A Revolucao Que Mudou Portugal e o Mundo

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(Capítulo III do livro Memórias de um Despertar de Pedro Elias)

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  • (Captulo III do livro Memrias de um Despertar de Pedro Elias)

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    stava sentada sobre o tapete, pensando na segurana que aquela pequena casa de

    montanha sempre me dera. Era ali que me refugiava quando necessitava estar

    comigo mesma; um lugar que me acompanhou nos ltimos cinquenta anos como

    um regao onde podia pousar a cabea e descansar das turbulncias do mundo. E foram

    muitos os momentos em que recorri ao conforto daquele colo. Tinha comprado a Casa da

    Serra logo que terminei o curso de Belas-Artes, tinha eu vinte e cinco anos. Ali vivia perdida

    da civilizao, recolhida nos braos fraternos de um lugar que to bem sabia receber. Era

    como se tivesse regressado s minhas origens, ao lugar da minha infncia, s memrias de

    um passado anterior quele que podia recordar. Esse dilogo que mantinha com as memrias

    do lugar, ajudava-me a crescer na conscincia espiritual de mim mesma, fortalecendo a

    existncia que procurava completar na ausncia de algum que ainda no conhecia na altura

    e que logo depois se apresentara num Amor que nos tomou por filhos e que viria a frutificar

    na Maria que acabaria por nunca conhecer o pai. Pelas paredes da casa, os meus quadros

    resumiam, em parte, tudo aquilo que ali vivera, sendo como espelhos de uma realidade

    paralela que nunca se desfez, confortando-me na certeza de que nada tinha sido quebrado,

    apesar de o Joo ter partido.

    Quando a noite j ia longa, desdobrei o sof e transformei-o em cama. L fora, a lua

    cheia espreitava pela porta corrida que dava para a varanda, inundando a sala com a sua luz

    inebriante. Adormeci logo depois. Nessa noite sonhei com um lugar bonito; um lugar onde

    caminhava junto das margens de um lago de guas tranquilas, vendo-me de mos dadas com

    a Maria. Do lado direito, segurando na outra mo da nossa filha, caminhava o Joo. Aquele

    sonho falava de um momento que nunca acontecera, pois o Joo desencarnara estava eu

    grvida de sete meses, mas que nos planos internos sempre fora a Raiz que me mantivera

    firme nestes cinquenta anos, permitindo que pudesse ajudar, nos bastidores, o Antnio que

    se tornou o meu companheiro de jornada, o David que era como um irmo espiritual, e a

    Maria que era a filha e a Me.

    No dia seguinte acordei com a certeza que o meu reencontro com o Joo estava para

    breve, e nessa certeza, uma alegria profunda tomou conta de mim. Finalmente iramos ficar

    juntos e no mais os caminhos do karma, em mltiplas vidas partilhadas, nos iriam separar.

    Deixei, ento, a casa indo at ao pomar que era cuidado pelas pessoas da aldeia, onde colhi

    algumas laranjas. Naqueles tempos todas as terras eram cultivadas e se um dos responsveis

    por um terreno no o pudesse fazer teria que permitir que outros, que tivessem essa

    disponibilidade, o fizessem. O resultado das colheitas era depois partilhado por todos, pois

    h muito que o dinheiro tinha desaparecido do planeta. Das laranjas colhidas fiz um sumo,

    saindo de casa com o copo na mo enquanto me abeirava do parapeito da varanda que se

    precipitava sobre o lago. Uma nvoa hmida e rasteira dissipava-se lentamente sobre a sua

    superfcie que, aos poucos, comeava a espelhar, de forma perfeita e sem distoro, o azul

    profundo do cu. Sentei-me numa cadeira de verga que se encontrava no alpendre,

    lembrando-me do Antnio. Conheci-o na comunidade do David, j tinha a Maria trs anos.

    E

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    J na altura ele era um jovem poltico, embora ainda inseguro dos caminhos a seguir e um

    pouco desiludido com o sistema partidrio de ento. De certa forma, havia nele uma certa

    ingenuidade que acabava por ser uma vantagem face ao panorama poltico desses tempos.

    Quando lhe perguntei porque que se tinha tornado poltico, a sua resposta foi clara: para

    levar o bem-estar e a felicidade s pessoas, contribuindo para um mundo mais justo e

    equilibrado. Aquela era a sua paixo e embora, na altura, no soubesse ainda como iria

    concretizar esse sonho, o essencial j ele tinha, que era o propsito e a razo de ser. O fazer,

    esse, mostrar-se-ia por si mesmo medida que ele avanasse com coragem e determinao

    pela concretizao do seu sonho. Contudo, percebia nele o medo de avanar, de cumprir

    aquilo que o David profetizara sobre o seu futuro, pois ele mesmo considerava que no se

    mudava o mundo por se desejar mudar, mas apenas pela inspirao da prpria Vida que teria

    que conduzir as coisas sem que ele tivesse que interferir. Sempre que o David falava daquilo

    que lhe estava destinado fazer, ele recusava ouvir, refugiando-se no facto de no saber nada

    do que supostamente deveria fazer e de no ir forar nenhuma aco concreta s porque

    tinham previsto que ele, um dia, iria mudar o mundo. Insistia muitas vezes comigo que

    apenas a Vida tinha a fora de mudar as coisas e no as pessoas, e que ele era apenas um

    instrumento desta e por isso no iria fazer com que as coisas acontecessem pela sua vontade

    no desejo de mudar o que quer que fosse, seja pela criao de um novo partido ou

    movimento, ou pela manifestao pblica das suas ideias, mas apenas se essa mesma Vida

    lhe mostrasse de forma muito clara o que fazer. Este discurso, no entanto, articulado e

    inteligente, camuflava um medo imenso de assumir aquele papel por todas as

    responsabilidades inerentes - e isso disse-lhe muitas vezes -, mas ele sempre manteve a sua

    posio de no avanar para nada de concreto.

