lei moral.

Essa obra determina uma cisão, em sua publicação, do que era e do que passou a

ser pauta de discussão da temática penal, sendo que, ainda presentemente, é obra

de constantes estudos, dada sua contemporaneidade. Esta obra se tornou um

símbolo no panorama penal e é utilizada nessa pesquisa, justamente pela tratativa

da violência e da pena e de como essas influenciam na conduta do individuo

apenado.

Demonstra Beccaria a necessidade de reformas no âmbito penal e despertando

reflexões aos profissionais da época. Fora inspirada na obra de Rosseau, Contrato

Social, propondo um fim utilitário e político baseado na moral e na lei ao Direito

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Penal. Muitos dos princípios desenvolvidos pelo exímio filósofo foram adotados pela

Declaração dos Direitos do Homem na Revolução Francesa.

Mirabete (2003, p. 39), afirma que:

As idéias fundamentais do Iluminismo expostas magistralmente por Beccaria estão nas obras de vários autores que escreveram na primeira metade do século XIX e que são reunidos sob a denominação sob a denominação de Escola Clássica, nome que foi criado pelos positivistas com sentido pejorativo, mas que hoje serve para reunir os doutrinadores dessa época.

De maneira que, pelo acima disposto, é possível compreender que o Iluminismo e

toda a carga de transformações inerentes a este período promoveram profundas

modificações sociais e jurídicas, mormente no Direito Penal, pois, iniciou-se ai, a

necessária análise de questões vinculadas ao apenado, fato este antes

desconsiderado pelo Direito.

Sequencialmente tem-se o período da Escola Clássica, no qual se destaca

Francesco Carrara, autor de Programa Del corso di diritto criminale (1959),

descrevendo seu ponto de vista do delito como ente jurídico impelido pela força

física e pela moral, que seria a vontade do agente criminoso.

Mirabete (2003, p. 39)

Para a Escola Clássica, o método que deve ser utilizado no Direito Penal é o dedutivo ou lógico abstrato (já que se trata de uma ciência jurídica), e não experimental, próprio das ciências naturais. Quanto à pena, é tida como tutela jurídica, ou seja, como proteção aos bens jurídicos tutelados penalmente. A sanção não pode arbitrária, regula-se pelo dano sofrido, inclusive, e, embora retributiva, tem também finalidade de defesa social.

Neste período utilizava-se o método dedutivo ou lógico abstrato, a pena é tida como

tutela jurídica e a sanção é regulada pelo tipo do dano causado e tem finalidade de

defesa social.

Dentre outros autores da Escola Clássica se destacam também Carlos Cristian

Frederico Krause e Carlos David Augusto Roeder que formaram a Escola

Correcionalista que considera o Direito como uma missão moral, como um instituto

necessário ao destino do homem, devendo-se analisar o sujeito que comete o crime

de forma a estipular uma pena para o mesmo.

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No século XVIII se inicia o Período criminológico e a Escola Positiva, com a ciência à

tona, a investigação experimental toma a frente se opondo aos métodos puramente

racionais, se destacando as teorias evolucionistas de Darwin, Lamarck, John Stuart

Mill e Spencer.

De acordo com Mirabete (2003, p. 40), no tocante ao movimento criminológico do

Direito Penal:

O movimento criminológico do Direito Penal iniciou-se com os estudos do médico italiano e professor em Turim César Lombroso, que publicou em 1876 (ou 1878), o famoso livro L’uomodelinqüentestudiato in rapporto, all’ antropologia, alla medicina legale e alle discipline carcerarie, expondo suas

teorias e abrindo nova etapa na evolução das idéias penais. (grifo do autor).

E ainda complementa, quanto à Escola Positiva (2003, p. 41):

A Escola Positiva, porém, tem seu maior vulto em Henrique Ferri, criador da Sociologia Criminal ao publicar o livro que leva esse nome. Discípulo dissidente de Lombroso, ressaltou ele a importância de um trinômio causal do delito: os fatores antropológicos, sociais e físicos. Aceitando o determinismo, Ferri afirmava ser o homem “responsável” por viver em sociedade. Dividiu os criminosos em cinco categorias: o nato, conforme propusera Lombroso; o louco, portador de doença mental; o habitual, produto do meio social; o ocasional, indivíduo sem firmeza de caráter e versátil na pratica do crime; e o passional, homem honesto, mas de temperamento nervoso e sensibilidade exagerada. Dividiu as paixões em sociais (amor, piedade etc.), que devem ser amparadas e incentivadas, e anti-sociais (ódio, inveja, avareza etc.), que devem ser reprimidas severamente. (grifo do autor).

Até os dias atuais, Lombroso, Ferri e suas teorias encontram adeptos,

principalmente entre aqueles que acreditam em reduções meramente biológicas

quanto à questão da criminalidade. Não se trata, contudo, de desmerecer os

avanços que representaram para a época os estudos desse médico, particularmente

na criação da Antropologia Criminal, em suas contribuições para a Criminologia e,

por conseqüência, ao Direito Penal.

Também necessário se faz citar a Terceira Escola e a Escola Alemã, que surgem

posteriormente harmonizar os princípios da Escola clássica com as inovações

experimentais da Escola Positiva. O Direito Penal era separado das demais ciências

penais para ser estudada, a causalidade do crime era analisada e a reforma social

era vista como necessário dever do estado para combater os crimes.

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Mirabete (2003, p. 43), afiança justamente nesse sentido, informando que:

Procurando conciliar os princípios da Escola Clássica e o tecnicismo jurídico com a Escola Positiva, surgiram escolas ecléticas, mistas, como a Terceira Escola (Alimena, Carnevale, Impalomeni) e a Escola Moderna Alemã. Aproveitando as idéias de clássicos e positivistas, separava-se o Direito Penal das demais ciências penais, contribuindo de certa forma para a evolução dos dois estudos. Referiam-se os estudiosos à causalidade do crime e não a sua fatalidade, excluindo, portanto, o tipo criminal antropológico, e pregavam a reforma social como dever do Estado no combate ao crime. Da Escola Moderna Alemã resultou grande influência no terreno das realizações práticas, como a elaboração de leis, criando-se o instituto das medidas de segurança, o livramento condicional, o sursis etc. (grifos do autor).

O estudo do indivíduo criminoso passa a ter uma perspectiva humanista e a

vinculação da ressocialização do condenado ao processo positivo de rompimento do

processo de violência, fica mais frequente, a medida que é vista a defesa da

sociedade com a adaptação do apenado ao meio social.

2.2 O Direito Penal no Brasil: breve evolução histórica

Quando do início do processo de colonização na América, particularmente na

América Portuguesa, coexistiam tribos que se encontravam em diferentes fases de

evolução. Algumas tribos se encontravam no período paleolítico, enquanto outras se

encontravam no período do neolítico.

Apesar destas diferenças, que antropologicamente são fundamentais, necessário se

faz dizer que o índio brasileiro baseava-se nos costumes para o exercício da

punição. Não existem registros escritos do período, pois tais populações ainda não

possuíam a escrita como um de seus aspectos, de maneira que a vingança privada

e a divina eram aquelas utilizadas em tais comunidades.

Vigorou no Brasil, durante o período colonial, até 1512, as Ordenações Afonsinas e

as Manuelinas, até 1603. Posteriormente vieram as Ordenações Filipinas, as quais

se assimilavam ao direito penal dos tempos medievais.

