A REVISTA VEJA AGORA É ‘MEME’ – UMA ANÁLISE DO DIZER …
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International Congress of Critical Applied Linguistics
Brasília, Brasil – 19-21 Outubro 2015
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A REVISTA VEJA AGORA É ‘MEME’ – UMA ANÁLISE DO DIZER COMO
FAZER
Larisse Carvalho de OLIVEIRA
Secretaria de Educação do Ceará
Maria de Fátima de Sousa LOPES
Secretaria de Educação do Município de Eusébio
RESUMO
Face ao grande fluxo de material disposto na Internet no último período eleitoral presidencial, e
ainda pela repercussão de memes, charges e caricaturas que utilizaram como tema as eleições
presidenciais do ano de 2014, objetivamos mostrar a intencionalidade deinternautas emcampo
digital frente à publicação da revista Veja, edição nº 2397.Procuramos analisar,no presente
trabalho,(i) que ações são ditas nos trechos de memesfeitos com base na edição da revista
citada;(ii) quais as possíveis razões para tal promoção e(iii) que tipo de contexto é exposto ao
leitor. Baseamos nossas discussões na teoria dos atos de fala, exposta por Austin (1990), e nos
trabalhos de Oliveira (2006) e Levinson (2010) ligados a essa teoria. Os memes utilizados em
nossa análise foram coletados diretamente da rede, selecionados por assunto e analisados um a
um. Atentamo-nos parao material escrito, e também para o fotográfico. Com isso,
empreendemos análise qualitativa de 10 capas criadas por internautas, atentando para os verbos
usados nessas. Dessa forma, constatamos (i) que há uma recorrência de atos ilocucionários
expositivos; (ii) que isso ocorre por essas expressões articularem um posicionamento a favor ou
contra certo conteúdo(LEVINSON, 2010) e (iii) que o contexto dos memes é variável e o seu
conhecimento por parte dos leitores é imprescindível para a construção de sentido, pois além de
ser necessário o interlocutor ter a noção das figuras políticas em destaque no referido período,
também é preciso que conheçam as outras figuras que os internautas relacionam para construir a
sátira pretendida; sem esse conhecimento, a intenção do internauta fica comprometida. Assim,
acreditamos que o conhecimento de mundo do leitor acerca dos memes tratados nas capas é
indispensável para a compreensão dosatos expressos, entendendo, dessa forma, a importância
que o contexto tem na construçãodo sentido, fazendo-se essencial e necessário para melhor
compreender-se os enunciados. O próximo passo do trabalho se dará no uso desses memes em
aulas de Língua Portuguesa, nas quais serão focalizadas a importância do conhecimento de
mundo do leitor.
Palavras-chave: Atos de fala; Gênero ‘meme’; Intencionalidade.
1. INTRODUÇÃO
O acúmulo de tantas diferentes redes sociais em nossos dias fez com que o
fluxo de informação crescesse indiscriminadamente. Essa eclosão fez novos gêneros,
como é o caso do ‘meme’, obter quase um compartilhamento viral. Tal gênero pode ser
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uma foto, um link, uma palavra, que é partilhada na rede, atingindo internautas de todo
o mundo; diferente da caricatura, que é geralmente retratada por meio de desenhos,
exagerando uma característica peculiar de alguém. Vale ressaltar que o termo meme
provém do grego μιμἐομαι ("mimema", que tem a mesma raiz de mimese, e significa,
portanto "imitação").
Com o período de eleições presidenciais vivido pelo Brasil, há pouco mais de
um mês, vários memes foram criados tendo como base as figuras dos presidenciáveis,
principalmente após os debates televisivos, que viabilizava a feitura de fotos daqueles.
Esse fenômeno nos chamou atenção pela sua grande quantidade e diversidade de seus
temas.
A capa da revista Veja, edição nº 2397 trouxe a foto da então candidata à
presidência, Dilma Rousseff, e do ex-presidente, seu principal apoiador de campanha,
Luiz Inácio Lula da Silva. A manchete explicita que os citados tinham conhecimento
sobre um esquema de corrupção na Petrobrás, estatal petrolífera brasileira.
