A Restauração Segundo a Instância da Historicidade
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BRANDI, Cesare. A restauração Segundo a Instância da Historicidade. In: Teoria da
Restauração. Org. Cesare Brandi. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, pp. 63 – 75.
Em seu livro, Brandi afirma que ‘a restauração constitui o momento metodológico do
reconhecimento da Obra de Arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade
estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro. ’ (BRANDI. 2004: 30)
Aonde podemos destacar os princípios fundamentais da sua teoria, a iniciar pela
absoluta necessidade do reconhecimento da obra como obra de arte. Ela é indivisível e tem
uma unidade potencial. Em segundo lugar, a realidade física da obra que representa o lugar da
manifestação da imagem, assegura sua transmissão ao futuro e garante definitivamente sua
percepção na consciência humana.
Em seguida, a dupla polaridade estética e histórica da obra. Pois, o aspecto estético e
histórico realizado em certa época e lugar e que permanece em sua outra época e lugar.
Podemos concluir que durante o processo restaurador, toda intervenção deve ser
dirigida para a recuperação da estrutura física da obra, permitindo assim que os valores nela
presentes se manifestem integralmente. Nesse processo, é a conjugação de conhecimentos
científicos, estéticos e sócio-históricos que fixaram os limites da intervenção.
Em seu capítulo, sobre a ‘A restauração Segundo a Instância da Historicidade’,
Brandi define e destaca a importância da ruína, do momento - limite, da conservação ou da
remoção de adição e/ou de refazimento, e do valor histórico e estético para definir até onde
pode chegar à intervenção restaurativa, para a qual devem ser considerados os diferentes
tempos, desde o tempo em que a obra foi criada até o tempo em que ela vai sofrer restauração.
Com relação à Ruína, Brandi define que só se poderá chamar de ruína algo que
testemunhe um tempo humano. (BRANDI. 2004:65)
Seguindo seu pensamento podemos dizer que a ‘ruína é a obra de arte que perdeu sua
unidade potencial, por isso não pode ser restaurada, o que causaria um falso histórico’1. Na
restauração não basta saber como a obra era antes de se tornar uma ruína, mesmo que existam
documentos que comprovem minuciosamente detalhes e plantas da edificação na época da sua
existência.
A restauração da obra de arte, reduzida ao estado de ruína, só poderá ser a
consolidação e a conservação do status quo, excluindo a possibilidade de intervenção direta, a
não ser a vigilância conservativa e a consolidação da matéria.
1 Nota de aula: História e Teoria do Restauro, prof.: José Aguilera
1
Devemos aceitar a ruína como o resíduo de um monumento histórico ou artístico que
só pode permanecer aquilo que é. A legitimidade da conservação da ruína está no juízo
histórico que se faz dela, como testemunho mutilado, porém ainda reconhecível, de uma obra
e de um evento humano.
Quanto ao momento-limite, Brandi define que ‘é o limite tanto no espaço quanto no
tempo em que a obra de arte, reduzida a poucos vestígios de si mesma, está preste a recair no
disforme. ’ (BRANDI. 2004:68)
Examinando a restauração segundo a instância da historicidade, apresenta do próprio
campo de ação das obras de arte, o problema da conservação ou remoção das adições e, em
segundo lugar, o da conservação ou da remoção dos refazimentos. A melhor solução é
examinar a legitimidade ou não da conservação ou da remoção das adições e dos
refazimentos, do ponto de vista histórico, ver até que ponto vale a razão histórica e a razão
estética, e buscar pelo menos uma linha sobre a qual conciliar a eventual divergência de
opiniões. (BRANDI. 2004:70)
Com isso, a restauração de uma obra de arte deve ser pensada não somente do ponto
de vista histórico, que defende que a adição sofrida por uma obra de arte é um novo
testemunho do fazer humano, e que a remoção nega uma passagem histórica. E que a remoção
deve ser sempre justificada.
Portanto, a conservação da pátina, do ponto de vista histórico, é testemunho do
tempo transcorrido e deverá permanecer na obra.
Os refazimentos passam pelo dilema das adições, pois do ponto de vista histórico,
são testemunha da intervenção humana, e por isso devem permanecer.
Adição e refazimento são acontecimentos independentes e diferentes, que ocorrem
em uma abra com o decorrer do tempo. A adição completa ou se desenvolve com o tempo,
sem a intenção refazer ou renovar a obra. Já o refazimento tem a pretensão explícita ou
implícita do homem de abolir um lapso do tempo, de remodelar a obra, de intervir no
processo criativo de maneira semelhante ao modo criativo originário. Brandi (2004:74), que
afirma:
Que por mais que sejam péssimos, também os refazimentos documentam, nem que seja um erro da atividade humana, mas sempre fazem parte, nem que sejam como erros, da história humana: donde não deveriam ser retirados ou removidos, no máximo isolados. (...) a conservação integral para todos os estados através dos quais a obra passou, não deve transgredir a instância estética.