De acordo com Emerson Santiago (2011, n.p):

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São chamadas de Ordenações Afonsinas uma coleção de leis destinada a regular a

vida doméstica dos súditos do Reino de Portugal a partir de 1446, durante o reinado

de D. Afonso V. (...) As Ordenações Afonsinas estão organizadas em cinco livros,

seguindo a organização dos Decretais de Gregório IX (de 1234 - coletânea de

normas pontifícias).

Assim, tem-se que, mesmo durante o incipiente processo de colonização do início

do século XVI, já havia, no Brasil Colônia, um ordenamento jurídico destinado a

estabelecer a ordem social, bem como resguardar direitos e pautar deveres, ainda

que estes, em regras, se aplicassem de maneira diferente aos diferentes estamentos

sociais (isso tendo em vista, por exemplo, a escravidão existente no período).

Karen Dias (2011, n.p.), explana sobre as Ordenações Manuelinas, afirmando que:

As segundas ordenações, as Ordenações Manuelinas (1514-1603), foram determinadas pela existência de vultoso número de leis e atos modificadores das Ordenações Afonsinas. Foram seus compiladores: Rui Boto, Rui da Grá e João Cotrim, que iniciaram seu trabalho em 1501, no reinado do Dom Manuel I e terminaram-no, mais ou menos, em 1514. Apresentavam a peculiaridade de uma duplicidade de edições: a primeira data de 1512-1514 e a segunda de 1521.

E ainda a mesma autora (2011, n.p.), complementa, dizendo que:

As Ordenações Filipinas, juntamente com as leis extravagantes, tiveram vigência no Brasil de 1603 até 1916. Esta compilação data do período do domínio espanhol, sendo devida aos juristas Paulo Afonso, Pedro Barbosa, Jorge de Cabedo, Damião Aguiar, Henrique de Souza, Diogo da Fonseca e Melchior do Amaral, que começaram seus trabalhos no reinado do rei espanhol Felipe I (1581-1598), terminaram-no em 1603, no reinado de Felipe II (1598-1621). Essas ordenações objetivaram a atualização das inúmeras regras esparsas editadas no período de 1521 a 1600, não produzindo grandes alterações nas fontes subsidiárias exceto transformações de cunho formal.

Assim, é possível afirmar que, durante o período do Brasil Colonial, vigeram as

ordenações como arcabouço jurídico. Em um apanhado, no tocante a legislação

vigente no período colonial brasileiro, José Fábio Rodrigues Maciel (2006, n.p).

assegura que:

O sistema jurídico que vigorou durante todo o período do Brasil - Colônia foi o mesmo que existia em Portugal, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas Ordenações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e, por último, fruto da união das Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência, as Ordenações Filipinas, que surgiram como resultado do domínio castelhano. Ficaram prontas ainda durante o reinado de Filipe I, em 1595, mas entraram efetivamente em vigor em 1603, no período de governo de Filipe II.

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Outro fator que merece atenção é o fato de que, nesse período, também dada a

conjuntura vivenciada na Europa, e sendo aquele continente o modelo de

ordenamento jurídico vigente no país, existia uma vinculação do crime ao pecado, o

que fazia com que a Igreja tivesse um papel bastante significativo no julgamento e

na execução da pena. Saliente-se que o período colonial brasileiro, em seu principio,

coincide com o período inquisitorial mais rígido na Europa, o que gerou reflexos no

ordenamento jurídico nacional, bem como na conceituação do que era de fato crime.

A esse respeito, ressalta Mirabete (2003, p.42-43) que:

O crime era confundido com o pecado e a ofensa moral, punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores. Eram crimes a blasfêmia, a benção de cães, a relação sexual de cristão com infiel etc. As penas, severas e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras, etc.), visavam infundir o temor pelo castigo. Além da larga cominação da pena de morte, executada pela forca, pela tortura, pelo fogo etc., eram comuns as penas infamantes, o confisco e as galés.

Esse fato, de ordem comum na Europa, também se repetia no Brasil, uma vez que o

último seguia os parâmetros jurídicos da primeira. Assim, pelo disposto, é possível

afiançar que o delito se confundia com a ofensa moral e com o pecado, sendo que

os indivíduos considerados feiticeiros ou hereges eram punidos de forma

extremamente cruel, justamente em razão do fato da punição ainda estar bastante

vinculada a crimes ditos religiosos, ou de crença, o que, atualmente, não é mais

plausível, dada a secularização do direito.

Resta salientar que neste período era comum a pena de morte e a tortura, sendo

que em muitos casos (particularmente nos casos de crimes de culto ou de honra) os

crimes eram punidos com mutilação, queimaduras, açoites, penas infamantes e mais

práticas cruéis. A blasfêmia, o relacionamento de cristão com infiel, dentre outros,

também eram consideradas práticas criminosas.

Esses critérios perduraram principalmente durante o período colonial, sofrendo

alterações a partir do processo de independência que, ainda de maneira incompleta,

fomentou uma “independência jurídica” do até então Brasil Colônia, pois, a partir

desse momento, o ordenamento jurídico passou a ter uma conotação mais

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delineada das características nacionais, desvinculando-se do ordenamento da

Metrópole.

Em uma continuação do histórico da evolução do Direito Penal no Brasil, afirma

Mirabete (2003, p. 43) que, uma vez:

Proclamada a independência,previa a Constituição de 1824 que se elaborasse nova legislação penal e, em 16-12-1830, era sancionado o Código Criminal do Império. De índole liberal, o Código Criminal (o único diploma penal básico que vigorou no Brasil por iniciativa do Poder Legislativo e elaborado pelo Parlamento) fixava um esboço de individualização da pena, previa a existência de atenuantes e agravantes e estabelecia um julgamento especial para os menores de 14 anos. A pena de morte, a ser executada pela forca, só foi aceita após acalorados debates no Congresso e visava coibir a pratica de crimes pelos escravos.

A partir da Constituição de 1824, elaborada após a proclamação da Independência,

havia planos para a elaboração de uma também nova legislação penal. O Código

Penal do Império, datado de 16 de dezembro de 1830 é exemplo desse feito. A partir

desse conjunto legal, a pena passou a ser individualizada, bem como as atenuantes

e agravantes, e ainda a situação do menor de idade. No tocante à pena de morte, a

mesma era legalizada, entretanto, teve pouco emprego no Brasil, sendo utilizada

basicamente contra escravos, e através da forca.

Sob esse aspecto, ressalta Mirabete (2003, p. 43) que:

Com a proclamação da República foi editado em 11-10-1890, o novo estatuto básico, agora com denominação de Código Penal. Logo, foi ele alvo de duras críticas pelas falhas que apresentava e que decorriam, evidentemente, da pressa com que fora elaborado. Aboliu-se a pena de morte e instalou-se o regime penitenciário de caráter correcional, o que constituía um avanço na legislação penal. Entretanto, o Código era mal sistematizado e, por isso, foi modificado por inúmeras leis até que, dada a confusão estabelecida pelos novos diplomas legais, foram todas reunidas na Consolidação das Leis Penais, pelo Decreto n° 22.213, de 14-12-1932.

Proclamada a República é criado um novo Código Penal, datado de 11 de outubro

de 1989, no qual estava previsto a abolição da pena de morte e a instalação de um

sistema penitenciário cujo caráter fosse correcional.

Em razão da celeridade com que o mesmo foi elaborado, até mesmo em razão das

transformações políticas e sociais vivenciadas no período, várias lacunas foram

duramente criticadas pelos juristas, o que motivou a alteração desse conjunto legal

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em inúmeras oportunidades, até que os diplomas legais redigidos fossem reunidos

pelo Decreto n° 22.213, de 14 de dezembro de 1932, na Consolidação das Leis

Penais.