Em resposta a edição supracitada, internautas produziram memes a partir da
capa da edição citada acima, ironizando, por meio do exagero, a credibilidade da
informação exposta pela revista Veja.
Vários memes/montagens1 foram criados com temas ‘diferenciados’, como a
abertura do mar vermelho por Moisés, o naufrágio do Titanic, o roubo do coelho da
Mônica,entre outros.Vale adicionar que o leitor deveria partilhar do mesmo universo de
seu escritor para fazer as conexões de sentido devidas entre a capa real e aquilo que lhe
estava sendo exposto.
Assim, tentava-se associar um fato a figura da então presidenciável,
agorareeleita Dilma Rousselff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sempre
incutindo a figura dos dois de uma ‘culpa’, ou uma compactuação.
Assim, o presente trabalho objetiva fazer uma análise qualitativa de
memes/montagens feitas por internautas a partir da polêmica causada por uma capa da
revista Veja publicada em período eleitoral. Consideraremos os memes, mas o que
vamos analisar de fato são as expressões presentes nessas imitações de capas,
interpretando os memes como uma demasiada colaboração para a construção do sentido.
1Os memes, ou montagens, que utilizaremos neste artigo foram retirados do site:
http://desesperodaveja.tumblr.com/. Acessado em 30 de outubro de 2014.
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Primeiramente, traremos do aparato teórico ao qual nos voltamos para tecer
nossas discussões. Esses são compostos pela teoria dos atos de fala de Austin (1990),
acompanhada dos conceitos compreendidos por Oliveira (2003) e por Levinson (2010)
acerca da teoria de Austin (1990). Apoiamo-nos em uma teoria pragmática porque
acreditamos ser essa a melhor qualificada para tratar dos atos de fala presentes nas capas
investigadas e por analisar o discurso de modo integrado, estudando a língua e o seu
contexto de uso.
Em seguida, detalhamos como se deu a análise de tais memes, desde a coleta, a
escolha, até a análise qualitativa final. Logo após, expomos os resultados alcançados e
discutimos as marcas intencionais que qualificam o falante por trás da ‘capa-meme’.
Encerramos com nossas considerações finais sobre as nossas conclusões acerca da
singela investigação.
2. ACERCA DOS ATOS DE FALA
Tomaremos como base para esta análise a concepção de John Austin acerca
dos atos de fala. De acordo com Armengaud (2006, p. 99), “a unidade mínima de
comunicação humana não é nem a frase nem qualquer outra expressão. É a realização
(performance) de alguns tipos de ato”. Esse ato será desmistificado por Austin, que cria
a teoria dos atos de fala.
Como pretendemos chegar à compreensão dos atos realizados através das
expressões ditas nos memes/montagens feitas por internautas a partir da exposição de
uma capa polêmica da revista Veja, pretendemos decodificar os atos de fala exposto nas
capas, a aparente intenção desses internautas, e ainda identificar outros fatores como a
ironia, o humor, e o teor referencial.
Oliveira (2006) cita que a teoria dos atos de fala proposta por Austin pretende,
em última análise, esclarecer a tese de Wittgenstein de que a significação das expressões
linguísticas consiste em seu uso, ou seja, na:
[...] determinação do sentido das expressões é, de agora em diante, o
próprio uso das palavras, seu aparecimento nos diferentes jogos de
linguagem, que são a expressão de diferentes formas de vida [...] se
trata do novo “critério do sentido”: o uso. (OLIVEIRA, 2006 p. 149)
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Esta consideração é a base da nossa proposta investigativa, uma vez que o
significado nos foi proporcionado devido ao uso das expressões em consonância com
uso dos memes. Austin (1990) entende que a linguagem deve ser tratada essencialmente
como uma forma de ação e não de representação da realidade. Ele ainda aponta que o
conceito de significado se dissolve, dando lugar a uma concepção de linguagem como
um complexo que envolve elementos do contexto, convenções de uso e intenções do
falante. Desta forma:
Os atos que executamos por meio dos enunciados performativos
executam ações convencionais, ou seja, são executados na medida em
que cumprem normas intersubjetivamente estabelecidas. Eles são atos
precisamente na medida em que cumprem essas normas e não em
virtude de intenções próprias do sujeito. (OLIVEIRA, 2006 p.154)
Identificamo-nos com o ponto de vista teórico de Austin porque levamos em
consideração o contexto político em que foram realizadas imitações das capas, a escolha
linguística para organização das expressões, assim como as possíveis intenções
demonstradas pelos internautas.