    Desde o primeiro dia que nos conhecemos que as nossas Almas se uniram numa

    tarefa comum, que acabou por ganhar expresso no matrimnio que nos juntou para o resto

    das nossas vidas. Fomos muito felizes em todos esses anos que passmos juntos, estando eu

    a seu lado para o inspirar, dar confiana e segurana medida que a Vida foi pedindo dele a

    aco que ele mesmo recusava realizar por sua prpria iniciativa, sendo obrigado a sair do

    conforto da toca e assumir as responsabilidades que a sua Alma tinha como parte integrante

    de um Plano h muito determinado.

    E a Vida, como sempre acontece, acabou por cham-lo. Certo dia, ao caminhar por

    uma rua junto da nossa casa, um mendigo estendeu-lhe a mo e pediu ajuda. Ele aproximou-

    se e retirou algum dinheiro para lhe dar, ao que o mendigo recusou, dizendo: No quero o

    seu dinheiro, quero que mude o pas para que no haja mais mendigos como eu. Disse-me,

    na altura, que o olhar daquele mendigo entrou por ele adentro de tal forma que lhe tocou a

    Alma, como se fosse a voz de um mestre a falar atravs dele. Compreendeu, a partir de ento,

    que era a Vida que o estava a chamar para assumir as suas responsabilidades, algo que se

    tornou claro dias depois quando recebeu um convite de uma plataforma de cidados que iria

    candidatar-se s eleies autrquicas do concelho onde morvamos e que lhe props que

    encabeasse a lista e se tornasse o novo presidente da cmara. E este foi o seu primeiro

    desafio: candidatar-se a presidente da cmara atravs de uma plataforma formada por pessoas

    descontentes com o modo como esta tinha sido gerida pelos vrios partidos que se

    alternavam ao longo dos anos e onde os comportamentos e as prticas eram as mesmas,

    sempre em benefcio de uns poucos, independentemente da cor partidria. A sua campanha

    foi simples, mostrando que era possvel fazer diferente e no apenas melhorar o que j existia

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    como remendos que se colocam para tapar dificuldades. Em nenhum momento se reportou

    ao passado, ao que foi mal feito, aos erros cometidos e prticas menos correctas, mas apenas

    ao futuro, quilo que era a sua proposta para uma transformao radical na forma como se

    geria um municpio, assente noutros valores e com outros objectivos. A sua postura humilde

    e o carisma genuno que vinha de algum que no tinha mscaras, agendas ocultas, interesses,

    fez dele um verdadeiro lder. No foi, por isso, nenhuma surpresa para quem se cruzava com

    ele pelas ruas, a sua eleio, embora a nvel nacional e na palavra dos comentadores polticos

    de ento, esta tenha sido vista como algo inesperado.

    Os seus quatro anos de governao foram exemplares. Cercou-se de pessoas

    competentes, no cedendo a lbis ou interesses instalados, e reformulou por completo os

    quadros do municpio. Percebendo que havia pessoas em cargos de chefia que no tinham

    as qualificaes mnimas para os mesmos, e percebendo tambm que muitas outras, em

    posies subalternas, tinham excelentes qualificaes, competncias e a motivao certa, fez

    uma reestruturao completa. Abandonou a estrutura hierrquica e implementou uma

    estrutura matricial, criada em funo dos projectos e das reas de interveno, cada uma com

    um responsvel mximo que era escolhido pelas suas competncias e capacidade de

    liderana, e com isto foi afinando a mquina para que esta pudesse responder com maior

    eficcia s medidas que iria comear a implementar. Os funcionrios da cmara deixaram,

    atravs desta nova estrutura, de ficar presos aos seus departamentos, sendo mobilizados em

    funo dos projectos que envolviam todas as reas, criando um esprito de unidade entre

    todos em funo dos interesses do municpio.

    O Antnio era um verdadeiro lder, mesmo que ele recusasse esse ttulo, coisa rara

    naqueles tempos onde as lideranas eram fracas, movidas pelos interesses pessoais e pela

    pequena aco em funo do momento. Ele no! Tinha uma viso clara daquilo que

    pretendia, e com essa viso mobilizava todos em torno da mesma. No seu mandato procurou

    ouvir as pessoas, primeiro dentro da cmara, e depois no territrio. Ele queria gente feliz e

    de bem com a vida a trabalhar consigo, e por isso procurou saber, antes de tudo o resto, o

    que seria necessrio fazer para que se sentissem bem no seu local de trabalho. Com isto

    deslocou muitos dos funcionrios para reas com as quais estes tinham maior afinidade e

    onde iriam estar mais presentes e activos, participando nos projectos pelo prazer de os

    desenvolver em funo do bem-estar das pessoas e no pela necessidade de ter um ordenado

    no fim do ms para pagar as contas. Era ele mesmo quem conversava com as pessoas, que

    tentava, junto delas, perceber qual o melhor posto para cada um dentro das possibilidades

    funcionais da cmara e com essa restruturao, criou uma equipa verdadeiramente motivada.

    Desenvolveu, assim, dinmicas internas para definir e medir esse Bem-Estar e essa

    Felicidade. Desenvolveu um planeamento estratgico interno para a gesto dos recursos

    humanos em funo dos indicadores apurados e um sistema de avaliao tendo como base

    o desenvolvimento de competncias, incrementando programas de qualificao e valorizao

    desses recursos humanos em funo dos projectos a desenvolver e das competncias

    pessoais, relacionais e profissionais necessrias, para o efeito. Criou tambm um modelo de

    gesto participativa, onde todos os funcionrios se podiam fazer ouvir e dar as suas opinies

    sobre todos os aspectos funcionais e estratgicos da cmara.

    Depois foi replicar este modelo no territrio. No era importante para o Antnio

    focar as questes econmicas e financeiras, mas sim o Bem-Estar e a Felicidade das pessoas.

