A revisão da lei de patentes : inovação em prol da competitividade ...

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Conhea outros ttulos da srie Estudos Estratgicos na pgina do Centro de Estudos e Debates Estratgicos: www.camara.leg.br/cedes

ou na pgina da Edies Cmara, no portal da Cmara dos Deputados: www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/edicoes

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cEntro dE Estudos E dEbatEs Estratgicos

A Reviso dA Lei de PAtentesinovAo em PRoL dA comPetitividAde nAcionAL

braslia / 2013

Estudos Estratgicos | 1

A Reviso dA Lei de PAtentes: inovAo em PRoL dA comPetitividAde nAcionAL

Mesa Diretora Da CMara Dos DeputaDos54 Legislatura2011-20153 Sesso Legislativa

PresidnciaPresidente: Henrique Eduardo Alves1 Vice-Presidente: Andr Vargas2 Vice-Presidente: Fbio Faria

Secretrios1 Secretrio: Mrcio Bittar2 Secretrio: Simo Sessim3 Secretrio: Maurcio Quintella Lessa4 Secretrio: Biffi

Suplentes de Secretrio1 Suplente: Gonzaga Patriota2 Suplente: Wolney Queiroz3 Suplente: Vitor Penido4 Suplente: Takayama

Diretor-GeralSrgio Sampaio Contreiras de Almeida

Secretrio-Geral da MesaMozart Vianna de Paiva

Cmara dos DeputadosCentro de Estudos e Debates Estratgicos

A Reviso dA Lei de PAtentes:

inovAo em PRoL dA

comPetitividAde nAcionAL

Inclui CD-ROM com a Lei no 9.279/1996 e os artigos dos palestrantes do seminrio Inovao tecnolgica, propriedade intelectual e patentes, do ciclo de debates A legislao de patentes e o futuro da inovao tecnolgica no Brasil e do seminrio As patentes e o futuro da indstria nacional de frmacos.

RelatorDeputado Newton Lima

Equipe TcnicaPedro Paranagu (Coordenador)

Laurez Cerqueira

Graziela Zucoloto

Andr de Mello e Souza

Consultores LegislativosCsar Costa Alves de Mattos

Fbio Luis Mendes

Mauricio Jorge Arcoverde de Freitas

Centro de Documentao e InformaoEdies CmaraBraslia 2013

Cmara dos Deputados

Diretoria LegislativaDiretor: Afrsio Vieira Lima Filho

Consultoria LegislativaDiretor: Luiz Henrique Cascelli de Azevedo

Centro de Documentao e InformaoDiretor: Adolfo C. A. R. Furtado

Coordenao Edies CmaraDiretor: Daniel Ventura Teixeira

Cmara dos DeputadosCentro de Documentao e Informao CediCoordenao Edies Cmara CoediAnexo II Praa dos Trs PoderesBraslia (DF) CEP 70160-900Telefone: (61) 3216-5809 Fax: (61) [email protected]

Apoio do Departamento de Taquigrafia, Reviso e RedaoDiretora: Daisy Leo Coelho Berquo

Reviso: Mara Mendes Galvo Reviso do Anexo V: Maria Clara Alvares Corra Dias, Lcio Meireles Martins e Camila Alves FloresProjeto Grfico: Patrcia WeissDiagramao: Alessandra Castro KnigDiagramao do Anexo V e capa: Daniela Barbosa

Centro de Estudos e Debates Estratgicos

PresidenteDeputado Inocncio Oliveira

TitularesDr. Paulo CsarFlix Mendona JniorJaime MartinsJos LinharesLeopoldo MeyerMargarida SalomoMauro BenevidesPedro UczaiRonaldo Benedet

SuplentesAntonio BalhmannColbert MartinsIara BernardiJesus RodriguesJos HumbertoMiro TeixeiraWaldir Maranho

Secretrio-ExecutivoLuiz Henrique Cascelli de Azevedo

Coordenao de Articulao InstitucionalPaulo Antnio Motta dos Santos

Coordenao da SecretariaLcio Meireles Martins

Centro de Estudos e Debates Estratgicos CEDES Gabinete 566A Anexo IIICmara dos DeputadosPraa dos Trs Poderes CEP 70160-900Braslia DFTel.: (61) 3215 8626E-mail: [email protected]/cedes

SRIEEstudos estratgicos

n. 1Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)

Coordenao de Biblioteca. Seo de Catalogao.

A reviso da Lei de patentes : inovao em prol da competitividade na-cional / relator: Newton Lima ; equipe tcnica: Pedro Paranagu (coord.) ... [et al.] ; consultores legislativos: Csar Costa Alves de Mattos, Fbio Luis Mendes, Mauricio Jorge Arcoverde de Freitas [recurso eletrnico]. Braslia : Cmara dos Deputados, Edies Cmara, 2013.405 p. + 1 CD-ROM. (Srie estudos estratgicos ; n. 1)

Acima do ttulo : Cmara dos Deputados, Centro de Estudos e Debates Estratgicos.

Inclui CD-ROM com a Lei n 9.279/1996 e os artigos dos palestrantes do seminrio Inovao tecnolgica, propriedade intelectual e patentes, do ciclo de debates A legislao de patentes e o futuro da inovao tecnolgica no Brasil e do seminrio As patentes e o futuro da indstria nacional de frmacos.

ISBN 978-85-402-0106-4

1. Brasil. [Lei de patentes (1996)], reviso. 2. Patente, Brasil. 3. Inova-o tecnolgica, Brasil. 4. Propriedade intelectual, Brasil. 5. Propriedade industrial, Brasil. 6. Patente de inveno, Brasil. I. Lima, Newton. II. Pa-ranagu, Pedro. III. Mattos, Csar Costa Alves. IV. Mendes, Fbio Luis. V. Freitas, Mauricio Jorge Arcoverde de. VI. Srie.

CDU 347.77(81)

ISBN 978-85-402-0105-7 (brochura) ISBN 978-85-402-0106-4 (e-book)

Cmara dos Deputados

Diretoria LegislativaDiretor: Afrsio Vieira Lima Filho

Consultoria LegislativaDiretor: Luiz Henrique Cascelli de Azevedo

Centro de Documentao e InformaoDiretor: Adolfo C. A. R. Furtado

Coordenao Edies CmaraDiretor: Daniel Ventura Teixeira

Cmara dos DeputadosCentro de Documentao e Informao CediCoordenao Edies Cmara CoediAnexo II Praa dos Trs PoderesBraslia (DF) CEP 70160-900Telefone: (61) 3216-5809 Fax: (61) [email protected]

Apoio do Departamento de Taquigrafia, Reviso e RedaoDiretora: Daisy Leo Coelho Berquo

Reviso: Mara Mendes Galvo Reviso do Anexo V: Maria Clara Alvares Corra Dias, Lcio Meireles Martins e Camila Alves FloresProjeto Grfico: Patrcia WeissDiagramao: Alessandra Castro KnigDiagramao do Anexo V e capa: Daniela Barbosa

corrente que se subestime o papel das ideias na vida dos povos, e mais ainda na daqueles povos que vivem de importar ideias

Celso Furtado, economista brasileiro 1920-2004 A Fantasia Organizada, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 252.

(...) h um reconhecimento crescente de que o sistema de patentes, como atualmente concebido, no s impe custos sociais incalculveis,

mas tambm tem falhado em maximizar a inovao (...)Joseph Stiglitz, Prmio Nobel de Economia.

Lives versus Profits, in Project Syndicate, 06.05.2013.

sumRio

apresentao 13

prefCio 15

introDuo 17

1. inCentivo inovao por Meio Dos Direitos De patentes De inveno 27

1.1 efeitos do fortalecimento dos direitos de patentes de inveno 35

1.2 o caso brasileiro e seus indicadores de inovao tecnolgica 45

1.3 o direito humano sade e o impacto das patentes 56

2. os requisitos De patenteabiliDaDe e a qualiDaDe Das patentes 68

2.1 novidade 69

2.2 atividade inventiva 70

2.3 suficincia Descritiva 72

2.4 Melhor forma de execuo best mode 74

2.5 proposta legislativa 74

2.6 recomendaes 75

3. oposio prvia ConCesso De patente 77

3.1 proposta legislativa 85

3.2 recomendaes 85

4. no extenso Do prazo De patentes 87

4.1 proposta legislativa 98

4.2 recomendaes 98

5. uso GovernaMental 99

5.1 o uso Governamental na legislao internacional 103

5.2 proposta legislativa 107

5.3 recomendaes 108

6. patentes pipeline (ou De revaliDao) 109

6.1 patentes pipeline no Direito Comparado 118

6.2 Consideraes 120

7. patentes De poliMorfos e De seGunDos usos 121

7.1 polimorfos 122

7.2 segundos usos 127

7.3 as Diretrizes de exame do inpi e a deciso do Gipi 136

7.4 proposta legislativa 138

7.5 recomendaes 139

8. anunCia prvia Da anvisa 141

8.1 anuncia prvia: o debate jurdico 145

8.1.1 Ao civil Pblica e denncia onu 153

8.1.2 Grupo de trabalho interministerial 153

8.1.3 A consulta Pblica 66/2012 da Anvisa e a Resoluo Rdc 21/2013 155

8.2 restrio aos pedidos feitos pelo mecanismo pipeline 157

8.3 a anuncia prvia da anvisa e sua importncia para a proteo da sade pblica 158

8.4 proposta legislativa 161

8.5 recomendaes 162

9. proteo a DaDos De teste 163

9.1 o registro sanitrio para medicamentos genricos no brasil e o impacto da exclusividade sobre dados de testes 166

9.2 proteo de dados x exclusividade de dados 169

9.3 proposta legislativa 172

9.4 recomendaes 173

10. abuso (ou sham litigation) 174

10.1 recomendaes 175

11. liCena CoMpulsria 176

11.1 recomendaes 187

12. reCursos GentiCos e ConheCiMentos traDiCionais 188

12.1 legislaes internacionais 189

12.2 o debate no brasil 194

12.3 recomendaes 200

13. preMiao CoMo alternativa De inCentivo inovao 201

13.1 Modelo aberto de pesquisa, Desenvolvimento e inovao 201

13.2 sistema de premiao 208

13.3 recomendaes 209

14. patentes De software 210

14.1 recomendaes 219

15. patent prosecution highway (pph) 221

15.1 recomendaes 224

16. atraso na ConCesso De patentes (backlog) e qualiDaDe Dos exaMes 225

16.1 recomendaes 230

17. Criao Do Conselho De Direitos De proprieDaDe inteleCtual (CoDipi) e o papel Do Grupo interMinisterial Da proprieDaDe inteleCtual (Gipi) 231

17.1 proposta legislativa 235

17.2 recomendaes 237

18. o inpi CoM seDe na Capital feDeral 238

18.1 recomendaes 239

19. resuMo exeCutivo 240

20. reCoMenDaes 313

biblioGrafia 325

anexo i projeto de lei n. 5.402, de 2013 337

anexo ii proposta de Decreto para a criao do Conselho de Direitos de propriedade intelectual (CoDipi) 341

anexo iii resumo das apresentaes dos palestrantes 344

anexo iv indicaes ao poder executivo 381

anexo v (CD)