Com isso, entendemos quenos estudos linguísticos um ato de fala qualquer é
muito mais amplo do que se imaginava. As sentenças além de exprimir um significado
realizam uma ação, na concepção de Austin (1990). Essas sentenças são nomeadas pelo
teórico como performativas, uma vez que um enunciado ao ser proferido não se
apresenta como verdadeiro ou falso, mas como uma ação. Por isso, o teórico detém-se
aos atos de fala ilocucionários, pois estes são que exprimem ações enquanto são ditos.
Sobre estes, explicitaremos abaixo. A partir dessa concepção, analisaremos os atos de
fala enunciados nos memes representativos da capa já citada da revista da Veja,
considerando outros fatores envolvidos, como o contexto e as intenções do
falante/enunciador.
Com a abordagem dos atos de fala, Austin detém-se ao ato ilocucionário, que
consiste na “realização de um ato ao dizer algo, em oposição à realização de um ato de
dizer algo” (AUSTIN, 1990, p.89). Os demais atos são abordados pelo teórico, embora
não tenha focado neles, são os atos locucionários e perlocucionários. O primeiro
consiste no ato de dizer algo na acepção normal e completa, de acordo com Austin
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(1990). Levinson (2010), por sua vez, classifica este ato como a enunciação de uma
sentença com sentido e referência determinados. O segundo consiste no ato de causar
efeitos no público por meio da enunciação da sentença, (OLIVEIRA, 2006; AUSTIN,
1990). Em linhas gerais, o ato locucionário é a própria sentença com sua estrutura
fônica, fática e rética, enquanto o ato perlocucionário é o efeito que o ato ao dizer algo
gera no público-alvo.
As sentenças performativas, como exposto acima, enquadram o ato
ilocucionário, ato este que Austin (1990) se detém com mais atenção. Assim, ele faz
uma divisão desses atos em classes, atribuindo-lhe as seguintes denominações:
expressões veridictivas, exercitivas, comissivas, conductivas e expositivas. De forma
geral, Austin (1990) denomina as expressões veridictivas como a expressão de um
juízo a respeito de valores ou de fatos com base em material de prova e evidenciais ou
em argumentação, acerca de um fato ou valor; as exercitivas têm relação com o ato de
decidir-se a favor ou contra certo comportamento; as comissivas consistem no
comprometimento do locutor com um comportamento determinado, ou com uma ordem
de ações; as conductivas, como uma reação ao comportamento e ao destino de outras
pessoas e de atitude ou expressão de atitude diante do comportamento passado ou
iminente de um outro indivíduo; e as expositivas com a finalidade de tornar claro em
que sentido as expressões devem ser consideradas, visando expor concepções e o
desenvolvimento de argumentação.
Com base nessa exposição, deixamos claro que analisaremos as referidas
expressões encontradas nos memes da revista Veja com base nessa classificação do ato
ilocucionário.
3. PERCURSO METODOLÓGICO
Serão expostos nesta seção, os passos metodológicos que foram seguidos
durante o desenvolvimento de nosso estudo e principalmente na análise dos dados. Para
tanto, julgamos necessário considerar os critérios explicitados por Lakatos (1991, 2003)
e Gil (2008) quanto aos passos metodológicos que foram usados, para melhor
compreensão por parte do leitor.