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    Esta era a base a partir da qual tudo o resto poderia funcionar de forma correcta, pois com

    pessoas infelizes nenhuma economia se conseguia sustentar. Com esta postura conseguiu

    criar um sentido de unidade no territrio em funo de uma ideia mobilizadora, capaz de

    gerar compromissos e dinmicas de mudana dentro das organizaes e destas com o

    territrio e com as pessoas. Favoreceu as relaes directas, estando ele mesmo presente em

    todas as reunies realizadas nas juntas de freguesia e outras instituies, levando a sua viso

    a todos atravs da sua palavra. Apelava simplicidade e a estilos de vida mais saudveis,

    fomentando a participao de todos no planeamento estratgico para o territrio atravs de

    oramentos participativos, onde eram os prprios muncipes a decidir quais as aces a

    desenvolver ou obras a realizar, fazendo com que as pessoas e as organizaes se sentissem

    como co-responsveis pelas mudanas a implementar e com isso restaurou o sentido cvico

    de todos por se sentirem partes integrantes do processo de transformao e no elementos

    passivos que se limitavam a aceitar as mudanas que lhes eram impostas de cima. A prestao

    de contas, a transparncia e a comunicao, eram pilares essenciais desta estratgia, pois a

    avaliao dos resultados era partilhada com todos, desde os responsveis polticos e

    profissionais, at aos grupos locais que se reuniam para analisar a consecuo de todos os

    projectos.

    A sua Viso era de tal forma mobilizadora, que conseguiu penetrar no tecido das

    prprias empresas locais que aceitaram implementar internamente a dinmica que o Antnio

    levara para a cmara, e com isso aumentaram a sua produo e a qualidade dos servios

    prestados, contribuindo para uma comunidade mais aberta, feliz e capaz de responder sem

    defesas aos desafios apresentados. E tudo isto foi possvel, porque era o prprio Antnio

    que ia pessoalmente a essas empresas e falava com os empresrios e com os trabalhadores,

    mobilizando-os em funo dessa Viso, algo que ele, como um verdadeiro lder que era,

    conseguia fazer de forma exemplar. E um verdadeiro lder isso mesmo: algum que est de

    rosto descoberto, que no representa nenhum papel em funo de interesses ocultos, mas

    que est de corao aberto em torno do propsito que definiu. E o Antnio era esse corao

    aberto e espontneo que cativava as pessoas com a sua simplicidade e a sua fora.

    Deixei o alpendre, entrando em casa. Os quadros espalhavam-se pelas paredes,

    grande parte deles colocados no cho por falta de espao. Ao fundo, por cima da lareira,

    estava um pr-do-sol pintado sobre as guas do mar. direita, uma pomba branca que voava

    liberta sobre o deserto e do outro lado uma jovem a chorar diante de um homem sem rosto

    que lhe estendia a mo para ajud-la. Pintara-os ainda antes de conhecer o Joo e j nos seus

    traos estava plasmado um pouco da nossa histria em outras vidas. De um dos cantos da

    sala, peguei no cavalete, numa tela em branco e em algumas tintas, regressando varanda

    onde montei tudo para um novo quadro que pedia para nascer.

    A manh acabou por se precipitar sob um sol que subia lentamente, aquecendo o ar

    que corria pela serra nos braos do vento que, por vezes, na rebeldia da sua natureza nada

    constante, soprava com mais fora. L em baixo, acoberto dos montes que o ladeavam e que

    se prolongavam por toda a sua extenso, o lago, que em tempos guardara muitos segredos,

    tornara-se um espelho, para o mundo, da verdadeira Paz. Um pequeno riacho desaguava

    neste, vindo da Serra que se erguia do outro lado, serpenteando no reflexo prateado das suas

    guas claras e serenas. E foi esse mesmo lago que comecei por pintar naquele novo quadro

    que sabia ser o ltimo.

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    No fim da manh, entrei em casa para preparar o almoo. E enquanto fazia uma

    salada, lembrei-me novamente do Antnio e do momento em que ele assumiu

    responsabilidades de mbito nacional. Estvamos nas vsperas de eleies legislativas,

    quando um movimento espontneo de cidados, que apelava ao voto em branco como

    protesto contra as polticas de ento, ganhava fora viral na internet, mobilizando a sociedade

    civil. Esse movimento ganhou tal protagonismo meditico, que uma semana antes das

    eleies conseguiu colocar nos principais canais televisivos um spot publicitrio com um actor

    de teatro conhecido que se dirigia s pessoas num palco totalmente branco dizendo: Voc

    sabia que, perante a lei, o seu voto em branco tem o mesmo valor que um voto nulo ou a

    absteno? verdade! No incrvel?! Ento voc que abdicou de ir para praia com a famlia,

    que no exerccio do seu dever cvico se deslocou a uma urna de voto e que votou em branco

    mostrando de forma clara aquilo que pensa v, como resultado dessa sua aco consciente,

    a lei atirar o seu voto para o lixo num profundo desrespeito democrtico pela sua posio.

    Pois eu estou aqui para lhe dizer a si que o seu voto em branco tem um valor moral que

    muito superior ao valor da lei. Que atravs deste, voc poder mostrar que no quer mais

    estas polticas, estes polticos e estes partidos, pedindo a reforma do sistema. Por isso est

    nas suas mos decidir se quer continuar a ser governado pelos mesmos de sempre, sejam eles

    da esquerda ou da direita, ou se de uma vez por todas exige que o sistema mude e que a

    governao deste pas fique nas mos daqueles que o faam em funo dos interesses de

    todos os portugueses e no de uns quantos grupos instalados. Por isso, faa como eu... no

    prximo Domingo, vote em branco!

    Esta mensagem teve um tal impacto, que 75% dos portugueses acabaram por votar

    em branco. E nem mesmo as vozes dos partidos, que tentaram por todos os meios

    desvalorizar a mensagem e incutir nas pessoas o medo e a insegurana perante tal cenrio,

    demoveu o povo, que uma vez mais fez histria. Os resultados, esses, acabaram por ser

    desvalorizados pelos partidos que se refugiavam na lei, acabando o Presidente da Repblica,

    submisso s vozes do sistema, por promulgar esses mesmos resultados e empossar como

    Primeiro-ministro o representante do partido mais votado que tinha tido apenas 10% dos

    votos. E foi aqui que, para espanto dos poderes institudos que sempre foram surdos para a

    voz do povo, esse mesmo povo fez, uma vez mais, histria, quando no dia seguinte

    mensagem do presidente saiu para rua, e aos milhes se concentrou em frente sua residncia

    e ruas anexas, exigindo que este se demitisse. Era a consternao total do pas pelo

    desrespeito sua vontade, pelo atropelo da democracia que uma vez mais se vergava sobre

    o peso dos lbis partidrios e outros, mas desta vez seria diferente.

