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A Revolução (ainda) não será virtualizada: Os fanzines feministas na Era da Comunicação Digital BARREIROS, Bruna Provazi Graduanda em Comunicação Social – UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora, MG Palavras-chave: Comunicação Alternativa, Fanzines, Internet, Feminismo Resumo: O presente artigo tem por finalidade analisar os fanzines feministas produzidos no Brasil, impressos e digitalizados, com base nas implicações que os diferentes suportes técnicos podem causar às publicações. Com as transformações advindas da passagem do impresso para o digital, vieram as afirmações de que a nova mídia extinguiria a antiga, uma vez que a rede mundial de computadores representaria um modelo de comunicação ideal. Questiona-se, então, a eficácia da transição do fanzine impresso, veículo de comunicação alternativa de pequena circulação, para o zine eletrônico, nova forma de configuração dos fanzines na Internet, no movimento feminista. São discutidas as conseqüências da digitalização desse meio de comunicação, tomando por base os impactos da utilização da Internet nos movimentos sociais. 1. Introdução O movimento feminista, assim como várias outras esferas sociais, está passando pelos impactos advindos da esfera da comunicação, com a transição do impresso para o digital. O presente trabalho tem por objetivo analisar como vem acontecendo esse processo, a partir da análise da passagem dos fanzines feministas impressos para os fanzines eletrônicos. Partimos da hipótese de que as publicações do movimento feminista, como as de qualquer movimento social, necessitam atingir uma base grande de leitores que, com a utilização do fanzine impresso, fica restringida, uma vez que esse é um veículo de comunicação alternativa de pequeno alcance. Segundo a autora Raquel Paiva, no livro “O

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BARREIROS, Bruna Provazi.

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A Revolução (ainda) não será virtualizada:

Os fanzines feministas na Era da Comunicação Digital

BARREIROS, Bruna Provazi

Graduanda em Comunicação Social – UFJF

Universidade Federal de Juiz de Fora, MG

Palavras-chave: Comunicação Alternativa, Fanzines, Internet, Feminismo

Resumo: O presente artigo tem por finalidade analisar os fanzines feministas produzidos no

Brasil, impressos e digitalizados, com base nas implicações que os diferentes suportes

técnicos podem causar às publicações. Com as transformações advindas da passagem do

impresso para o digital, vieram as afirmações de que a nova mídia extinguiria a antiga, uma

vez que a rede mundial de computadores representaria um modelo de comunicação ideal.

Questiona-se, então, a eficácia da transição do fanzine impresso, veículo de comunicação

alternativa de pequena circulação, para o zine eletrônico, nova forma de configuração dos

fanzines na Internet, no movimento feminista. São discutidas as conseqüências da

digitalização desse meio de comunicação, tomando por base os impactos da utilização da

Internet nos movimentos sociais.

1. Introdução

O movimento feminista, assim como várias outras esferas sociais, está passando

pelos impactos advindos da esfera da comunicação, com a transição do impresso para o

digital.

O presente trabalho tem por objetivo analisar como vem acontecendo esse processo,

a partir da análise da passagem dos fanzines feministas impressos para os fanzines

eletrônicos. Partimos da hipótese de que as publicações do movimento feminista, como as

de qualquer movimento social, necessitam atingir uma base grande de leitores que, com a

utilização do fanzine impresso, fica restringida, uma vez que esse é um veículo de

comunicação alternativa de pequeno alcance. Segundo a autora Raquel Paiva, no livro “O

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Espírito Comum – Comunidade, mídia e globalismo”: “A comunicação pode ser o espaço

por meio do qual pode ser formada a esfera pública, vista como conjunto de cidadãos

participantes, comprometidos com o veículo, a interatividade, a horizontalidade do discurso

e atuando como sujeitos políticos. Nesse sentido, a comunicação por rede pode se constituir

no paradigma da nova democracia”. A partir disso, busca-se compreender se o fanzine

eletrônico, transposição do antigo zine de papel para o computador, seria a forma de

comunicação que mais contemplaria os objetivos do feminismo.

2. O movimento feminista e a comunicação impressa

Enquanto o mundo assistia, desde a década de 1960, à chamada segunda onda do

feminismo, através de vozes como as da norte-americana Betty Friedan e da francesa

Simone de Beauvoir, lutando pela descriminalização do aborto e pela abolição da dupla

jornada de trabalho, a mulher brasileira ainda tinha sua representação na imprensa restrita a

revistas femininas como “Querida” e “Jornal das Moças”, que tratavam exclusivamente de

temas relacionados ao mundo doméstico, tais quais: família, moda e dicas de beleza. A

mais famosa delas, a revista Cláudia, criada em 1961, chegava a aconselhar as leitoras no

casamento: “Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e

provas de afeto” (1962); “Não acredite que uma fatia de queijo e um sorriso luminoso

podem substituir um jantar malogrado” (1963).