1. lei n 9.279, De 14 De Maio De 1996 5

2. artiGos Dos palestrantes 53

seMinrio inovao teCnolGiCa, proprieDaDe inteleCtual e patentes

por uma poltica de propriedade industrial pr-inovao no brasil: mais patentes, em prazos menores, para residentes no pas 55

Cenrio de inovao e a empresa brasileira de pesquisa e inovao industrial (eMbrapii) 63

inovao um Compromisso nacional 67

os Convidados das ltimas festas 73

CiClo De Debates a leGislao De patentes e o futuro Da inovao teCnolGiCa no brasil

o olhar do setor produtivo 78Direito, inovao e Desenvolvimento: a legislao de patentes e o futuro da inovao tecnolgica no brasil 79

tendncia e impacto da inovao e sistema patentrio na indstria brasileira case: linha branca e indstria de refrigerao 90

o olhar dos produtores de pesquisa e Desenvolvimento (p&D) 98patentes, pirataria e indstria farmacutica 99

a legislao patentria e o futuro da inovao tecnolgica no brasil 110

uma leitura sobre a legislao de patentes e o futuro da inovao no brasil: anlise da poltica de proteo adotada pela universidade de so paulo 118

o olhar institucional 128a Dinmica da inovao tecnolgica no brasil 129

o olhar do Cnpq sobre algumas questes da propriedade intelectual 132

Desafios e oportunidades para o futuro do inpi 140

a experincia da Capes na Gesto da propriedade intelectual 147

o olhar sobre a legislao de patentes 158Contribuies para a reforma da lei de propriedade industrial: a adequao da forma jurdica ordem econmica constitucional 159

anotaes sobre a legislao e a infraestrutura de patentes e o futuro da inovao tecnolgica no brasil 165

Consideraes sobre o futuro da inovao tecnolgica no brasil 179

seMinrio as patentes e o futuro Da inDstria naCional De frMaCos

patente, inveno e inovao 186

a internacionalizao do direito e os desafios ao desenvolvimento e implementao do direito sade 191

anuncia prvia 201

as patentes e o futuro da indstria nacional de frmacos 213

patentes farmacuticas e acesso a medicamentos possibilidades de avanos no marco normativo brasileiro sob a tica do direito humano sade 229

apontamentos relativos questo do pipeline e da anuncia prvia da anvisa 249

13

APResentAo

O Centro de Estudos e Debates Estratgicos da Cmara dos Deputados, criado em 2013, entrega ao pblico a primeira publicao da srie Estudos Estratgicos, produzida a partir de amplo debate organizado para discutir a reviso da legislao sobre patentes no Pas.

Com o ttulo A Reviso da Lei de Patentes: Inovao em prol da Competitividade Nacional, o trabalho conta com a relatoria do Deputado Newton Lima, que procura delinear cami-nhos voltados para o estmulo inovao e o fortalecimento da indstria nacional.

Ao longo de 2011 e 2012 foram realizados sete seminrios, que tiveram lugar na Cmara dos Deputados, na Universidade Estadual de Campinas, no Instituto Nacional da Pro-priedade Industrial, e na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.

Foram convidados a participar dos debates representantes do meio acadmico e insti-tuies voltadas pesquisa, de indstrias brasileiras e multinacionais, de organizaes no governamentais, do Poder Executivo e do Poder Judicirio, alm de parlamentares. As questes foram tratadas sob os mais diferentes pontos de vista, levando em conta a legislao e a experincia de diversos pases, de forma a se produzir uma sntese capaz de subsidiar aes concretas no mbito da legislao patentria brasileira.

O resultado final um trabalho bem fundamentado e corajoso, que tem como foco principal o desenvolvimento de longo prazo do Brasil e, mais uma vez, coloca a Cmara dos Deputados na vanguarda dos debates polticos nacionais.

Deputado Henrique Eduardo Alves Presidente da Cmara dos Deputados

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PRefcio

Todo processo de desenvolvimento fruto de uma estratgia de mdio e longo prazos capaz de reconhecer potencialidades e limitaes para escolher caminhos que asse-gurem os avanos cientficos, tecnolgicos, econmicos e sociais compatveis com as expectativas da sociedade no presente e com as necessidades das geraes futuras.

Nesse sentido, o Brasil, posicionado a meio caminho entre os pases em desenvolvi-mento e a condio de lder mundial, depara-se com o duplo desafio de promover o crescimento da renda e do emprego e realizar um salto de produtividade que o torne competitivo no plano internacional.

A busca de um modelo de desenvolvimento sustentvel, capaz de garantir emprego e renda para a populao trabalhadora, tornou-se essencial para a sociedade brasileira, que procura respostas efetivas para os dilemas presentes num cenrio de forte competi-o em todos os setores produtivos, que exige eficincia para exportar e resistncia para preservar o mercado interno.

Como a experincia comprova que o aumento de produtividade e a melhoria na competi-tividade das empresas so fortemente alavancados pelos resultados produzidos a partir da inovao, a questo das patentes passou a ocupar papel de destaque na agenda nacional.

Os mecanismos adotados por cada pas procuram encontrar pontos de apoio para uma articulao que garanta, por um lado, retorno aos investimentos em pesquisa e ino-vao e, por outro lado, uma distribuio satisfatria dos benefcios do ponto de vista da coletividade. Ou seja, toda patente aceita oferecer o privilgio da proteo contra a concorrncia, no curto prazo, em troca dos frutos da inovao, no longo prazo.

Para um pas que precisa crescer e se desvencilhar do estigma de economia perifrica, a questo saber o que proteger, como e quanto proteger. A patente no , obviamente, um fim em si mesmo, mas deve ser inserida no conjunto da estratgia maior de desen-volvimento nacional.

A forma como feita a proteo ao direito de propriedade sobre inovaes tecnolgicas pode estimular a pesquisa local e a criao de novos produtos e processos e encurtar

16Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

caminhos na direo da produtividade e da autossuficincia; mas pode, tambm, deses-timular a inovao e perpetuar a reproduo dependente por parte das empresas.

O presente estudo nasceu de um amplo debate, promovido pela Cmara dos Deputados, em que foram ouvidos especialistas e representantes de todos os setores interessados na formulao de uma poltica nacional de patentes que possa oferecer alternativas condi-zentes com as necessidades atuais do Pas.

A reviso da legislao patentria aqui proposta tem como objetivo fundamental criar um ambiente favorvel inovao, de forma que os ganhos de produtividade dela de-correntes se traduzam em alicerces duradouros para o desenvolvimento sustentvel da sociedade brasileira.

Deputado Inocncio Oliveira Presidente do Centro de Estudos e Debates Estratgicos

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intRoduo

A proposta deste estudo sobre a Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da com-petitividade nacional apresentada ao Conselho de Altos Estudos e Avaliao Tecno-lgica, da Cmara dos Deputados, em Braslia, foi aprovada por unanimidade pelos conselheiros no dia 02 de maro de 2011. Teve inicialmente como objetivos: analisar a disparidade observada entre a elevada produo de conhecimento das instituies brasi-leiras e o baixo nmero de patentes de inovao nacionais, e a dificuldade de interao entre as instituies de pesquisa e inovao tecnolgica e o setor produtivo, como fato-res incidentes sobre o desenvolvimento econmico e social do pas. Como o Conselho de Altos Estudos foi extinto no incio de 2013 e substitudo pelo novo Centro de Estudos e Debates Estratgicos, o presente estudo lanado no mbito desse novo Centro.

O Brasil no quer ser mero exportador de commodities, como soja, algodo, petrleo e ferro. Tampouco simples consumidor de bens acabados e intangveis, como filmes e msica estrangeiros, medicamentos, software e tecnologias j geradas em outros pases. O Brasil quer ser palco da inovao de ponta. Quer capacitar sua indstria nacional. Quer ser competitivo. Quer inovar para competir.

Por isso foi criado o Plano Brasil Maior, como poltica industrial, tecnolgica e de co-mrcio exterior, em parceria com o setor privado. O poder de compra do setor pblico grande atrativo para se criar negcios na rea da inovao e do conhecimento, como o Complexo Industrial da Sade. Igualmente, so metas prioritrias o incentivo ao en-raizamento de empresas estrangeiras e o estmulo instalao de Centros de Pesquisa e Desenvolvimento no pas. Tudo em prol da capacitao e da competitividade nacional.

Por isso o investimento de R$ 74,6 bilhes para a Estratgia Nacional de Cincia, Tec-nologia e Inovao (ENCTI) para o perodo de 2012-2015, que marca a interconexo de polticas pblicas com o setor privado, voltadas para a inovao do pas. A criao da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovao Industrial (Embrapii) outro ponto de convergncia entre os setores pblico e privado, para ampliar a articulao entre uni-versidades, centros de pesquisa e empresas para a inovao tecnolgica. Nesse sentido, houve demanda de crdito Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) para empre-sas inovadoras de aproximadamente R$ 10 bilhes em 2011. O incentivo s chamadas

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A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

start-ups feito por meio do Programa Nacional de Apoio s Incubadoras de Empresas e aos Parques Tecnolgicos (PNI), e o incentivo capacitao de crebros inovadores feito por meio do Programa Cincia sem Fronteiras, com mais de 100 mil bolsas de estudos no exterior.

Como ressalta o Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao, a soluo brasileira para a inovao e a competitividade deve seguir, at certo ponto, um caminho prprio e que leve em conta o atual estgio de desenvolvimento do pas (ENCTI 2012-2015). O fomento inovao por meio das patentes no deve seguir caminho diferente. O Brasil deve usar de sua capacidade criativa inerente para adaptar e tropicalizar o sistema de patentes de modo a promover as polticas pblicas de inovao do pas. Assim o fez a ndia, ao revisar sua lei de patentes em 2005. O mesmo fez a China, em 2008.

alCanCe internaCionalAs questes levantadas e analisadas neste Estudo so fundamentais no s para o Brasil, mas para vrios outros pases tambm. Por exemplo, a ndia alterou a sua lei de patentes em 2005, aps um perodo de transio de 10 anos concedido pelo Acordo sobre os Di-reitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio (TRIPs) da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) para a adoo de patentes de produtos farmacuticos em pases onde essas patentes no eram autorizadas no momento em que a OMC foi criada infelizmente, o Brasil no aproveitou desse perodo de transio, que poderia ter sido utilizado para auxiliar na formao de nossa indstria nacional.

O caso Novartis perante a Suprema Corte da ndia, decidido no incio de 2013, em-blemtico por ter rejeitado a concesso de uma patente para uma nova forma de uma substncia conhecida (polimorfos), e evidencia a importncia da implementao das salvaguardas do Acordo TRIPs. A ndia adotou essa salvaguarda e se tornou o principal fornecedor internacional de medicamentos genricos a preos acessveis para a popula-o mundial bem como capacitou sua indstria verdadeiramente nacional.

Argentina, por exemplo, usando das flexibilidades do Acordo TRIPs da OMC, tomou recentemente medidas para rever suas diretrizes de exame de patentes, a fim de proibir a concesso de patentes para novas formas de substncias conhecidas (polimorfos), bem como para segundos usos mdicos, a fim de adaptar a sua legislao de patentes para o atual estgio de desenvolvimento tecnolgico do pas.