    Ningum podia esperar aquela reaco de um povo que tomou nas suas mos, de

    forma pacfica e responsvel, a restituio do princpio democrtico, paralisando um pas

    inteiro em manifestaes que se espalharam por todas as cidades, e de forma mais

    concentrada na capital em frente residncia do presidente. E foi ali, j a noite caa, quando

    todos acendiam velas ou isqueiros, numa viglia pelo fim daquele sistema, que todos, de

    forma espontnea, sem a instrumentalizao de grupos, movimentos ou partidos, comearam

    a cantar, uma vez mais, Grndola Vila Morena e em poucos minutos eram mais de um

    milho de pessoas a entoar aquela msica que fora o hino de uma revoluo incompleta e

    que agora, uma vez mais, marcaria o fim daquele regime. No dia seguinte todos os jornais

    abriam as suas manchetes com a frase O Povo quem mais Ordena. E assim foi, pois

    nesse mesmo dia o Presidente da Repblica mandou reunir de urgncia o Conselho de

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    Estado. Dessa reunio ficou decidido que, nos dias seguintes, o presidente deveria empossar

    como Primeiro-ministro um independente e sugerir, a este, que criasse um governo de

    unidade nacional com a participao de todas as foras polticas cuja responsabilidade seria

    de, nos meses seguintes, fazer a reforma do sistema que o povo exigiu para que s ento, j

    com essa reforma constitucionalizada, novas eleies se realizassem. E foi aqui que o

    Antnio deixou a esfera municipal e entrou na esfera nacional. Sendo o seu trabalho na

    Cmara Municipal reconhecido como um exemplo de sucesso e sendo ele independente, foi

    visto por todos, de forma consensual, como a pessoa certa para dirigir esse governo

    provisrio.

    E o sistema foi totalmente reformulado, como nunca antes acontecera. Na internet

    criou-se um site ligado ao governo onde as novas medidas eram discutidas por todos e onde

    todos podiam deixar as suas sugestes. Aquela reforma constitucional foi, assim, realizada

    com a participao dos cidados. E uma das primeiras mudanas implementadas foi a do

    voto em branco que passou a ter valor perante a lei. A partir de ento nenhum governo

    poderia ser empossado com uma maioria de votos em branco, sendo os projectos

    apresentados a votao cancelados com a obrigatoriedade de novos projectos e novos

    polticos serem apresentados para eleies. Deixou-se, tambm, para trs, o modelo vigente

    at ento que o Antnio definia como uma democracia feudal, onde os novos senhores

    feudais eram os prprios partidos, passando-se para um modelo onde qualquer cidado

    poderia candidatar-se a Primeiro-ministro atravs da criao de um projecto de governao.

    Esses projectos, tanto dos grupos independentes, como dos partidos de ento, eram

    submetidos a um rgo fiscalizador, criado para esse efeito, que os analisava e apenas aqueles

    que fossem aprovados seriam levados a sufrgio universal. Se algum desses projectos no

    obedecesse ao requerido pela Lei, eram devolvidos ao grupo proponente com um prazo

    definido para que as correces fossem efectuadas de forma que este pudesse ser validado e

    depois apresentado aos portugueses para votao.

    A nova reforma definiu os Ministrios da Repblica, que seriam a partir de ento

    fixos, no sendo mais possvel reformular estes, seja pela sua supresso ou fuso, a cada nova

    eleio. Evitava-se, assim, o caos na organizao do Estado sempre que um novo governo

    tomava posse. Depois de uma longa discusso com todos os partidos, foras sociais e

    sociedade civil, chegou-se ao modelo final que s poderia ser alterado com dois teros de

    votos na Assembleia da Repblica. Com a nova reforma deixou-se, tambm, de votar num

    Primeiro-ministro, para se votar num governo, j que cada candidatura era obrigada a

    apresentar nas suas listas todos os Ministros e Secretrios de Estado que iriam formar esse

    futuro governo. Isto permitia que o rgo fiscalizador pudesse avaliar esse mesmo governo

    e detectar conflitos de interesses entre as funes que iriam assumir e os interesses que

    pudessem ter no sector privado. Passou, tambm, a ser obrigatrio a apresentao de uma

    proposta de governao que no deveria ficar-se apenas por ideias genricas, mas que teria

    que ser trabalhada como se de um oramento de estado se tratasse, com todas as contas

    feitas, para que esse mesmo rgo pudesse verificar se essas propostas respeitavam os limites

    constitucionais impostos para o endividamento do pas e respectivo dfice. Ficou estipulado

    na Lei, tambm, que todo o governo que sasse fora do plano por si apresentado,

    desenvolvendo polticas contrrias aquelas que definiu nesse mesmo plano, seria dissolvido

    e novas eleies seriam realizadas, embora fosse permitido, no caso de haver pequenas

    correces necessrias por factores e variveis impossveis de controlar, e apenas aps a

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    avaliao dessas alteraes pelo rgo fiscalizador cujo parecer seria enviado ao Presidente

    da Repblica, fazer alteraes a essas mesmas polticas. No final de todo o processo, os

    projectos aprovados eram enviados por correio, na sua forma simplificada, para casa de cada

    portugus para que os pudessem estudar e avaliar. Este era, alis, o nico custo do Estado

    com todo o processo, j que se tinha acabado com o financiamento dos partidos e grupos

    independentes.

    Aquela reforma mudou radicalmente o sistema poltico de ento, rompendo com os

    grupos de poder que se moviam em torno deste e fidelizando os governantes aos projectos

    por si apresentados. E tudo isto aconteceu com os olhos do mundo virados para Portugal

    pela ousadia e pela coragem de romper com o velho e reformar as bases daquilo que sempre

    foi dado como certo, mostrando novos caminhos e novas formas de fazer.