Também na obra de Mirabete (2003, p. 43), este afirma:

Em 1°-1-1942, porém, entrou em vigor o Código Penal (Decreto-lei 2.848, de 7-12-1940), que ainda é nossa legislação penal fundamental. Teve o Código origem em projeto de Alcântara Machado, submetido ao trabalho de uma comissão revisora composta de Nelson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira. É uma legislação eclética, em que se aceitam os postulados das escolas Clássica e Positiva, aproveitando-se, regra geral, o que de melhor havia nas legislações modernas de orientação liberal, em especial nos códigos italiano e suíço. Seus princípios básicos, conforme assinala Heitor Costa Junior, são: a adoção do dualismo culpabilidade-pena e periculosidade-medida de segurança; a consideração a respeito da personalidade do criminoso; a aceitação excepcional da responsabilidade objetiva.

Continuando a trajetória histórica da legislação penal brasileira, no ano de 1942,

através do Decreto n° 2.848, datado de 07 de dezembro de 1940, passou a viger o

Código Penal atual. Este conjunto legal mescla influências das escolas Clássica e

Positiva, bem como sofreu influência dos códigos italiano e suíço. Tinha como

princípios básicos o dualismo culpabilidade-pena e periculosidade-medida de

segurança. A personalidade do criminoso e a responsabilidade objetiva também

foram objetos de análise destacado no texto legal.

Ainda Mirabete (2003, p. 43) afiança que:

Tentou-se a substituição do Código pelo Decreto-lei n° 1.004, de 21-10-1969. As críticas a esse novo estatuto, porém, foram tão acentuadas que foi ele modificado substancialmente pela Lei n° 6.016, de 31-12-73. Mesmo assim, após vários adiamentos da data em que passaria a viger, foi revogado pela Lei n° 6.578, de 11-10-1978.

No ano de 1969 cogitou, através de outro decreto, a substituição desse arcabouço

legal por outro, entretanto, tal organização foi objeto de diversas críticas, até que, no

ano de 1973 foi modificado pela Lei nº 6016/1973, acabando por ser revogado pela

Lei nº 6578/1978.

Atualmente a sociedade vem exercendo forte pressão para que o conjunto legal que

rege o direito penal nacional sofra alterações bastante drásticas, tendo sido objeto

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de análise, inclusive, a alteração da maioridade penal. Necessário se faz salientar

que tais mobilizações populares e pressões exercidas através de mídias cada vez

mais capazes de difundir e influenciar opiniões, é resultado da crescente

criminalidade vivenciada no país.

De certa forma, como conseqüência da espiral de criminalidade, a população,

acuada por esse fenômeno, tendo a clamar por leis cada vez mais severas, sem

atentar, entretanto, que é a forte sensação de impunidade que fomenta o crime, e

não leis que são supostamente mais brandas.

Concomitantemente a este fenômeno, encontra-se a questão da ressocialização do

condenado, que é justamente, o objeto principal de análise deste trabalho, sem a

qual se torna improvável sua reinserção no ambiente social do qual foi apartado

temporariamente, aumentando assim, por conseguinte, a chance de reincidência, e,

logo, em um processo cíclico, o aumento da criminalidade.

2.3 Reforma do sistema penal (Lei nº 7209, de 11/07/1984)

A tentativa de reforma do Código Penal fora infrutífera, então a Portaria n° 1043 de

27/11/1980 formou uma comissão para elaboração de um anteprojeto de lei para

que reformasse o Código Penal de 1940. Tal comissão teve por presidente

Francisco de Assis Toledo e seus membros eram Francisco Serrano Neves, Miguel

Reale Junior, Renê Ariel Dotti, Ricardo Andreucci, Rogério Lauria Tucci e Helio

Fonseca.

Houve muitas inovações no Código, apoiadas no princípio nullun crimen sine culpa e

na reformulação das penas. A reformulação do instituto do erro foi uma delas, a

diferença entre erro de tipo e erro de proibição como excludentes de punibilidade.

Os crimes qualificados passam a ter norma especial, sendo que o capítulo que se

referia ao concurso de agentes fora modificado. Surgem as penas alternativas para

os crimes de menor potencial ofensivo, bem como foi criada a multa reparatória,

dentre outras inovações e modificações.

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Quando a comissão revisou o anteprojeto, porém, a multa reparatória fora excluída

deste juntamente com outras modificações. Então o Projeto de Lei n° 1656-A de

1983 foi encaminhado ao Congresso e foi aprovado. Foram apresentadas propostas

de emendas na Câmara dos Deputados e no Senado, as quais formaram a Lei n°

7029, de 11/07/1984 que passou a vigorar seis meses após a publicação.

Mirabete (2003, p. 44), assegura que:

A nova lei é resultado de um influxo liberal e de uma mentalidade humanista em que se procurou criar novas medidas penais para os crimes de pequena relevância, evitando-se o encarceramento de seus autores por curto lapso de tempo. Respeita a dignidade do homem que delinqüiu, tratado como ser livre e responsável, enfatizando-se a culpabilidade como indispensável à responsabilidade penal.

Percebe-se que o novo Código Penal abordou temas essenciais bem como os

crimes de menor gravidade e a dignidade do preso. Porém foi alvo de diversas

críticas.

A violência teve um aumento considerável, e a nova lei não apresentou respostas a

esse fenômeno. Leis esparsas foram criadas na tentativa de aplacar a insatisfação

da população, entretanto, não obtiveram o retorno julgado necessário. Um exemplo

que pode ser citado é o caso da Lei de Crimes Hediondos, que foi elaborada

justamente como resposta ao assassinato de uma atriz, o que ensejou o

endurecimento das penas referentes a crimes mais graves.

Nesse sentido, afirma Márcio Gai Veiga (2003, n.p.):

A Lei de Crimes Hediondos representa uma grande mutação da forma com

que o Estado passou a tratar determinados crimes; crimes estes

considerados pelos legisladores, como de maior gravidade social. Estes, a

partir do início da vigência da Lei de Crimes Hediondos, passaram a ser

tratadas com uma forma punitiva mais agressiva por parte de um Estado

que, na época, já se via acuado por crimes como o seqüestro, por exemplo,

que já chocavam a população, que, por sua vez, clamava por punições mais

severas para os mesmos.

E ainda complementa o referido autor (2003, n.p.), afirmando que:

Porém o que se percebeu foi uma lei que acolheu os clamores populares,

mas, de uma forma que colide frontalmente com os princípios penais e, sob

certos pontos aspectos, com a Constituição Federal, o que revela um

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enorme contra-senso da mesma com o ordenamento jurídico a ela

pertinente.

Assim, uma lei que afrontava princípios penais e mesmo constitucionais, apesar do

grande apelo popular, teve seu entendimento alterado para a satisfação de tais

princípios. Isso fez com a população, ao invés de se sentir protegida pela norma em

questão, tivesse uma sensação de “afrouxamento” da mesma, gerando insatisfação

e mesmo um clima de insegurança generalizada.

Outra questão que também pode ser citada é a do Regime Disciplinar Diferenciado,

que procurava dificultar a comunicação de presos que chefiavam organizações

criminosas com os membros em liberdade, ou ainda orquestrar rebeliões e

assassinatos dentro do próprio sistema prisional. Entretanto, tais normatizações não

foram suficientes, nem para aplacar a onda crescente de criminalidade, nem para

satisfazer a população e criar um clima de maior segurança institucional.