Segundo Bernardo Kucinski, no livro “Jornalistas e Revolucionários – nos tempos

da imprensa alternativa”, até a década de 1970, o movimento feminista quase não tinha

representação na imprensa brasileira, sendo inclusive motivo de chacota na imprensa

alternativa, tal como n´O Pasquim. Diz o autor: “Enquanto um novo movimento feminista

explodia na Europa desde o começo dos anos de 1970, no Brasil a questão da mulher era

desprezada por diversos jornais alternativos importantes”.

Para Kucinski, o movimento feminista tem como precursor o jornal Brasil Mulher,

que, lançado por Joana Lopes, com apoio do movimento feminino pela anistia, já em sua

primeira edição publicava no editorial: “Não há liberdade para a mulher enquanto não

houver liberdade para o ser humano”. O Brasil Mulher possuía marcada influência

esquerdista e tratava de temas como prostituição infantil e aborto, denunciando mortes

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causadas por abortos clandestinos no país. Outros jornais feministas importantes: são Nós

Mulheres (1976), Maria Quitéria (1977) e Mulherio (1981), o mais duradouro deles, que,

produzido por Adélia Borges, nasce no final do ciclo alternativo de publicações, à época da

ditadura militar brasileira, e, em 1990, continua a existir.

Ainda segundo Kucinski, inicialmente, esses jornais tinham por objetivo organizar

as trabalhadoras e subsidiar suas lutas. Já com a criação de associações de mulheres,

passaram a implicar em um associativismo e em uma prática específica no plano social,

além de exigirem mudanças de hábitos de vida e divisão de trabalho familiar. No entanto,

essas publicações não atingiram autonomia conceitual, e acabam ligando-se ao meio

acadêmico e à pesquisa de campo.

2.1 Os primeiros fanzines: da ficção científica ao feminismo

Os primeiros fanzines eram revistas de fãs (fanatic + magazine) que tratavam de

temas relacionados a ficção científica e história em quadrinhos. O inglês William Blake

(1757-1827) é considerado o primeiro fanzineiro da história, e contava com o auxílio de sua

esposa. Em 1976, surge o Sniffing Glue, de Mark Perry, o primeiro fanzine punk. Já os

zines feministas vão surgir nos EUA, país pioneiro no ramo e maior produtor do mundo,

seguido da França.

No início da década de 1990, os Estados Unidos conheceram o movimento Riot

Grrrl. Em oposição ao machismo da cena punk, que pregava a liberdade do indivíduo, mas

que, anacronicamente, reservava às mulheres o papel de namoradas e meras coadjuvantes

do movimento, surgiram as “garotas rebeladas”: mulheres que saíram dos bastidores da

cena para tocar instrumentos pesados, montar bandas e escrever fanzines. Com uso

marcante na Europa, em especial na França, durante os movimentos de contracultura de

1968, o veículo foi largamente utilizado pelo movimento de mulheres. O primeiro fanzine

feminista de que se tem notícia é o “Riot Grrrl”, produzido por Molly Neuman, da banda

punk Bratmobile, e que intitulou o movimento. Nessa época, a produção de fanzines nos

Estados Unidos foi bastante significativa, podendo ser citados o “Riottemptresses”, o “Riot

Grrrl DC” e o “Psychobitch”.

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Já no Brasil, a influência do movimento Riot Grrrl foi mais forte durante a segunda

metade da década de 1990. A banda Dominatrix, principal representante da cena punk-

feminista no país desde 1996, foi responsável pela produção do fanzine “KAÓSTICA”, e

hoje é responsável pelo “Quitéria”, um dos mais conhecidos portais feministas da Internet.

Atualmente, ainda é comum a distribuição de fanzines em shows e eventos

alternativos. O “Ao Ataque” é um zine do coletivo homônimo, formado por cinco jovens de

cidades diferentes, e que pode ser adquirido pelo correio, conforme indicado no blog do

coletivo na Internet. Outros exemplos de zines feministas no Brasil são o “Mujeres Que

Hablan” (Florianópolis/SC), o “Mútua Ação” (São Paulo/SP) e o “Respeito!” (Juiz de

Fora/MG), ambos impressos.