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Desta forma, classificamos o nosso método de abordagem como método de
abordagem indutivo/descritivo, declarando quenosso estudo teve como base, inicial, a
análise e a descrição dos dados de nosso corpus, dez (10) capas criadas por internautas
em ‘resposta’ a uma edição da revista Veja que gerou grandes polêmicas, para assim
conseguirmos, cientificamente, pela análise dos meios linguísticos, amparar
empiricamente nossos resultados.
De acordo com a classificação de Gil (2008) e Lakatos & Marconi (2003),
incluiremos nossos estudos no campo das pesquisas descritivas e bibliográficas. Como
nosso objetivo é analisar e descrever expressões linguísticas levando em consideração o
valor intencional dessas a partir dos atos de fala que carregam.
Assim, admitimos que a língua é passível de relacionar-se em variadas facetas,
o que nos fez possível avaliar que ações podem ser realizadas nos enunciados presentes
nos memes, fundamentamos nossa análise em Austin (1990), uma vez que este
desenvolve um excelente trabalho no que se refere aos atos de fala. Em comunhão com
os estudos do autor citado, sempre que necessário voltaremo-nos para Oliveira (2006) e
Levinson (2007).
Os memes de que trataremos neste estudo, têm como base uma publicação da
revista Veja, especificamente a de edição nº 2397. Já citada na seção anterior.É
importante ressaltarmos que as discussões sobre o gênero ‘meme’ ainda são poucas, ou
quase inexistentes. No entanto, é certo afirmarmos que tais produções são virais, ou
seja, têm o poder de alcançar um grande número de compartilhamentos na web. Um
exemplo seriam as criações feitas com algo de grande repercussão atual, ou inspiradas
em um personagem ou ator famosos, como é o caso da página minhas vilãs favoritas2,
no facebook, ou ‘Callango nerd’3.
Selecionamos as capas feitas, todas retiradas de uma página da web denominada
Desespero da Veja, que começou a coletar tais expressões após grande
compartilhamento de informações nas redes sociais. A página, então, passou a
2Disponível em: https://www.facebook.com/MinhasVIlasFavoritas/?fref=ts. Acessado em 17 de
novembro de 2015. Tal página usa fotos de personagens de novelas brasileiras ou filmes,
brasileiros ou não, que tenham chamado a atenção do público pela sua maldade, para a produção
de seus memes. 3Disponível em: https://www.facebook.com/CalangoNerd/?fref=ts. Assim como a página citada
anteriormente, essa, usa cenas de filmes, no entanto, seu cunho é humorístico. Os autores da
página usam o linguagem nordestino e suas gírias para fazer memes, ou ‘redublar’ cenas de
filmes.
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disponibilizar uma espécie de molde para que qualquer internauta pudesse criar o seu
‘meme’. O assunto que perpassa em todas as capas é o mesmo, o escândalo na
Petrobrás, grande estatal petrolífera do Brasil, o que as difere é a forma como o assunto
é exposto e a figura comparativa, ou carnavalesca, que os internautas utilizaram para
enfatizar o sentido agregado à expressão “Eles (Lula e Dilma) sabiam de tudo”.
4. ANÁLISE E RESULTADOS
Nesta seção, expomos os resultados da referida análise, no entanto, antes disso,
vale fazer algumas ressalvas acerca da capa a qual motivou os internautas a produzirem
os memes, foco do nosso trabalho. Na capa real da revista Veja é dada aos leitores que
Dilma e Lula ‘sabiam’ de tudo. Vale ressaltar que Austin (1990, p. 130) enquadra o
verbo “saber” no grupo dos atos ilocucionários expositivos, uma vez que são utilizados
nos atos de exposição que consistem em expressar opinião, conduzir debates e
esclarecer usos e referências. Assim, a própria capa já atribui uma ação aos acusados,
impondo maiores responsabilidades aos mesmos pelo ocorrido.