A Tailndia emitiu uma srie de licenas compulsrias, todas em conformidade com o Acordo TRIPs da OMC, de modo a proporcionar acesso populao daquele pas a anti-retrovirais para o tratamento da AIDS/HIV e a medicamentos para o corao.

Na frica do Sul, a Campanha Conserte a Lei de Patentes (Fix de Patent Law Campaign) foi lanada com o objetivo de reformar a lei de patentes daquele pas. O Estados Unidos

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da Amrica tambm est passando por uma reforma de patentes, como mencionado adiante nesta introduo.

Estes so apenas alguns exemplos recentes da crescente construo de massa crti-ca sobre as polticas de patentes. Esses pases esto adaptando o sistema de patentes para as suas realidades locais. Tudo feito em conformidade com o Acordo TRIPs da OMC. E por isso que os pases devem usar de cautela nas negociaes sobre acordos TRIPs-plus, como o Acordo Estratgico Trans-Pacfico de Parceria Econmica (TPP).

Este estudo pretende servir de material de apoio no apenas para os interesses do Brasil, mas tambm para os de outros pases, principalmente os em desenvolvimento. Os pa-dres mnimos dos direitos de patentes so estabelecidos pelo Acordo TRIPs da OMC, que deixa considervel espao para que cada pas adapte suas legislaes de patentes para suas prprias realidades e estgios atuais de desenvolvimento tecnolgico e para suas necessidades sociais e econmicas. Este estudo tambm tem como objetivo servir de inspirao para outros pases em desenvolvimento para que se engajem na discusso das polticas pblicas de patentes, e adaptem suas legislaes nacionais para melhor servir os seus prprios interesses pblicos.

Nossa atual lei de patentes, negociada entre 1989 e 1995, foi redigida em ingls, sob forte presso comercial dos Estados Unidos. No fizemos uso de diversas salvaguardas autorizadas pela OMC para atender ao estgio de desenvolvimento do Brasil e promo-ver a inovao nacional. Nossa lei de patentes, de 1996, como alertado pela indstria farmacoqumica nacional poca de sua elaborao e tramitao no Congresso, igno-rou a soberania e o interesse nacionais, ao implementar uma poltica que beneficiou e beneficia os interesses estrangeiros, tornando o Brasil um importador de tecnologia sem que, contudo, houvesse transferncia de tecnologia ou capacitao nacional. O Brasil se tornou colnia consumidora de bens de ponta.

O dficit na balana comercial na rea de patentes e direitos correlatos aumentou 3.600% de 1993, logo antes da entrada em vigor da OMC, at 2012, representando mais de US$ 3 bilhes negativos anuais (Banco Central do Brasil). O dficit na rea de sade em 2010 foi de US$ 10 bilhes.

O cenrio atual outro. Em maio deste ano o Embaixador Roberto Azevdo foi eleito diretor-geral da OMC. Ter papel fundamental no refortalecimento do multilateralis-mo comercial, que vem sendo enfraquecido por meio de tratados bilaterais, e na organi-zao da nova ordem econmica. Ter desafio no reequilbrio das foras.

Conceder patente de inveno, infelizmente, no significa que h pesquisa e desenvol-vimento no pas. Muitas vezes a inovao feita fora do Brasil, em centros estrangeiros, e posteriormente patenteada aqui. Patentear, portanto, no sinnimo de inovao na-cional. Os nmeros mostram o contrrio. Das patentes depositadas no Brasil, mais de

20Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

76% so de estrangeiros. Dos restantes 24%, uma significativa parcela de empresas de capital estrangeiro. Isso porque o termo residentes inclui empresas estrangeiras que possuem escritrio legalmente constitudo no Brasil. O sistema atual de patentes tem servido para reserva de mercado.

Passados 18 anos da criao da OMC, que obrigou os pases signatrios a conceder patentes, no h indcios significativos de transferncia de tecnologia para o Brasil ou para outros pases em desenvolvimento, tampouco de inovao nacional por meio de patentes. Pelo contrrio. O deficit comercial apenas aumenta. No Brasil, do total de pe-didos de patentes de medicamentos antirretrovirais, utilizados no tratamento da AIDS, apenas 2,3% so nacionais. O restante de estrangeiros.

Como alerta Joseph Stiglitz, Prmio Nobel de Economia, h um reconhecimento crescente de que o sistema de patentes, como atualmente concebido, no s impe custos sociais incalculveis, mas tambm no consegue maximizar a inovao.

Da a necessidade de se revisar, urgentemente, a lei de patentes do Brasil. Para fazer com que essa distoro deixe de ocorrer e que o sistema de patentes sirva para promover a inovao e a competitividade nacional.

TRS RESULTADOS PRTICOS DO ESTUDO

1) pl 5402/2013 (dos dep. newton Lima Pt/sP e dr. Rosinha (Pt/PR), que prope as seguintes alteraes:

a) limita em 20 anos a vigncia do prazo das patentes a Lei de Patentes em vigor autoriza a extenso para alm de 20 anos quando, por exemplo, o inPi leva mais de 10 anos para conceder uma patente, o que acontece em muitas patentes farmacuticas (Art. 40, nico, Lei de Patentes 9.279/96);

b) acrescenta objetos que no so considerados invenes: segundos usos e polimorfos nos moldes da Lei de Patentes da ndia, atualizada em 2005 (art. 10 da Lei de Patentes 9.279/96);

c) aumenta o rigor do requisito da atividade inventiva: promover inovao incremental nos moldes da Lei de Patentes da ndia, atualizada em 2005 (Arts. 13 e 14, Lei de Patentes 9.279/96);

d) cria o mecanismo de oposio contra pedidos de patentes (Arts. 31 e 31-A, Lei de Patentes 9.279/96);

e) atualiza o dispositivo sobre a anuncia prvia da Anvisa para patentes na rea farmacutica (em conformidade com a Resoluo 21/2013 da Anvisa), que estabelece o dever de a Anvisa analisar, previamente ao inPi, pedidos de patentes envolvendo i) produtos na rea farmacutica / qumica que tenham sido previamente rejeitados pela Agncia e, portanto, apresentam riscos para

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a sade e ii) os compostos na rea farmacutica / qumica que so de interesse para apoiar o sistema nico de sade (sus) e que no cumprem os requisitos de patenteabilidade estabelecidos pela Lei de Patentes (Art. 229-c, Lei de Patentes 9.279/96);

f) esclarece que a proteo a dados de testes farmacuticos ocorre por meio da represso concorrncia desleal e no por meio de exclusividade de dados (Art. 195, Lei de Patentes 9.279/96);

g) institui o mecanismo do uso pblico no comercial, conforme previsto no Acordo tRiPs (Art. 43-A, Lei de Patentes 9.279/96).

2) Decreto: criao do conselho de direitos de Propriedade intelectual (codiPi)

a) vinculado casa civil da Presidncia da Repblica (o GiPi atualmente vinculado cmara de comrcio exterior, que est sob o min. do desenvolvimento, indstria e comrcio mdic), para unificar a poltica pblica nacional relativa aos direitos de propriedade intelectual;

b) conferir mais poder ao conselho, tornando suas resolues vinculantes (as resolues do GiPi atualmente no so vinculantes);

c) democratizar a participao de outros entes do Governo junto ao novo conselho, alm da Presidncia da Repblica: incluso do cAde, AnvisA, cAmeX, cGen, bem como de pessoas com notrio conhecimento na rea (tais como acadmicos).

3) Recomendaes ao Poder Executivo: utilizando-se da prerrogativa que o Legislativo possui, ao final de cada captulo so feitas diversas recomendaes ao Governo, incluindo ao inPi, ao cAde, AnvisA e assim por diante.

No decorrer dos debates realizados em sete seminrios nos anos 2011 e 2012, outros te-mas se somaram a esses, em uma configurao que colocou em evidncia a necessida-de de mudanas legislativas e de outras medidas indicadas ao Poder Executivo Federal para superar os problemas que, de certa forma, criam obstculos para a evoluo tec-nolgica e barreiras concorrncia no mercado e, consequentemente, interferem na competitividade do pas.

Em 10 de agosto de 2011 o Secretrio-Executivo do Ministrio da Cincia, Tecnolo-gia e Inovao (MCTI), Sr. Luiz Antnio Elias, abriu os eventos proferindo palestra no Conselho de Altos Estudos e Avaliao Tecnolgica da Cmara dos Deputados so-bre inovao e patentes. Na sequncia realizou-se o seminrio Inovao Tecnolgica, Propriedade Intelectual e Patentes (17 de agosto de 2011), na Comisso de Cincia e Tecnologia da Cmara dos Deputados, com a participao de representantes do Mi-nistrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (MDIC), do Ministrio das Relaes Exteriores (MRE) e do MCTI, alm de ter contato com a participao de representantes dos meios empresarial e acadmico.

22Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

Com o intuito de ampliar e aprofundar as discusses realizadas, foi lanado um ciclo de outros quatro debates: em 05 de outubro de 2011 na Cmara dos Deputados, em Braslia; em 17 de outubro de 2011 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas; em 27 de outubro de 2011 no Instituto Nacional da Propriedade In-dustrial (INPI), no Rio de Janeiro, e em 07 de novembro de 2011 na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (USP), em So Paulo. O foco para cada um dos ciclos de debates foi, respectivamente: i) o setor produtivo (realizado na Cmara dos Deputados), ii) os produtores de pesquisa e desenvolvimento (realizado na Unicamp), iii) o olhar institucional (realizado no INPI), e iv) o olhar sobre a legislao de patentes (realizado na USP).

Aps os dois eventos de agosto de 2011 e do ciclo de quatro debates, foi observado que o setor da sociedade civil tinha ficado sub-representado nos debates. Decidiu-se, portanto, realizar um quinto e ltimo debate do ciclo, especialmente focado no setor qumico-farmacutico, ocorrido em 29 de maio de 2012, abrindo oportunidade para organizaes no-governamentais (ONGs) que no haviam sido devidamente ouvidas nos outros debates, de expor suas posies sobre o tema de patentes, frmacos e inova-o. Participaram do debate, tambm, representantes da academia, bem como do Poder Executivo Federal, do Judicirio e da indstria farmacutica.

Assim, com a realizao desses sete debates ao longo de 2011 e 2012, com a participao de mais de 30 (trinta) especialistas, representando uma gama ampla de setores (INPI, entidades de fomento pesquisa, acadmicos, advogados de grandes multinacionais, Poder Executivo Federal, organizao da indstria nacional, associao especializada na rea, ONGs, membro do Judicirio Federal, dentre outros), pde-se colher subsdios para a realizao deste estudo.

Esses subsdios foram organizados a partir de um questionrio orientador dos debates. As valiosas contribuies recebidas encontram-se resumidas no Anexo III e em artigos desses especialistas no Anexo V.

