A Revolucao Francesa Explicada à Minha Neta
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Transcript of A Revolucao Francesa Explicada à Minha Neta
Michel Vovelle
A R e v o l u ç ã o F r a n c e s a e x p l i c a d a
à m i n h a n e t a
Tradução Fernando Santos
editoraunesp
© É d it io n s du Seuil, 2 0 0 6
Título original em francês La Révolution Française expliquée à ma petite-fille© 2005 da tradução brasileira:Fundação Editora da UNESP (FEU)Praça da Sé, 10801 0 01 -900 - São Paulo - SPTel.: (O xxll) 3242-7171Fax: (O xxll) [email protected]
CIP - Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
V 9 5 3 4
Vovelle, Michel, 1933-A Revolução Francesa explicada à minha neta/M ichel
Vovelle; tradução Fernando Santos. - São Paulo: Editora UNESP, 2 0 0 7 .
Tradução de: La Révolution Française expliquée à ma petite-fille
ISBN 9 7 8 -8 5 -7 1 3 9 -7 7 6 -7
1. França - História - Revolução, 1 7 8 9 -1 7 9 9 . 2. França - Civilização - 1 7 8 9 -1 7 9 9 . 3. França - Condições sociais - Século XVIII. I. Título.
0 7 -2 5 2 6 . CDD: 9 4 4 .0 4CDU: 9 4 (4 4 ) “ 1 7 8 9 /1 7 9 9
Editora afiliada:
IC'lItnrlak'H Uiifv<*rNll:irlu«4ÎC il l lo m s U n lv c r s m S r l i islit.» A m rrtcu IjiH m i y i*ï C<irlt>c
Gabrielle, que m ora em P isa , na Itália , concordou em ded icar a lgum as horas, durante suas fé r ia s na F rança, p a ra exam in ar com igo, seu avô, essa R evolução Francesa que eu ensiiiei durante quarenta anos. Se fo rm o s bem -sucedidos, será um a fo rm a de nos conhecerm os m elhor...
A G abrielle, m inha prim eira neta, cúm plice destas conversas;
àqueles que a in da vão crescer,M arie , Cam ille, M atthieu , Guillaum e,
e a todos os outros...
Guardo carinhosamente a medalha deixada por meu pai, Gaétan Vovelle, professor
primário (1899-1969), a qual traz a seguinte inscrição: "Todas as crianças
do mundo são meus filhos
S u m á r i o
1. Revolução Francesa: uma revolução diferente das outras 9
2. Por que aconteceu a Revolução? 21
3. U m a monarquia constitucional 39
4. A queda da monarquia 57
5. A Primeira República 67
6. O Diretório: term inar a Revolução? 85
Conclusão: A som bra e a luz da Revolução 99
Capítulo 1 R e v o l u ç ã o F r a n c e s a :
u m a r e v o l u ç ã o d i f e r e n t e d a s o u t r a s
— Você ouviu falar da n o ssa “Grande R ev o lu ção”? Isso s ign ifica algo para você?
— Pouca coisa; co m catorze anos, acabei de passar para o “C u rso C lá ss ic o ”, e ainda não estu d ei essa m atéria .
— N ão se preocupe. M esm o que já tenham ouvido falar do assunto, tenho certeza de que, para um grande n ú m ero de estu dan tes franceses de sua idade, tra ta -se de u m a história com p licad a e d is ta n te , ch e ia de a co n tec im en to s e de p ersonagens. A lphon se Aulard, um h istoriad or que viveu há m ais de cem anos, escreveu: “Para com p reen d er a R ev o
I[I AAichel Vovelle
lu çã o Fran cesa é p rec iso am á-la” . Prim eiro v a m o s te n ta r com p reen d ê-la ; d epois v erem o s se, n o final do jo g o , nós a a m am o s... Para isso , seria b o m se você m e fizesse p erguntas...
— M as eu não sei d ireito o quê perguntar...— Hu b em que desconfiava; m as ten h o cer
tez a de qu e as p erg u n tas surgirão: é só c o m e ça r b em .
— Vovô, o que é um a revolução?— Você co m eço u a estu d ar latim ; já ouviu
falar de E sp ártaco? B sp ártaco vivia na A n t iguidade, n o tem p o da R ep ú b lica rom ana, an tes da n o ss a era. S en d o ele m e s m o um escravo, liderou a revolta dos escravos co n tra seus sen h o res . M as os escravos foram d errotad os e m ortos. A revolta de E spártaco deixou su a m arca na história , m as é u m a en tre as m ilh ares de revoltas dos oprim idos con tra os o p ressores .
— A R evolu ção Francesa é uma revolta de escravos com o a de E spártaco?
— N ão, a R evolução Fra n cesa ocorre em 1 7 8 9 em m e io a u m a série de revoluções — em G enebra, na Bélgica, nos Países Baixos...
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A R evo lução Francesa explicada à m inha neta
A m ais im p ortan te é a revolução n o rte -am ericana, is to é, a revolta das treze colônias inglesas da C osta Leste da A m érica do Norte contra sua m etrópole, entre 1 7 7 6 e 1783 . Ela deu origem aos E stados U nidos de hoje. D ife re n te m en te da revolta, a revolução m uda o curso da h istória em um país.
— A R evolução Francesa, en tão , é apenas uma revolução com o as outras?
- D e fato, é u m a revolução en tre outras, e nós, franceses, sem p re fom os criticados por q u erer tratá-la, org u lh osam en te , com o algo à parte, a tr ib u in d o -lh e u m a im p ortân cia esp ecia l. Para com p reen d er, porém , é p rec iso co m eça r ex am in an d o com o e por
' que tudo com eçou . E a resp osta não é s im ples. D esd e o co m eço , os revolucionários deram o n o m e de “A n tig o R e g im e ” ao m u n do que eles haviam destruído, co m o se qu ise sse m virar a página e co m eçar um a nova aventura . E sse A n tig o R e g im e era o reino da Fran ça , u m a m o n a rq u ia sob o reinado de Luís X V I e de sua esposa, Maria Antonieta. Luís X V I não era u m a m á pessoa; em bora não tivesse grandes qualidades, era bem in ten cion ad o . Ele não consegu iu m anter seus m in istros com p eten tes - Turgot, Necker etc.
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AAichel Vovelle
- n e m defender as reform as propostas por eles. Isso porque havia u m a forte resistên cia por parte dos privilegiados, e a crise era grave,
— O que quer d izer priv ileg iados?— N a Fran ça do A n tig o R eg im e n ão havia
igualdade; a socied ade estava dividida em ord en s, q u e tin h a m m ais ou m en o s priv ilég ios: à fren te v inha o clero, a Igre ja C a tó lica, a ú n ica qu e t in h a o d ireito de en sin ar a religião, m as que ta m b é m era m u ito rica em terras e rendas. M ais ricos ainda eram os a r is to cra ta s , qu e co m p u n h am a o rd em da n obreza . E ram p rop rietários de pelo m e n o s u m q u arto das terras, favorecidos por privilégios h o n o ríf ico s e ta m b é m fiscais. O rg u lh osos de seus títu los, serviam nos exércitos do rei, m as n a m aior parte do te m p o ficavam sem fazer nada em seus caste los ou na cidade, sen d o que os m ais notáveis m o ra vam na corte do rei, em Versalhes. E n tre eles havia alguns m u ito ricos e ou tros m en os. A lguns h aviam co n q u is ta d o seu t ítu lo de nobre ad qu irind o u m cargo de m agistrado: era a nobreza togada. Q u er sua nobreza fosse antiga ou recen te , as reivindicações dos n o bres t in h a m origem na época m edieval do feudalism o, is to é, de u m período em que a
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A R evo lução Francesa explicada à m in ha neta
es tru tu ra p olítica do reino estava baseada em re lações de vassalagem : o proprietário do feudo, cham ad o vassalo, e todos que ali viviam e trabalhavam deviam fidelidade e respeito ao senhor, em geral um nobre. Esses senhores haviam dom inado um cam pesinato de servos, cam p o n eses ligados à terra que deviam torn á-la produtiva. N o final do sé culo X V III , p orém , qu ase não havia mais servos na França: os cam p oneses eram livres e gera lm en te donos de suas propriedades, que represen tavam , no total, qu ase m etade das terras da França. C on tin u av am ex ist in do, entretanto , as obrigações e as taxas: eram os d ireitos feudais e de senh orio , pagos em d inheiro ou em espécie , os quais às vezes eram m u ito pesados, com o a “jugada” - após a co lheita , os enviados do sen h o r recolhiam dos cam p os um fe ixe em cada dez, ou em cada doze ou catorze. O s sen h o res haviam conservado direitos h onoríficos, sua própria ju stiça , seu s lugares na igreja e o direito de caça.
— C om o os cam poneses suportavam isso?- C o m o agüentavam qu ase todo o peso
dos im p o sto s reais, e les sofriam m uito com as h u m ilh açõ es . E les se m obilizavam para
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M ich e l Vovelle
defender seus direitos, que os nobres tinham a te n d ên c ia de usurpar, chegand o às vezes a se revoltar: e m especia l nas épocas de e s cassez , para p ro testar co n tra o alto p reço do pão. E e les não eram os únicos, pois tan to para os op erários das cidades q u an to para e les o pão era o a lim en to principal, c o n s u m in d o m eta d e do salário diário de u m a fam ília . Você, qu e não pode co m er pão em excesso , o qu e acha d isso?
— O que eu g ostar ia de saber m esm o é o que é escassez :/
— N o grande re ino da França, co m 2 8 m ilh õ es de h a b ita n te s , havia p lan ícies férteis c o m o n o s arredores de Paris, e regiões m u ito m ais pob res , nas m o n ta n h as , por e x e m plo. Por tod a parte, porém , o trigo para fazer pão era u m a n ecess id ad e básica: bastava o tem p o prov ocar u m a ou várias co lh e itas ru in s para qu e o p reço d isparasse, a m iséria se instalasse e a revolta explodisse; é o que se ch am a de “agitação p o p u lar”. E m b o ra e s sas crises e a m orta lid ad e causada p o r elas h o u v esse m d im in u íd o no sécu lo X V III , elas con tin u av am ex ist in d o , e foi isso que a co n teceu em 1 7 8 8 e 1 7 8 9 : às vésperas da R e
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A R evo lução Francesa explicada à m in ha neta
volução, exp lod em revoltas em várias p ro víncias e as cidades se agitam .
— E f o i isso que causou a R evolução?
— Sim e não. Falam os, com razão, dos cam p on eses ; e les rep resen tam três quartos da população, m as não o cup am o espaço todo ao lado das duas prim eiras oi-dens. Eles fazem parte da terce ira ordem , cham ada Terceiro E stado: m orad ores das cidades e do cam po, ricos e pobres, que co n stitu em , no total, 9 5 % dos franceses. Todos - sobretudo os pobres, é claro - foram atingidos pela crise; porém , com o dizia um dos m eus professores, a cada dois anos acon tece um a crise, m as não acon tece u m a revolução cada vez que há crise. É um a das causas, m as não é a única.
É p reciso voltar o o lhar para as cidades para perceber de onde vem a am eaça da cólera e as d em o n stra çõ e s de in satisfação . Com se iscen to s mil h ab itan tes , Paris é um a cidade grande, certam en te a terce ira do m undo.
— Q uais são as outras duas?
— Londres e, provavelm ente, Pequim. Voltem os à França, onde há outras cidades gran
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M iche! Vovelle
des (Lyon, M arselha , B ord eau x), a lém de m u itas cidades pequenas e v ilare jos. N elas en co n tram o s um a m ultidão de pessoas do povo, de m endigos a trabalhadores d iaristas, m as tam b ém artesãos e co m erc ia n tes — diz-se “a barraca e a lo jin h a ” —, m em b ro s de corp orações que reún em m estres e o p erários au tôn om os. Há tam b ém um a b u rg u esia afluente com p osta de n egocian tes por vezes m u ito ricos nos portos, de b an q u eiros, de em p resários do se to r têxtil ou da n ascen te m etalurgia. N o in terior dessa b u rguesia, um grupo não deve ser esquecido: os advogados, os funcionários da ju stiça e os m édicos. H oje seriam conh ecid os com o in te lec tu a is e p rofission ais liberais. N ão os perca de vista, pois vam os cruzar com eles n ovam en te .