2.2. Um instrumento a favor do movimento

O fanzine é um tipo de veículo que não objetiva o lucro, portanto, não é produzido

em função do mercado. Dissociado de empresas, governos ou instituições, ele apresenta

independência editorial, e, sem periodicidade, formato e tiragem definidos, abre espaço

para o experimentalismo estético e temático. O sucesso da linguagem inovadora e da

liberdade editorial dos fanzines também se reflete no uso que diversos grupos fizeram dele,

tais como - além dos fãs de música e de quadrinhos - os fãs de literatura, do anarquismo, da

ecologia, do skate, do socialismo e, claro, do feminismo.

O coletivo feminista Maria Maria – Mulheres em Movimento (Juiz de Fora, MG),

existente desde 2006, produz o fanzine “Maria Maria”, que, mesmo com apenas duas

edições, é o principal veículo de comunicação adotado pelo grupo. O material, impresso em

papel reciclado, possui, além da Apresentação e do Editorial, quatro seções, uma agenda,

com as principais atividades do grupo, e um espaço destinado a contatos, com email e

telefone das Marias. Para Carolina Matozinhos, integrante do Maria Maria, o formato é

ideal: “O fanzine é um veículo de diálogo com a militância feminista e simpatizante, mas o

que mais o aproxima dessa militância é seu formato original, feito manualmente e

coletivamente. Fazemos discussão política no zine, mas também temos dicas culturais e

espaço para arte. Trazer esses elementos complementando a discussão feminista agrega

muito, e, desta forma, estamos politizando com irreverência, e sem ser chatas.”

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O fanzine, como qualquer impresso, possui a vantagem de poder ser carregado para

qualquer lugar, sem necessidade do computador, da energia elétrica ou mesmo de uma

conexão com a Internet. É um meio de comunicação de fácil manuseio e que permite

contato direto com o receptor. No caso dos zines feministas, pode ser bastante útil, uma vez

que o editor, ao entregar o material diretamente para o público, como em um show

alternativo, cria possibilidade de diálogo instantâneo. Caso um leitor se interesse em

discutir o tema, é possível o embate presencial de idéias, essencial para os objetivos de um

movimento social de massas. Esse contato direto facilita, então, o convencimento político,

que pode aproximar mais pessoas da causa feminista. Segundo Carolina, no impresso “a

circulação é mais garantida, além de termos contato direto com os/as leitoras do zine

quando vamos fazer a distribuição.”

2.3. As limitações do suporte impresso

Apesar da imensa liberdade editorial que o fanzine permite, devido à sua

independência financeira, esse repúdio ao lucro se refletirá em recursos escassos (dos

próprios editores e colaboradores) para sua distribuição - através do correio ou mesmo “de

mão-em-mão”.

Esse é o principal problema enfrentado pelo coletivo Maria Maria. Seu primeiro

zine circulou gratuitamente, sendo entregue pelas próprias membras do coletivo, em

palestras e eventos organizados por elas, ou mesmo para pessoas próximas. Já o segundo

número, foi vendido pelo valor simbólico de 50 centavos, para ajudar o financiamento do

coletivo. Apesar do desejo, por parte dos movimentos sociais, em especial aqui o feminista,

de formar um público-leitor nacional, esse caráter antieconômico das publicações acaba

restringindo sua distribuição à rede de contatos das militantes, ou à sua divulgação em

eventos específicos.

Outro problema relacionado ao caráter alternativo do fanzine é o fato de seus

colaboradores não serem pagos pelo serviço, o que pode gerar descompromisso com a

entrega dos materiais, e, com isso, sua aperiodicidade. O zine do Maria Maria é produzido

em conjunto - para que fique “com a cara do coletivo” - o que acaba dificultando a tarefa,

uma vez que é necessário encaixar a atividade na agenda do movimento.

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Antes datilografado e mimeografado, atualmente o zine é copiado através das

máquinas Xerox. Ainda que disponha do computador para a produção de textos e

diagramação, em modernos programas de editoração, ele não pode se beneficiar de todos os

recursos que a informática trouxe à impressão, pois, em sua quase totalidade, os fanzines

são copiados, em preto e branco, em gráficas de preços mais acessíveis. Talvez seja esse o

motivo dos zines permanecerem com um visual artesanal, amador, uma vez que seus

editores, além de optarem por um meio de comunicação alternativo, que privilegia a

confecção rudimentar, também não dispõem de verba para impressão de melhor qualidade.