Alm das discusses trazidas pelos participantes dos sete debates mencionados, extensa bibliografia, nacional e estrangeira, foi examinada, incluindo trs relatrios independen-tes encomendados pelo governo do Reino Unido, bem como dois relatrios do rgo de defesa econmica e concorrencial do governo dos Estados Unidos da Amrica. Foi feita, ademais, anlise das legislaes de patentes da Argentina, China e ndia, que foram reformadas recentemente. Diversos documentos da Organizao das Naes Unidas, bem como de suas agncias especializadas, foram igualmente consultados. Artigos e livros acadmicos, nacionais e estrangeiros, tambm serviram de base para este estudo.

Aps uma introduo ao escopo deste estudo, h uma diviso dos temas em 20 (vinte) captulos. O captulo 1 trata do incentivo inovao por meio dos direitos de patentes,

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de inveno; dos efeitos do fortalecimento desses direitos; de alguns indicadores de ino-vao no Brasil, bem como do impacto das patentes no direito humano sade.

O captulo 2 trata dos requisitos de patenteabilidade e da qualidade das patentes. A oposio prvia concesso de patentes tratada no captulo 3. O captulo 4 cuida da no extenso do prazo de patentes. O uso governamental examinado no captulo 5. As patentes de revalidao ou pipeline so discutidas no captulo 6. Os segundos usos mdicos e os polimorfos so tratados no captulo 7. A anuncia prvia da Anvisa debatida no captulo 8. O captulo 9 trata da proteo a dados de testes clnicos. O abuso de patentes por meio de aes judiciais (sham litigation) examinado no cap-tulo 10. As licenas compulsrias so debatidas no captulo 11. Os recursos genticos e os conhecimentos tradicionais so analisados no captulo 12. O captulo 13 trata da premiao como alternativa de incentivo inovao. As patentes implementadas por software so examinadas no captulo 14. O chamado Patent Prosecution Highway (PPH) examinado no captulo 15. O atraso na concesso de patentes, tambm conhecido como backlog, analisado no captulo 16. O captulo 17 examina o papel do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI) e a criao do Conselho de Direitos Intelectuais, vinculado Casa Civil da Presidncia da Repblica. O captulo 18 trata de trazer a sede do INPI para a capital Federal. Por fim, o captulo 19 apresenta um resumo executivo deste estudo e o captulo 20 traz suas recomendaes.

As propostas de alterao legislativa esto como Anexo I: Projeto de Lei n. 5.402/2013, de minha autoria, em conjunto com o Deputado Dr. Rosinha (PT-PR). No Anexo II est a sugesto de Decreto para a criao do Conselho de Direitos de Propriedade In-telectual (CoDiPI), vinculado Casa Civil da Presidncia da Repblica. No Anexo III est o resumo das apresentaes dos palestrantes nos debates mencionados. O anexo IV traz as recomendaes no formato oficial feitas para o Governo. No Anexo V deste estudo, na forma de um disco compacto (CD), tambm esto disponibilizados (1) a atual Lei de Propriedade Industrial, bem como (2) os textos preparados por palestrantes nos mesmos debates.

Os captulos 1 e 12 foram desenvolvidos com a colaborao do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), vinculado Secretaria de Assuntos Estratgicos da Pre-sidncia da Repblica. Colaboraram nesses dois captulos a economista Dra. Graziela Zucoloto e o cientista poltico Dr. Andr de Mello e Souza.

Sou grato pela incansvel contribuio e coordenao do professor Pedro Paranagu, assessor tcnico da Liderana do PT nesta Cmara dos Deputados. Contei tambm com a colaborao estratgica de Laurez Cequeira, meu ento assessor pessoal.

O resumo das apresentaes dos palestrantes foi realizado por meio da inestimvel co-laborao da Consultoria Legislativa desta Cmara dos Deputados, sob coordenao

24Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

do Dr. Csar Costa Alves Mattos, com a participao de Fbio Luis Mendes e Mauri-cio Jorge Arcoverde de Freitas. Indispensveis contribuio e apoio institucional foram prestados pelo Consultor Paulo Antnio Motta dos Santos, Coordenador de Articulao Institucional, e pelo ento Coordenador da Secretaria, Mrcio Coutinho Vargas. O Deputado Inocncio Oliveira, presidente do extinto Conselho, e presidente do novo Centro, ofereceu todo o apoio institucional necessrio para a realizao deste estudo.

A presente anlise tcnica, em momento algum, advoga ou pretende advogar contra-riamente ao sistema de patentes. Os direitos de patentes e correlatos, se devidamen-te equilibrados com outros direitos fundamentais previstos no art. 5 da Constituio Federal, devem servir de incentivo para a inovao tecnolgica do Brasil, com vistas ao desenvolvimento cientfico, tecnolgico, econmico e social. O sistema de patentes e direitos correlatos, portanto, deve servir de incentivo para a inovao tecnolgica, bem como, por outro lado, promover o acesso a essas inovaes, bem como capacitao tecnolgica, atendendo ao equilbrio entre a exclusividade e a concorrncia1. Alis, nes-se sentido, o rgo de defesa econmica e concorrencial dos EUA claro:

Patentes invlidas ou excessivamente amplas perturbam esse equilbrio, de-

sencorajando a inovao sequencial, impedindo a concorrncia e elevando

os preos atravs de licenciamentos e litgios desnecessrios2

Se no houver o devido equilbrio, o sistema de patentes e direitos correlatos no estar exercendo sua funo constitucional e, por conseguinte, deve ser reformado (por meio do Poder Legislativo), reinterpretado (por meio do Poder Judicirio), bem como ter suas polticas pblicas repensadas (por meio do Poder Executivo), de modo a se atingir o equilbrio necessrio para a promoo do desenvolvimento econmico, social e tec-nolgico do Brasil, conforme exige a clusula finalstica da nossa Constituio Federal (art. 5, XXIX).

Comentando sobre a utilizao indevida do sistema de patentes, um executivo da em-presa estadunidense Cisco disse o seguinte:

A obteno de patentes se tornou () para muitas empresas e indivduos,

um fim em si mesmo, destinada no a proteger um investimento em pes-

quisa e desenvolvimento, mas a gerar receita por meio do licenciamento

(impedimento) de outras empresas (). Elas tentam patentear coisas que

outras pessoas ou empresas, inadvertidamente, iro infringir e ento espe-

1 nesse mesmo sentido o posicionamento da Federal trade commission (rgo equivalen-te ao nosso Conselho administrativo de Defesa econmica CaDe) dos eua, em seu relatrio the evolving ip marketplace aligning patent notice and remedies with competition, 2011, p. 1.

2 Cf. Federal trade commission, the evolving ip market place aligning patent notice and remedies with competition, 2011, p. 1. no original: invalid or overbroad patents disrupt that balance by discouraging follow-on innovation, preventing competition, and raising prices through unnecessary licensing and litigation.

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ram at essas empresas conseguirem a comercializao bem-sucedida dos

produtos. Colocam as minas pelo terreno. () usam o sistema de patentes

como uma loteria... () se beneficiam do alto custo dos processos de litgio

exigindo taxas de licena que so inferiores ao custo do litgio, esperando

que as pessoas paguem mesmo que no infrinjam (). difcil ver como

isso contribui para o progresso da cincia ().3

notrio que o sistema de patentes, em diversos pases do mundo, no vem, infeliz-mente, funcionando conforme seus objetivos: de promover o desenvolvimento e a capa-citao tecnolgica, com vistas ao desenvolvimento econmico e social.

O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, admitiu no incio de 2013 que em determinados setores alguns titulares de patentes esto essencialmente [por meio de suas patentes questionveis] tentando alavancar e sequestrar a ideia de outra pessoa e ver se podem extorquir algum dinheiro de terceiros. Obama continua: ns tambm queremos ter certeza de que as patentes so longas o suficiente e que a propriedade intelectual das pessoas seja protegida. Temos de equilibrar isso e ao mesmo tempo ga-rantir que as patentes no sejam to longas de modo que a inovao no seja reduzida. Portanto, Obama admite que, para os EUA, patentes so importantes ferramentas para a promoo do desenvolvimento tecnolgico, cientfico, econmico e social, mas que se um equilbrio no for estabelecido, essas mesmas patentes podem surtir o efeito inverso, e reduzir a inovao e o desenvolvimento. Por isso que aquele pas passou por uma reviso de sua lei de patentes, e pelo mesmo motivo, Obama admite que necessrio continuar a reviso da lei de patentes naquele pas, que est, segundo ele mesmo, pela metade ainda.4

O Primeiro Ministro do Reino Unido, quando da encomenda do Relatrio Hargreaves sobre Propriedade Intelectual e Crescimento, de 2011, fez a seguinte pergunta para ser respondida pelo Professor Ian Hargreaves, responsvel pelo Relatrio: Poderia ser ver-dade que leis [de patentes] criadas h mais de trs sculos atrs, com o propsito expres-so de criar incentivos econmicos para a inovao, ao proteger os direitos dos criadores, esto hoje obstruindo a inovao e o crescimento econmico? O Professor Hargreaves concluiu: A resposta curta : sim.5

Para auxiliar a solucionar alguns dos problemas do sistema de patentes no Brasil, alguns pontos identificados como merecedores de reformulao, conforme fundamentado

3 Cf. Commission on intellectual property rights. integrating intellectual property rights and developing policy, report of the commission on intellectual property rights, london, uK 2002 (verso em portugus).

4 Cf. Joe Mullin, even obama knows patent trolls are extorting money.

5 Cf. ian hargreaves, Digital opportunity. a review of intellectual property and growth. an independent report by professor ian hargreaves, 2011, p. 1. no original: could it be true that laws designed more than three centuries ago with the express purpose of creating economic incentives for innovation by protecting creators rights are today obstructing innovation and economic growth? the short answer is: yes.

26Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

no presente estudo, foram tratados. A abordagem feita neste estudo tcnica e, desse modo, no pretende ser acadmica. De qualquer forma, os argumentos aqui trazidos, como mencionado, foram embasados em dados, estatsticas, relatrios nacionais e es-trangeiros, textos acadmicos, leis de outros pases, dentre outros.

Cumpre ressaltar, ademais, que um programa governamental para a promoo da inova-o tecnolgica do pas no deve se basear nica e exclusivamente no sistema de patentes. Patentes no significam, necessariamente, inovao. Alis, se o sistema de patentes no for suficientemente equilibrado, pode inclusive promover o bloqueio da inovao, como as declaraes acima mencionadas indicam, e como este estudo demonstra. Justamente por isso que o Poder Executivo Federal lanou, no incio de 2013, o Programa Inova Brasil por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao MCTI que no se baseia necessariamente no sistema de patentes e direitos correlatos.

Cumprindo as funes e atribuies legais do Centro de Estudos e Debates Estrat-gicos, da Cmara dos Deputados, ao final de cada captulo, so feitas recomendaes na forma de proposies ao Poder Legislativo, bem como de indicaes para o Poder Executivo. As recomendaes so feitas ora por meio de propostas de alterao legislati-va, ora por meio de medidas administrativas a serem adotadas pelos rgos de governo destinatrios das recomendaes.

Enfim, este estudo espera, luz do interesse nacional: i) servir de subsdio para uma reviso legislativa na rea dos direitos de patentes e correlatos; ii) propor recomendaes para interpretao e aplicao da legislao do setor por parte do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, dentre outros, e iii) auxiliar na tomada de decises referentes s polticas pblicas para o desenvolvimento nacional.