    No fim dos seis meses, as reformas tinham sido realizadas e o sistema estava pronto

    para novas eleies, j com a nova constituio. E assim foi. Para alm dos partidos de ento,

    vrios foram os grupos que se criaram, com base num nmero de assinaturas necessrias

    para o efeito, apresentando os seus projectos de governo. E um desses grupos, liderado pelo

    Antnio, acabou por ser aquele que saiu vitorioso nas novas eleies, apresentando um

    projecto de governo de tal forma revolucionrio que viria a mudar radicalmente o pas e

    depois o mundo.

    J depois das eleies, e durante a aprovao do Oramento de Estado, o Antnio

    dirigiu-se Assembleia da Repblica num discurso que iria fazer histria, marcando ali o

    incio de um estilo de governao que mais tarde seria replicado pelo mundo inteiro.

    - Aceitei candidatar-me a Primeiro-ministro porque acredito na necessidade urgente deste pas mudar

    de rumo, sem ter que repetir as frmulas do passado. No se trata de tentar fazer melhor dentro do modelo

    actual, pois seria arrastarmo-nos indefinidamente como pedintes, submetendo-nos aos poderes de fora. Aceitei

    ser Primeiro-ministro para libertar este pas dessa dependncia, trazendo de volta a dignidade que a sua

    histria exige na postura de uma Nao que no foi fundada para ir a reboque desses mesmos poderes, mas

    para liderar o movimento que ir reformar o mundo. E isso s possvel com uma revoluo. Uma revoluo

    sem armas, sem exrcito, uma revoluo que seja feita pela coragem daqueles que no tm medo de fazer

    diferente, rompendo de forma radical com o modelo actual que faliu e que acabar por levar o mundo inteiro

    para o abismo. O governo que lidero nasceu da revolta de um povo que soube dizer BASTA. Que se

    posicionou e exigiu uma mudana. E essa mudana ir acontecer, no apenas nas reformas do sistema que j

    foram realizadas, mas nas novas polticas que tm que ser postas em prtica para servir o pas e todos os

    portugueses, aqueles que cada um de vs tem a responsabilidade de representar e servir. Nos prximos meses

    essa revoluo ir comear a ser desenhada e implementada de forma a fazer de Portugal um pas prspero,

    capaz de trazer dignidade para as vidas de todos os seus cidados, percebendo que qualquer poltica deve

    sempre ter como foco principal o bem-estar das pessoas e o respeito pelo planeta e por todos os seres que nele

    habitam. As medidas que iro ser implementadas por este governo sero de tal forma radicais que no devero

    ser realizadas apenas por ns, mas por todos. O pas dever estar unido em volta dessas reformas. por isso

    mesmo que gostaria de deixar um convite aos lderes de todos os movimentos aqui representados, o que o

    mesmo que dizer, a todos os portugueses. Que os lideres das vossas bancadas aceitem estar presentes em todos

    os Conselhos de Ministros onde estas medidas iro ser discutidas, pois queremos total transparncia em tudo

    aquilo que iremos fazer. No temos agendas ocultas nem estamos ao servio de ningum. Peo-vos que no se

    fechem dentro dos interesses que os vossos grupos possam ter, peo-vos que decidam em funo do pas e das

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    pessoas que representam. A viso que este governo tem para o pas dever ser realizada com a participao

    de todos, em funo do interesse colectivo, sejam as pessoas ou as empresas, para que o pas como um todo se

    possa erguer e seguir em frente com a dignidade de quem encontrou o seu rumo, no mais imposto por terceiros,

    mas construdo a partir da vontade de todos ns.

    O seu discurso foi ousado e muito bem recebido pelas pessoas. E embora em

    circunstncias normais da poltica de ento, onde os interesses partidrios sempre se

    sobrepunham aos interesses do pas e, por isso mesmo, onde as oposies ficavam contra os

    governos no desejo que estes fizessem o pior possvel para que na legislatura seguinte

    pudessem chegar ao poder, a verdade que, contrariando todas as expectativas, o convite do

    Antnio foi aceite, e todos os partidos e grupos independentes, a partir de ento, se fizeram

    representar nos Conselhos de Ministros, no como meros observadores, mas como

    participantes activos que intervinham e deixavam clara a sua posio e assim, por

    antecipao, ficavam a saber das polticas do governo podendo preparar com mais tempo a

    discusso das mesmas na Assembleia da Repblica. Os olhos do mundo viravam-se para

    Portugal ainda sem saber muito bem o que esperar daquela novidade que iria unir o pas em

    torno das reformas que nos meses seguintes comeariam a ser anunciadas.

    O Programa de Governo tinha como base dois pilares essenciais: a auto-suficincia

    alimentar e a auto-suficincia energtica do pas. Sem estes dois pilares no era possvel

    estabilizar o pas, pois estaramos sempre dependentes do exterior, o que significaria que a

    nossa liberdade estaria condicionada por interesses externos e pelas flutuaes dos mercados

    atravs da especulao; completamente expostos s futuras crises financeiras que o Antnio

    sabia serem inevitveis. Por isso havia uma certa urgncia em proteger o pas dessas

    flutuaes e das crises futuras que estavam por vir. Dentro da rea da energia, na sua

    componente elctrica, foram criadas leis que obrigavam todos os Portugueses a terem que

    instalar, no mnimo, um painel solar em suas casas, sendo que a energia produzida, por mais

    insignificante que fosse, teria que ser comprada pela companhia de electricidade qual

    estivessem vinculados contratualmente. Para no criar desequilbrios, definiu-se que o preo

    de venda deveria ser igual ao preo de compra. Tnhamos assim milhes de painis solares a

    produzir energia por todo o pas. Apostou-se tambm na energia produzida pelas ondas,

    instalando-se ao longo da costa vrios clusters. Com estas medidas surgiram novas empresas

    produtoras deste tipo de tecnologia e envolveram-se as universidades de forma a aperfeioar

    essa mesma tecnologia que, nos anos seguintes, se desenvolveu de forma exponencial, tanto

    em eficincia, quanto nos custos que diminuram drasticamente. Portugal tornava-se, com

    estas medidas, excedentrio em energia elctrica que passou a vender para o exterior atravs

    das redes de ligao que foram criadas e que permitiram que essa energia chegasse ao centro

    da Europa a preos competitivos.