Outra crítica considerável foi a falta de diferenciação entre os criminosos mais

graves dos menos perigosos, desatenção da nova lei à periculosidade do agente

dificultava a aplicação das penas e das medidas de segurança.

De maneira que, a reforma que foi realizada, longe de satisfazer o público e

solucionar o problema da criminalidade, gerou apenas um paliativo, fato este que

pode ser atestado pela crescente manifestação popular acerca de uma nova reforma

e elaboração de leis mais severas quanto à punição dos criminosos.

Assim, a já citada Lei nº 8072 (lei que dispõe sobre os crimes hediondos) datada do

ano de 1990 veio para sanar as omissões deste Código. Determina a

impossibilidade da anistia, da graça e do indulto, bem como trata das questões da

fiança e da liberdade provisória e da vedação do livramento condicional e do prazo

de cumprimento de pena.

A alteração na legislação penal, no entanto, se faz necessária, principalmente na

parte especial do Código Penal e no tocante às leis especiais penais para o

aperfeiçoamento da Justiça Criminal.

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3.Tratamento legal no Brasil para a ressocialização

Após a tratativa do histórico da evolução do Direito Penal em âmbito mundial, bem

como a evolução do Direito Penal Brasileiro, faz-se a necessidade, para a

consecução deste trabalho, da abordagem do tratamento legal destinado à

ressocialização no Brasil.

É possível afirmar que a ressocialização se dá por meio da aplicação de uma política

pública carcerária, de acordo com a qual a recuperação do apenado depende de sua

segregação temporária do meio social, sendo que, após o cumprimento do

determinado na sentença, seria reinserido no grupo social. Entretanto, a temática

possui diversos matizes para que uma solução a contento possa ser elaborada, e

passa, necessariamente, pelo processo de ressocialização do preso, como

ferramenta principal para a consecução da lei penal.

Assim, a ressocialização do condenado tem por objetivo sua reinserção no meio

social, de maneira que se torne um indivíduo capaz de interagir com os demais de

maneira a não delinquir, bem como possa manter-se sem tal prática. Em suma: que

se torne um indivíduo útil, para si e seu grupo social, bem como para o meio no qual

está inserido.

No artigo 1° da Lei de Execução Penal percebe-se a dupla finalidade da execução

penal: “Artigo 1º - Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de

sentençaou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração

social do condenado e do internado.”

A autora Carolina Pereira Kirst (2009, n.p.) assevera quanto à Lei de Execuções

Penais, que esta norma foi a primeira elaborada tendo por finalidade: “(...) regular a

execução penal de forma abrangente, trazendo, também, indispensavelmente,

muitos artigos referentes aos direitos dos presos, com uma postura humanista.”

Observa-se, portanto a importância que a execução penal exerce na integração

social do condenado, pois, ao expressar isto no texto de lei, o legislador demonstra

que a função da prisão é corrigir o criminoso e não deixar que ele cometa os

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mesmos erros após o cumprimento da pena. Se assim fosse, o sistema penitenciário

representaria meramente um depósito em que o apenado permanecesse com a

única função de segregá-lo, até que ele saia, delinqua novamente e retorne ao

sistema.

No tocante ao respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, há que se

avaliar as condições míninas disponibilizadas pelo Estado nesse processo de

ressocialização.

Nesse sentido, ainda Carolina Pereira Kirst (2009, n.p.), afirma que:

Em um Estado Democrático de Direito, como objetiva nossa Constituição Federal, prioriza-se a realização do bem estar do ser humano e o respeito por sua dignidade, sendo esta um dos fundamentos expressamente previstos. Nossa República rege-se, em suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos, sendo que estes também orientam, internamente, todo o ordenamento jurídico. Quase todas as Constituições dos modernos Estados Democráticos de Direito, como a brasileira, partem deste princípio: a dignidade humana. Em nações conduzidas por regimes autoritários não há compromisso com a garantia dos Direitos Humanos. Em um meio social justo e pacífico, a dignidade da pessoa humana é a viga mestra, sem sombra de dúvida. Na verdade, se quisermos avaliar a evolução de uma sociedade, basta que pesquisemos o quanto esta mesma sociedade protege a dignidade do homem. É neste aspecto que ela mostra a sua alma.

A autora sintetiza o princípio basilar de um Estado Democrático de Direito, que é o

respeito e a prevalência dos Direitos Humanos e Garantias Individuais. Esses

direitos e garantias são extensíveis a todos os indivíduos sob a égide legal, não se

descartando, portando, aqueles indivíduos que se encontram sob tutela do Estado

durante o cumprimento da sentença exarada nos moldes desses mesmos princípios.

Assim, é necessário ressaltar que é dever do Estado a tomada de medidas

necessárias para o retorno do condenado ao convívio social, e é direito do apenado

que seu retorno se dê com as ferramentas necessárias para que possa, de fato,

reinseri-se no grupo social do qual foi momentaneamente privado em razão de seu

delito.

De maneira que, para a redução de fato da criminalidade, o Estado deve dispor a

seus agentes ferramentas efetivas de reinserção do apenado, caso contrário, tratar-

se-ia de um mero paliativo social, por assim dizer, tirando momentaneamente o

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indivíduo do convívio social, mas reforçando sua atuação criminosa, dado o caos do

sistema penitenciário nacional.

As ações de ressocialização devem buscar reduzir os níveis de reincidência, daí a

importância da utilização de medidas educativas e que auxiliem na capacitação

profissional, bem como trabalhos de conscientização psicológica e social. Os

objetivos principais da inserção do indivíduo no sistema penitenciário são a

ressocialização e a reabilitação deste, através de uma espécie de compensação do

mal causado à sociedade pelo delinqüente, que se traduz na pena imposta a este.

Assim se espera a prevenção de novos delitos por temor à penalização que é

imposta, e também a regeneração do criminoso, que deverá ser reintegrado a

sociedade. Há que se ressaltar que existe a necessidade dupla de se ressocializar o

indivíduo, para que este não volte a delinquir, bem como para que este possa estar

inserido utilmente no meio social do qual foi segregado.

Acerca da prevenção dos delitos ressalva-se Cesare Beccaria (2005, p. 131):

Quereis prevenir os delitos? Fazei que com que as leis sejam claras, simples e que toda força da nação se concentre em defendê-las e nenhuma parte dela seja empregada para destruí-las. Fazei com que as leis favoreçam menos as classes dos homens do que os próprios homens. Fazei com que os homens as temam, e temam só a elas.

Pelo disposto acima, é possível compreender que Beccaria, já àquela época,

ressaltava a necessidade de uma legislação simples e acessível à população, para

que, de tal maneira, a mesma, ao compreendê-la, pudesse segui-la com facilidade.

Do mesmo modo, salientou a necessidade da lei proteger o indivíduo e não o

estamento social que ele representa. Isso seria a verdadeira justiça: o homem

respondendo por seus atos sem a interferência da classe social a qual ele pertence,

ou seja, a ação tendo uma reação e toda reação sendo igual para todos os homens,

independentemente de sua condição social.

O sistema penitenciário brasileiro pretende, com a pena privativa de liberdade,

proteger o meio social e preparar o apenado para sua reinserção. É justamente por

esse motivo que o detento é afastado da sociedade, tendo em vista que, o

ordenamento jurídico que rege o país, prevê que este é o principal objetivo. No

entanto, como afirma Mirabete (2002, p. 24), não é isso que acontece na realidade:

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A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior (...). A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.