Vejamos abaixo, na figura 1, a capa da revista Veja que motivou o surgimento
dosmemesaqui em questão:
Figura 1
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Como é possível visualizar, a informação que a capa da revista traz é de
acusação ao atual governo pela corrupção ocorrida dentro da empresa Petrobrás. O
enunciado ‘eles sabiam de tudo’ leva o leitor a crer que os acusados haviam omitido
saber da situação. Outro ponto instigador também trazido pela revista foi a expressão
facial de ambos os acusados, uma vez que vê-se um aspecto maldoso na face de ambos.
Com isso, damos início as nossas analises e resultados. Primeiramente,
apresentamos abaixo rapidamente uma síntese dos resultados. Vejamos a tabela de
ocorrências abaixo:
Atos de fala ilocucionários Verbos Frequência de
ocorrência
Total
Expositivos Saber 6
Exercitivos Mandar 2
Comissivos Armar 1
Comportamentais Emocionar 1
10
Tabela 1: Quantidade de ocorrências referente aos atos de fala ilocucionários
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Dessa forma, podemos visualizar uma recorrência dos atos ilocucionários
expositivos. Acreditamos que este se dá porque, essas expressões articulam um juízo a
respeito de valores ou de fatos com base em material de prova ou mesmo em
argumentação, como explica Levinson (2010). Com isso, percebemos que a aparente
intenção das capas é realmente fazer um julgamento aos já antes acusados pela revista
Veja, no entanto, a significação toma outro viés quando interpretamos o caráter
humorístico das capas incorporadas de uma sólida ironia, beirando a carnavalização.
Entendemos por ironia o fato de dizer o contrário do que pensamos, mas dando a
entender o tom irônico, geralmente, com a intenção de obter uma reação do leitor,
ouvinte ou interlocutor, ou seja, perturbá-lo. A ironia estabelece um contraste entre o
que se pensa e seu conteúdo. No caso analisado, não temos o tom irônico, mas
contamos com os memes, que já nos passa informações necessárias para a compreensão
da presença da ironia, seja pelas informações verbais ou não-verbais, que será reforçada
pelo conhecimento de mundo do leitor.
Com isso, vejamos algumas das capas publicadas na internet, baseadas na
referida capa exposta acima. Voltemos nossa atenção para a figura 2, que traz um
personagem bem conhecido da televisão brasileira, mesmo tendo sido importado da TV
mexicana:
Figura 2
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A capa simulada acima nos remete a um episódio do seriado televisivo Chaves
(El Chavo del Ocho), produzido no México (1971-1979) e televisionado no Brasil até os
dias atuais. No episódio, o personagem principal – Chaves – um garoto de ruaé
incriminado por roubo. Como podemos ver, o fato está relacionado ao tema corrupção
na Petrobrás, o mesmo da capa real que motivou essas outras aqui em questão. Ao
enunciar que Lula e Dilma armaram para incriminar Chaves, os autores dessa
capamostrama temática da corrupção de maneira humorística e irônica, utilizando-se de
uma hipérbole, figura de linguagem que consiste em exagerar uma expressão afim de
impressionar o interlocutor, uma vez que apontam Lula e Dilma como culpados de
qualquer situação que envolva roubo, até a do personagem Chaves. Além da construção
linguística, temos a foto dos acusados que já não é a mesma da capa ‘fonte’, agora eles
aparecem de modo a esquematizar algo, a aparência de ambos é suspeita, realçada pelo
modo como a senhora Rousseff aparece, pedindo silencio ao companheiro.
Assim, toda a construção do enunciado é ancorada em uma ironia que resulta
em humor, mas que se utilizam da hipérbole para gerar esse efeito de sentido. No
entanto, o aspecto principal que estamos aqui analisando é ação expressa por essas
produções, no caso pelos enunciados.