3. Os fanzines eletrônicos: o impacto no movimento

Na década de 1990, com o desenvolvimento da informática e o barateamento dos

micro-computadores, alguns fanzines passaram a ter sua diagramação eletrônica. No início,

a estética limpa prevalecia nas publicações, aproximando-as às revistas de mercado; em

seguida, tentou-se retornar à estética artesanal e suja.

No entanto, longe de permanecerem restritos à editoração, os computadores logo

passaram a ser utilizados para a própria veiculação dos zines. Segundo Henrique

Magalhães, pioneiro nos estudos de fanzines no Brasil: “O barateamento da impressão fez

com que surgissem cada vez mais fanzines em todos os recantos do país numa onda de

democratização dos veículos de comunicação e liberdade de expressão sem igual. Por

outro lado, os fanzines ganharam outros formatos, com o aparecimento de novos recursos

tecnológicos. Do papel, o fanzine migrou para o Cd-rom, para o disquete, para a tela do

computador, para a internet, incorporando elementos inovadores no seu modo de

produção, em sua concepção e linguagem.”

A rigor, existem dois tipos de fanzines on line: os e-zines e os webzines. Os

primeiros são arquivos de texto, enviados por e-mail, em formato newsletter. Já os

webzines funcionam como páginas da Internet, e permitem um trabalho visual na

publicação, pois suportam diferentes mídias. Estes exploram mais os recursos da

hipermídia, podendo conter arquivos de som e vídeo.

O Zine Riot é um e-zine feminista criado em julho de 2007 e que já está em sua

sexta edição. O zine é enviado por e-mail para uma lista de leitores, e sua divulgação é feita

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através da própria Internet: em comunidades do Orkut, sua editora informa sobre o

lançamento de uma nova edição e os(as) interessados(a) publicam seus endereços

eletrônicos para o recebimento do zine.

O site Banheiro Feminino, hospedado no portal Terra, existe desde 1996, e pode ser

considerado um exemplo de webzine feminista. Com um humor característico, a temática

do site gira em torno de sexo e relacionamentos. É dividido em seções, como “Toque de

amiga”, “Tio da limpeza” e “Procon WC”. A página permite grande interatividade com o

público, tendo várias seções destinadas exclusivamente à postagem dos(as) leitores(as).

Explora ainda recursos além dos textuais, como o Podcast, que é um programa gravado em

arquivo sonoro (mp3) e que pode ser copiado para o computador.

Atualmente, existem diversos sites, como o Portal Feminista1 e a Rede Brasileira de

Estudos e Pesquisas Feministas2, que funcionam como portais de caráter acadêmico. Já o

CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria3 e a SOF – Sempreviva Organização

Feminista4 operam mais com caráter de movimento social. Estes não têm características de

fanzine, mas são importantes para pesquisas e para a organização das mulheres.

Há ainda quem considere os weblogs típicos fanzines, devido à sua semelhança com

algumas características da produção impressa, tais como: a comunicação e expressão

individual ou de um grupo de pessoas, a utilização de recursos simples (o blog não é tão

elaborado quanto um site) para a publicação, o amadorismo e o vínculo com outros

produtores (blogueiros).

O “02 Neurônio” é um dos mais conhecidos casos de zine que migrou para a

Internet no Brasil. Inicialmente como site e hoje no formato blog, ele é produzido por Jô

Hallack, Nina Lemos e Raq Affonso, e tem versão almanaque, coluna de jornal, de

programa de rádio e de TV, além de ter gerado vários livros. No entanto, suas editoras

1 http://portalfeminista.org.br/

2 http://www.redefem.ufrgs.br

3 http://www.cfemea.org.br

4 http://www.sof.org.br

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ainda não se consideram feministas “Só sabemos que não queimamos sutiãs, mas que

achamos que a mulher tem direito de agarrar os homens e de ter barriga de cerveja”. O blog

retrata assuntos do cotidiano das mulheres, com textos leves, bem escritos e bem

humorados.

3.1. A transição bem-sucedida

Um dos aspectos positivos da passagem do zine para o meio eletrônico é a

facilidade de comunicação e interação, características da rede. Segundo o professor doutor

Henrique Magalhães, “Com a internet, tornou-se possível uma comunicação imediata entre

editores e leitores por intermédio das salas de discussões e grupos de estudos. O correio

eletrônico veio reduzir as despesas com os custos postais e acelerar a troca de informações.