A pena não reintegra o apenado por si só, há um conjunto de meios que deverão ser

utilizados, bem como a participação da família. A Lei de Execução Penal traz que o

apenado deverá responder ao processo pelo que foi condenado, visto que ele tem

todos os direitos que não foram retirados pela pena e pelo texto legal, portanto

perdendo sua liberdade de ir e vir, porém sempre deverá ser tratado com dignidade,

respeitando assim o Principio Constitucional da Dignidade Humana. O preso

também tem o direito de não sofrer violência física ou moral.

Diz Zacarias (2006, p.35):

“A execução da pena implica uma política destinada à recuperação do preso, que é

alçada de quem tem jurisdição sobre o estabelecimento onde ele está recluso.”

Tendo em vista que a execução criminal respeita todas as garantias constitucionais,

devem ser desenvolvidos sistemas que auxiliem na reabilitação do preso, pois na

Legislação brasileira está descrito que esta se faz necessária, e está qualificada

como um objetivo da pena imposta.

Diz ainda Zacarias (2006, p. 35):

Apesar de moderna, procurando racionalizar, desburocratizar e flexibilizar o funcionamento do sistema prisional, a Lei de Execuções Penais não tem produzido os resultados concretos almejados por seus autores e esperados pela sociedade. Tal ineficácia está na omissão do Poder Executivo que, procurando de todas as formas dirimir e eximir-se de suas obrigações básicas no plano social, até a presente data não houve investimentos necessários em escolas, em fábricas e fazendas-modelo, ou mesmo comércio; em pessoal especializado e em organizações encarregadas de encontrar postos de trabalho para os presos em regime semi-aberto e aberto, principalmente para os egressos dos estabelecimentos penais.

Os recursos necessários para que ocorram efetivas mudanças no sistema

penitenciário do Brasil estão, de fato, presentes na Lei de Execução Penal. Se essa

legislação fosse exercida em sua integralidade, a sociedade, de maneira geral, bem

como os apenados, seria beneficiada de maneira incisiva, uma vez que, dessa

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forma, a ressocialização não seria uma palavra vazia no ordenamento jurídico, mas

sim uma política efetiva e contundente. Por isso ressalta-se a importância da

participação da sociedade na ressocialização do preso, e não só dos que trabalham

diretamente com os mesmos, mas de todos aqueles que, de alguma maneira,

encontram-se vinculados a esse processo, funcionários públicos ou não.

No ordenamento jurídico brasileiro fica clara a função da pena no sentido de que

esta deverá punir o delinqüente pelo ato criminoso praticado, prevenindo que a

sociedade sofra com a prática de novos delitos, bem como a reintegração do preso

nesse mesmo grupo social, de forma que o criminoso se reestruture e se torne

novamente útil. Portanto percebe-se que a punição está muito próxima da

humanização nesse sentido.

Pode-se dizer que a ressocialização tem o papel de resgatar a dignidade do

condenado, auxiliando no amadurecimento do mesmo e incentivando ao

aprimoramento profissional deste, dentre outras formas de incentivo. Assim, o

processo de ressocialização tem por objetivo não apenas evitar que novas práticas

criminosas ocorram e, por conseguinte, onerem a sociedade, mas também de

reinserir com eficiência o preso no ambiente social, tornando a vida desse indivíduo

mais proveitosa e salutar, para ele e para aqueles que com ele convivem.

No artigo 1° da Declaração Universal dos Direitos Humanos lê-se:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de

razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de

fraternidade.”

Conclui-se que quando um indivíduo comete um crime ele deve sim, ser

responsabilizado pelas conseqüências do mesmo, mas mesmo durante esse

processo de responsabilização, continua tendo todos os direitos inerentes ao ser

humano, ou seja, continua sendo um sujeito de direito que, em sendo corrigido,

tendo em vista que errou, ainda assim, precisa de tratamento digno e humano

possibilitando sua posterior reinserção na sociedade.

De acordo com Mirabete (2002, p. 87):

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Exalta-se seu papel de fator ressocializador, afirmando-se serem notórios os benefícios que da atividade laborativa decorrem para a conservação da personalidade do delinqüente e para a promoção do autodomínio físico e moral de que necessita e que lhe será imprescindível para o seu futuro na vida em liberdade.

A reabilitação do apenado ao meio social com dignidade tem muitas vezes seu

caminho mais fácil através do trabalho, este que é extremamente importante na

conquista dos valores morais e materiais e no estimulo ao crescimento e

aperfeiçoamento profissional.

Nesse sentido destaca-se o artigo 29 da Lei de Execução Penal:

“O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá

finalidade educativa e produtiva”.

A preparação da família do condenado, bem como os profissionais que trabalham

diretamente com este deve ser de extrema importância para o processo de

reabilitação criminal de forma a ajudar o criminoso a não mais ter razão para ser

intitulado assim. Para tanto essas pessoas devem estar de braços abertos para

receber e estimular o apenado na sua nova jornada. Por isso afirma Mirabete (2002,

p. 23): “Os vínculos familiares, afetivos sociais são sólidas bases para afastar os

condenados da delinqüência”.

E continua o renomado jurista (2002, p. 23):

O direito, o processo e a execução penal constituem apenas um meio

para a reintegração social, indispensável, mas nem por isso o de

maior alcance, porque a melhor defesa da sociedade se obtém pela

política social do estado e pela ajuda pessoal.

A aproximação na relação do apenado e dos que convivem com ele é essencial,

tendo em vista que esse processo de aproximação potencializa a ressocialização,

bem como promove um ambiente em que o apenado tenha maior confiança em sua

reinserção e, por conseguinte, na possibilidade de reconstituição de seus laços

sociais e familiares.

Como já dizia Cesare Beccaria (2005, p.89), afirma:

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O espírito de família é um espírito de detalhes, limitado aos pequenos fatos. Já o espírito regulardor das repúblicas, senhor dos princípios gerais, vê os fatos e os situa nas classes principais e importantes para o bem da maioria. Na república de famílias, os filhos permanecem sobre o poder do chefe, enquanto ele viver, estão obrigados a esperar até sua morte para ter uma existência que dependa unicamente das leis. (...) Quando a república é de homens, a família não é uma subordinação de comando, mas de contrato.

Compreende-se, pois, que o indivíduo, anteriormente, tenha tido alguma base

familiar e outros indivíduos que lhe tenham servido de figuras representativas. Com

isso, pretende-se explicar que a figura do indivíduo norteador acaba por transmitir as

coordenadas para a vida adulta. Se o indivíduo a ser ressocializado se perdeu em

meio a essa trajetória cometendo alguma infração penal, fica sujeito a pena, tendo,

pois, que se responsabilizar por seus atos e encontrar outros parâmetros de ação,

para que assim retorne às suas atividades e se reinsira na sociedade.

Quando o individuo é submetido ao sistema prisional e tem sua liberdade restrita,

muitos direitos que o mesmo possui também são cerceados provisoriamente. Há

que se elencar o isolamento do preso, a perda do convívio familiar, de seu direito de

ir e vir, além, de certo modo, da perda de sua individualização, de sua imagem, uma

vez que o sistema prisional prevê uma padronização de roupas, cabelo, bem como

fornece uma matrícula ao apenado, que passa a ser a forma pela qual ele é

identificado. Assim, o apenado deixa de ser um indivíduo pleno de direitos e

características para se transformar em um indivíduo representado por um número,

devendo, a partir deste momento se submeter às regras do local.