Por conseguinte, no que diz respeito aos atos de fala tratados por Austin
(1990), percebemos que a expressão Lula e Dilma armaram para incriminar Chaves
consiste, primeiramente, num ato locucionário, ou seja, consiste na sentença
propriamente dita, com aspectos fônico, fático e rético, mas condiz principalmente com
um ato ilocucionário, uma vez queé expressa uma açãopela sentença. Assim, o verbo
armaramexposto na capa possui o sentido de planejar no intuito de provocar alguma
maldade. Conforme Austin(1990), o verbo planejar encaixa-se na classe das
sentençascomissivas, pois comprometem quem o usa a uma determinada linha de ação.
Percebemos, assim, que os autores dessa capa querem comprometer Lula e Dilma em
agir de má vontade contra o personagem Chaves. Vale ressaltar que esse ato se trata de
uma ironia frente à polêmica ocorrida em torno da revista Vejaao incriminar o partido
da atual presidente.
Vejamos mais um exemplo das capas abordadas:
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Figura 3
A capa exposta acima traz a seguinte expressão Após minha casa, minha vida,
Dilma e Lula se recusam a criar o ‘bolsa’ telefone. Nesta sentença, temos como
símbolo da ação o verbo recusar. Dentro da nomenclatura proposta por Austin (1996), o
referido verbo consiste num ato ilocucionário exercitivo, uma vez que consiste
natomada de uma decisão a favor ou contra um determinado curso da ação. Dessa
forma, os autores querem passar aos interlocutores que Lula e Dilma se posicionam
contra a criação do bolsa telefone. A ironia é criada em torno do programa minha casa,
minha vida da atual presidente, deixando vários entendimentos ao interlocutor, inclusive
que o atual governo criou muitos programas sociais para a população.
Destarte, concluímos uma maior frequência do ato ilocucionário
expositivo, denominado por Austin (1990) como os verbos utilizados para expressar
opiniões ou esclarecer usos. Isso nos faz deduzir que a intenção do locutor era, de fato,
expressar um posicionamento contra a revista Veja, que se mostrou partidária,
incriminando a todo custo a candidata à presidência da república Dilma Rousseff.
Consideremos também o jogo de ironia e humor que as capas passam aos interlocutores,
promovendo além de reflexões boas risadas nos leitores.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na primeira seção deste trabalho vimos o arcabouço teórico que utilizamos,
que em sua maioria apoiou-se nos trabalhos de Austin (1990). Tratamos dos atos de
fala, e de suas classificações, para que pudéssemos na seção seguinte, expor as capas
analisadas e os resultados obtidos.
Assim, percebemos que os memes feitos em resposta a capa da revista Veja traz
consideráveis reflexões acerca da conexão entre as ações ditas nas expressões das capas,
a presença constante da ironia, que nos leva a compreensão real das expressões, e o uso
bem elaborado das hipérboles, fazendo-nos entender a real intenção dos produtores.
Percebemos também que o conhecimento do leitor acerca das imagens tratadas nas
capas é fundamental para a compreensão dos atos expressos.
Finalmente, nossa pequena investigação nos mostrou que as expressões
expositivas foram preponderantes no corpus analisado, visto que almejam tornar claro
em que sentido as expressões devem ser consideradas, levando-nos a crer na culpa dos
acusados. No entanto, com a compreensão do contexto, é perceptível que a informação
intencionada é reversa. Isso nos faz refletir sobre a importância que o contexto tem na
construção do sentido, fazendo-se essencial e necessário para uma melhor compreensão
dos enunciados.
REFERÊNCIAS
ARMENGAUD, F. A pragmática. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
AUSTIN, J. L. Quando dizer e fazer; palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. 136p.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008.
LAKATOS, E. M; MARCONI, M. A. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1991.
______; Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
LEVINSON, S. C. Pragmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Xiv, 548 p.
OLIVEIRA, M. A. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3.ed. São
Paulo, SP: Loyola, 2006. 427 p.
Capas analisadas, disponível em: http://desesperodaveja.tumblr.com/. Acessado em 17 de
novembro de 2015.