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1. inCentivo inovao por Meio Dos Direitos De patentes De inveno

O sistema de patentes de inveno, quer nacional, quer internacionalmente, foi conce-bido a fim de possibilitar uma troca entre pblico e privado. Esse sistema se estabelece pela concesso da exclusividade temporria de explorao6, que se caracteriza como um monoplio jurdico temporrio, conferido ao inventor em troca da obrigao de revelar totalmente e listar as reivindicaes de forma suficientemente descritiva de modo a um tcnico no assunto conseguir desenvolver a inveno em sua integralidade, conheci-mento esse que ser imediatamente posto disposio do pblico em geral, represen-tando um conhecimento adicional para a sociedade.7

Muitos argumentam que o objetivo primordial dessa troca o de estimular o investi-mento privado em inovao pela possibilidade de obteno de reembolso dos investi-mentos em pesquisa e desenvolvimento conferida pelo perodo de monoplio jurdico de explorao da inveno. Trata-se da chamada teoria do estmulo ao investimento8, que reconhece ao inventor o direito exclusivo para explorao como forma de recuperar os investimentos feitos para o desenvolvimento da inveno, por meio da acumulao de uma renda de monoplio jurdico ao longo da vigncia da patente. A patente , por-tanto, uma forma de estmulo ao desenvolvimento de inovaes.

No caso dos pases em desenvolvimento, nem sempre as atividades de inovao e fabri-cao so desenvolvidas localmente sem, portanto, que ocorra estmulo para a gerao de emprego e renda, e sem que haja capacitao e desenvolvimento tecnolgico local. Em face dessa especificidade, clusulas de promoo da transferncia de tecnologia foram implementadas em vrios instrumentos internacionais. Nesse sentido, o Acordo entre a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e a Organizao das

6 por explorao, entenda-se produo, uso, colocao venda, venda e importao, conforme art. 42 da lei 9.279/96.

7 Daqui em diante, ser utilizada a expresso monoplio jurdico temporrio para identificar as patentes de inveno. foroso observar que patentes no so, necessariamente, monoplios de mercado, no sen-tido econmico utilizado na rea anticoncorrencial mas podem vir a ser, em alguns casos. para diferenciar as patentes do tradicional monoplio de mercado que um monoplio de fato, e no de direito, como o criado pelas leis de patentes utilizamos, assim, o termo monoplio jurdico temporrio.

8 Diversas teorias foram desenvolvidas ao longo dos anos para fundamentar a concesso de patentes. podemos resumi-las em cinco principais teorias: i) teoria do direito natural, ii) teoria contratual, iii) teoria da recompensa, iv) teoria do estmulo e v) teoria do estmulo ao investimento. a primeira delas traz a cls-sica explicao naturalista para os institutos jurdicos: o criador tem um direito natural ao patenteamento. a segunda aquela que v na concesso da patente uma recompensa da comunidade ao inventor pela publicizao de sua descoberta. a teoria do estmulo bastante semelhante teoria contratual, mas aqui a recompensa pelo estmulo ao bem-estar individual proporcionado pela patente. por fim, a teoria do estmulo ao investimento v na concesso de patentes uma proteo e um estmulo aos investimentos rea-lizados pelas empresas para o desenvolvimento de invenes. trata-se, portanto, de um incentivo concor-rencial s empresas. segundo essa teoria, no mundo empresarial moderno, raramente possvel identificar o inventor; as invenes so via de regra obra coletiva, da organizao empresarial. assim, um estmulo individual ao inventor tenderia a ser de pouco valor. para uma viso crtica dessas teorias, ver: saloMao filho, Calixto. Direito industrial, direito concorrencial e interesse pblico. revista de Direito pblico da economia, belo horizonte, ano 2, n. 7, 2004, p. 29 e ss.

28Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

Naes Unidas (ONU) deixa claro que o objetivo dos direitos de propriedade intelectu-al9 promover a atividade intelectual criativa e facilitar a transferncia de tecnologia relacionada propriedade industrial aos pases em desenvolvimento, de forma a acele-rar o desenvolvimento econmico, social e cultural.

O principal tratado internacional sobre os direitos de propriedade intelectual na atuali-dade o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comrcio (Acordo TRIPs, na sigla em ingls, a mais comumente utilizada, ou Acor-do ADPIC, na sigla em portugus, pouco utilizada na literatura) da Organizao Mun-dial do Comrcio (OMC), assinado em 1994. Em seu artigo 7, relativo aos objetivos dos direitos de propriedade intelectual, o TRIPs nos recorda que a proteo e a aplicao de normas de proteo dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoo da inovao tecnolgica e para a transferncia e difuso de tecnologia em benefcio mtuo de produtores e usurios de conhecimento tecnolgico e de uma forma conducente ao bem-estar social e econmico e a um equilbrio entre direitos e obrigaes.10

ObjETIvO DO SISTEmA DE PATEnTES

o sistema de patentes e de direitos correlatos no foi concebido como um fim em si mesmo. Proteger patente de inveno no o objetivo do sistema de patentes. o objetivo promover a atividade inventiva, o avano tecnolgico e a transferncia e a capacitao tecnolgica, remunerando equitativamente o inventor e almejando um fim maior: promover o desenvolvimento cientfico, econmico, social e tecnolgico. , portanto, um meio, e no um fim em si mesmo.

9 Cf. oMpi, agreement between the united nations and the world intellectual property organization, disponvel em http://www.wipo.int/treaties/en/agreement/index.html, acessado em 29.10.2012. o termo genrico propriedade intelectual abarca no apenas os chamados direitos de propriedade industrial, bem como os direitos autorais. esses ltimos abarcam os direitos autorais propriamente ditos, bem como os direitos conexos, compreendidos a os direitos dos artistas intrpretes e executantes, os direitos dos produtores fonogrficos, e os direitos dos produtores de radiodifuso (lei 9.610/98). e os direitos de pro-priedade industrial incluem as marcas, as patentes de inveno e os modelos de utilidade, os desenhos industriais, as indicaes geogrficas e a represso contra concorrncia desleal (lei 9.279/96). o trips inclui dentre as matrias tratadas sob a rubrica dos direitos de propriedade intelectual os direitos de autor e os direitos conexos, as marcas, as indicaes geogrficas, os desenhos industriais, as patentes de inven-o, as topografias de circuitos integrados, a proteo de informao confidencial e a represso contra concorrncia desleal. h ainda outros tipos mais recentes de direitos de propriedade intelectual ou que, ao menos, existem de forma sui generis, como as expresses culturais tradicionais, a repartio dos recursos genticos, os semicondutores, os cultivares, dentre outros.

10 Cf. acordo trips, disponvel em http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/ac_trips.pdf, acessado em 29.10.2012, implementado por meio do Decreto 1.355/95.

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Segundo estudo-referncia da Comisso para Direitos de Propriedade Intelectual (CIPR, na sigla em ingls) do governo do Reino Unido, os pases em desenvolvimento devem procurar elaborar sistemas de patente que levem em conta suas circunstncias econmicas e sociais especficas. Ademais, segundo o mesmo estudo, os pases em desenvolvimento mais avanados tecnologicamente precisam de salvaguardas apro-priadas para assegurar um ambiente competitivo e minimizar os custos para os con-sumidores. Uma vez que boa parte da expertise cientfica e tecnolgica dos pases em desenvolvimento est concentrada no setor pblico, deve-se ponderar com ateno as implicaes do patenteamento por parte de instituies de pesquisa e universidades.11

Seguindo a tradio da economia neoclssica, o conhecimento um bem pblico, e, como tal, o custo marginal para um novo usurio utiliz-lo ou tende a zero. Portanto, o inovador no poder auferir lucro extraordinrio a partir do conhecimento por ele produzido, dado que este estar acessvel sem custo aos seus concorrentes. Sob competio perfeita, no haveria incentivo para os agentes privados investirem na gera-o de novos conhecimentos. A concesso de monoplios jurdicos temporrios aos ino-vadores, por meio da patente, surge como estmulo gerao de inovaes, ao garantir condies de apropriabilidade aos recursos investidos na gerao de novas tecnologias.

Dado que, em um mercado perfeitamente competitivo, o custo de reproduo da inova-o tende a zero, o valor de uma inovao originar-se-ia a partir de seu monoplio jur-dico. Por essa perspectiva, os incentivos necessrios gerao de novos conhecimentos e tecnologias passariam pela transformao de um bem pblico conhecimento em um bem privado, atravs da patente (Dosi, Marengo e Pasquini, 2007).

Assim, a concesso de um monoplio jurdico temporrio de explorao para uma de-terminada inveno teria a funo de criar uma escassez artificial de bens que no so naturalmente escassos, conferindo-lhes valor comercial. Nesse sentido, h teoria econmica que afirma que o conhecimento um bem pblico com a caracterstica intrnseca de no-rivalidade e no-exclusividade. Portanto, o conhecimento entendido como bem pblico global (incluindo a informao da patente) poderia ser utilizado sem que se interferisse no consumo de outros interessados.12 Desse modo, embora os direitos de patentes criem ineficincias, eles seriam o preo a se pagar pela gerao de novas invenes e para que estas se tornem, no longo prazo, pblicas.

O Brasil adotou sua primeira lei sobre propriedade industrial em 1809. Atualmente, est em vigor a Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, conhecida como Lei de Propriedade

11 Cf. reino unido, Comisso para Direitos de propriedade intelectual (Cipr), relatrio da Comisso para Direitos de propriedade intelectual integrando Direitos de propriedade intelectual e poltica de Desenvolvimento, londres, 2002.

12 Cf. Keith Maskus e Jerome h. reichman, international public goods and transfer of technology under a globalized intellectual property regime, Cambridge university press, 2005.

30Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

Industrial (LPI), em vigor desde 15 de maio de 1997. Para fins didticos, na maioria das vezes em que essa Lei mencionada neste estudo, fazemos referncia a ela como Lei de Patentes. Cumpre ressaltar, contudo, que a mencionada Lei abarca, como esclarecido na nota de rodap 9, no apenas patentes, mas outros tipos de direitos correlatos.

Antes da constituio da OMC, os temas relacionados propriedade intelectual eram tratados exclusivamente pela Organizao Mundial da Propriedade Intelectual OMPI, criada em 1967 e em vigor desde 1970. O principal acordo internacional sobre o tema era a Conveno da Unio de Paris para a Proteo da Propriedade Industrial CUP, de 1883, do qual o Brasil signatrio desde sua criao, e que permanece em vigor at hoje, com suas revises. Em 1974, a OMPI passou a ser um rgo especializado do sistema da ONU.

O TRIPs estabeleceu um patamar mnimo de concesso de direitos que deve ser im-plementado por todos os pases membros da OMC em suas legislaes nacionais. O TRIPs , portanto, um tratado-contrato. No autoaplicvel. Vale apenas entre Estados--membros. Para que passe a ter validade internamente em cada pas, deve ser obriga-toriamente implementado no ordenamento jurdico ptrio. O TRIPs possui validade apenas entre os Estados-membros, mas no internamente no ordenamento jurdico de cada Estado-membro.