Diversas são as regras que norteiam o ambiente interno do sistema prisional. Assim

que são inseridos no sistema, os indivíduos aprendem, muitas vezes de maneira

brutal, como se portar nesse novo grupo social. Até a forma como andam pelos

corredores ou se portam frente aos funcionários e presos com maior “prestigio” no

sistema são estabelecidas. Existe como que uma divisão social entre os presos e

esta deve ser respeitada, assim como devem ser respeitadas as normas de conduta

e higiene, por exemplo. É possível afirmar que o código de conduta dos presos é

bem mais rígido. Há que se salientar que o confinamento é um fator que potencializa

as explosões de violência, bem como obrigam os indivíduos sob esse sistema que

mantenham rígidas suas condutas, para que se torne menos penosa a convivência.

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No artigo 3° da Lei de Execução penal é assegurado os direitos do condenado: “ Ao

condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela

sentença ou pela lei”.

No artigo 41 da mesma lei há um rol que demonstram quais são os direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - previdência social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o

descanso e a recreação;

Vl - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e

desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da

pena;

Vll - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e

religiosa;

Vlll - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias

determinados;

Xl - chamamento nominal;

Xll - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da

individualização da pena;

Xlll - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de

direito;

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XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência

escrita, da leitura e de outros meios de informação que não

comprometam a moral e os bons costumes.

Parágrafo único - Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão

ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do

estabelecimento.”

Tem-se, pois, muitos direitos resguardados aos detentos, de modo a preservar o

Princípio da Dignidade Humana e proporcionar uma vida restrita, porém, com

direitos fundamentais que não podem ser restringido, e, portando, devem ser

resguardados pelo Estado. Assim, o indivíduo que comete algum delito deve arcar

com a responsabilidade gerada pelo ato criminoso, bem como aprender com esse

apenamento de maneira a prevenir novos crimes, tendo ainda por objetivo a

reinserção do indivíduo na sociedade. Como já foi ressaltado, tem-se a importância

da família e das pessoas que conviviam com o preso, tanto que é possível notar o

destaque do texto de lei para com essa questão. Principalmente no inciso X o qual

trata do direito de visita, este se faz muito importante para que o apenado não perca

o contato com os seus, o que tornaria o processo de ressocialização mais difícil e

menos eficiente.

Alguns aspectos cotidianos devem ser ressaltados como demonstrativos do

cerceamento de direito dos presos. Por exemplo, no tocante ao direito de visitação,

o preso pode cadastrar até dez visitantes, dos quais poderão entrar quatro no dia

estabelecido para a visita, exceto no Departamento de Polícia Especializada, o

DCCP, onde é permitida a entrada de apenas um visitante. O preso ainda tem direito

a visita íntima e a visita de seus filhos. Menores de dezoito anos e maiores de um

ano poderão visitar aos pais sem restrição quando acompanhados de quem detém

sua guarda e apresentados os documento que comprovem a filiação. Tudo isso para

que o detento não fique afastado de seus familiares, o que é de suma importância

para ele e para o processo de ressocialização já iniciado desde a privação da

liberdade do indivíduo.

O detento tem condições perante a legislação brasileira de ter iniciado seu processo

de reabilitação com dignidade, visto que tem direito a assistência material, direito a

saúde, a assistência educacional, religiosa e jurídica.

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A Lei de Execução Penal nos traz no artigo 10º: “a assistência ao preso e ao

internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à

convivência em sociedade. Parágrafo único: A assistência estende-se ao egresso”

Atualmente os presídios brasileiros não conseguem atender àquilo que está disposto

na legislação. As condições em que o apenado é mantido geram, além de um alto

custo ao erário público, um baixo índice de ressocialização e, por consequência, um

alto índice de reincidência. O que se espera como mínimo em termos de

atendimento ao apenado não é conseguido, fazendo com que um sistema que é

extremamente caro se torne, do mesmo modo, extremamente ineficiente. Fazem-se

necessárias políticas públicas efetivas para organização e efetivação da Lei de

Execução Penal, postulando-se assim, para que a dignidade e os direitos básicos

sejam assegurados aos detentos, bem como o sistema prisional se mostre eficaz no

tocante ao processo de ressocialização do apenado.

Sendo assim, é possível afirmar que a legislação brasileira que trata da questão da

execução penal e do sistema prisional vem se tornando letra morta, tendo em vista

que, apesar de serem elencadas inúmeras políticas para ação nesse fenômeno,

poucas delas recebem implementação de fato. De modo que, de um lado, tem-se a

população carcerária que se encontra confinada em situação precária, de outro, a

sociedade, insatisfeita, insegura e em meio a este caos, os agentes públicos que

trabalham direta ou indiretamente com os apenados, que vivem em situação de

pânico, dadas a quantidade de ataques, rebeliões e retaliações sofridas. E a par de

tudo isso, alheio, encontra-se o Estado, que não desenvolve políticas eficazes para

solucionar tal problemática.

Beccaria(2005, p. 130/131) demonstra:

É melhor prevenir os delitos do que puni-los. É este o escopo principal de toda boa legislação, que é a arte de conduzir os homens ao máximo de felicidade ou ao mínimo de infelicidade possível, conforme todos os cálculos dos bens e dos males da vida. Mas os meios até agora empregados têm sido, em sua maioria, falsos e contrários ao fim proposto. Não é possível reduzir a turbulenta atividade dos homens a uma ordem geométrica sem irregularidade e confusão. Assim como as leis da natureza, constantes e simplíssimas, não impedem que os planetas sofram perturbações em seus movimentos, assim também nas atrações infinitas e muito opostas do prazer e da dor as leis humanas não podem impedir as perturbações e a desordem.

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Assim, de acordo com o autor, a prevenção do delito é mais simples e mesmo

socialmente sofrível que sua punição, sendo função da legislação conduzir o

indivíduo a pautar sua ação de modo que isso ocorra. Segundo o autor, é a

legislação a responsável.

Conclui-se no âmbito brasileiro que o legislador foi perfeito em seu texto legal,

porém falta efetividade neste texto. Com a falta de políticas públicas e o descaso

com as normas a dificuldade de inversão desse quadro fica longe da realidade.

Porém as discussões e várias propostas de melhoras para esse sistema se fazem

presentes.

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4. Eficiência no sistema de ressocialização

No tocante a pena e seu caráter ressocializador, é importante ressalvar a teoria

mista da finalidade da pena adotada no Brasil, esta teoria dispõe que a pena tem

duas finalidades, quais sejam a punição efetiva do apenado e sua posterior

reintegração social. Assim está descrito no artigo 1° da Lei de Execução Penal (Lei

7.210):

“A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão

criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado

e do internado.”

Percebe-se que a pena tem caráter ressocializador, visto que tem o objetivo de

corrigir e educar o condenado reinserindo-o na sociedade, o legislador formulou a

redação da lei da melhor forma possível e é certo que na teoria o condenado sairia

do sistema carcerário com uma melhor perspectiva de vida, pois estaria arrependido

e teria aprendido como ser útil e honesto para seu retorno ao convívio social, bem

como consta no artigo 59 do Código:

“o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à

personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias do crime, bem como ao

comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para

reprovação e prevenção do crime”.