Pois, em b ora ainda não possua, de fato, o perfil que lhe dará a R evolução Industrial do sécu lo segu inte , a bu rgu esia aproveitou- se e n o rm e m e n te do d esenvolv im ento e c o n ôm ico do sécu lo X V III, com o desenvolvim e n to do c o m é r c io m a r í t im o . E la te m novas aspirações e novas am bições. U m dos futuros porta-vozes da Revolução, Barnave, escreverá que a u m a nova d istribu ição de riqueza deve corresponder um a nova distri-
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A Revolução Francesa explicada à m inha neca
buição de poder... Você sabe que m uito se escreveu e m u ito se leu durante o século X V III, o que lhe valeu o títu lo de Século das Luzes. Você ouviu falar d isso na Itália?
— Claro que ouvi... Ilumi, llum inism o... Mas o que isso quer dizer exatam ente?
- E um a am pla corren te de idéias que t o m a conta da Europa. De N ápoles a Milão, t iv em os rep re sen ta n tes b rilh an tes : todos eles leram o tratado Dos delitos e das penas, no qual seu ju r is ta Beccaria denunciava a tortu ra e os castigos in ú te is ou in justos. Vozes im portantes tam bém se fizeram ouvir da Inglaterra à A lem anha. Na França, M on- tesquieu , Voltaire, Rousseau, Diderot, cada um com seu estilo , fizeram ressoar a voz da filosofia. C ontra a in to lerância religiosa e em defesa das liberdades, contra o arbítrio do abso lu tism o e em defesa de um regime político em que os cidadãos, protegidos por um a C onstitu ição , participam da adm inistração do Estado. O s jo rn a is - ainda cham ados geralm ente de gazetas —, m as tam bém as asso c ia çõ es d ivulgam e ssa s idéias: as classes populares tom am conh ecim en to delas de forma simplificada; nessa época, mais da m etade da população adulta francesa sabe
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M ich e i Vovelle
ler e escrever (o que é possível perceber pela a ss in a tu ra ) ...
— N ão é m uita gen te... ou é?— Para nós pode parecer pouco. A inda
m ais se levarm os em con ta a desigualdade entre h o m en s e m u lh eres , b astan te p re ju dicadas, ou entre as regiões - o N orte é m ais instru ído que o Sul... Em term os de Europa, porém , a França não está em u m a p osição ruim. E assiste-se, nas cidades, ao su rgim ento de um a opinião pública cu jos ecos c h e gam ao campo.
— Então os ricos e os pobres estão todos de acordo... contra o quê?
— N ão vam os nos apressar. As coisas não são tão sim ples co m o parecem . A revolução que está sendo preparada será, com o se disse, filha da m iséria ou da prosperidade?
SvjVAÍ^Michelet, um de n ossos grandes h is to riad o res do século X IX , evocando a escassez e lem bran d o-se da Bíblia, voltava-se para o cam ponês: “Vejam -no deitado na im undície, pobre J ó . . . ”. Isso diz algum a coisa para você?
— Sim , J ó é um in feliz a quem Deus f a z passar por provações antes de recom pensá-lo . Será que M ichelet não está exagerando um pouco?
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A Revolução Francesa explicada à m inha neca
— Trata-se de um a im agem , é seu je i to de escrever. M ais tarde, porém , no início do século X X , Jean Jau rès , outro grande h is to riador, de m aneira resumida, disse o seguinte: não, nao foi a m iséria que fez a revolução, foi a vontade daqueles cu jo papel e riqueza os im peliam a assu m ir seu verdadeiro lugar na sociedade, os burgueses. M ichelet e Jaurès: qu em está errado, quem está com a razão?
~ Vovô, você é que tem de responder!
- O s dois têm razão. A prosperidade do sécu lo não foi co m p artilh ad a por todos. A m is é r ia c o n t r ib u ir á para m o b iliz a r não apenas as cidades, m as tam b ém os cam pos. E les exp lod em em 1 7 8 9 e, em 1 795 , um a nova crise irá causar destruição. Mas o “m aestro da orqu estra , a m isé r ia ” não representa a totalidade das re iv in dicações populares. Pobres ou ricos, os cam p o n eses têm um a co n ta a acertar co m o s is te m a feudal - ou com aquilo que sobrou dele - , e a revolução cam p o n esa irá convergir, ao m en o s d uran te certo tem po, com a dos burgueses das cidades.
A elite rica e ilustrada tem seus próprios ob jetivos e m etas de luta. Porta-vozes indicam -lhe o cam inho: o abade Sieyès expõe o
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M iche l Vovelle
p ro b lem a em um te x to intitu lado O que é o Terceiro Estado?. E sse Terceiro Estado, sobre qu em recaem os im p ostos e as taxas, “h o je não é nada... e o qu e ele d ese ja se tornar? Tudo”.
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C apítulo 2
Por q u e a c o n t e c e u a R ev o l u ç ã o ?
— Você explica bem as causas da Revolução, m as fa l t a saber com o explodiu ... O que provocou, de fa to , a Revolução?
— C om as causas profundas, provenientes de um velho m undo carcom ido, eu s ituei, de todo m odo, a penúria de 1789 . E* verdade que acrescentei que ela não explica tudo. Pois há outras razões, as m esm as que foram dadas na época e eram as mais visíveis. Nem tudo corria bem no reino da França.
O rei Luís X V I era um m onarca absoluto: consagrado na catedral de R eim s, era o e s colhido de D eus. E m m eio aos cortesãos do Palácio de Versalhes, ele era a encarnação
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AAichel Vovelle
da lei, e os m in istro s só obedeciam sua von tade. A Igre ja C ató lica estava associad a a seu poder e as outras religiões eram p ro ib idas (os p ro testan tes eram “to lerad o s” d esde 1 7 8 8 ) , e in ten d en tes adm inistravam as províncias em seu nom e.
Mas esse edifício, erguido ao longo de dois séculos por cam adas sucessivas, ja m a is fora organizado: os lim ites ad m inistrativos e n cobriam um em aranhad o de privilégios, a ju s t iç a era exerc id a por m ag istrad os qu e eram proprietários de seus cargos - em Paris ou n o restante do país - e os quais p reten d iam ter o d ireito de supervisionar as d ecisões reais. E m b o ra tivessem sido c o n tidos, sua resis tên cia voltou a se m a n ife s tar às vésperas da Revolução, e eles, que te o r icam en te estavam a serviço do rei, iriam co n trib u ir para a crise do regim e e para o d esen cad eam en to da Revolução. Pois havia um grave problem a financeiro. O s tr ibutos recaíam b asicam en te sobre o Terceiro E s ta do: a talha era o único tributo direto, enquanto a capitação, estabelecida em 1 6 9 5 , recaía sobre tod os os indivíduos de todas as o r dens. E sses tributos eram mal repartidos e cobrad os de m aneira in justa ; e, ao lado d es
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A Revo lução Francesa explicada à m inha neta
ses tributos diretos, havia os im p ostos que o rei arrecadava sobre diversos produtos: o mais impopular, a gabela, era aplicada ao sal, um gênero de prim eira necessidade...
— Por que especialm ente o sal?
- Você sabe m u ito bem que não havia geladeira no tem po de nossos antepassados. Eles só dispunham do sal para conservar a carne e outros alim entos. E preciso tam bém m encionar o dízimo, um im posto específico aplicado às colheitas que o clero usava para as despesas do culto; mas ele era desviado com tanta freqüência que os padres às vezes nem se beneficiavam dele. C om o você pode ver, as pessoas não eram cobradas de m aneira conveniente; só que isso tam bém acontecia na hora das despesas. A monarquia não tinha previsões rigorosas de gasto ~ o que conh ecem os com o orçam ento : dessa forma, o próprio rei podia lançar m ão diretam ente dos im p ostos para aten d er às necessidades de seu padrão dé vida e do da corte de Versalhes. D izia-se que a rainha M aria A ntonie- ta era um a perdulária. O luxo dos privilegiados era uma ofensa à miséria dos pobres. A isso vem se somar, nos anos 1 7 7 0 -1 7 8 0 , a
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AAichel Vovelle
guerra de independência das co lôn ias inglesas da Am érica, que contou com apoio do rei da França...
~ M as isso é uma coisa muito sim pática... Qual o problem a, então?
— É que esse apoio saiu m u ito caro. E assim a dívida au m en tou e o rei tinha de c o brar novos im postos; m as o pre ju ízo era tão grande que todo o s is tem a tinha de ser in te iram en te m odificado.
Eu já havia dado u m a pista lá no com eço: Luís X V I, que em 1 7 8 9 com pletava 2 5 anos de reinado, não teve força para im plantar as reform as. N ão vou retom ar essa h istória toda, pois, talvez co m o você, ten h o pressa em en trar na Revolução. D igam os que o rei não apoiou os m inistros que lhe propunham uma reform a profunda das instituições, com o Turgot, o m ais reform ista , que ele d estitu iu em 1 7 7 4 , seguido de Necker, C alonne, Lo- m én ie de B rienne e N ecker novam ente , em 1 7 8 9 : você certa m en te não precisa guardar esses n om es por ora, todos eles fracassaram. Isso p o rqu e seus esforços esbarraram na op osição dos privilegiados: da corte e dos príncipes — irm ãos e parentes do rei —, das in s t i tu iç õ e s im p o r ta n te s do E sta d o , que
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A Revo lução Francesa explicada à m inha neta
Luís X V Ico n v o ca ra para apoiar as reformas: duas assem bléias de notáveis e tam b ém as im portantes cortes de ju stiça que eram os Parlam entos, em prim eiro lugar o de Paris. A proveitando m o m en ta n e a m en te o apoio da população, tan to de Paris qu an to do restante do país, que os considerava defensores das liberdades con tra o ab so lu tism o do rei, e les b lo q u e a r a m to d as as te n ta t iv a s de reforma, enquanto a crise piorava. Dessa forma, foram os privilegiados que, de certa forma, precip itaram os acon tecim en tos.
—Quer dizer, então, que o povo estava enganado a respeito deles?
- A ilusão não durou m uito tempo. Q uando se trata do ano de 1 7 88 e ainda do início de 1 7 8 9 , os h istoriad ores falam de "pré- Revolução” e alguns até de “revolução aristocrática", m as percebe-se, de fato, que e s tavam enganados. E, enqu anto avançava, a opinião pública se educava. Q uando, ao pedir ao rei a convocação dos Estados Gerais para resolver o problem a das reformas, o parlamento de Paris caiu naquilo que se tornaria sua própria arm adilha, surgiu um a grande esperança: o país iria ser ouvido...
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M ich e i Vovelle
— O que é a reunião dos E stados Gerais?— R eu n ir os E stados G erais era um m od o
antigo de o rei co n su ltar seus súditos, ou, ao m enos, os representantes das três ordens: fazia m ais de dois sécu los que ocorrera a últim a reunião. Ao m esm o tem po, um a grande novidade: os franceses tiveram o direito de se m anifestar. E fizeram uso d esse direito , já que foram estim u lad os a redigir cadernos de d olências por todo o país.
— O que isso quer dizer? É com o se fo sse um a súplica?
— Você quase acertou . U m a d olên cia é u m a qu eixa - não se o u sa dizer um a reclam ação — subm etid a à boa-vontade do rei. O s franceses levaram m u ito a sério essa ta refa; cada ordem tin h a seu caderno, e os m e m b ro s do Terceiro Estado, nas aldeias ou nas corporações, relatavam suas m isérias de m an eira freqü en tem en te em ocion an te , se n do às vezes “te leg u iad os” por pessoas in s tru íd as qu e faziam p a ssa r re iv in d icações m ais gerais. N essa altura dos a co n tec im e n tos, os súd itos ainda am am o rei, que é v isto co m o um a espécie de pai, m as eles d en u n ciam os abusos da ad m in istração e os d ireitos senhoriais; não se im p ortam de p a
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A Revo lução Francesa explicada à m inha neta
gar im posto , m as exigem o direito de co n trolá-lo por m eio de seus rep resen tan tes , e reivindicam o respeito pelas liberdades e o fim do arbítrio ... Você p ressen te que ex is tem vozes discordantes na nobreza... mas isso representa um tes tem u n h o claro da situação da França em 1789 . É essa m en sa gem que os deputados das diferentes ordens foram apresentar em Versalhes, no m ês de m aio de 17 89 , após um a cam panha e le ito ral bastante in ten sa e disputada.
— Como hoje em dia?