Alm da criao de um patamar mnimo de direitos, o TRIPs passou a ter o que muitos chamam de unhas e dentes. Caso algum pas viole as regras estabelecidas por TRIPs, o pas que se achar prejudicado pode iniciar uma consulta perante a OMC e, caso ela no seja suficiente para dirimir o suposto conflito, o pas que se entender prejudicado pode iniciar um painel perante o rgo de Soluo de Controvrsias da OMC. Caso os rbitros da organizao entendam que houve violao da regras da OMC, o pas in-frator estar sujeito a sanes comerciais estabelecidas por um rgo multilateral. Esse um grande avano na esfera comercial global, uma vez que, se as regras no forem seguidas, o pas infrator ficar sujeito a embargos. Essa uma forma, portanto, de esti-mular que os Estados-membros cumpram as regras da OMC.

Outro ponto fundamental que todo e qualquer pas que faa parte da OMC deve por consequncia adotar o Acordo TRIPs. O princpio do compromisso nico (single undertaking) estabelece que, ao fazer parte da OMC, os pases signatrios devem auto-maticamente adotar todos os acordos que integram o pacote da organizao, dentre os quais est o Anexo 1C, ou chamado Acordo TRIPs. Portanto, no possvel fazer parte da OMC e rejeitar o Acordo TRIPs por falta de interesse. Caso um pas escolha ser sig-natrio da OMC, dever, assim, adotar as normas estabelecidas no Acordo TRIPs. Nes-se sentido, tendo em vista a expanso do comrcio global, praticamente todos os pases hoje fazem parte da OMC e, por conseguinte, tm de observar os patamares mnimos estabelecidos pelo TRIPs.

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Uma das principais mudanas trazidas pelo Acordo TRIPs foi o estabelecimento da obrigatoriedade da concesso de direitos de patentes para todos os campos tecnolgicos, incluindo setores para os quais muitos pases no concediam patentes na poca, como o setor farmacutico. Foi uma mudana radical porque contrariava a orientao at ento vigente, na qual a patente farmacutica era incompatvel com a sade pblica, especial-mente para se evitar o perigo de manobras especulativas sobre medicamentos, fixando, por exemplo, preos abusivos e provocando, inclusive, a sua escassez.

O Acordo TRIPs concedeu prazo para que os pases em desenvolvimento e pases de me-nor desenvolvimento relativo que no reconheciam patentes para alguns campos tecnol-gicos passassem a faz-lo. Os pases em desenvolvimento, includo a o Brasil, teriam at 2005 para incorporar o padro mnimo de concesso de direitos de propriedade intelectu-al em suas legislaes internas; e os pases de menor grau de desenvolvimento, conforme lista da ONU, teriam at 1 de julho de 2013 e para o campo de patentes farmacuticas, eles teriam at 1 de janeiro de 2016, conforme previsto na Declarao de Doha sobre o Acordo TRIPs e Sade Pblica, assinada em 2001.13 Nos dias 5 e 6 de maro de 2013 o Conselho de TRIPs da OMC se reuniu para decidir sobre a extenso do prazo para im-plementao do TRIPs nos pases de menor grau de desenvolvimento, que sugeriram que o prazo seja estendido at que esses pases no estejam mais na lista da ONU de pases de menor grau de desenvolvimento. Vrios pases em desenvolvimento, como Brasil, apoia-ram a medida, ao passo que pases desenvolvidos ficaram reticentes.14

Uma das principais vantagens desse perodo de transio seria permitir o fortalecimento das empresas nacionais para enfrentar a concorrncia com as empresas transnacionais em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Como mencionado, o Brasil alterou sua legisla-o de propriedade industrial em 1996, adequando-se s novas regras estabelecidas em mbito internacional e at mesmo indo alm do patamar mnimo exigido pelo Acordo TRIPs.15 Portanto, o Brasil antecipou essa implementao no ordenamento jurdico na-cional, em prejuzo prprio, e deixou de fazer uso do perodo de transio, que serviria para capacitar a indstria nacional e melhor posicionar o pas no sistema de concorrn-cia internacional.

13 Cf. art. 65(4) do trips, disponvel em www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and1355-94.pdf, acessado em 11.01.2013, e Doc. wt/Min(01)/DeC/2, disponvel em https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_trips_e.htm.

14 Cf. Catherine saez, wto: wide support For lDc trips extension, with a hitch, ip-watch, 06.03.2013, disponvel em http://www.ip-watch.org/2013/03/06/to-wide-support-for-ldc-trips-transition-extension-with-a-hitch/.

15 o brasil no estava obrigado a implementar um sistema de exausto nacional, j que o art. 6 do trips no estipula a obrigatoriedade da adoo de qualquer padro relativo a exausto de direitos, seja um padro na-cional, seja internacional. Mesmo assim, a lei de propriedade industrial (9.279/96) adotou o padro nacional, sendo certo que em alguns momentos a adoo do padro internacional promoveria um maior acesso a tec-nologias produzidas em pases estrangeiros, o que poderia, no caso de acesso a medicamentos essenciais, proteger e promover a sade dos brasileiros de forma mais eficaz. outro dispositivo que o brasil no estava obrigado a implementar, mas o fez, em ntido prejuzo aos brasileiros, foi o sistema chamado de pipeline, previsto nos artigos 230 e 231 da lei 9.279/96. para uma discusso sobre esse tpico, veja captulo 5 a seguir.

32Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

Um grupo de acadmicos e de autoridades do setor de sade pblica que participou de alguns ciclos de debates promovidos no mbito deste estudo alertou para o erro estra-tgico de o Brasil ter adotado prematuramente alguns pontos do Acordo TRIPs sem, contudo, ter feito uso do perodo de transio.16

Foi uma oportunidade perdida, apesar de prevista em TRIPs, como resultado de presso do Escritrio de Comrcio dos Estados Unidos da Amrica (USTR, na sigla em ingls), por meio do dispositivo conhecido por especial 301 da Lei de Comrcio daquele pas, bem como por presso poltica da indstria multinacional e de advogados brasileiros que possuam como clientes a indstria estrangeira.

Nos anos que antecederam as negociaes do TRIPs, a indstria dos EUA influenciava o governo estadunidense para que adotasse medidas para forar outros pases a respei-tar os bens de conhecimento l produzidos. Assim, ao longo da primeira metade dos anos 1980, o Centro de Comrcio Internacional dos Estados Unidos (ITC, na sigla em ingls) estrategicamente divulgou a existncia de perdas na balana comercial daquele pas da ordem de aproximadamente US$ 43-61 bilhes, devido a falsificaes, e ainda divulgou que de 1980 at 1987 o supervit da balana comercial despencou de US$ 27 bilhes para um dficit de US$ 138 bilhes. Era o momento de introduzir de alguma forma as restries ao acesso aos bens de conhecimento, comumente referidos como direitos de propriedade intelectual, na agenda de comrcio internacional.17

Para tanto, em 1984 os Estados Unidos alteraram a seo 301 de sua Lei de Comrcio e Tarifas, de 1974 alterada novamente em 1988 e conhecida como especial 301 para incluir a remoo de preferncias tarifrias ou a imposio de sanes a pases que no ofeream proteo adequada e efetiva aos direitos de propriedade intelectual de titularidade de empresas estadunidenses em pases estrangeiros. Tendo em mente que no somente o USTR (Escritrio Norte-Americano de Comrcio) como tambm qual-quer pessoa interessada pode dar entrada com uma petio e dar incio a uma ao 301, foram criadas organizaes no-governamentais (ONGs) de interesse privado re-presentantes da indstria, tais como a International Intellectual Property Alliance (IIPA) e a IPC, ...para assegurar que seus pontos de vista fossem considerados.

Mesmo assim, de acordo com a indstria dos EUA, as aes 301 no foram suficientes, da mesma forma que, em resposta presso, a outorga do Sistema Geral de Preferncias (SGP) dos EUA, que isenta ou reduz tarifas de forma voluntria e no-recproca para importaes de pases em desenvolvimento, foi tambm imposta como condicional sob a concesso de direitos de propriedade intelectual. Portanto, era o incio do vnculo dos bens do conhecimento com o comrcio internacional. E importante notar que,

16 Cf. anexo iii e v deste estudo.

17 Cf. peter Drahos com John braithwaite. information Feudalism: who owns the knowledge economy?, the new press, new York, 2003.

33

nos casos acima tanto das aes 301 bem como do SGP essas medidas eram, e continuam sendo, tomadas de forma unilateral. Os EUA decidem como e quando iro tomar medidas que afetam o comrcio de outros pases, sem, contudo, observar regras multilaterais de comrcio internacional como as consultas que podem ser feitas no mbito da OMC, bem como, caso no sejam resolvidas as questes, a iniciao de um painel perante o rgo de Soluo de Controvrsias da OMC.

Nesse cenrio de crescente aumento da proteo de bens do conhecimento, comea-ram a ser realizadas as negociaes de 1986-94 da Rodada do Uruguai, referente ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio (GATT), sob profunda influncia dos pases desenvolvidos tecnologicamente, sobretudo dos EUA, da Comunidade Europeia e do Japo, todos com indstria mundial dominante nas reas farmacutica, qumica, de software e de entretenimento. A introduo de um Acordo com patamares mnimos para a concesso dos direitos de propriedade intelectual, colocando os bens do conhe-cimento na agenda de comrcio, era uma das maiores vontades da indstria daqueles pases, que tambm temiam a fora em maior nmero dos pases em desenvolvimento na OMPI e suas iniciativas de reviso do sistema de propriedade intelectual.

Dessa maneira, as negociaes do GATT/OMC envolveram todo um pacote de temas, sendo o Acordo TRIPs somente um dos acordos dentre muitos outros, como os acordos sobre produtos txteis e sobre agricultura. Nesse sentido, comum a argumentao de que a justificativa para a aceitao dos termos do Acordo TRIPs por parte dos pases em desenvolvimento residiria exatamente no fato de que estes tiveram como contrapartida os vantajosos termos do acordo sobre agricultura, que serviriam como incentivo para suas exportaes. Contudo, essa justificativa simplista para a aceitao dos termos do Acordo TRIPs pelos pases em desenvolvimento como uma barganha relacionada ao acordo sobre agricultura no parece acertada. As evidncias indicam que a proteo dos direitos de propriedade intelectual vem sendo expandida de maneira cada vez maior agricultura e a bens a ela relacionados, tais como sementes, plantas e produtos agro-qumicos, como adubos, fertilizantes etc., o que, em ltima instncia, representa uma dependncia dos pases do hemisfrio Sul em relao tecnologia em grande parcela detida por pases do hemisfrio Norte.

Nesse sentido, o Relatrio Gowers, do governo do Reino Unido, claro ao afirmar que mesmo os patamares mnimos dos direitos de propriedade intelectual previstos no Acordo TRIPs se provaram muito onerosos para alguns pases em desenvolvimento.18 As clusulas TRIPs-plus so mais onerosas ainda, porque vo alm do patamar mnimo exigido pelo Acordo TRIPs, como o caso das patentes de revalidao (ou pipeline), das patentes de novos usos e novas formas (segundos usos e poliformos), bem como

18 Cf. reino unido, gowers review of intellectual property, relatrio do governo do reino unido, 2006, p. 59.

34Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

dos direitos de exclusividade de dados de testes; temas tratados nos captulos 6, 7 e 9, respectivamente, deste estudo.