    A maior revoluo, no entanto, viria dos combustveis. No sendo Portugal produtor

    de petrleo, no fazia sentido para o Antnio que continussemos a usar um combustvel

    que no produzamos. Por isso criou uma lei que iria mudar radicalmente o pas, e que mexia

    directamente com o outro pilar, o da auto-suficincia alimentar.

    Essa nova Lei definia metas bem concretas que estipulavam que quatro anos aps o

    lanamento da mesma, seria proibida a venda em Portugal de veculos movidos a

    combustveis slidos e oito anos depois seria proibida a circulao desse tipo de veculos. No

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    fim dos quatro anos apenas seria permitido a venda de veculos elctricos e a biodiesel, sendo

    que o novo combustvel iria ser produzido em Portugal. Foi uma verdadeira revoluo. Os

    agricultores tinham agora uma cultura rentvel que poderia trazer novamente dignidade para

    a sua actividade. Tudo foi feito de forma equilibrada, com leis que regulavam de modo

    preciso essa mesma actividade para no permitir desequilbrios, tanto no uso obrigatrio de

    plantas que no fossem de consumo humano, estipulando-se o cultivo de diferentes tipos de

    plantas consoante a regio do pas onde iriam ser plantadas, e assim mantendo-se a

    biodiversidade - e aqui envolveu-se uma vez mais as universidades na busca das melhores

    solues -, como na definio de regras que estipulavam, por um lado, que todo o agricultor

    que quisesse produzir biodiesel s o poderia fazer em 50% do seu terreno, ficando obrigado

    por lei a produzir alimentos nos restantes 50%, e por outro, o uso obrigatrio de adubos e

    fertilizantes naturais nas colheitas para se evitar a poluio do ambiente. Os que tinham

    pequenas parcelas eram estimulados a organizarem-se em cooperativas onde os lucros eram

    divididos por todos, independentemente daquilo que cada um produzia na sua parcela. Com

    esta medida Portugal deixava de importar combustveis e trazia as pessoas de volta terra,

    promovendo a agricultura e impedindo a desertificao crescente das zonas rurais. Em

    poucos anos assistiu-se a um processo migratrio de retorno ao campo. Quando a lei foi

    anunciada ao pas foi o espanto geral pela coragem e pela ousadia, sendo esta apresentada

    com um trunfo que iria calar as vozes mais cpticas.

    Durante a preparao do plano, o Antnio reunira-se pessoalmente com os grandes

    construtores de automveis, anunciando a estes as suas intenes. Portugal seria o maior

    cliente de veculos elctricos do mundo; uma nova tecnologia na qual esses grandes

    construtores comeavam na altura a apostar e, por isso mesmo, no tinham ainda forma de

    responder a um mercado to alargado, o que significava que seria necessrio construir novas

    fbricas. E esse foi o trunfo que o Antnio trouxe, pois com o anncio das novas reformas,

    vieram tambm os contratos assinados com essas empresas que se comprometiam a criar em

    Portugal as novas fbricas de veculos elctricos e de baterias, o que significava que o pas

    iria, tambm, deixar de importar os automveis, para alm dos combustveis. No contrato

    assinado com essas empresas havia uma clausula em que estas se comprometiam a envolver

    as Universidades Portuguesas no desenvolvimento dessas mesmas tecnologias o que, em

    poucos anos, fez com que a autonomia das baterias tivesse triplicado. Algumas vozes se

    levantaram, alegando que as pessoas poderiam contestar estas medidas por se verem

    obrigadas a mudar de carro, mas era uma falsa questo que acabou por no se colocar, pois

    quem usasse veculos a gasolina tinha oito anos para mudar de carro, altura em que seria

    proibida a circulao dos mesmos, enquanto aqueles que tivessem veculos a gasleo s

    teriam de fazer uma pequena adaptao no motor para permitir que estes pudessem

    funcionar a biodiesel.

    A revoluo no sector energtico foi total e motivo de orgulho para todos ns.

    Passmos a ser vistos pelo mundo como os pioneiros de um Novo Paradigma emergente e

    o exemplo a seguir. Deixmos de importar combustveis e automveis e a energia passou a

    ser mais barata. A balana comercial sofreu uma inverso com a diminuio drstica das

    importaes e a exportao crescente de energia e de veculos elctricos, cujo preo tambm

    diminuiu fomentando o seu consumo por todo o mundo.

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    No sector agrcola a revoluo tambm foi radical, no se ficando apenas pelos

    combustveis. Compreendendo que grandes corporaes tentavam condicionar a liberdade

    dos agricultores com sementes patenteadas, muitas delas de tal forma alteradas

    geneticamente que as sementes resultantes da primeira safra eram estreis, no podendo os

    agricultores us-las na safra seguinte e com isso vendo-se obrigados a comprar novas semente

    s mesmas empresas, e compreendendo tambm, atravs de vrios estudos que essas grandes

    corporaes tentavam silenciar, dos graves riscos para a sade no consumo de produtos

    confeccionados com essas sementes, o governo acabou por fazer sair uma Lei, nica em todo

    o mundo, em que proibia o uso na agricultura de sementes geneticamente modificadas e a

    venda de produtos que usassem esse tipo de sementes. Paralelamente criou um instituto

    responsvel por criar um banco de semente nacionais para a preservao das mesmas,

    ficando estipulado na lei que todas as sementes, contrapondo as leis europeias que tentavam

    condicionar a circulao das mesmas, seriam de propagao livre em todo o territrio

    nacional no estando condicionadas a nenhum tipo de direitos de propriedade intelectual.

    Foi legislado, tambm, que nenhum recurso natural do pas poderia ser privatizado,

    principalmente a gua, cujo acesso era um direito humano inalienvel.