— N ão exatam ente. Em bora teoricam ente todos os súditos pudessem participar, essa participação em geral se dava de m aneira m uito complicada. Vamos dizer que, m esm o assim, era um com eço. E um acontecim ento, com o a abertura das sessõ es no dia 5 de m aio de 178 9 , com o desfile de deputados, nobres e bispos vestindo roupas enfeitadas, enquanto os deputados do Terceiro Estado usavam um u niform e negro m ais m elancólico. Im ediatam ente com eçou a disputa: os m em bros do Terceiro Estado tinham conseguido, com o rei e o ministro Necker, o direito de ter o m esm o núm ero de deputados que as duas ordens privilegiadas ju ntas (com a
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1. 5 de maio de 1 7 8 9 . A bertura dos Estados Gerais em Versalhes. (Desenho de Monnec, impresso por Helman.)
M ich e l Vovelle
in ten ção de garim par votos en tre os padres ou os n obres liberais, que os havia), o que lhes dava a m aioria ... se todos votassem ju n tos. O rei, a corte e os privilegiados não in terpretavam a co isa da m e sm a m aneira, e qu eriam que cada. ordem ficasse separada; nessas condições, o Terceiro Estado só tinha um te rço dos votos.
A co n te ce ra m tantas co isas que não sou capaz de co n tar tudo: o rei repreende os deputados e seu m estre-d e-cerim ôn ias quer retirá-los do salão; um dos oradores do Terceiro Estado, o já fam oso M irabeau, lhe re s ponde: “E stam os aqui pela vontade do povo, e só sa irem os com a força das b a io n etas”. M ais im p ortan te ainda: no dia seguinte os d epu tados en con tram a porta fechada. E les “in v ad em ” u m a sala vazia ao lado, um lugar de jo g a r péla (isto é, u m a espécie de tên is jo g a d o em um salão), onde, esp rem id os, ouvem um de seus, o erudito Bailly; ele os faz p restar o ju ra m en to de não se d ispersar antes de obter um a C onstitu ição, isto é, um te x to escr ito que estab elece a organização do poder. O Ju ra m e n to do Jo g o de Péla de 2 0 de ju n h o de 1 7 8 9 é um ato verdadeiram en te revolucionário , pod e-se dizer fundador, qu e m uda tudo. O s deputados do Ter
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A Revo lução Francesa explicada à m inha neta
ceiro E stad o p ro c lam aram -se A ssem b lé ia Nacional, depois A ssem bléia Nacional C on stitu inte . M em b ros do clero ju n taram -se a eles - os padres "'patriotas”, com o com eçam a ser cham ados. E m seguida o rei co n co rdou que as ordens partic ipassem ju n tas da A ssem bléia . Podia-se esperar que, com essa atitude, ele estivesse aceitando um com eço de transform ação pacífica: n esse m eio te m po, contudo, ele reuniu tropas em torno da capital, onde o povo se m obilizava para defender os deputados em V ersalhes (que fica bem próxim o de Paris). Na verdade, o rei preparava um golpe arriscado: ao d em itir o m in istro N ecker no dia 11 de ju lh o , a revolta estourou. E m busca de arm as, no dia 14 de ju lho os parisienses invadiram a Bastilha, an tiga fortaleza m edieval qu e se torn ara um a prisão do Estado.
- A B astilha eu conheço. M as o que é uma p r isão do Estado?
- É lá que o rei prendia, sem ju lgam ento , aqueles que o contrariavam . Escritores, jo r nalistas (cham ados de panfletários), a u to res de textos proibidos, indivíduos de mau com portam ento , tam bém , a pedido da família. Bastava um a carta régia com a ordem
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de prisão, sem acusação precisa nem p ro cesso . Ela se tornara o s ím bolo da arbitrariedade do rei. A b em da verdade, é preciso dizer qu e em ju lh o de 1 7 8 9 a prisão estava qu ase vazia, só havia m eia dúzia de presos. N ão eram eles qu e as pessoas queriam , e sim as arm as. U m a m ultidão arm ada, c o m p osta sob retu d o por artesãos e populares, a lém de soldados — os guardas do rei - , dirigiu-se à Bastilha: o diretor recusou-se a abrir os portões, houve u m a batalha que provocou n u m ero sas m o rtes entre os atacantes, m as éles acabaram se im pondo e assa ss inando o diretor. A Q ueda da B astilh a no dia 14 de ju lh o de 1 7 8 9 é tão im portante quanto o Ju ram en to do Jo g o de Péla, talvez até mais: qu an do os deputados estão sob a am eaça do golpe de força real, a entrada em cena do povo paris ien se constitu i o aco n tec im en to m ais im p o rtan te , e vai caracterizar a R ev o lução que se in icia - é preciso que se diga — com a m arca da violência, ainda que esta já e s tiv esse p resen te antes.
~ A s coisas não poderiam ter sido fe ita s de m aneira diferente? É muito triste, e talvez injusto, todas essas m ortes quando se queria construir um mundo m ais ju sto .
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A Revolução Francesa explicada à m inha neta
- Você toca bem no cern e do problem a. Era possível evitar a violência ou ela era necessária? A tom ad a da B astilh a nos dá alguns e lem en to s de resposta: sem essa m o bilização, a situação ficaria bloqueada. Fica claro que é a recusa do rei, apoiado pelo partido da corte e pela oposição daqueles que se rão conhecid os com o os aristocratas, que tornou o cam in h o das reform as impossível. O rei sen te-se solidário aos privilegiados; ele diz: “Não quero me separar do 'meu clero’ e da "m inha n obreza ’”. Por causa disso, durante quatro anos ele vai usar de artimanhas, fingindo aceitar a nova situação, enquanto a força do m ovim ento revolucionário afirma- se de m aneira destem ida, endurece, e a e s calada com eça.
N ão gostam os de sangue, e tem os razão de não gostar. N ossos antepassados ta m bém não gostavam : m uitos ficaram h o rro rizados com o derram am ento de sangue; por exem plo, quando foram assassinados, n aqueles dias, o in tend en te da região de Paris (para simplificar, um a espécie de prefeito), Bertier de Sauvigny, e seu sogro. Babeuf, um jovem pobre que se tornaria m ais tarde um a pessoa conhecida, escreve n essa ocasião a
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3. imagens populares representando as três ordens (Terceiro Estado, clero e nobreza), antes e depois da Revolução.
M iche l Vovelle
su a m ulher: “C o m o essa alegria toda m e in com odava... O s senh ores to rn aram -n os tão cru éis q u an to eles../ '.
O país en co n tra -se dividido, n esse m o m en to , entre dois se n tim en to s m u ito fortes : a esp erança e o m edo. M edo dos poderosos e dos príncipes, qu e com eçam a fugir para o ex terior - serão cham ad os de e m igrantes. M as tam bém , logo após o 14 de ju lho, u m grande pânico, co m o nunca se vira n em n u n ca se veria, varre todo o país: foi o cham ad o Grande Medo. U m boato espalha- se pelas aldeias: os bandidos estão ch eg an do, e les vão roubar e qu eim ar tudo. Q ue bandidos? Pouco im porta, o povo arm a-se e passa adiante o rumor... N ão passou de um so n h o ruim . Podem os dizer que a esperança venceu: no dia seguinte ao 14 de ju lh o o rei d irige-se a Paris, onde é recebido pelo novo p refe ito (Bailly, aquele do Jo g o de Péla), que lhe dá u m a nova insígnia. M ais que um e n feite, tra ta -se de um sím bolo: branco (com o a bandeira da m onarquia), m as claram ente rodeado de azul e verm elho, as cores da cidade de Paris. A nação fica toda colorida, tricolor... (Na Itália, vocês seguiram o e x em plo c o m o verd e-bran co-verm elho .) Poderia se ver ali o prenúncio de um a m onarquia constitucional.
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C apítulo 3U m a m o n a r q u i a c o n s t i t u c i o n a l
— "Uma m onarquia constitucional", que p a la vras com plicadas ... O que quer d izer “C onstitu ição”?
- Não, não é tão com plicado assim ... Luís X V I co n tin u a sen d o rei à frente de um a m onarquia. N o en tan to , ele não é m ais s o berano abso luto “pela graça de D eus", e sim “rei dos fra n ceses”, qu e lhe confiam esse cargo em n o m e da soberan ia nacional, isto é, do povo; os súditos se tornaram cidadãos. Ele terá de respeitar a C onstitu ição, um te x to que regu lam enta o fu n cion am en to das in stitu ições levando em con ta a vontade geral delegada a rep resen tan tes do povo. O s
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E stad os Gerais, que se transform aram em A s s e m b lé ia N a c io n a l C o n s t i tu in t e , e n carregam -se de redigir o texto, cujos princípios são an u n ciad os, em ago sto de 1 7 8 9 , na D eclaração dos D ire itos do H om em e do Cidadão.
E les não perderam tem po: com a p ressão popular, tiveram de tomar, urgentemente, m edidas radicais. O que se viu foi a volta do G rande Medo, com castelos sendo in cen diados em toda a França, en qu an to os cam p o n eses tocam fogo em todos os d o cu m en tos senh oria is que fixavam o pagam ento de im p ostos. A terrorizados, os deputados pen saram , no prim eiro m o m en to , em reprim i- los: porém , na n oite de 4 de agosto de 1 7 8 9 aco n teceu o que freq ü en tem en te foi d escrito c o m o um “m ilagre”.
— N a história acontecem milagres?— N a verdade, não. D igam os que as c las
ses favorecidas, tendo à frente os nobres “liberais” favoráveis à Revolução, conscientiza- ram-se de que era preciso tom ar uma medida radical. A ssim , apresentaram -se à tribuna da A ssem bléia para abrir m ão de todos os seus privilégios (e às vezes dos privilégios do vizinho). É preciso reconhecer: quando a noite
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chegou ao fim, o feudalism o havia sido a b o lido do reino. O u seja, era o fim da sociedade hierarquizada: acabavam -se as ordens da nobreza e do clero, as corporações e as academ ias; o que havia agora eram cidadãos livres e iguais perante a lei. O s direitos e os im postos feudais e senhoriais estavam abolidos - mas é possível perceber aqui até onde vão os lim ites da generosidade. Só desapareciam os direitos que recaíam sobre a própria pessoa; os que diziam respeito à terra podiam ser recuperados.
A destru ição do A ntigo Regim e in stitu cional e social era o prenúncio do importante texto da Declaração dos D ireitos do H om em que apareceria algum as sem anas mais tarde.
Foi a prim eira etapa de um gigantesco trabalho de tran sform ação e de renovação da França que essa A ssem b léia irá realizar.
A ntes de relem brá-lo , vam os pôr as co isas em seu devido lugar. Trazida de Versalhes no dia 6 de o u tu b ro de 1 7 8 9 por um cortejo de m ulheres, a família real encontra- se agora em Paris, no Palácio das Tulherias. A A ssem bléia N acional reúne-se próxim o dali e com eça a ter suas prim eiras experiências políticas; ainda não se fala em partidos, m as os grupos já entram em confronto: à
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d ire ita ficam os co n tra -re v o lu c io n á r io s e aristocratas, ou "n eg ro s" ; no centro ficam os patrio tas constitu cion alistas , onde o ra dores com o M irabeau e Barnave se valorizam; e, à esquerda, alguns democratas, com o R o b esp ierre , se d estacam . A vida política in tensifica -se , com os jorn ais , os c lubes e as reu n iões políticas iguais aos da Inglaterra: in sta lad o em um antigo convento, o clube m ais célebre e in flu ente é o dos Ja co b in o s . A província agita-se bastante : as antigas autorid ad es são derrubadas, é a “revolução m u n ic ip a l”.
— E ntão a Revolução acabou?
— Ela m al estava com eçando. É bem verdade que, n essa data, surge uma nova Fran ça baseada em princípios novos. Em 1 7 9 0 foi celebrado o 14 de Ju lh o , uma das m ais belas festas da Revolução, para com em orar o an iversário da Q ueda da Bastilha: é a festa da Federação, que reuniu em Paris cen te nas de delegações que vieram prestar ju ra m e n to “à nação, à lei e ao rei"; um gesto de c o n fian ça na unidade nacional.
V ocê se recorda de que a D eclaração dos D ire ito s do H om em e do cidadão havia sido
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aprovada em 2 8 de agosto de 1789 , pouco depois da Q ueda da Bastilha: trata-se de uma data im portan te , não so m en te na história da Revolução Francesa, m as tam bém na h istória da hum anidade...
— Isso nunca tinha sido fe ito antes?