O artigo 5° da Constituição Federal de 1988, nos incisos XLVIII e XLIX traz:

(...) XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (...). Com essas garantias constitucionais o apenado teria maiores condições de efetivar o cumprimento da pena e posterior reinserção à sociedade. Além destas garantias o preso tem direito a assistência jurídica integral e gratuita, o que está disposto na Lei de Execução Penal, nos artigos 15 e 16.

Outros direitos do apenado estão descritos no artigo 41 da Lei de Execuções

Penais:

Alimentação suficiente e vestuário, atribuição de trabalho e sua remuneração, previdência social, proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação, o exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que

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compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica,educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.”(Lei de Execução Penal. Art.41)

O legislador deu todas as condições para reintegração do condenado no texto da lei,

porém na prática não é isso que acontece, a começar pelos presídios que se

encontram em condições de extrema decadência e superlotação inviabilizando que a

lei seja executada da maneira que deveria. A administração dos estabelecimentos

prisionais é precária, há detentos com a pena cumprida, porém ainda na prisão por

falta da organização administrativa e atraso do judiciário. Além da proliferação de

doenças, dada a insalubridade do local, a alimentação deficiente e a ausência de

opções de trabalho e lazer, o que dificulta em muito na condição de dignidade que

deveria ser primordial.

De acordo com o autor Fábio Coelho Dias (2014, n.p):

Perante a evidente inutilidade das penas com fins retributivos, como também com finalidade de prevenção geral e especial negativa, a pena carcerária, consoante o discurso oficial, deveria passar a ter como objetivo principal, senão único, o preparo do detento para seu retorno ao convívio social em condições de manter uma vida e uma convivência em conformidade com os padrões tidos como normais, sendo útil à sociedade. É o fim ressocializador que as modernas legislações penais atribuem à pena privativa de liberdade. Tem-se como função primordial dos estabelecimentos prisionais, de acordo com a teoria da prevenção especial positiva (ressocializadora), é proporcionar aos cidadãos (que o Estado alijou do seio social e os mantêmreclusos) oportunidades iguais de participação na vida social, mormente no campo do trabalho, cuja oferta de emprego é extremamente escassa, muito aquém da demanda. Mesmo sabendo que, em conseqüência da pena de prisão que lhes foi imposta, encontram-se em posição de desigualdade na sociedade frente aos demais cidadãos, pois foram selecionados pelo Sistema, jogados na prisão e, conseqüentemente, estigmatizados. Esta “pecha”, que marca para sempre os ex-presidiários, lhes traz grandes dificuldades na concorrência direta, em todos os setores da vida, com aqueles que não a possuem.

Observam-se as enormes dificuldades que os detentos encontram para que a

ressocialização se concretize, concluindo, portanto, que além do objetivo existente

no texto legal ser difícil de ser alcançado, o preso enfrenta preconceito para que

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consiga um trabalho digno e retorne ao convívio social, devido ao fato de ficar com

“ficha suja”, ou seja, com maus antecedentes criminais.

A convivência em sociedade faz necessário o confinamento temporário de indivíduo

delinquente, contudo, não oferece, em contrapartida, os meios essenciais para que

esse indivíduo se reinsira no grupo social. Isso faz com que uma segregação que

deveria ser temporária se torne permanente, apesar da conquista da liberdade, o

que, por sua vez, aumenta as chances de reincidência e de retorno ao sistema

carcerário.

Ademais, o fato de manter uma pessoa isolada de seu meio não é compatível com a

reabilitação deste na sociedade, de maneira que a ressocialização exige a prática de

trabalho e a convivência com o grupo social, para que, deste modo, o indivíduo se

sinta pertencente ao mesmo ambiente que os outros e não um ser estranho. Quando

se isola o individuo, afasta-se o mesmo da família, dos meios pelos quais conviva e

produza algo útil, fazendo com que o detento não faça mais parte deste contexto.

Neste sentido o autor Fábio Coelho Dias (2014, n. p) informa:

Torna-se fato incontroverso que é impossível socializar ou ressocializar uma pessoa mantendo-a afastada da sociedade, pois tal tarefa exige experiências práticas, não podendo limitar-se à teoria. Contrariamente ao objetivo ressocializador, ocorre exatamente o inverso: o detento, com seu afastamento da sociedade, perde os elos que o ligam a ela e à família, perde o “jeito” do convívio social e adquire outros, próprios da cultura carcerária, que, quando sair, vai sentir-se um “estranho na multidão.

De modo que o autor ressalta que o afastamento do indivíduo da sociedade,

apesar de necessário por um período da pena, se feito na integralidade desta,

torna a ressocialização mais difícil. O indivíduo não passa pela necessária

readequação ao meio social. É fundamental que ele tenha oportunidade de se

aclimatar, para que, novamente inserido no grupo social, tenha vínculos com ele,

bem como não saia de uma situação de total segregação para a liberdade. Isto

posto, é fundamental que exista, de fato, a progressão de regime, o que, em tese,

tem por objetivo justamente a readequação gradativa do individuo em seu meio

social.

Ainda Fábio Coelho Dias (2014, n. p) completa que:

A segregação, na forma como funciona o sistema carcerário, deva existir, ela não pode, em absoluto, fazer uma cisão entre pesos e sociedade. Ao

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contrário, o vínculo deve ser mantido. E este intercâmbio deve funcionar tanto de fora para dentro como o inverso, isto é, de dentro para fora. Assim, não só deve ser assegurado o direito da família e parentes visitar seus presos, como estes devem ter o direito de, amiúde, sair da prisão para visitar sua família. E mais: esse contato não deve resumir-se às relações preso/família, mas estender-se à comunidade como um todo. Muitos são os meios e as oportunidades que podem viabilizar essa integração, como sessões de esporte, culturais, educacionais, eventos familiares e comunitários, acontecimentos sociais. De máxima importância e de extrema utilidade é a prática de atividades laborativas, seja dando condições para que empresas abram campos de trabalho no interior dos estabelecimentos prisionais, aproveitando a mão de obra carcerária, seja permitindo que os presos saiam da prisão para trabalhar nas empresas. E, o que é muito importante, que as atividades desenvolvidas contribuam para que os presos encontrem mercado de trabalho quando saírem da cadeia, favorecendo-lhes a reinserção social.

De maneira que, pelo acima exposto, vê-se a necessidade de fato da segregação

momentânea, particularmente quando se trata de crimes de maior gravidade, com

violência contra a pessoa ou aqueles que geram caos social, entretanto, o vínculo

existente entre o apenado e o grupo social não pode ser totalmente rompido, sob

pena de impedir que este se reinsira na sociedade ao término da pena.

O apenado não pode manter relação apenas com aqueles que, diretamente,

encontram-se ligados a ele, tais sejam os familiares, advogados e funcionários do

sistema carcerário. Ele deve, guardando obviamente a necessária precaução,

manter os laços com todo o conjunto social, seja através de práticas de trabalho,

eventos culturais, educacionais, ou seja, sociais.

Existe a premência de que o apenado tenha introjetada a necessidade de

manutenção desses vínculos, pois, do contrário, o processo de ressocialização

provavelmente falhará. O envolvimento de grupos comunitários no ambiente

prisional é fundamental para esse processo, sendo também essencial o

aproveitamento da capacidade laborativa do detento. Há que se pensar que, se um

indivíduo é mantido por anos em estado de total inércia e desvinculação social,

muito difícil se tornará a mudança desse perfil comportamental.