    No entanto, isto ainda no era suficiente para o Antnio e para o seu governo. Ele

    queria ir mais longe. No lhe bastava saber que os agricultores produziam alimentos por

    obrigao, pois era a nica forma de conseguirem entrar na produo dos combustveis, ele

    queria que a produo de alimentos tambm fosse uma actividade rentvel e digna, por isso

    foram criadas novas leis. Uma delas institua a criao de uma bolsa de alimentos, onde o

    preo de cada produto seria estipulado diariamente pelo mercado, e assim o agricultor sabia

    quanto valia o seu produto naquele dia, cujo preo seria o mesmo em qualquer lugar do pas.

    Essa bolsa era nacional, no sendo regulada de fora e, por isso, no estava subordinada a

    interesses estrangeiros. Ficou tambm regulado que era proibido negociar colheitas futuras,

    impedindo-se assim a especulao, sendo apenas permitido transaccionar produtos reais, j

    produzidos. Esta bolsa foi criada para suportar uma outra medida, que definia uma

    percentagem fixa que o agricultor teria que receber por cada produto vendido e que foi

    estipulado nos 40%, sendo os restantes 60% para a distribuio e retalho. Criaram-se tambm

    regras no pagamento, em que os produtos perecveis teriam que ser pagos a 30 dias, e os no

    perecveis a 60 dias, aps o qual esse valor passaria a ser considerado como um emprstimo

    que o agricultor fazia e por isso teria que ser devolvido com juros. Estipulou-se tambm um

    perodo mximo a partir do qual seriam aplicadas coimas ao infractor e cujo valor era de tal

    forma alto, que no compensava deixar de pagar aos agricultores.

    Estas medidas acabaram, no entanto, por ter um efeito contrrio ao desejado, e este

    foi o primeiro contratempo na poltica do governo, pois geraram protestos em vrios sectores

    da economia, incluindo nos prprios agricultores que no conseguiam vender os seus

    produtos, j que a obrigao de terem que receber 40% do preo de mercado fazia com que

    os retalhistas fossem comprar esses produtos ao estrangeiro. Tnhamos agora um coro de

    protestos dos agricultores que pediam medidas proteccionistas para obrigar os retalhistas a

    comprar os seus produtos, algo que o Antnio no queria fazer. Nos Conselhos de Ministros

    realizados de emergncia para discutir este assunto, onde todos os partidos e grupos da

    oposio se encontravam presentes, foram lanadas vrias ideias. Da esquerda, ideias

    proteccionistas, da direita o voltar atrs nas medidas impostas, e no meio estava o Antnio

    sem saber o que fazer. Lembro-me que nessas semanas fomos vrias vezes comunidade

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    onde ele se ia aconselhar com o David, mas este no lhe dava a resposta desejada, dizendo-

    lhe apenas para serenar j que quando menos esperasse a resposta surgiria. Para dificultar

    ainda mais, sara num dos principais jornais de ento um artigo de opinio de algum ligado

    aos lbis retalhistas que fazia duras crticas ao governo, comparando-o com os governos da

    antiga Unio Sovitica, e ao Antnio em particular, acusando-o de ser um ditador

    encapotado.

    Perante o impasse criado, os partidos e grupos independentes acabaram por chamar

    o governo Assembleia da Repblica para que o assunto pudesse ser discutido publicamente.

    Eu prpria estive presente nas galerias nesse dia, e pude ver o quanto aquela discusso

    desgastou o Antnio. Ele que tinha conseguido unir todos em torno da sua viso, via agora

    os partidos cederem aos lbis internos e externos, radicalizando posies. Durante a sesso

    foram os ministros que falaram, e apenas no fim o Antnio pediu a palavra e se dirigiu a

    todos.

    - Gostaria de me dirigir a cada um dos presentes com uma reflexo, no aos deputados eleitos por

    uma lista de um partido ou de um grupo independente, mas pessoa que antes de ser de um determinado

    partido j o era como individuo que reflectia sobre a Vida, que enquanto jovem universitrio, ou at mesmo

    adolescente, se indignava com as injustias, que tinha uma paixo genuna qual estava disposto a tudo

    sacrificar, para que o bem comum pudesse ser salvaguardado. Jovem, esse, que na sua essncia no tem cor

    partidria, porque o acto genuno de reflectir vem da nossa condio de sermos Humanos, e no de uma

    filiao ideolgica. E a reflexo que vos queria deixar, esta: em que curva do caminho nos perdemos de ns

    prprios? Porque esse jovem, de camisa e calas de ganga, e uso esta imagem como metfora, aquele que cada

    um de vocs em essncia, e no o engravatado de hoje que se deixou condicionar, formatar, que permitiu

    que essa voz genuna fosse abafada em funo de interesses que no so, verdadeiramente, os seus. Pois eu

    digo, que esse jovem ainda est a, ainda faz parte daquilo que cada um de ns ; que o pas, mais que

    nunca, necessita que esse jovem regresse, que volte a vestir a camisa daquilo em que verdadeiramente acredita,

    sem deixar que nada nem ningum abafe a sua verdadeira identidade. Ainda se lembram como eram no

    passado? Ainda se lembram quando tinham a liberdade de pensar, sem uma ideologia que vos condicionasse?

    Porque toda a ideologia foi criada pela mente de algum, e estar subordinado a essa mente reduzir todo o

    vosso espao a uma senzala onde se tornaram escravos por vossa prpria vontade ou convenincia. Sei que se

    estivssemos num dos primeiros conclios da Igreja, nesta altura muitos de vocs j estariam a tapar os ouvidos

    para no ouvirem estas heresias, mas permitam que hoje, quando regressarem s vossas casas, longe dos

    olhares de todos, possam olhar no espelho e fazer a pergunta: em que curva do caminho eu me perdi de mim

    mesmo?

    O discurso do Antnio foi recebido com indignao por parte de alguns deputados,

    que questionavam o tom, para eles, moralista do mesmo. Mas ele no ripostou, deixando

    logo depois a Assembleia com o fim dos trabalhos.