- J á , m as não com a am plitude da declaração francesa. D esde as revoluções do século X V II, os ingleses t in h am um a declaração de direitos, m as não um a C o n stitu ição e scrita; durante a guerra de independência, os n orte-am erican os haviam redigido declarações nos diversos estados. M as a am bição do p ro je to francês já fica patente no títu lo “D eclaração dos D ireitos do H om em e do Cidadão": não apenas as garantias individuais, m as as garantias do cidadão, agente da vida política da cidade. D epois, no início, as palavras admiráveis: “O s hom ens nascem e perm anecem livres e iguais em direitos../'. Você percebe? N ão só os franceses de 178 9 , m as os h o m en s de todos os países e em to das as épocas. Para um tex to escrito bem no m eio dos acontecim entos revolucionários na França, a originalidade está exatam ente n essa p reten são à universalidade. A proclam a
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ção dos novos valores qu estion a a organização social do A n tig o R egim e. Você saberia defin ir o term o “valores” n esse sentido?
— E aquilo a que a g en te se sente ligado, em que con fia ...
— Nada mal. São as idéias básicas sobre as quais se apóiam os .homens que vivem em sociedade. E m p rim eiro lugar, a liberdade em suas d iferentes form as. A m ais sim ples é a liberdade individual, a liberdade de ir e vir e de agir, sem ser preso arb itrariam en te qu an d o não se faz nada de errado. O s in gleses foram os prim eiros a proclam á-la ... O s franceses a re to m aram assegurando a seg u rança do indivíduo. D epois vem a liberdade de p en sam en to , de crença e de religião. Você se recorda de que na França do A ntigo R e g im e a religião cató lica era a única a u to rizada, sendo, p od e-se dizer, obrigatória. No L este e no Sul, as com unidades judaicas t in h am um e s ta tu to hum ilh ante ; os p ro tes ta n tes , que se te n to u converter à força no final do século X V II im ped ind o-os de p raticar sua religião, haviam resistido em segredo, so b re tu d o nas regiões onde eram n u m e ro sos, co m o no Sul; porém , o recon h ecim en to de seu d ireito de culto, isto é, o reconheci-
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m e n to de sua ex istên c ia e de seu estado civil, acontecera recen tem en te , em 1788 . A D eclaração dos D ire itos afirm a que "n in guém pode ser im portunado por causa de suas opiniões, m esm o as re lig iosas".
— Que regra esquisita! Todo mundo tem direito de seguir a religião que quiser! M as não era assim?
s
- E que os revolucionários estavam co n sc ien tes do peso do passado, e, de fato, os cató licos e os p ro testan tes continuavam se enfrentand o no Sul. E m bora esses ú ltim os ten h am -se tornado cidadãos plenos im ediatam en te , passaram -se vários anos até que os ju d eu s fossem to ta lm en te em ancipados. M as a liberdade relig iosa é apenas um dos aspectos da liberdade de opinião e da liberdade de expressão, sendo seu prolongam ento natural... para nós. O A ntigo Regim e proi- bia-a com p letam en te . A Igreja denunciava os textos “im orais", anti-relig iosos ou libertinos, a realeza censurava tudo que pudesse atacar a figura do rei ou a ordem estab ele cida, a im prensa era vigiada e os livros cland estin os caçados. O s jo rn a is e os tablóides eram proibidos ou severam ente vigiados; e, no entanto, os anos que precederam a R evo
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lução assis tiram à m ultip licação de tex to s qu e abordavam tem as políticos. A D eclaração dos D ire itos proclam a a liberdade de exp ressão - isto é, a liberdade de im prensa — to m a n d o algum as precauções, m as os jo r nais se m ultip licam , sejam eles pró ou con- tra-revolucionários. Entre as liberdades p ro clam adas há um a que aprendem os a olhar co m u m pouco de reserva: é a liberdade de em preender, de produzir e de fabricar...
— Você desconfia disso?
— É que aprendemos, desde o século XVÏII, que a liberdade ab so lu ta n essa área pode se tornar u m e lem e n to de desigualdade e de op ressão dos m ais pobres, por causa da in fluência do dinheiro. Já naquela época havia duas v isões opostas. M uitos teóricos, e s ta distas e eco n o m istas (um term o inventado então) elogiam a liberdade: “Nada de interferência, nada de obstáculos”. Liberdade de circulação de produtos, em especial de cereais, em um país to ta lm en te com p artim en tad o por barreiras alfandegárias in ternas. L iberdade, para os grandes produtores agrícolas, de organizar o cultivo a seu modo/sem se subord in ar às regras da aldeia; liberdade, para os artesãos e com erciantes, de se estabelecer,
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eles que viviam sufocados pelos regulam entos das antigas corporações em crise... U m a liberd ad e ra tif icad a pela R ev o lu ção , que tom ará medidas para torná-la efetiva. Mas ou tra voz se faz ouvir: a dos grupos populares, tanto do cam po com o da cidade, que denu nciam a livre circulação de m ercad orias — considerada favorável à especulação
re je itam a liberdade de preços e exigem o “ta b e lam en to " , em prim eiro lugar dos cereais e do pão; verem os, nos anos seguintes, qual será o d esfecho disso. N o campo, as aldeias defendem seus d ireitos com u n itários; nas cidades, a crise au m en ta a h o stilidade dos m enos favorecidos contra os burgu eses : aqui, o p ro b le m a das liberdades associa-se , mas em term os contraditórios, ao da igualdade. C o m o vim os, ela foi proclamada em segundo lugar, depois da liberdade.
— Elas não andam jun tas?
- N ão com pletam ente. Tem os a liberdade de ser ricos... ou de ser pobres. Por terem lido os filósofos, com o Jean-Jacqu es Rousseau e seu Discurso sobre as origens e os fundam entos da desigualdade entre os homens, os revolucionários sabem m u ito bem disso. E les defendem a igualdade de direitos en tre os cida
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dãos: e essa liberdade é o resu ltad o da a b o lição das ordens na n oite de 4 de agosto . A m aio ria deles considera, porém , que não se deve m ex er com a desigualdade de riqueza, inevitável. É por isso que eles puseram a propriedade com o o terceiro d ireito fundam en ta l, um direito sagrado.
— Eu pen sava que fo s se a fratern idade.
- Isso foi o que nos d isseram , m as é no século X IX que a expressão clássica “Liberdade, igualdade, fraternidade” é consagrada, com o terceiro term o sendo acrescentado em 1 8 4 8 , por ocasião da Segunda República. A R evolução não ignora a fraternidade e a as- s is tên c ia aos m en os favorecidos, m as o direito de propriedade não é contestado, m esm o nas oficinas m odestas das cidades: o ideal é ser um p rod utor independ ente segundo suas p osses .
E s s a s p r o c la m a ç õ e s são a lin h ad a s na Declaração dos D ireitos sob o rótulo da soberania popular, exercida pela lei: “Um povo que não tem Constituição não é um povo livre”. Mas os deputados não esperaram a Constituição ficar pronta para se dedicar à tarefa de reform ar toda a estrutura da França...
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Eles recon stru íram o país de cim a a baixo: não apenas por m eio de um esforço de m odernização, co m o diríam os nós, mas s o bre novas bases. Su bstitu íram a m iscelânea de esferas adm inistrativas, jud iciais e financeiras sobrepostas por um a divisão única em d epartam entos de área equivalente, subdivididos em distritos, estes em cantões e, fin alm ente , em com u n as. U m a trabalheira! C hegou -se a pensar em dividir a França de m aneira geom étrica, com o os Estados U nidos da América do Norte, mas finalmente acabou se respeitando a geografia, e os departamentos conheceram um belo futuro. As novas unidades adm inistrativas foram instaladas nesse contexto, e é ali, na pirâmide dos p o deres, que se m an ifesta o espírito da R evolução: tendo por base as câm aras m unicipais, elegiam-se as assembléias e os diretórios distritais , em b ora o governador tivesse um procurador síndico para representá-lo . Se quiserm os comparar, poderíam os dizer que o sistem a era bastante descentralizado e delegava o poder aos cidadãos...
— É isso a dem ocracia?
- Devagar, senão você corre o risco de ficar desapontada quando completarmos o qua
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dro. E m cada departam ento, as assem bléias locais deviam eleger deputados que p artic ip ariam da A ssem b lé ia Legislativa, a qual substituiria a A ssem bléia Constituinte quando e s ta tivesse com pletado sua m issão. M as q u em eram esses cidadãos?
- Você j á d isse: todos os franceses...
- B em , não... de início fica de fora m e ta de dos adultos, as m ulheres, que não têm d ire ito de voto; não pod em os esqu ecer de re to m a r esse assunto . Por outro, os deputados — por in term éd io do abade Sieyès - e x p licaram que, em b o ra todos fossem cidadãos, alguns deles, os cidadãos ativos, eram m ais cidadãos que os outros, os cidadãos passivos. As ordens não ex istiam m ais, porém assistia -se ao surgim ento de classes de acordo co m a riqueza, já que era preciso pagar um im p o sto equivalente a três dias de tra balho para ser ao m enos considerado cidadão ativo e, d essa forma, poder votar nas e le içõ es locais e nacionais. E era preciso ser ainda m ais rico para ser elegível, quer dizer, para poder ser eleito. Estou sim plificando, m as o princípio é claro: trata-se do sufrágio (m odo de eleição) censitário (de acordo com a r iqu eza). A barreira entre ativos e pas
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so
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sivos não era m u ito elevada, m as ela excluía pelo m en os m etade dos franceses, evidentem en te das classes populares.
— É injusto ... E todo mundo concordava?
— Não, já havia alguns deputados que defendiam a dem ocracia , com o Grégoire e Ro- bespierre, dos quais falarem os mais adiante. N o início, n inguém dava ouvidos a eles; com o passar do tem po, as idéias d em ocráticas se d issem inaram . E xam in em os rapidam en te as outras reform as - de maneira meio arbitrária, m as o tem p o é curto - , pois não pod em os perder o fio da Revolução!
A ju stiça foi com p letam ente reformulada, sob novos parâm etros: os ju izes passaram a ser e leitos. N a base, os ju izes de paz reso lviam os casos mais simples. A novidade mais im portan te foi a reform a dos castigos e das penas; a tortu ra foi abolida e os suplícios, geralm en te horríveis, do A n tig o Regim e fo ram proibidos: foi com um propósito hum anitário que um deputado altru ísta cham ado G uillotin fez que fosse adotada uma nova m áquina para elim inar os crim inosos; ao decepar a cabeça em um piscar de olhos, a guilh o tin a p re ten d ia evitar tod o so frim en to inútil.
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— Q ue horror!
— C om certeza, ainda m ais se form os ver a m an eira d escon tro lad a com o foi em pregada nos anos segu intes e m esm o (m u ito m ais d iscre tam en te ) até n ossos dias, há apenas 25 an os. A pena de m orte é repugnante, e já n aq u ela ép oca havia um deputado que e x igia sua abolição , R ob esp ierre , m as ele era um a voz isolada.
— E os im postos?
— A s finanças, que haviam rep resen tad o a prin cip al causa de abalo da m onarqu ia, tam b ém passaram por um a reform ulação. B asead o n isso , foi proclam ada a igualdade tr ib u tária e estab elecid as novas co n trib u ições sob re a propriedade da terra, os bens m o b iliá rio s e o com ércio , e lim in an d o -se a gabela e os outros im postos im populares. Os fran ceses não tiveram p ressa em pagar, m as os d ep u tad os im ed iatam en te en con traram um a form a de obter recursos, apelando à em issão de pap el-m oed a, ao qual deram o nom e de assignat (um a espécie de bônus do T esou ro ). E le su b stitu iu a m oeda m etálica - de ou ro , prata ou ou tro m etal - por notas que acab aram se d esv alorizan d o com incrível rapidez, criando um en orm e problem a.
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— M as esse papel não valia n ada!— N ão fique indignada: n o ssas cédulas
tam bém não valem nada, m as nós estam os aco stu m ad o s com elas. Falando sério : no com eço os assignats tin h am a caução (quer dizer que seu valor era garantido) de uma riqueza considerável, ou seja, os bens do clero, que, com o d issem os, representavam mais de 2 0 % das terras do país. Um verdadeiro tesou ro qu e os co n stitu in tes decidiram “nac io n a lizar", v en d en d o-o por p artes em p roveito da nação: um a operação gigantesca.