Os sítios ou fanzines eletrônicos lançaram mão de novas possibilidades estéticas, com a

inserção de cores e até mesmo de som e movimento”.

Para a editora do Zine Riot (Rio de Janeiro/RJ), Jéssica Cuervo, de 18 anos, a

Internet é um meio “mais fácil, barato e interessante” de levar informação às pessoas: “Se

eu fizesse um zine impresso, as pessoas poderiam receber, rasgar e nem ler, e aqui onde eu

moro não existem muitas oportunidades de distribuir, nem tanta gente interessada. Mas, no

caso do zine on line, só recebem as pessoas que realmente querem receber. A Internet abre

um espaço muito maior para as pessoas e é de mais fácil acesso para mim e para todos.”

Jéssica cita as principais vantagens do meio: o barateamento da produção, já que o fanzine

não precisa ser impresso, a facilidade de distribuição e o acesso a um público específico,

interessado em receber o zine. Apesar disso, Jéssica conta que pretende fazer uma versão

impressa, para quem não tem acesso à rede.

Outro aspecto importante é a gama de recursos gráficos que a publicação on line

oferece. O webzine tem a vantagem de dispor de efeitos visuais, já que não há o custo

econômico da impressão, e pode inserir ainda arquivos de som e vídeo.

O 02 Neurônio, agora em sua fase blog, restringe-se à publicação textual, sem

utilização de outros recursos da hipermídia, mas destaca-se por apresentar bastante

interação com os leitores, tendo em média 30 comentários por postagem. Em uma delas,

uma leitora demonstra a importância da comunicação através do veículo: “Sempre passo

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aqui pra ler os posts, e toda semana leio a coluna de vocês na Folhateen. Lendo hoje a

coluna de ontem quis comentar, mas não sei como fazer isso pelo site da Folha, então achei

mais prático escrever aqui.”

Outro aspecto interessante é a “pirataria”. Como há pouco ou, geralmente, nenhum

retorno econômico com o fanzine, a maioria dos impressos nunca teve preocupação com a

reprodução do material através das máquinas Xerox. No fanzine “Zineide”, de Ponta

Grossa (PR), 2007, aparece o aviso “Feito com software livre. Faça você mesmo! Copie,

espalhe idéias, faça seu próprio zine. Se quiser, mande e-mail e colagens”. No caso da

Internet, conhecida como um meio “anárquico”, em que há pouco cumprimento do direito

autoral, a pirataria é ainda mais simples de ser feita, basta usar os recursos “copiar/colar”.

Nos fanzines de movimentos sociais, essa cópia não autorizada vai, especialmente, ao

encontro dos propósitos do movimento, uma vez que a preocupação com créditos é menor

do que o objetivo de ser lido pelo maior número de pessoas possível.

3.2. As limitações do novo suporte eletrônico

Enquanto o fanzine tradicional (impresso) apresenta problemas econômicos que

dificultam sua distribuição, o fanzine online apresenta outros tipos de problemas, tais como

a dispersão e desatenção. A Internet é constituída por uma infinidade de links que, para um

usuário menos cuidadoso, pode significar a perda do foco e, no caso dos zines, a

interrupção da leitura dos textos. Ainda que este leitor esteja centrado em seu objetivo, há

ainda o risco da desatenção. A possibilidade de multitarefa, surgida com o Windows,

permite que um usuário pesquise em uma página da web, converse no MSN, verifique a

caixa de e-mails e responda a recados no Orkut, simultaneamente. Como não se perder?

Somam-se a isso, os problemas característicos de qualquer computador: vírus, bugs

e acesso restrito à Internet. A exclusão digital talvez seja o mais complexo dos problemas,

uma vez que a maioria da população não tem acesso à rede mundial de computadores. A

aparente democratização da informação, que a Internet propõe, vai de encontro a questões

mais profundas, perpassando pelas necessidades básicas do ser humano, como educação,

saúde e alimentação. Esse fator de segregação já afeta qualquer publicação on line – uma

vez que o objetivo de qualquer delas é chegar até o público -, mas afeta, em especial, os

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veículos de comunicação dos movimentos sociais, que têm em sua base a população de

menor poder econômico.

Na produção do fanzine ainda encontram-se alguns obstáculos, como o fato de que

nem sempre o zineiro domina o processo de construção de uma página na Internet, e é

obrigado a apelar para outra pessoa que possa preparar o suporte técnico.

A aperiodicidade é um problema encontrado também nos zines impressos, mas que

nesse caso é agravado, pois, na rede, as informações circulam de forma muito mais

dinâmica, e a atualização de conteúdo torna-se mais necessária.