2
Podemos assim concluir que a obra de arte é singular e irrepetível, e a restauração vai
reatualizá-la na consciência de quem a reconheça como tal. Que cada caso é um caso
particular, porém é possível estabelecer grupos genéricos, considerando o monumento nos
seus aspectos histórico e estético. E estas duas instâncias que vão determinar a eliminação ou
a conservação das adições e dos refazimentos nos monumentos originais.
A diferença de Brandi em relação aos outros restauradores, é que ele é o primeiro a
falar em imagem, porém, não a imagem imaginada ou a imaginação. E sim, a imagem
verdadeira, somente aquilo que aparece.
Outra diferença é que ele analisa o tempo da obra de arte, não como uma estrutura
rítmica e sim de um ponto de vista fenomenológico, distinguindo-o, primeiro, como a duração
da manifestação da obra que é o tempo de elaboração e execução da obra. Em segundo lugar,
é a passagem do tempo, com o intervalo que vai desde o final da criação da obra até o
momento em que ela é atualizada na consciência do sujeito. E por fim, o terceiro tempo, que é
o instante teórico, momento da percepção da obra.
Antes de Brandi, ao longo do século XIX, foram se desenvolvendo diversos
conceitos de preservação do patrimônio, como ‘Camilo Boito (1836 – 1914) que assumiu uma
postura intermediária entre Viollet-le-Duc (1814 – 1879) e Jonh Ruskin (1819 – 1900),
dedicando-se a sistematizar e ordenar questões relativas à obra de restauro. Sua postura
teórica, formulada em 1883 em Roma, tornou-se a base inicial dos princípios norteadores da
moderna escola italiana de restauro, reafirmando, sobretudo a diferenciação entre o velho e o
novo, e o caráter nitidamente excepcional da restauração, que deve ceder lugar à consolidação
e manutenção. ’2
Viollet-le-Duc definia: “Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-
lo, é restabelecê-lo num estado completo que pode não ter existido nunca em um dado
momento.” (VIOLLET-LE-DUC, apud ARAUJO, 2006:2) 3
Já Ruskin, jamais poderia chefiar uma corrente de restauração simplesmente porque
ele era contra toda e qualquer restauração. Mas esta posição era firmemente radicada no
respeito ao documento histórico, por isso que interditava toda e qualquer restauração, pois a
restauração em si, qualquer que seja ela, altera a historicidade do documento. (RIBEIRO:
2004)4
2 MARCO, Anita Regina Di. Experiência internacional. [s.l.] [s.e.] [s.d.] p. 433 ARAÚJO, Denise Puertas de. A importância da definição de termos e conceitos na sustentabilidade da “teoria” da restauração de Cesare Brandi. II Encontro de História da Arte, IFCH - Unicamp. Campinas, SP. 27 - 29 de março. p. 6.4 RIBEIRO, Nelson Pôrto. Restauração e Ética: história e teoria. In: Cultura, patrimônio e habitação. Org. Evelyn Furquim Werneck Lima ET alii. Rio de Janeiro: 7Letras, 2004, PP. 43 – 48. ISBN: 85 – 757 * 128 -0.
3
Por isso, que as reflexões e os textos de Brandi sobre teoria da restauração ainda são
atuais e continuam sendo referência em todo mundo da atividade da restauração. Por que
apresenta os princípios de uma posição ética em relação ao monumento. É um autor que
merece ser lido e relido diversas vezes.
Pois, o restaurador, diante das imagens a serem restauradas, precisa de um repertório
técnico e de um dispositivo filosófico, para compreendê-la melhor. A falta de conhecimento, e
de sensibilidade são dispositivos que lançam mão, não só da objetividade científica e do
imediatismo pragmático, como também da qualidade do restauro solicitado pela imagem.
Quanto a Cesare Brandi (1906 – 1988), este começou a ganhar notoriedade a partir
da publicação, em Roma, do seu livro Teoria Del Restauro, em 1963. Formado em direito e
letras, dedicou sua carreira à crítica e a história da arte, à estética e à restauração, publicou
numerosos e relevantes textos. Tornou-se um intelectual dos mais notáveis no campo artístico.
Brandi, também teve uma vasta experiência prática que acumulou nas duas décadas de
direção do Istituto Centrale del Restauro, em Roma (fundado em 1939)
Mônica Góes, aluna do curso de pós-graduação em Gestão e Restauro Arquitetônico,
Universidade Estácio de Sá.
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