— E isso estava certo?~ N ão há dúvida de que os m em bros do
clero p rotestaram , assim com o protestaram todos aqu eles que eram con tra a Revolução, v isto que a riqueza do clero tam bém se d estinava à m an u ten ção de h osp ita is e escolas. Para resp on d er à p erg u n ta cen tra l: “do que os padres vão viver dali em d ia n te?”, a A ssem bléia decidiu tran sform á-los em funcionários p ú blicos assalariad os, criando assim um clero n acional; com isso os prelados im p ortan tes saíam perd end o e m u ito s padres ganhavam, m as esse não era o problem a mais grave. A o se tornar fu ncionários, os párocos eram obrigados, pelo m en os, a p restar um ju ra m en to de fidelidade “À nação, à lei e ao
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re i” . E sse ju ra m en to cívico criava-lhes um p rob lem a de con sciên cia , tan to m ais difícil que a autoridade suprem a da Igreja - refiro- m e ao papa Pio VI, que ficava em R om a —, após ter dem orado a se m anifestar, havia cond enad o de m an eira categórica os ataqu es à sua prerrogativa en carn ad os não apenas no ju ra m e n to m as tam bém nos princíp ios fund am en tais da R evolução (as liberdades, s o bretu d o a liberdade relig iosa e a laicização do E stad o). D iante do ju ram en to o b rig ató rio , o clero d ividiu-se: 5 1 % prestaram o ju ram en to e 4 9 % se recu saram a prestá-lo ; de um lado, os padres co n stitu cio n a listas ou a ju ram en tad o s (que aprovam a C o n stitu ição civil, isto é, a nova organização do c le ro ), de ou tro , os padres refratários. É o que ch am am o s de cism a, um a ruptura profunda qu e divide não apenas o clero m as tam bém a pop ulação . Pois o m apa dos “favoráveis” e dos “c o n trá rio s” nos m o stra um a França dividida, com regiões obed ecend o ao E sta do e o u tras v io len tam en te h ostis a ele, s o b retu d o no O este do país.
— H ostis a quê?
~ H o stis à R evolução, em últim a an álise: o co n flito re lig ioso é tam b ém um co n flito
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político , e isso vai chegar até a revolta aberta nas províncias, n otad am ente na Vendéia (no litoral A tlân tico , ao sul da Bretanha)., onde m ais tarde, em 1 7 9 3 , exp lod irá a guerra civil. E x istem diversas ou tras causas tam bém , m as a d efesa da relig ião e da contra-revolu - ção vão se som ar em um con flito feroz, m arcado p or m assacres, sobre o qual v oltarem os a falar.
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C apítulo 4A q u e d a d a m o n a r q u i a
— É a religião que f a z a R evolução se desencam inhar?
- N ão é só ela, e é in ju s to acu sar os rev olu cio n ário s de haver co m etid o m ais do que um excesso lam entável (com o diríam os h o je ) , um enorm e erro. Na verdade, nesse m om ento a cham ada contra-revolu ção já está ativa e organizada: os príncipes e nobres que partiram para o exterior conspiravam contra o novo regim e organizando com p lôs no in terior do país, apoiados pelos reis da Europa m onárquica, m uitos deles, aliás, prim os dos B ourbon . É o caso, por exem plo, da Prússia,
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do im perador (da Á u stria e do S an to Im pério R om ano-G erm ânico , atual A lem anha), cunhado de Luís X V I por parte da irm ã, M aria A ntonieta, rainha da França, que era od iada e cham ada de “a u stríaca", e sobre q u em recaía a su sp eita de in flu en ciar o m arido.
— N ão é um pouco injusto?- H avia um a porção de m otivos, b o n s e
m aus, para não se gostar dela, e a su sp eita não estava errada. D esd e o in ício co n trário s à R evolução , sem d eixar de m an ter as aparências, o rei e a rainha d ecid iram fugir, a ju dados p or um a rede de aristocratas: ten d o partid o no dia 2 0 de ju n h o de 1 7 9 1 , d everiam alcan çar a fro n te ira n ord este do país para, com o au xílio dos o u tros so b eran o s europeus, organizar a recon qu ista da França. M as e les foram recon h ecid os d urante a v iagem , d etid os quando passavam pela cida- d ezinha de V arennes e cond uzid os a Paris. Trata-se de um a crise im portante que, de certo p o n to de vista, m arca u m a virada na h is tória da revolução.
— Quer dizer que Luís XVI era tão burro a ponto de se d eixar prender desse je ito?
- E le era, an tes de tudo, um guloso. Im a gine tod a a fam ília real escapand o à n o ite
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do palácio pelos su b terrân eo s, tod os d isfarçados, em um a carruagem b em lenta . D epois o rei se a trasa com en d o na h osp edaria- diziam que ele gostava de com er e beber bem . E aí são recon h ecid os e d etidos pelo p atrio ta D ro u et... era n o ite de lua ch eia ... M u itos se puseram a especu lar: e se o rei não fosse tão guloso? E o que teria a co n te cid o se a fuga tiv esse dado certo? E x iste na R evolução um m ovim en to geral qu e reduz a im p ortân cia dos aco n tec im en to s propriam en te d itos. Pode-se consid erar que, de um m odo ou de ou tro , a crise teria explodido. Será que os d etalhes h istó rico s são tão im p o rtan tes?
~ M as com o as pessoas reagiram ?
- O s “p o líticos” da A ssem b léia ficam perplexos: bem no m om ento em que eles e s tavam acabando de redigir a C on stitu ição , o rei falta seu com p rom isso ! E les restab elecem a relação com o fugitivo e o recolocam no tron o, pois ele deverá dar sua aprovação (ratificação) ao te x to deles. Porém , a cólera da população au m enta; para m u itos, a im agem do rei está d efin itivam en te co m p rom etida, e do lado dos p atrio tas ganha corpo o pro jeto de destroná-lo para estab elecer um a
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repú blica. O s c lu b es de Paris lançam um a p etição : quando ela é ap resen tad a no d ia 17 de ju lh o de 1 7 9 1 , as au toridad es - o p refe ito Bailly e Lafayette, com and ante da Guarda N acional - atiram nos m an ifestan tes. O b je to de d isputa de m oderad os e d em ocratas que se reúnem no C lu b e dos Ja co b in o s e o con tro lam , o m ovim en to revolu cion ário se divide en tre os que d ese jam p rosseg u ir a m arch a da R evolu ção e os que d ese jam te r m in á-la .
Q uand o a nova A ssem b lé ia — que su b stitui a C onstitu inte com o nom e de A ssem bléia Legislativa, encarregada de fazer as leis - se reúne no dia I o de o u tu b ro de 1 7 9 1 , tod os se vêem diante de um a d ecisão cru cial: que opção esco lh erá a A ssem b léia? A paz ou a gu erra? Isso p orqu e o im perador, o rei da P rú ssia e a czarina da R ú ssia haviam p erce bido o qu an to era p erigoso o exem p lo revolucionário da França. D epois de Varennes, eles m u ltip licam as am eaças; a França está dividida: o rei e os contra-revolucionários defendem a guerra, pois esperam que o país se ja facilm en te con q u istad o ; os m oderados (ch am ad os de b ern ard in o s, por cau sa do nom e do antigo con v en to onde in sta laram
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seu clube) h esitam , pois sen tem que se trata de um a arm adilha. É no C lube dos Jacob in os que se en fren tam duas personalid ad es do m ovim en to revolu cionário : B risso t, jo rn a lista e deputado, que assu m e na A ssem b léia a liderança dos "b r is s o tis ta s ” (m ais tarde "g iron d in os”) contra R obesp ierre, dem ocrata respeitado, o “In corru p tív el”. O prim eiro prega a guerra, para d esm ascarar a traição do rei e assegu rar a exp an são francesa na Europa; o segundo adverte co n tra os riscos da aventura. Q uem leva a m elhor na tribu n a é B risso t: no dia 2 0 de abril de 1 7 9 2 , Luís X V I encam inha, por in term éd io de seus m in istros, a d eclaração de guerra ao im perador, que receberá o apoio do rei da Prússia (e da R ú s s ia ) .
C om o era de se esperar, o in ício da guerra foi d esastro so ...
— Por quê? A França não era um país poderoso?- E la estava p rofu nd am en te dividida. Por
causa da em igração, o exército real havia perdido a m aioria de seus oficiais, estava d esorganizado, e os b ata lh ões de v o lu n tários que haviam sido recru tad os ainda eram in ex p erien tes. A s fronteiras foram am eaçadas e em pouco tem po invadidas.
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A situação era dram ática: os tum ultos m ultiplicavam -se pelo país; acusavam-se os aristocratas, os em igrantes e os padres. O rei usava de artim an h as: em um dia se cercava de m in istro s jaco b in o s, para desp edi-los no dia seguinte; os am igos de B risso t não sabiam para qu e lado se voltar, en qu an to o povo en d u recia suas p osições - em Paris, é claro, m as tam b ém no restan te do país. B ata lh õ es de “fed erad os" p artiram de M arselh a e de ou tros lugares em d ireção a Paris para m o n tar um acam p am en to e defender a capital; v ieram a pé, é verdade, m as vieram can tan do! A canção que os provençais entoavam e tern izo u -se : é a M arselhesa, que exalta a liberdade e a pátria: “A vante, filhos da pátria, o dia g lorioso ch e g o u ...”. Em ju lh o de 1 7 9 2 , houve u m a p roclam ação nas praças p ú b licas: “a pátria corre p erigo”. Q uando os e x é rc ito s in im ig os p en etraram p rofu nd am en te no N orte e no L este da França, a raiva v oltou -se con tra o rei. A população de Paris ten tara, em vão, in tim id á-lo no dia 2 0 de ju n h o de 1 7 9 2 , invadindo seu palácio. A segunda ten ta tiv a deu certo : no dia 10 de agosto de 1 7 9 2 , os federados, os soldados da G uarda N acion al e os revolu cion ários sitiaram o pa
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lácio real das Tulherias, que era defendido pelos guardas su íços...
- Por que suíços?
- H á m u itos sécu los a realeza recrutava sua guarda na Suíça (com o o papa faz até h oje ! ) . E m bora ten h am p erm an ecid o fiéis ao rei, esses soldados p ro fission ais foram m assacrados...
~ M ais violência! E o que aconteceu ao rei e a sua fam ília?
- M as o ataque tam bém fez m uitas vítim as entre os patriotas. A m onarqu ia co n stitucional foi derrubada pela força porque nunca aceitou, de verdade, a Revolução. Luís XVI e a fam ília - a rainha M aria A n ton ieta e seus filhos — ficaram presos à espera do julgam ento do rei. M ais um a reviravolta, dirá você...
- De fa to . M as o que aconteceu? Foi o f im da realeza?
- Sim . U m a m on arqu ia de m ais de mil anos chegava ao fim . A lgum as im agen s fortes se so b ressaem de im ediato .
Em p rim eiro lugar, o povo é que sai v ito rioso. E le estava presente desde a Q ueda da Bastilha, e até antes. M as agora ele está m ais
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preparado e organizado, co n scie n te de sua força. O sans-culotte p arisien se (tam b ém p resen te n o restan te do país) se vê co m o re p resen tan te do povo m obilizad o em d efesa da R evolução.
4. U m sans-culotte.
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- P or qu e e les sã o c h a m a d o s d e " s a n s - c u lo t te s ”?
— Porque a roupa deles é d iferente: em vez do calção até o jo e lh o e das m eias usadas p elos bu rgu eses e aristo cra tas, eles vestem um a calça (geralm en te listrad a) — é daí o apelido, in ic ia lm en te d epreciativo, mas que depois será m otivo de orgulho para eles. Vestem tam bém um p eq u en o co le te , a carm a- n hola, e trazem na cabeça o b arrete frígio (um a boina verm elha) da liberd ade com a insígnia...
— C arm an hola , isso não me é estranho ...- L em bra a Itália , de onde se originou, a
cidade de C arm agnola, m as era um a roupa usada pela gen te do povo. Ia m e esq u ecen do: falta, na descrição, o sabre e o pique, uma lança com p on ta de m etal.
— Pensei que o p ique fo sse uma coisa da Idade M édia ... eles não tinham fuzil?
- N ão havia fuzil em quantidade suficiente. O sans-culotte confiava n essa arm a para d efen d er sua liberdade e a dos ou tros. Ele é um m ilitan te que à n o ite p articip a das assem bléias de bairro (as sessõ es), lê os cartazes e os jo rn a is , o que não o im pede de ser um bom pai de fam ília e trabalhador...
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H á um bom n ú m ero de bu rgu eses n essas assem bléias — ou executivos, com o diríam os h o je —, e tam b ém assa lariad o s, m as p elo m enos m etade dos participantes, o núcleo duro, é com p osta por artesãos e pequenos com erciantes in depend entes. O sans-culotte está com p rom etid o com a liberdade, a igualdade (não gosta dos r ico s), a solidariedade e a virtude. E le am a a p átria e lu ta pela d em ocracia, que ele qu er exercer d iretam en te.
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Capítulo 5A P r i m e i r a R e p ú b l i c a
— O povo venceu. É o fim da m onarquia?