Por fim, há ainda atuando contra o público, a fadiga causada pela leitura em tela. Se,

por um lado, é economicamente inviável que um fanzine impresso apresente grande

quantidade de páginas, por outro, o cansaço provocado pela leitura no computador atua da

mesma forma, restringindo o tamanho dos textos do zine eletrônico.

4. Conclusão

A revolução tecnológica da informática surgiu prometendo acabar com o monopólio

do papel no processo comunicacional. Chegou-se até mesmo a se pensar que o impresso

deixaria de existir. No entanto, o consumo de papel aumenta a cada ano, e parte disso é

devido à introdução de computadores nos escritórios. Atualmente, mesmo os entusiastas da

digitalização reconhecem que este meio apresenta inúmeros entraves que não lhe permite

ser considerado como forma ideal de comunicação.

A velocidade, a abrangência, a chamada comunicação “multilateral”, os recursos

tecnológicos e a redução de gastos financeiros são os principais fatores que levam milhares

de pessoas a acessarem, diariamente, a rede mundial de computadores. Apesar disso,

obstáculos como a dificuldade de se manusear e transportar o texto, o incômodo causado

pela leitura em tela, a dispersão em meio a tantos links, os problemas típicos dos softwares

e, sobretudo, a exclusão digital da maioria da população mundial do acesso a essa

tecnologia, ainda são indícios que ratificam a idéia de que o papel nunca desaparecerá.

Não é possível prever os avanços tecnológicos, assim como nunca foi possível

prever que a escrita em tabuletas de argila seria substituída por um moderno artefato,

produzido a partir de fibras de celulose. Da mesma forma, nada pode ser dito acerca do

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futuro dos fanzines de papel. Os zines eletrônicos até podem ter sido revolucionários, mas

ainda não podem ser usados para a Revolução.

Referências

Livros

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários nos tempos da imprensa

alternativa. Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

PAIVA, Raquel. O Espírito Comum – Comunidade, mídia e globalismo. Ed. Vozes,

Petrópolis, 1998.

FUSER, Bruno (org.). Comunicação Alternativa – Cenários e perspectivas. 1. ed.

Centro de Memória, Unicamp/Puc-Campinas, 2005.

LEÃO, Carlos Albuquerque e Tom. Rio Fanzine – 18 anos de cultura alternativa,

2004.

Trabalhos

MAGALHÃES, Henrique Magalhães. A Mutação Radical dos Fanzines. Trabalho

apresentado no Núcleo de História em Quadrinhos, no XXVI Congresso Anual em Ciência

da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.

FALABELLA, Bruno Vasconcellos. “Solução Impressa – Thorazine e os fanzines

no Brasil e no mundo”. Trabalho de conclusão de curso, Faculdade de Comunicação Social,

UFJF, 2005.

DICKEL, Douglas. “A Internet como meio de Comunicação: Possibilidades e

limitações”.

Trabalho apresentado no INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos

Interdisciplinares da Comunicação, XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo

Grande /MS – setembro 2001.

Páginas da Internet

02 neurônio, acessado em 9 de abril de 2008:

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http://02neuronio.blog.uol.com.br/fuckforever/

Banheiro feminino, acessado em 9 de abril de 2008:

http://banheirofeminino.terra.com.br

Blog do coletivo AO ATAQUE, acessado em 8 de abril de 2008:

http://coletivoaoataque.blogspot.com/2008/03/zines-para-voc-comprar.html

Fanzine Expressão, acessado em 1 de abril de 2008:

http://fotolog.terra.com.br/movimento_riot:10

Fanzine Comeongrrrl, acessado em 5 de abril de 2008:

http://www.geocities.com/comeongrrrl/resenhas.html

Site sobre o Riot Grrrl, acessado em 8 de abril de 2008:

http://www.riotgrrrl-rebelgirl.org/

Guia de sites feministas brasileiros, acessado em 8 de abril de 2008:

http://www.sitesnobrasil.com/categorias/sociedade/generos-

sexuais/mulheres/feminismo.htm

Fanzines impressos

Maria Maria, Juiz de Fora (MG)

Zineide, Ponta Grossa (PR)

Respeito!, Juiz de Fora (MG)

Expressão, São Paulo (SP)

Mútuo Ação, São Paulo (SP)

Mujeres Que Hablan, Florianópolis (SC)

Fairy Zine, São Paulo (SP)