O acostumar-se a algo é primordial para a sobrevivência, e um apenado que passa

anos dentro de um sistema caótico como é o penitenciário, também se obrigará a

acostumar-se com aquele ambiente até mesmo para não perecer. Mais uma vez

entra na questão a necessidade do ser humano em se aclimatar ao ambiente, por

mais rude que seja.

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Complementa a esse respeito o mesmo autor (2014, n.p.), quando afirma que:

A pena tem uma finalidade primordial de ressocialização, entretanto, a classificação do criminoso é realizada pelo crime praticado e pela sentença a ele atribuída. Em sendo a finalidade principal da pena a ressocialização do apenado, cabe ser criticada a pré-determinação da quantificação da pena a ser definida na sentença, pois o julgador não tem condições de saber quanto tempo é necessário para alcançar o fim perseguido. Cada sentenciado tem seus aspectos individuais, suas características próprias, daí a necessidade da classificação de cada um, o que deve ser feito por profissionais capacitados. Observa-se que o anterior objeto das políticas criminais, o ato criminoso, desloca-se para o ator. Com isso, obrigatoriamente, alterou-se o significado e a organização das prisões.

Assim, é necessário se ter em mente que a função da pena, antes mesmo da

punição do indivíduo, é sua ressocialização, motivo pelo qual o Estado, que é tutor

do indivíduo enquanto detento deve prover os meios para que esse processo ocorra

com eficiência. É um dever que tal ente tem para com a sociedade e também para

com o indivíduo tutelado.

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5.Conclusão

O trabalho acadêmico que ora que conclui, buscou explanar sobre questões

referentes à pena, ao apenado e ao processo de ressocialização que é necessário

para que o indivíduo, uma vez apartado do meio social em que vive e confinado sob

tutela do Estado, possa se reinserir de maneira satisfatória.

A ressocialização do condenado, durante boa parte da história da humanidade, foi

simplesmente desconsiderada, uma vez que o apenado era tão somente punido pelo

mal que fizera, não sendo considerado, nesse processo, como um sujeito de direitos

que deveria ter os mesmos resguardados pelo Estado, tanto durante sua tutela no

sistema penitenciário, como quando de sua saída para reinserção na sociedade.

Ficou demonstrado que, no transcurso da evolução do Direito Penal nos mais

diversos grupos sociais organizados, apenas recentemente, particularmente no

período do Iluminismo, houve uma preocupação com a humanização da pena e com

a pessoa do próprio condenado. Anteriormente, o apenado não era considerado no

processo vivenciado por ele, recebendo a pena, muitas vezes de caráter cruel, e não

sendo estimulado à uma reestruturação de conduta que não o fizesse mais delinquir.

Existiram teóricos que, inclusive, caracterizaram o criminoso por suas características

físicas, fato este impensado nos dias atuais, ou ainda aqueles que desconsideravam

totalmente o ambiente em que o indivíduo estava inserido para análise de sua

conduta.

Fato é que, independentemente dos motivos que levam o individuo a delinquir, é

dever do Estado, que é o agente punitivo, proporcionar as ferramentas necessárias

para a ressocialização do condenado, bem como oferecer elementos que

possibilitem sua reinserção no grupo social do qual fora apartado em razão de sua

conduta criminosa.

A legislação nacional é pródiga em normas que especificam diversas condutas

(sejam elas de ordem individual, coletiva, ou ainda advindas do Poder Estatal),

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entretanto, não tem a mesmo prodigalidade ao efetivar aquilo que à lei suporta.

Como diz o senso comum que “o papel aceita tudo”, tem-se no país leis

extremamente bem elaboradas e com diversos instrumentos que seriam sumamente

eficazes, contudo, não existem as políticas públicas que materializem essas normas,

ou ainda que efetivem direitos e garantias explicitados em tais leis.

É preciso ressaltar que o Sistema Penitenciário Brasileiro é um dos institutos mais

cruéis desta organização social chamada Brasil. Um local onde, longe de promover

a ressocialização do condenado, o Estado confina, de forma desumana, indivíduos

que, por um motivo ou outro, delinquiram e colocaram a paz social em risco.

Apesar de existir, em termos teóricos, a necessidade de uma divisão no sistema

penitenciário que agregue indivíduos com as mesmas características, até para que o

processo de ressocialização seja mais efetivo, o que se vê é um amontoado de

pessoas que cometeram os crimes mais diversos, alojadas em instituições que

desrespeitam as mais básicas normas de sobrevivência, mas que ainda assim

engendram indivíduos cada vez mais violentos, que cometem delitos cada vez mais

graves e com conseqüências sociais cada vez mais severas.

Em um ciclo vicioso aparentemente sem fim, tem-se a criação de facções

criminosas, quadrilhas, indivíduos com a conduta totalmente deturpada, justamente

no local que se predispunha a ressocializá-los: cúmulo da ironia.

A ressocialização no Sistema Penitenciário Nacional é mais uma das falácias que

apenas o papel aceita, tendo em vista que, numericamente, o volume de indivíduos

que de fato não reincidem é ínfimo, perto daqueles que constantemente entram e

saem das penitenciarias brasileiras.

Porque, de fato, esse movimento é cíclico, pois faz com que os indivíduos

meramente cumpram sua pena para, depois de um período no seio social, onde

praticaram todas as espécies de crimes, voltaram ao sistema prisional, ainda mais

violentos, mais “aptos” por assim dizer ao mundo da criminalidade, até que um dia,

sejam mortos, dentro ou fora do sistema prisional.

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Uma sociedade que se pretende democrática não pode, de forma alguma, fomentar

retrocessos. Isso é o que se vê em determinados posicionamentos individuais ou

coletivos, que postulam pela volta de penas cruéis, pela pena de morte, ou ainda,

pela violência paraestatal institucionalizada, como é o caso de milícias.

Existem aqueles que postulam por políticas públicas advindas de outros países,

mormente os Estados Unidos, sem analisar que o mero transplante de métodos e

técnicas de ressocialização que encontram resultados positivos lá, aqui naufragaria

nas diferenças culturais, sociais e mesmo econômicas vivenciadas pelo grupo social

brasileiro. Vê-se como temeridade a implantação de normas vigentes naquele país,

até mesmo em razão dele, apesar de não muito divulgado, promover sistemáticos

desrespeitos aos direitos humanos, fato este que, ao mesmo na teoria, são

respeitados no Brasil, apesar de não consolidados.

Essa implantação consistiria em troca de uma teoria já em adequação às normas

internacionais dos direitos humanos, ainda que em prática muito falte para tal, pela

institucionalização de penas e medidas que são discutíveis por muitos organismos

internacionais, como o trabalho compulsório e a pena de morte.

Esta não é a temática desta pesquisa, entretanto, é impossível tratar da questão da

criminalidade e da ressocialização sem a abordagem de temas conexos e

intrinsecamente relacionados a ela. É inviável a tratativa do fenômeno da

ressocialização sem, ainda que de maneira superficial, suscitar discussão a respeito

da violência e de seus aspectos sociológicos.

A ressocialização, longe de representar um benefício exclusivo ao apenado,

representa a consolidação da paz social tão almejada pela sociedade. Não existe

meio de construção de um processo de pacificação real sem a inserção desses

indivíduos (em número cada vez maior, diga-se) no constructo social.

A ressocialização representa, antes de tudo, a consecução de um caminho seguro

para a paz social, entretanto, a experiência brasileira, demonstra que, longe disso, o

Sistema Penitenciário Brasileiro fomenta de maneira crescente a violência, a

criminalidade e a insegurança social.

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