— N ão exatam en te . D erru bad a a realeza, o que fazer? A segunda im agem que se im põe é a da R ep ública. Em 1 7 9 1 , a idéia de R ep ú b lica havia sido in ten sam en te d ebatida, e m u itos p atrio tas não acreditavam que ela fosse possível. Porém ela irá se im por a e les: em setem b ro de 1 7 9 2 a A ssem b léia Legislativa se divide para preparar sua su cessão. Isso receberá o n om e de C onvenção, um a assem b léia e le ita d esta vez pelo sufrágio universal, isto é> por tod os os hom ens adultos.
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— E as mulheres?- S in to m u ito , ainda não foi d essa vez.
A liás, não foi nada fácil organizar o voto , m as o princíp io estava co rreto . R eu n id a em setem b ro de 1 7 9 2 ,.a nova A ssem bléia teve de tom ar im ed iatam ente um a decisão: que nom e dar ao novo regim e? U m m o m en to de hesitação... e logo ele se impõe: no dia 21 de setem bro, a R ep ública é proclam ada. O patrio ta sim p les do in terio r se alegra: “É o regim e m ais natural para o gênero h u m an o ”.
Faltava co n stru í-la e, an tes de m ais nada, d efend ê-la : a terce ira im agem é a de Valmy, um a p equen a aldeia da C ham panha, no L este da França. A pós terem conquistad o as fortifica çõ es da fro n te ira , os in im ig os - são
/p ru ssian os - p en etraram até Valmy. E um ex ército resp eitad o que, em m em ória do rei Fred erico II que o tran sform ou em um ex érc ito m od elo , faz evolu ções no terren o com o se estiv esse em um a parada. D ian te dele, ao pé de um m oinho, o ex ército francês: alguns reg im en tos antigos, ou tros form ados por jo vens v o lu n tários co m p letam en te “v erd es”, co m o se diz. Será que, com o acred ita o o u tro lado, e les irão debandar? U m tiro de canhão. Im passíveis, eles gritam : “Viva a n aç ã o !” . O rei da P rú ssia e seus generais não
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in sis tem e in iciam a retirada. U m a pequena batalh a, é verdade, m as um a grande vitória. G oeth e, o grande p oeta alem ão, que te s te m u nhou a cena, escreveu qu e um a nova página se abria na h istó ria da hum anidade. A festa da Fed eração de 1 7 9 0 havia celebrado a N ação; Valm y faz surgir a Pátria, que não é ex a tam en te a m esm a coisa.
— Q ual é a diferença?
- A P átria é aqu ilo que trazem os no co ração.
O povo, a R ep ú blica , a p átria ... Já estava m e em polgando! N a verdade, as coisas não vão nada bem , e logo vão ficar ainda piores.
A nova A ssem b léia , a C onvenção, divid iu -se rap id am en te em dois grupos rivais, em bora, en tre e les, m u ito s deputados do cen tro (cham ad o de “P lan íc ie”) relu tassem em tom ar um a posição. A iniciativa coube inicialm ente aos girondinos, os antigos bris- so tistas. Para sim p lificar: an tes à esquerda, eles agora estavam à d ireita. G eralm ente jo vens e brilhantes, Brissot, Vergniaud, Guadet- acho m elh o r parar, você não vai conseguir guardar todos esses n om es —, são burgueses m uitas vezes provenientes de im portantes cidades portuárias m ercantis, com o Bordeaux,
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na G iron d a, de onde veio o n om e. Ligados à R ev olu ção e a suas co n q u istas, e les agora qu eriam en cerrá-la , com m edo de serem u ltrap assad os pelo m o v im en to pop u lar dos sans-culottes, que d om ín a Paris e as ou tras grandes cidades do país. E les estão a te rro rizados com os e x cesso s d esse m ovim en to , que às vezes term in am em m assacre (com o o de Paris, em setem b ro de 1 7 9 2 ), e, acim a de tudo, com suas reivindicações sociais e políticas. Seu s adversários, os partidários da M ontanha, tam bém são de origem burguesa, m as estavam convencidos de que a R evolu ção só daria certo caso se apoiasse no m ovim en to popular e levasse em conta suas aspiraçõ es. A p esar do n om e, e les não vêm de n en h u m a reg ião de m o n tan h a ; o qu e aco n te ce é qu e e les se in sta la ram n os b an cos qu e ficavam na parte m ais alta da sala onde tran sco rriam as sessõ es. E les tam b ém co n tam com personalidades de d estaqu es com o R o b esp ierre , S a in t-Ju st e M arat. M as voltarem os a falar deles.
A d iferen ça en tre e les surgiu na terrível provação rep resen tad a pelo p rocesso e co n d en ação à m orte de Luís X V I, execu tad o no dia 21 de ja n e iro de 1 7 9 3 . Q ue d estin o d everia te r sid o dado ao rei?
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- Ele não poderia ter sido sim plesm ente preso ou ex ilado , sem que se precisasse executá-lo?
- Foram essas so luções que os girondinosten taram d efen d er por o casião do grandedebate que teve lugar na Convenção. Mas LuísXV I tinha traido o pais e se correspondido como in im ig o ... O s p orta-v ozes da M on tan had isseram que se o rei p erm an ecesse vivo a
/França estaria am eaçada: “E preciso que Luís m orra para que a República viva", e seu ponto de v ista saiu vencedor. A m o rte de Luís X V I na guilhotina, em 21 de jan eiro de 1793 , acabaria ten d o sérias co n seq ü ên cias .
A pós a v itória in esp erad a em Valmy, os exércitos franceses tinham conquistad o im portantes vitórias no exterior. N o Sul, haviam ocupado e anexado à Fran ça a Sabóia e o condado de N ice, to m an d o -o s do rei do P iem on te; no N orte, a B élg ica e parte da m argem esquerda do R eno. Veio en tão a fase das d errotas, e no dia seg u in te à m o rte do rei a Inglaterra, a H olanda e a E sp an h a se ju n ta ram aos in im igos, form and o o qu e ficou c o nhecid o com o a p rim eira coalizão : no verão de 1 7 93 , as fron teiras en con trav am -se m ais um a vez am eaçadas. É n esse m o m en to que, na Vendéia, a O este do país, estou ra a guerra civil a que já m e referi de passagem . R eb e
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lados em m arço de 1 793 co n tra a R ep ú b lica, os cam p on eses in ic ia lm en te o b têm v itó rias im p ortan tes. E ssas atribulações au m en tavam a ten são nas cidades, sob retu d o em Paris, onde o con flito en tre girondínos e partid ários da M on tan h a se agravava. E m p ou cas palavras, digam os que os girondinos não estiveram à a ltu ra dos perigos que tin h am enfrentado quando d esejaram a guerra. A aliança en tre o Partido da M on tan h a e o povo das seçõ es de Paris conduziu à jo rn ad a re v o lu c io n á r ia d e 2 de ju n h o d e 1 7 9 3 , qu ando a C onvenção, sitiada pelos in su r- retos, decid iu d eter e ap rision ar os p rin cipais deputados da G ironda: é o que se cham a de golpe de E stad o - e esse tam b ém rep resen ta um m o m en to im p ortan te na m arch a da R evolução.
— Isso mudou o quê?
- Em prim eiro lugar, a guerra civil piorou, pois os partid ários dos g irond inos su blev aram , por sua vez, cidades e regiões co n tra o que e les denunciavam com o a d itadura de Paris so b re o restan te do país. É o que ficou co n h ecid o com o in su rre ição " fe d e ra lis ta ” (em op osição ao cen tra lism o da cap ita l). A N orm andia, B ord eau x, Lyon e M arselh a se
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insurgiram , e Toulon, um p orto do M ed iterrâneo, ren d eu -se aos in gleses*.. D epois foi p reciso su b ju gar e até reco n q u istar Lyon e Toulon por m eio de um cerco rigoroso; isso provocou represálias severas, por vezes ex ecu ções em m assa e em igração . O sangue corre na R ep ú b lica : para e n fren ta r todos esses perigos, as liberd ades são suspensas, e é in stalad o um governo ~ o governo de salvação nacional - cu ja arm a será o Terror.
— Confesso que estou desorien tada . A Revolução significava a liberdade e o f im das injustiças. Será que era preciso acontecer tudo isso?
— C on tin u am os com essa dúvida. A lguns acreditam que era um a d ecorrência natural - e, por assim dizer, fatal - do que acontecera desde 1 7 8 9 , e deveria levar à ditadura. O u tros, en tre os quais m e in clu o , avaliam que aqu eles que assu m iram suas resp on sab ilidades e se apoiaram no m o v im en to popular, com o os partid ários da M ontanha, tiveram a coragem de en fren tar circu n stân cias terríveis, e, a esse preço, salvaram a R evolução. A n tes, porém , de lhes dar razão ou de desaprová-los, v e jam os o que se passa.
A nova A ssem b léia , a C onvenção, organiza um com itê de Salvação P ú blica do qual
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fazem parte os dirigentes da M ontanha, D an- ton e, em ju lh o de 1 7 9 3 , R o b esp ierre , em um to ta l de doze - co m o não é possível c itar o nom e de todos, m encionarei Sain t-Just,b astan te jov em , C o u th on e C arnot, que tor-
/n a-se resp onsável pelos exército s. E um g o verno de salvação pública; assim , eles d ispõem de p lenos poderes. O governo retom a o co n tro le do país, envia deputados a todas as reg iões com o “rep resen tan tes em m issã o ”, ap oian d o-se nos C lu bes Ja co b in o s lo cais e nos C om itês de V igilância. E les geralm en te agiam com severidade, m as alguns en tre e les abu saram do poder e im p lan tavam um a p o lítica de Terror sanguinária.
— O que é o Terror?— O Terror, que se torn ou oficial d urante
certo tem po, é o in stru m en to usado para rep rim ir a con tra-rev olu ção . P ren d em -se os cidadãos consid erad os su sp eitos e in stitu i- se um Tribunal Revolucionário em Paris, que ju lg a de m an eira su m ária e envia m ilhares de p essoas à g u ilh otin a : depois do rei, a ra inha M aria A ntonieta, aristocratas, sobretudo, m as tam b ém n eg o c ia n te s r ico s, pad res e p esso as sim p les das reg iões em con flito . Na Vendéia, quando chegou a hora da reconquis-
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ta, “colu n as d iab ó licas” de soldados repub lican os in cen d iaram as aldeias e co m ete ram assassin ato s. Q u an to s m o rto s? N a guilh otina, sem dúvida por volta de d ezesseis m il, m as as ex ecu çõ es coletivas devem aum entar b astan te esse núm ero. A proxim ad am ente 130 m il só na Vendéia, em bora se diga que foi m u ito m ais.
✓E a parte som b ria e m esm o terrível desse
período da R evolução, m as é p reciso levar em co n ta o o u tro lado d essa política .
O governo revolu cion ário foi obrigado a atend er às n ecessid ad es m ais u rgentes da população: a escassez de víveres, a alta dos preços, a m iséria . E le aplicou a so lu ção autoritária exig id a pelos p orta-vozes do povo, o tab elam en to , ou se ja , um preço m áxim o para o pão, depois para todos os gêneros a lim entícios e m ais tarde tam bém para os salários, o que não agradou tan to aos operários. Confiscou, enviou contingentes do exército revolucionário para vasculhar as fazendas... E ssa p o lítica alcan çou certa eficácia.
— E a guerra? Será que ela continua?— Sim , e para apoiar o esforço de guerra
nas fron teiras, que era sua preocupação, o governo revolu cion ário abriu fábricas de sa
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patos e roupas, m anufaturas de arm as e fund ições de can h ões.
E le tam b ém pôs em p rática um a p olítica social para cuidar dos m en os favorecidos, dos in d ig en tes e das viúvas dos soldados, aos quais procurou assistir. N a prim avera de 1 7 9 1 , S a in t-Ju st su b m ete à votação a d istribuição dos bens dos suspeitos para as pessoas m ais m iseráv eis das com u n as. D everia ser ab erto um grande livro de reg istro ... m as não houve tem po para aplicar a m edida: após a venda dos bens do clero (e dos em igrados), essa teria sido a m ais au d aciosa das tran sform ações socia is .
A co n tece que R o b esp ierre e seus am igos não são tiran os sangu in ários; além do fato de terem reagido às c ircu n stân cias, eles têm um grande ideal: fundar a R ep ública regen erando seu s cidadãos. E les ten tam im p lan tar um a pedagogia rep u blicana por m eio de tex to s e do d iscu rso . N ão perdem de v ista a co n stru ção do ideal d em ocrático : e é durante esse períod o que a C onvenção d ecreta o fim da escravidão nas colônias francesas, dando continu idad e à m ensagem de em ancipação da D eclaração dos D ireitos do H om em . E sse é um assu n to qu e eu não tin h a ab ordado, p ois há tan ta co isa para dizer...