A insero dos bens do conhecimento na agenda de comrcio e a incluso de clusulas de exigibilidade no Acordo TRIPs chegaram para transformar para sempre o cenrio global.

Segundo a concepo dos pases desenvolvidos, principalmente Estados Unidos da Am-rica, Canad, Japo e pases europeus, a padronizao mnima dos direitos de proprieda-de intelectual levaria a um tratamento adequado desses direitos, favorecendo a inovao e estimulando os processos de transferncia de tecnologia. Por outro lado, os pases em desenvolvimento demonstravam preocupao em relao s assimetrias entre os pases, especialmente quanto capacidade nacional de produo tecnolgica, e buscavam me-canismos eficazes de transferncia de tecnologia. Alm disso, tambm demonstravam preocupao em garantir o acesso de suas populaes s novas tecnologias.19

No contexto de negociao do Acordo TRIPs, o objetivo declarado do sistema de prote-o propriedade industrial era promover a inovao tecnolgica e propiciar a transfe-rncia e difuso de tecnologia por meio do investimento direto de capital estrangeiro no pas, de forma conducente ao bem-estar social e econmico (artigo 7, Acordo TRIPs).

O entendimento majoritrio, defendido principalmente pelos representantes de pases desenvolvidos, era de que quanto maior a proteo propriedade intelectual, melhor para o desenvolvimento de todos os pases. Assim, o atual sistema de propriedade inte-lectual foi adotado com dois objetivos principais: i) promover a inovao e ii) facilitar a transferncia de tecnologia para pases em desenvolvimento de modo a acelerar o desenvolvimento econmico e social.

Nesse sentido, Andr Fontes, Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2 Regio, que participou do ltimo ciclo de debates promovidos no mbito deste estudo, alerta:

a indstria brasileira tende a desaparecer porque o sistema foi feito com

armadilha. No h promoo tecnolgica. Ns fomos doutrinados a pensar

que o melhor para o Brasil patente e proteo. A lei patentria no Brasil

vendida para a sociedade com a ideia que proteo significa desenvolvi-

mento. Isso no verdade. O que promove desenvolvimento no Brasil a

tecnologia, e ns precisamos ter tecnologia. A proteo uma decorrncia do

investimento tecnolgico.20

Os defensores do TRIPs deviam saber melhor do que qualquer pas em desenvolvimen-to que os direitos de patentes e correlatos seriam muito mais um eficaz instrumento

19 Cf. Jayashree watal, intellectual property rights in the wto and Developing countries, oxford, new Delhi, 2003.

20 Cf. anexo iii e v deste estudo.

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de fortalecimento de suas empresas transnacionais com projeo mundial, bem como dos rendimentos da tecnologia produzidas por essas empresas e por seus centros de pesquisa, do que uma forma de promover o desenvolvimento de pases que no eram industrializados ou que eram integrados por empresas de pequena dimenso, desprovi-dos de centros de tecnologia e recursos suficientes para fazer frente s necessidades para a formao de uma tecnologia inovadora.

Qualquer exceo a essas premissas como, por exemplo, a existncia de talentosos cien-tistas nos pases em desenvolvimento, ou de desenvolvimento tecnolgico de alguma empresa, poderia ser contornada por pases industrializados por meio da fuga de capital humano, a conhecida fuga de crebros, ou pela aquisio de empresas dos pases de economia perifrica. De fato, o papel dos direitos de patentes e correlatos no desen-volvimento das naes, e mesmo na gerao de conhecimento, um tema cercado de interesses econmicos antagnicos.

1.1 efeitos do fortalecimento dos direitos de patentes de inveno

As diferenas no grau de desenvolvimento tecnolgico observadas entre as empresas seriam determinadas por suas caractersticas, capacitaes e escolhas estratgicas. Em consequncia, direitos de propriedade intelectual podem no ser essenciais para induzir atividades inventivas, dado que, em muitas indstrias, a liderana ou pioneirismo na comercializao de um novo produto suficiente para gerar lucros extraordinrios e, nesses casos, as patentes no seriam primordiais para promover seu desenvolvimento.21 Desse modo, a proteo formal teria, quando muito, um papel secundrio no estmulo inovao (DOSI, MARENGO e PASQUINI, 2007).

Dosi, Marengo e Pasquini (2007) apresentam diversos contraexemplos relao de cau-salidade entre direitos de patentes e desenvolvimento de novas tecnologias, destacando-se o segmento de tecnologias de informao e comunicao (TICs). Neste, foram gera-das diversas inovaes que produziram significativo valor econmico, mesmo quando no foram patenteadas. As indstrias de suporte lgico (software) e telefone mvel so exemplos de novos produtos e tecnologias que surgiram em um ambiente que pouco se utilizou dos direitos de patentes.

Para os autores, tal fragilidade pode ter sido o fator de estmulo ao rpido crescimento desses setores, dado que a disseminao do conhecimento estimulava a gerao de ino-vaes, enquanto o fortalecimento do regime de propriedade industrial a partir dos anos 1980 teria sido consequncia, e no causa, da expanso do setor de TICs.

21 akio Morita, fundador da sony, descreve a importncia do pioneirismo em relao s patentes, em sua autobiografia intitulada made in Japan, akio Morita e a sony, Cultura, de 1986.

36Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

No que se refere promoo da inovao, entidades como a Academia de Cincias e o r-go de defesa concorrencial dos Estados Unidos da Amrica (Federal Trade Commission, o FTC) j indicaram que a qualidade das patentes concedidas est se deteriorando e que o padro de anlise dos requisitos de patenteabilidade tornou-se excessivamente baixo, possibilitando a concesso de inmeras patentes de baixa qualidade que afetam indevidamente o domnio pblico e trazem efeitos negativos inovao22.

No mesmo sentido, o relatrio produzido pela Organizao para a Cooperao Econ-mica e Desenvolvimento (OCDE), em 2004, conclui que uma investigao prelimi-nar sobre o funcionamento do sistema de patentes revela limitaes quanto adequao desse sistema para melhorar a inovao e a difuso da tecnologia23.

2425

nO fOI COmPROvADA CAUSA E EfEITO EnTRE fORTES DIREITOS DE PATEnTES E ALTOS nvEIS DE CRESCImEnTO

vrios pases em desenvolvimento recepcionaram amplamente leis de patentes e direitos correlatos e nem por isso tiveram uma melhoria sensvel no seu desempenho econmico, tecnolgico, de industrializao ou de inovao.

nas palavras do conselheiro Kenneth nbrega, chefe da diviso de Propriedade intelectual do ministrio das Relaes exteriores, que participou do ltimo ciclo de debates promovidos no mbito deste estudo, essa percepo simplista de que existe uma relao automtica entre proteo e inovao deixou de ser um consenso.24

H estudos, alis, que demonstrariam a correlao entre fortes direitos de patentes e correlatos com altos nveis de crescimento dos pases. contudo, como indica o Relatrio Gowers, do governo do Reino unido, as evidncias no so conclusivas. verdade que foi demonstrada relao entre fortes direitos de patentes e elevado crescimento, mas no foi comprovada uma relao de causa e efeito.25

Outros fatores que influenciam diretamente a forma como os entes da sociedade agem e reagem quando algum direito de patentes e correlatos motivo de disputa, so a ca-pacidade de monitorar o mercado, os custos dos litgios, a competncia dos advogados

22 federal trade Commissioin. to promote innovation: the proper balance of competition and patente law and policy. 2003. Cf, tambm, JaGuaribe, roberto e branDelli, otvio. propriedade intelectual: es-paos para os pases em desenvolvimento. in propriedade intelectual: tenses entre o capital e a socieda-de. fbio villares (org.). so paulo: paz e terra, 2007.., pp. 277 e 290.

23 orGanization for eConoMiC Co-operation anD DevelopMent. patents and innovation: trends and policy challenges. paris, 2004, p. 28. apud JaGuaribe, roberto e branDelli, otvio. propriedade intelectual: espaos (), op cit. p. 291.

24 Cf. anexo iii deste estudo.

25 Cf. reino unido, gowers review of intellectual property, relatrio do governo do reino unido, 2006, p. 58.

37

contratados, o poder de negociao dos envolvidos, a viso dos tribunais envolvidos, dentre vrios outros fatores. Koen (1991) apud Cimoli e Primi (2008) revela casos em que pequenas e mdias empresas dos Estados Unidos tinham conhecimento da viola-o de seus direitos de patentes e correlatos, mas a maioria no atuou legalmente devido aos altos custos envolvidos e ao tempo das controvrsias legais.

Entre os custos sociais envolvidos no processo de proteo aos direitos de propriedade intelectual, destacam-se tambm: i) o custo de oportunidade de investimento em trajetrias tecnolgicas selecionadas (escolha de caminhos inventivos que no levaro necessariamente gerao do melhor produto ou processo inovativo, mas com maior chance de ser patenteado); ii) custos de transao, caracterizados pela necessidade de administrar e fazer cumprir o sistema de patentes; iii) custos relacionados ao depsito de uma gama de produtos e/ou processos inter-relacionados, com o intuito de bloque-ar o acesso aos demais concorrentes em determinados espaos tecnolgicos; iv) busca excessiva pelo patenteamento, postura que consome elevados custos financeiros; v) pagamento de royalties como um custo social; vi) elevao dos preos de produtos importados; vii) elevao dos preos para aquisio e utilizao de novas tecnologias; viii) perda de atividade econmica, pela limitao de atividades imitativas, ix) possi-bilidade de abuso de preos de detentores de patentes; x) limitao do acesso a novas tecnologias devido a possibilidade de cobrana de preos elevados durante a vigncia do monoplio jurdico; entre outros.

A principal crtica causalidade positiva entre estabelecimento de direitos de patentes e gerao de inovao tecnolgica concentra-se no fato de que, sem o desenvolvimento de capacitaes cientficas e tecnolgicas, nenhum sistema de patentes ser capaz de promover a gerao de inovaes, ou mesmo de promover a concorrncia e a competiti-vidade que esto associadas ideia de inovao, assim como, de modo mais especfico, a criao de empresas voltadas para a produo e desenvolvimento de novos produtos ou de tecnologias.

Para Lall e Albaladejo (2002), direitos de patentes e correlatos fracos podem ajudar empresas em estgios iniciais de desenvolvimento a construir tais capacitaes tecno-lgicas por meio de imitao e engenharia reversa. Esse fenmeno foi observado em diversos pases hoje desenvolvidos, que utilizaram um baixo nvel de proteo a patentes em seus estgios iniciais de industrializao para promover seu desenvolvimento, au-mentando a proteo conforme se aproximavam das economias lderes.

38Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

26,27

A ImITAO fOI ESSEnCIAL PARA OS PASES hOjE DESEnvOLvIDOS

segundo chang (2001 e 2009), a experincia histrica de pases atualmente avanados revela que forte proteo aos direitos de patentes no foi uma condio essencial ao seu desenvolvimento econmico. A maioria adotou proteo fraca e incompleta at alcanarem estgios avanados de desenvolvimento, e muitos violaram os direitos de patentes de outros pases.26

A Holanda, por exemplo, revogou integralmente sua lei de patentes por 47 anos, de 1869 at 1910, de modo que o pas pudesse copiar livremente as invenes da rea qumica da Alemanha, sua vizinha.27

e, aps consolidarem sua posio tecnolgica, esses pases que tinham adotado proteo fraca, ou mesmo abolido suas leis de patentes, voltaram-se para o aperfeioamento internacional do sistema de proteo patentria e a exigir dos pases ainda no amadurecidos, e que ainda no tinham atingido um grau substantivo de desenvolvimento tecnolgico, uma paridade protetiva segundo os altos padres que aqueles conquistaram com base na imitao.

Experincias de pases como Alemanha, Japo e Sua indicam que um baixo nvel de proteo foi um fator central no fortalecimento de suas capacidades produtivas e de P&D28. Aps superarem o atraso tecnolgico, pases atualmente desenvolvidos fortale-ceram seus direitos de patentes e correlatos, limitando o acesso dos demais s inovaes por eles geradas e, deste modo, dominaram a gerao de tecnologias e o patenteamento em nvel global. Estados Unidos, Alemanha e Japo correspondem, atualmente, a apro-ximadamente 80% das patentes concedidas no escritrio norte-americano (United States Patent and Trademark Office USPTO) (CIMOLI e PRIMI, 2008). Desse modo, os pa-ses desenvolvidos mantm o controle tecnolgico no mercado internacional, e lograram dividir os povos em duas classes: os capacitados tecnologicamente, e os outros.

26 Cf., tambm, fbio Konder Comparato, a transferncia empresarial de tecnologia, 1984.

27 Cf. adam b. Jaffe e Josh lerner, innovation and its Discontents how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to Do about it, princeton, 2004, pp. 86-90.

28 a alemanha, ao adotar o sistema de propriedade industrial, no permitiu o patenteamento de produtos qumicos, apenas de seus processos de produo. por trs dessa deciso, estava a necessidade de esti-mular a inovao industrial, incentivando a procura por processos mais eficientes relativos ao produto de interesse. essa estratgia considerada um dos pilares do sucesso tecnolgico alcanado pela indstria qumica alem a partir do final do sculo xix. J a sua, no sculo xix, no possua uma lei de pi, tornou--se um dos pases mais inovadores do mundo, inventando mquinas txteis, a vapor e processadores de alimentos. a introduo da legislao de pi sua, em 1907, no teria proporcionado um crescimento signi-ficativo nas atividades inventivas. o autor conclui que, no caso suo, a ausncia dessa legislao colaborou com o desenvolvimento tecnolgico e industrial do pas. Mais recentemente, a sua realizou um estudo emprico com 350 empresas atuantes na rea de biotecnologia para compreender como propiciar uma po-sio inovadora no longo prazo. Como resultado, o pas optou por impor limites proteo de invenes biotecnolgicas, com o objetivo de prevenir que a pesquisa seja bloqueada e impea o desenvolvimento tecnolgico da rea. (Chang, 2001; li, 2008).

39

Alm do domnio por alguns pases, observa-se tambm que o patenteamento mun-dial concentrado em empresas transnacionais. Sefarti (2008) ressalta que, a partir de meados dos anos 1980, o nmero de famlias de patentes29 mais que dobrou e, neste processo, essas grandes empresas dominaram o processo de patenteamento.

Para o autor, ativos intangveis, como direitos de patentes, so a forma mais recente de financeirizao das empresas multinacionais, que vm se tornando centros financei-ros com atividades industriais, ou seja, de dar prioridade gerao de receitas por meio de direitos de patentes e processos financeiros, em detrimento das atividades produtivas.

Nesse contexto, os pagamentos e receitas por licenciamento de tecnologia aceleraram-se consideravelmente em curto perodo: nos Estados Unidos, estima-se que as receitas por licenciamento de patentes passaram de US$ 15 bilhes em 1990 para mais de US$ 100 bilhes em 1998 (SEFARTI, 2008).

Em relao aos impactos do fortalecimento dos direitos de patentes nos pases em desen volvimento, diversos autores argumentam que as promessas estabelecidas espe-cialmente pelo Acordo TRIPs, relativas atrao de investimento estrangeiro em P&D, ao aumento das transferncias tecnolgicas e reduo do catching up em relao s naes desenvolvidas, no estariam se concretizando. Chang (2001) ressaltou que se, em teoria, o fortalecimento do sistema de patentes pode encorajar os pases desenvolvi-dos a transferir tecnologia para naes em desenvolvimento por meio de canais formais, a prtica teria revelado poucas ocorrncias desse fato.

A alternativa frustrada de Cdigo internacional de condutas para a transferncia de tecnologia, iniciado em 1976 pela Conferncia das Naes Unidas para o Comrcio e o Desenvolvimento (UNCTAD), por deliberao da Assembleia Geral da Organizao das Naes Unidas, em 1974, sob a forma de declarao destinada ao estabelecimento de uma Nova Ordem Econmica Mundial teria sido uma boa maneira de iniciar a reduo das disparidades entre pases ricos e pobres. Por meio de uma normativa su-pranacional sobre transferncia de tecnologia, necessria ao estabelecimento de uma Nova Ordem Tecnolgica Mundial, a disciplina do comrcio de tecnologia seria feita em bases mais equitativas, e inibiria as prticas abusivas que tanto beneficiam os pases ricos. Essa iniciativa, contudo, nunca vingou, tendo como motivo a oposio por parte de pases ricos.

Pelo contrrio, direitos de patentes mais fortes estariam reduzindo a capacidade de naes menos desenvolvidas tecnologicamente de promover a captura (catch up) por meio de canais informais, via engenharia reversa, processos de imitao e adaptao de

29 famlias de patentes so um conjunto de patentes depositadas em vrios pases para proteger uma nica inveno, ou seja, quando o depsito inicial realizado em um determinado pas estendido a escritrios de outros pases.

40Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

tecnologias avanadas, que podem ser mais importantes do que as transferncias formais para a promoo do desenvolvimento. Para o autor, no caso de pases em desenvolvimen-to, nos quais a assimilao tecnolgica mais relevante do que a gerao de inovaes de ponta, os benefcios de um regime de propriedade industrial forte so mnimos.

Alm da pouca evidncia que relaciona o fortalecimento dos direitos de patentes ao aumento de P&D, os custos de oportunidade de estabelecer e processar um sistema de direitos de patentes forte tende a ser considervel em pases em desenvolvimento, dada as limitaes em recursos tcnicos, administrativos e humanos.

Considerando que a maioria absoluta das patentes mundiais origina-se de pases desen-volvidos, os custos de pagamentos de royalties geralmente excedem significativamente os benefcios potenciais.

A ttulo de ilustrao, a tabela do Banco Central do Brasil, a seguir, indica fluxo de capital ingresso e egresso, na rea de direitos autorais, entre Brasil e EUA. Apesar de no serem dados sobre patentes, os nmeros evidenciam o enorme dficit na balana comercial entre os dois pases, na rea de direitos autorais. Em 2008, ingressaram no Brasil US$ 27.204.000,00 (vinte e sete milhes, duzentos e quatro mil dlares) referen-tes a direitos autorais de brasileiros nos EUA. Ao passo que egressaram para os EUA US$ 2.359.143.000,00 (dois bilhes, trezentos e cinquenta e nove milhes, cento e quarenta e trs mil dlares).

Tabela 1 Fluxo de capital ingresso e egresso entre Brasil e EUA

Fonte: Banco Central do Brasil DESIG com base nos registros de cmbio contratado at 09/09/2009

41

J a tabela a seguir, tambm do Banco Central do Brasil, ilustra a transferncia para o exte-rior de diversos tipos de direitos intelectuais, incluindo marcas, direitos autorais e patentes.

Tabela 2 Transferncias financeiras para o Exterior Cmbio Contratado

Fonte: Banco Central do Brasil Departamento de Capitais Estrangeiros e Cmbio.

Chang (2001) tambm argumenta que h pouca evidncia da relao entre fortaleci-mento dos direitos de propriedade intelectual e promoo do investimento direto es-trangeiro, pois dado que a empresa tem a garantia de proteo, a ameaa dos concorren-tes locais que poderiam copiar o produto e fabric-lo a menor preo minimizada, facilitando o suprimento do mercado por importaes, em ntido prejuzo indstria nacional e capacitao local e transferncia de tecnologia.

bAnCO mUnDIAL COnCLUI qUE nO h CAUSA E EfEITO EnTRE InvESTImEnTOS ESTRAngEIROS E PROTEO A PATEnTES

o Banco mundial, em relatrio produzido em 2005, concluiu que as evidncias so inconclusivas quanto relao dos investimentos diretos estrangeiros aos regimes de propriedade intelectual30.

30

Chang (2001) conclui que os pases desenvolvidos deveriam reconhecer que, durante seu processo de desenvolvimento, aderiram a prticas atualmente consideradas ilegais, como a violao dos direitos de patentes de naes estrangeiras. Seria, portanto, in-questionvel que pases emergentes precisam de regimes de direitos de patentes funda-mentalmente diferentes das naes j avanadas, incluindo menor perodo de proteo patentria, maior facilidade no licenciamento compulsrio, pagamentos reduzidos de licenciamento de royalties, dentre outros.

30 worlD banK, global economic prospects 2005. washington, 2005. p. 110. apud JaGuaribe, roberto et al. propriedade intelectual: espaos (...), op cit. p. 292.

42Estudos Estratgicos

A Reviso da Lei de Patentes: inovao em prol da competitividade nacional

Dados do setor farmacutico ilustram essas crticas. As evidncias contrariam o argu-mento de promoo da inovao por meio da proteo dos direitos de patentes. A maior parte dos produtos novos colocados no mercado farmacutico seriam, na verdade, produtos de imitao (me toos), ou seja, molculas equivalentes quelas que j existem no mercado e que no representam uma real inovao.

De fato, uma anlise detalhada de centenas de novos medicamentos aprovados pela agncia dos Estados Unidos Food and Drug Administration (FDA) entre 1989 e 2000, revelaram que 75% no apresentam benefcio teraputico em relao aos produtos j existentes. Apenas 153 (15%) dos 1.035 novos medicamentos aprovados pela FDA durante esse perodo foram classificados como altamente inovadores medicamentos que possuam novos princpios ativos e que tambm apresentavam uma melhora cl-nica significativa.31

Entre 2000-2004, a situao se manteve semelhante, apenas 11% dos novos medica-mentos foram altamente inovadores (49 de 427)32. No mesmo sentido, a revista cien-tfica British Medical Journal publicou um estudo no qual demonstra que apenas 68 (5,9%) de 1.147 novos medicamentos patenteados analisados entre 1990 e 2003 pelo rgo Canadense de Reviso dos Preos dos Medicamentos Patenteados foram classi-ficados como reais inovaes (bre