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Esboço de Robespierre feito ao vivo. (Desenho de Gros.)
M ich e l VoveIJe
Im agin e tam b ém que a C on ven ção teve a ou sad ia de ten tar m odificar in te iram en te o tem p o e o esp aço ...
— Isso quer d izer o quê?— E m relação ao espaço? A n tes de 1 7 8 9 ,
havia m il e um a m aneiras de medir, pois cada região m edia as superfícies e os volum es de acordo com suas tradições. A C onvenção en carregou os cientistas de criar um instrum ento de m edida único, universal, válido para todos: surgiu en tão o m etro, a décim a m ilion ésim a parte de um quarto do m erid iano terrestre ...
— Tenha dó, j á não estou entendendo m ais nada... Q ual a im portância disso?
— Sem en trar em d etalhes, d igam os que se trata de um a m edida qu e se refere, teo ricam en te , ao espaço terrestre . C om o m etro , as su p erfícies e os volu m es foram u n iform izados em term os de com p rim en to : é o que co n h ecem o s com o sistem a m étrico (e d ecim al qu e, apesar da resis tên cia dos anglo- saxões, im p ôs-se em tod o o m undo. É claro que na França tam b ém houve resistên cia . N esse terren o , porém , a R evolução saiu v ito riosa; m as isso não aconteceu com a reform a do tem p o. O s con v en cion ais q u iseram “la ic iz a r” su a m edida e lim in an d o a re ferên cia
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ao calen d ário cristão , com suas festas, santos e duração da sem an a. O calend ário republicano dividia o ano em m eses de trinta dias, cada um com três décadas (e um pequeno acrésc im o de c in co d ias no f in a l...) . E les deram n om es b a sta n te p o ético s aos m eses, re la c io n a n d o -o s à n a tu rez a e às estaçõ es: v in d em iário (se tem b ro , qu e no h em isfério N o rte é o m ês das c o lh e ita s ou v in d im as); b ru m á rio (o u to n o no h e m is fé r io N orte , ép oca das b ru m a s); frim ário (n o v em b ro - d ezem bro , períod o em que, no h em isfério N orte, ocorrem as geadas e o tem po esfria )... Você pode se e x e rc ita r ten ta n d o d escobrir o sign ificad o de cada um d eles, assim com o o s ig n ificad o dos n o m es dos dias, tam bém inspirados nos trabalhos do h om em e da natu reza. O s anos eram con tad os a partir dos p rim órd ios da R ep ú b lica , em setem b ro de 1 7 9 2 : ano I, ano II, a té o ano XIV, quando o im perador N apoleão suprim iu o sistem a e retom ou o calen d ário cristão .
— Você parece que tem saudade desse calendário.— S in to carin h o por ele. Em vez de so
nhar, p orém , é p reciso recon h ecer: esse fracasso representa tam bém o fracasso de outra aventura, a da d escristian ização tentad a no
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ano II. Ela assum e um lugar à parte no período do Terror, pois não era, propriam ente falando, um a in iciativa do governo de salvação pública. N ão que a religião existen te gozasse de grande sim p atia : desde a divisão da Igreja — o cism a - em 1 7 9 1 , os padres refratários h a viam sido con sid erad os su sp eitos e deportados, cúm plices da aristocracia. Em Paris e em certas reg iões havia um profundo an- tic lerica lism o . N o ou to n o de 1 7 9 3 , cidades in te iras reso lveram se “livrar dos pad res” e criar suas próprias “igre jas”. Em Paris, o b is po G obel ap resen to u -se peran te a C onvenção para renu nciar à sua condição de sacerdote, e a catedral, transform ada em tem plo da Razão, acolheu a cerim ôn ia onde a deusa R azão era representad a por um a atriz... N o interior, o m ov im en to esp alh ou -se por todo o país: o m ais esp etacu lar eram as “abdicações” dos padres - talvez vinte mil - e os d esfiles de carnaval com os o b je to s sagrados. C om um êx ito desigual, o p rocesso de d escristian ização era levado a cabo por m ilita n te s re v o lu c io n á r io s p ro g re s s is ta s , os m esm o s que, p or o u tro lado, d efendiam as m edidas p o líticas e socia is radicais. M as, na Convenção, Robespierre e seu grupo não eram da m esm a opinião: eles recusavam o ateísm o
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(isto é, a re je ição de tod as as re lig iões) que estava por trás do culto da Razão. Assim como a maioria de seus contem porâneos, Robespierre continuava "d e ísta ”, p ois, para ele, era fund am ental a ex istê n cia de um Ser suprem o capaz de recom p en sar os bons e punir os m aus para que a V irtud e triu n fasse. Essa v irtude era a ú nica ju stifica tiv a para aplicar o Terror: pois, o que é o Terror sem a virtude? Você en ten d e seu raciocín io , ou m elhor, sua crença?
— Estou tentando, m as não percebo com o isso pode acabar... O que ele vai fazer?
— R obesp ierre conseguiu aprovar na C on venção o reco n h ecim en to da im ortalidade da alm a, o que desagradou a m u ita gente. N o dia 8 de ju n h o de 1 7 9 4 , ele celeb ra em Paris e em toda a França a festa do Ser su p rem o, sem dúvida um a das m ais belas de toda a R evolução, e sua ap o teo se ... m as seu d estin o já estava traçado.
— Com o assim?/
— E p reciso voltar um pou co no tem po: o vigor do C o m itê de Salvação Pública preservou as fron teiras, os ex érc ito s repu blicanos retom aram a ofensiva e a ordem foi restabelecida na França. Para isso, porém , foi preciso
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M iche l Vovelle
co n tro la r o m o v im en to popular dos sans- culottes, su p rim ir suas assem b léias e afastar seus líderes m ais d estacad os, os h eb ertistas (receb eram esse nom e por causa de H ébert, um jo rn a lis ta p op u lar): foram acusad os de conspiração e execu tad os em m arço de 1 794 (Ventoso, ano I I ) . Para conseguir isso, Robes- p ierre teve de co n tar com o apoio dos “In d u lgentes”, um grupo que, ao contrário, considerava que a R evolu ção tin h a ido longe dem ais e era preciso pôr fim ao Terror. O m ais fam oso deles, D anton , acabará, por sua vez, sendo ju lgad o pelo Tribunal R evolu cion ário e depois executado. É o que se cham a a queda das “facçõ es”. O m ecan ism o do Terror acelera-se; a gu ilhotina faz um núm ero cada vez m aior de v ítim as, en qu an to m u itos d esejam o fim da R evolução. S a in t-Ju st escreve: “A R ev olu ção está p aralisad a”.
— M as você não disse que ele era am igo de Ro- bespierre?
- E um am igo fiel: em torno do “Incorruptív e l”, p orém , os lu gares vão ficando vazios. O s m od erad os da C on ven ção estão d esan im ados; os deputados corruptos ou por vezes com p rom etid os com os excessos do Terror tem em pela própria vida. Eles preparam um a
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con sp iração co n tra R o b esp ierre e seus aliados: no dia 9 de Term idor, na A ssem bléia, im pedido de falar, o "In co rru p tív el” tem sua prisão decretada. Poucos perm aneceram fiéis a ele. C om seus partid ários, ele é gu ilhotinado no dia 10 de Term idor. D esaparece um im p ortan te p erson ag em e todo um período da R ev olu ção chega ao fim .
— A pesar do Terror e de todo o sangu e derram ado , você tem pena dele?
— Sim , porque ele não foi um ditador co m o d isseram . C om a convicção e a retidão de "In co rru p tív e l”, ele foi a alm a da R evolução em sua fase m ais terrível. A Revolução com os sans-culottes, isto é, com o povo, en q u an to foi p ossível: quando a ligação se rom peu, ele não tin h a m ais razão de viver.
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C apítulo 6O D i r e t ó r i o : t e r m i n a r
a R e v o l u ç ã o ?
— E então, a R evolução acabou?
~ N ão, vam os en trar na segunda fase da R ev olu ção ; tão longa q u an to a prim eira, ela vai de 1 7 9 5 a 1 7 9 9 . C om o já está ficando tarde, vam os an alisá -la rapid am ente. N ão vá pensar que é porque ela m e agrade m enos, o que seria in ju sto com ela (e talvez com igo) . D o fim da C onvenção, após o Termidor, ao reg im e segu in te , o do D ire tó rio , o o b je tivo foi sair do Terror, en cerrar a Revolução: para alguns, por um retorno à ordem que preserve as co n q u istas, ao m en os parcialm en te; para ou tros, realistas e contra-rev olu cio -
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n ários, por um a v olta ao passado. O u tros ainda, ao con trário , sonham com um a revolução nova e d iferen te.
N em todos os deputados que derrubaram R o b e sp ie rre eram rea c io n á rio s , m as e les liquidaram o sistem a de governo revolu cionário e trabalharam em prol da estab ilização do regim e. T iveram de en fren tar s itu ações de em ergên cia; à esquerda, podem os dizer, os sans-culottes parisienses, im pacientes com a m iséria e a escassez que haviam re tornado no ano III (1 7 9 5 ) , rebelaram -se pela ú ltim a vez, ex ig in d o tam b ém um a C o n stitu içã o d e m o c rá tic a : esm ag ad o s e d e sa rm ados, foi o fim do m ovim en to popular de m assa.
— E ninguém reagiu?- D ian te d isso, tan to em Paris com o no
re sta n te do país, d esen cad eou -se um m ovim en to v io len to de reação co n tra-rev o lu cio - nária: foi o cham ad o Terror branco, tend o à fren te band os de jov en s, os "a lm ofad in h as”, que realizaram expedições assassinas contra os p atrio tas , cham ad os de terro ristas. Para vingar os excesso s do passado, foram co m etidos m assacres no Sul, de Lyon a M arselha, e na Provença. A poiand o essa reação, os p a
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d res em igrad os voltavam e retom avam o cu lto . O s realistas ten taram um a sublevação em P aris, m as foram esm agad os (V inde- m iário, ano IV — outubro de 1 7 9 5 ). Enquanto isso , a C onvenção , atacada em duas frentes, conclu iu d iversas reform as na área da educação e da cu ltu ra e, sobretu d o, elaborou a C o n stitu ição , conh ecid a com o C on stitu ição do ano III (1 7 9 5 ) . N a D eclaração dos D ireitos e dos D everes, a igualdade não está m ais na ord em do dia; as novas in stitu içõ es procuram afastar qu alqu er perigo de um a nova d itadu ra e asseg u rar a dom inação dos n otáveis. E x is te m ag ora duas a sse m b lé ia s ,. o C o n se lh o dos Quinh^j^tos e o C o n s e lh o d o s A n ciãos, que dividem a tarefa de produzir as le is; e o Poder E xecu tivo (de governo) está dividido en tre cin co d iretores, trocados p eriod icam en te . Sabe com que objetivo?
— A cho que é p a ra que nenhum dom ine os outros ... M as não é um exagero d eixar as decisões nas m ãos de cinco pessoas?
— Sem dúvida: por causa das precauções, criou-se um sistem a em que não havia árbitro em caso de co n flito — en tre as duas assem bléias e os diretores, por exem plo. A solução
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foi a p rática de golpes de Estado, isto é, pro- vas de força em que os d iretores anulavam a e le ição de um a nova câm ara, ou, in versam en te , em que esta d estitu ía os d iretores. V iu -se n isso um d efeito de origem que criava u m a esp écie de fatalidade; na verdade, porém , o que essa instabilidade revelava era a profu nd a in qu ietação de um m undo que não havia reencontrado sua estabilidade.
A reg u lam en tação eco n ôm ica do ano II foi suprim id a: a socied ade da época do D iretó rio d eixou a im agem do co n traste en tre a m iséria de m uitos, quando os preços explodem com a inflação do papel-m oeda, e a riqueza arrogante de uns poucos, que se aproveitam da liberdade reencon trad a: foi a d ita "festa do D ire tó rio ". O s jo v en s ricos, os “alm o fad in h as”, com suas acom p an h an tes, as “m arav ilh osas", levam um a vida de diversão e se v estem de m an eira extravagante. U m a esp écie de dolce v ita , com n ov os-ricos e p o lítico s co rru p to s.
A au torid ad e do E stad o está com p rom etida: os im p ostos não são pagos, assim com o os sa lários. U m a onda de assaltos tom a co n ta da zo n a rural, tan to nas estrad as im p orta n tes q u an to nas fazendas. O s d irigentes do D ire tó rio ficaram com um a rep u tação
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m ed íocre , talvez com a im agem de Barras, um dos d ireto res m ais corru p tos, m as esses bu rgu eses m oderados continuavam republicanos: lu taram em duas fren tes. A esquerda estavam reunidos, os jaco b in o s dem ocratas, co m o G racch u s B abeu f, que organizou a “con sp iração dos ig u ais” . Seu program a era tom ar o poder para im plantar um a so cie dade onde a terra perten ceria a todos e a rep artição da prod ução seria feita de m aneira igualitária. B ab eu f e seus am igos foram ex ecutad os ou se su icidaram . U m deles so b reviveu, vindo a escrever m ais tarde a h istória da con sp iração : é o seu com p atrio ta Filipo B u p n aro tti.
— N ão o conheço. O que ele f e z depois disso?— E tern o conspirador, na Itália, na E u ro
pa e na França, m arcou p resença até 1830 , um verdadeiro m estre -esco la da Revolução.
N ão se esqu eceu o sonh o de um a outra revolu ção, qu e seria a ú ltim a: a da Igualdade. Sem p artilh ar das idéias de Babeuf, os ja co b in o s reco n stitu íram os clu bes e os c írcu los co n stitu c io n a lis ta s , concorren d o nas e le içõ es co n tra o poder, sobretud o contra os rea listas. E stes ergu iam novam en te a cabeça, aproveitand o o reto rn o dos padres refra- tários e dos bandos de assassin o s...
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— Que horrorl- ...em toda um a região da França, eles tru
cidavam os p atrio tas, m as tam b ém se aproveitavam das eleições anuais para crescer: em Fru tid or do ano V (setem bro de 1 7 9 7 ), e les acharam que tin h am vencido, m as os m em bros do D iretório , apoiados pelos gen erais, an u laram as e le içõ es com o golpe de E s ta do de 18 Frutidor, re in ician d o a p ersegu ição aos rea listas ... Livres para, no ano se gu in te, se voltar co n tra os jaco b in o s , que, por su a vez, haviam saído venced ores. N esse jo g o , qu em acabou ganhando foram os d ep u tad os, que, no ano V II, d estitu íram os m em b ro s do D iretó rio : n essa data, porém , já era qu ase tarde d em ais...
— Por quê?
- E sta m o s chegando ao fim . A ntes, p o rém , vam os dar um giro p ela E uropa na e s te ira dos exérc ito s rep u blicanos. G raças às v itórias dos soldados no ano II, o D ire tó rio herd ou um a situ ação m elh or d iante dos viz in h o s: fro n te iras d esob stru íd as, B élg ica e H olanda ocupadas, paz com a Prússia (1 7 9 5 ). Sobrava o im perador da Á u stria , que d esejav a a tacar p ela A lem an h a e acabou sendo
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atacado pela Itália, onde ele possuía o M ila- nês. Você co n h ece essa h istória?
— Um pou co ... N ão é a í que aparece o general B on aparte? 'J ^ S
- D e fato, após o esforço do ano II, os exérc ito s fran ceses en co n tram -se desgastados, m al pagos, d esestim u lad os. O exército da Itália foi confiado a um jovem general, B onap arte - in ic ia lm e n te era um a fren te sem im p ortân cia , pois, em Paris, os m em bros do D ire tó rio estavam m ais preocupados com a fro n te ira n orte , que e les queriam esten d er até o R eno para dar à França suas fronteiras naturais. E não é que no Vale do Pó Bonaparte revela seu gên io m ilitar com uma série de brilhantes vitórias sobre os austríacos? Q uando tinha a sua idade, eu recitava de cor: "M on- ten o tte , D ego, MillesimO) M ondovi, Lodi...", até M antova e m u ito m ais. Era assim que a gen te aprendia, e era gostoso . N aquela ép o ca a Itá lia era um m osaico de Estados; é claro que isso você con h ece m elh or que seus colegas franceses. Fortalecido pelas vitórias, Bonap arte desprezou as ordens do D iretório e criou no Vale do Pó a R epública C isalpina, n egociand o um acordo diretam ente com os
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austríacos, em Leoben e C am p oform io (o u tubro de 1 7 9 7 ) , que reco n h ecia essa “repú blica irm ã ”. N a verdade, a prim eira tin h a sido a R ep ú b lica Batava, isto é, a H olanda, em 1 795 ; m as é na Itália (e na Suíça) que, por in iciativa de Bonaparte - e depois de ou tros gen erais, quando ele partiu para a aventura treslou cad a da co n q u ista do E gito vem os se m u ltip licar as " irm ã s” da G rande N ação, com o se gosta de dizer: R epública de Gênova (ou L igu rian a), R ep ú blica R om an a (1 7 9 8 ) e R ep ú b lica N ap olitana (1 7 9 9 ) . A crescen tem o s tam bém a R epública H elvética, que com preende os cantões suíços. Essa aventura tem aspectos gloriosos e outros nem tanto. Para o D iretório , in ic ia lm en te pouco en tu siasm ado, a expansão é um m eio de aum entar a arrecad ação com os p aíses ocupados e sa q u ear seu s tesou ros: a guerra deve su sten tar a guerra, e estam os m uito longe do ideal de lib ertação dos povos, su je ito s à a rb itra riedade dos generais e dos com issários do D ire tó rio .
V istas de perto , quero dizer, nos países eu ro p eu s atingid os pelo im p acto da R ev olu ção , as reaçõ es variaram de acord o com o m o m e n to , a p roxim id ad e ou a d istân cia , a con d ição social e cu ltu ral e, claro, as p ró
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prias co n d içõ es em que se deu o co n tato : a n e x a ç ã o , o cu p ação ou rep ercu ssã o d is tan te ...
m eio com plicado , não? Você poderia me dar alguns exem plos?
— Tem razão. N o in ício , se voltarm os aos p rim eiros anos da R evolução, ela teve uma acolh id a favorável nas e lites da Inglaterra, A lem an h a e Itá lia - en tre a burguesia, por vezes a p eq u en a n obreza e, sobretud o, e n tre os in te lectu a is , com o d iríam os ho je. A Q ueda da B astilh a foi com em orada e a França revolu cion ária surgia com o um a grande esp erança, “o raiar do so l”, com o escreveu o filóso fo alem ão F ich te . P osteriorm en te , o recru d escim en to da situação, o Terror e a m orte do rei provocaram m edo, que foi e x plorado pelos reis e pelos m eios reacionários. Sem pre fiéis ao ideal revolucionário , os “ja cob in os" europeus constituíram um a m in oria em m uitos lugares, por vezes um punhado de consp irad ores que eram perseguidos an tes de ser execu tad os (em V iena, na Á u stria, na H ungria... na Itália an tes da chegada d os fr a n c e s e s ) . N os lu g ares em qu e im plantou repúblicas irm ãs, a França m an teve o co n tro le dos governos, exportando sua
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Michel Vovelle
Constituição e suas instituições... com tudo que isso podia representar de avanço em termos de direitos; mas essa liberdade controlada, misturada às violências da guerra, da ocupação e dos saques, podia ter um sabor amargo. Os jacobinos locais, colocados na posição de "colaboradores" dos franceses, geralmente tiveram uma tarefa "heróica”. Mas é nessas condições que as novas idéias germinaram nesses países: na Itália, por exemplo, onde a aspiração à unidade nacional irá desabrochar no século seguinte com o Risorgimento (renascimento).
- E como reagiu o povo?
- Entre a população humilde das cidades e do campo, em geral bastante dependente de seus senhores, mas também do ambiente religioso, o que predominou na maioria dos casos foi uma reação de resistência. Essa história tem de ser analisada caso a caso: vou limitar-me a pegar um exemplo de seu país, o reino de Nápoles, no sul da Itália. O rei Fer- dinando, um déspota reacionário, foi perseguido no final de 1798 por aquela que foi a última das repúblicas irmãs, a República Napolitana. Mas os patriotas locais eram em pequeno número e as tropas francesas os
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haviam abandonado antes mesmo que eles tivessem tempo de se impor. Em Nápoles, o povo humilde dos “lazzaroni” (pobres, mendigos e marginalizados) nunca fora realmente submetido; assim, quando um cardeal fez que a zona rural do interior se revoltasse, a onda "sanfedista” (defensores da fé) invadiu a capital e um grande número de jacobinos foi assassinado. Isso porque nessa ocasião, 1799, a Inglaterra, a Áustria, a Rússia e até os turcos haviam formado uma nova coalizão contra a França. Na ausência de Bonaparte (então no Egito), todo o castelo de cartas das repúblicas veio abaixo, e a França se viu de novo ameaçada...
~ Mas o que estava acontecendo com a Revolução na França?
- Podia se ter a sensação de que as “resistências” também estavam ganhando, sobretudo na zona rural, onde a autoridade do Estado era cada vez mais fraca e contestada. Diante da ameaça, o sentimento revolucionário parece que despertou e, em 1799, as eleições às assembléias deram a vitória à esquerda, que expulsou os membros do Diretório que estavam no poder. Mas a burguesia, que fizera a Revolução e se aprovei
Michel Voveîle
tara imensamente dela, sentia-se ameaçada, e um de seus representantes fez a seguinte afirmação: “Como sou proprietário, preciso de um rei". Isto é, para garantir meus bens e meus benefícios, especialmente os que a Revolução me proporcionou. Mas se fazia cinco anos que o rei estava morto e era impossível a volta do Antigo Regime, onde achar um rei?
- Acho que eu tive uma idéia... Não seria por
acaso aquele jovem general?
- Vejo que você está bem familiarizada com a nossa aventura! De fato, de volta à França, Bonaparte é visto como o salvador por toda uma facção (onde reencontramos Sieyès, tanto no começo quanto no fim da Revolução), mas também por um grande número de capitalistas. Ele, por sua vez, prepara o golpe de Estado, um golpe de Estado militar que acontece no dia 18 Brumário do ano VIII (9 de novembro de 1799), após o que os deputados são afastados e ele assume o cargo de primeiro cônsul. Um poder que ele vai consolidar entre 1800 e 1804, até se tornar imperador.
- Então é o fim da Revolução?
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- Sim e não. Lá na Itália, vocês associam os anos revolucionários aos da dominação napoleônica, até 1815, o que chamam de "età napoleonica” - a época napoleônica e não é por falta de conhecimento histórico. O que significa que, de certo modo, Bonaparte deu continuidade ao momento revolucionário. Ele consolidou conquistas fundamentais em detrimento daquilo que era a principal conquista, a liberdade. Mas a idéia não estava morta, ela avançou, e isso, sem dúvida, é a herança da Grande Revolução.
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Conclusão
A sombra e a luz da Revolução
- Vovô, por que você ama a Revolução, se você mesmo fa la dos massacres e da violência e se, afinal, diz que ela morreu?
~ A Revolução é feita de sombra, mas, acima de tudo, de luz. Ela foi de uma enorme violência, por vezes descontrolada e selvagem, por vezes necessária para enfrentar um mundo antigo que se defendia ferozmente. Também nisso ela permanece como um importante alerta para que fiquemos atentos, pois essa violência continua à solta. Mas foi, e continua sendo, a base para uma enorme esperança, a esperança de mudar o mundo, eliminando as injustiças, em nome
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Miche! Vovefle
das luzes da razão e não de um fanatismo cego. Como se inscreveu na história em um momento determinado da evolução das forças econômicas, sociais e culturais, sabemos que seu êxito teve origem na união das aspirações da burguesia e das classes populares. E, por causa disso, percebe-se bem tudo o que fica faltando: a conquista da igualdade pela mulher, a ratificação do fim da escravidão, mas, sobretudo, a eliminação das desigualdades sociais, no momento mesmo em que, ao desferir o golpe derradeiro no feudalismo, ela estabelece as bases sobre as quais irá progredir a sociedade liberal, do século XIX até os dias de hoje.
- Você acredita que para nós, jovens, que a vemos de tão longe, ela ainda tem sentido?
- Essa Revolução na história continua sendo, também, a nossa Revolução, e é por isso que eu a amo. Meu mestre Labrousse referia-se a ela como “a revolução das antevisões”. É ela que chamou de desejos seus o Manifesto dos iguais de Babeuf, ao anunciar outra revolução que seria a última, a da Igualdade. Conhecemos, daí em diante, outras revoluções que se diziam igualitárias, na Rússia e em outros lugares, e delas nos restou o
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