    Apesar destas dificuldades, o Antnio nunca deixou que estas interferissem com a

    sua vida e com as suas rotinas. Todos os fins-de-semana gostava de ir para a praa jogar s

    cartas ou xadrez com os reformados, ou jogar bola com os mais jovens. Era no meio das

    pessoas que ele se sentia bem, de tal forma que muitos daqueles que lhe eram mais prximos

    ficavam bastante preocupados com este tipo de exposio. Lembro-me de uma conversa que

    tivemos com o seu irmo num jantar de famlia:

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    - Eu ainda no compreendo como que tu dispensaste o carro, o motorista e a segurana e vais todos

    os dias trabalhar de transportes pblicos. - Disse o irmo. - No vs que um risco muito grande!? Ainda

    no percebeste que, por tudo aquilo que ests a fazer no pas, e que tem reflexos l fora, que corres srios

    riscos de vida... que as medidas que ests a implementar chocam com muitos dos interesses e poderes institudos

    no pas e no mundo. Por favor, Antnio, leva-me a srio! Os Estados Unidos, ou dizendo de outra forma,

    os grandes lbis que controlam o governo americano e o mundo podero simplesmente mandar-te matar. Se o

    fizeram com S Carneiro e Amaro da Costa, por estes se oporem aos seus negcios com armas para o Iro e

    frica, e com tantos outros lderes da Amrica do Sul que recusaram implementar as polticas americanas,

    no achas que tambm o faro contigo?

    - Se h uma coisa que eu nunca farei ceder ao medo, pois este escraviza-nos. - Disse o Antnio. -

    E depois, o que eu estou a fazer no meu, sou apenas o instrumento da Alma Nacional que pede que a

    funo deste pas se cumpra... nada mais.

    - Mas se eles te matarem, ficas impossibilitado de a cumprir.

    - O que est a ser feito, as polticas que esto a ser realizadas, no so mais deste governo, Carlos,

    mas de todo um povo. Se me assassinarem, outro seguir os mesmos passos, pois ser o prprio povo portugus

    a exigir isso. Por isso no te preocupes. Essas foras que controlam o mundo, que transformaram uma das

    mais belas democracias, como os Estados Unidos, numa plutocracia que hoje gerida pelas grandes

    corporaes, no tm mais como parar este movimento, pois os ventos sopram na direco contrria dos seus

    interesses e, mais tarde ou mais cedo, todos eles implodiro. Por isso, no percamos tempo a falar deles, mas

    do novo que tem que ser implementado, pois na implementao desse novo que o velho se desmantelar por

    si mesmo.

    A sua serenidade face s dificuldades permitia que o foco da sua aco se mantivesse

    sempre claro, no sendo possvel tir-lo da sua rota. E tal como o David lhe tinha dito, a

    soluo para o problema que ele tinha em mos surgiu sem esforo, quando numa noite

    acordou com uma frase que tinha sonhado e que era: Localizao Concntrica. E ali nascia

    um novo conceito que nos anos seguintes se iria espalhar pelo mundo, contrapondo com o

    modelo da Globalizao.

    Este novo modelo, o da Localizao Concntrica, que o Antnio iria implementar

    em Portugal, era visto por muitos como uma forma de proteccionismo encapotado. Na sua

    essncia, o novo modelo definia que os retalhistas e as empresas em geral teriam que comprar

    no seu anel mais prximo e apenas se no encontrassem o produto neste que iriam para o

    anel seguinte. Era uma forma engenhosa de promover a produo e proteger os agricultores

    e as empresas locais sem ter que proibir a importao de produtos ou definir cotas de

    mercado. As empresas tinham total liberdade de importar o que quisessem desde que no

    encontrassem esse produto nos anis mais prximos, que eram o concelho, o distrito, o pas

    e s ento o estrangeiro. Este modelo fez carreira pelo mundo nos anos seguintes, pois ao

    contrrio da Globalizao que levara misria populaes inteiras dizimando as suas

    economias locais em favor dos grandes interesses econmicos, o modelo da Localizao

    Concntrica, promovia as economias locais obrigando os grandes grupos econmicos a

    deslocarem-se para os mercados onde pretendia vender os seus produtos criando riqueza

    local e promovendo o emprego. Ou seja, no era mais possvel, com este modelo, uma

    empresa instalar-se em pases ditos do terceiro mundo para explorar a sua mo-de-obra

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    barata, e muitas vezes escrava, para depois vender esses produtos noutros pases a preos

    mais baixos e com isso acabando com as economias locais. Agora esses grupos econmicos

    teriam que instalar as suas empresas nos pases onde pretendia vender, gerando riqueza e

    emprego no prprio pas. Se no o fizessem corriam o risco de um dos seus concorrentes se

    antecipar e ao instalar a sua empresa nesse pas conseguir para si todo o mercado local. Ainda

    me lembro da entrevista que o Antnio deu a um dos canais de televiso, onde defendia o

    seu modelo:

    - Mas no este novo modelo uma forma de proteccionismo encapotado? Perguntou o jornalista.

    - De forma alguma! No nos estamos a fechar ao exterior, ou a criar taxas aduaneiras, nem estamos

    a impedir quem quer que seja de importar produtos do estrangeiro, ou a definir cotas de consumo obrigatrio

    de produtos nacionais. Apenas dizemos que as empresas tm que comprar no seu anel mais prximo. Por

    isso, que deixemos que as leis do mercado funcionem em liberdade, pois se existe uma empresa estrangeira que

    se sinta prejudicada com este modelo, s ter que instalar a sua fbrica ou lojas em Portugal e o mercado ser

    seu.

    - H algo que ainda no compreendi muito bem neste modelo. Vamos supor que num determinado

    concelho s existe uma fbrica de sapatos, e que estes so de pssima qualidade. As sapatarias do concelho

    tero que ser obrigadas a comprar estes sapatos?

    - O novo modelo estabelece concentricidades variadas consoante o tipo de produtos. Apenas os

    produtos agrcolas tm uma concentricidade assente no modelo de concelho, distrito, pas e estrangeiro, o que

    significa que se uma loja quiser comprar batatas ter que as comprar no seu prprio concelho, e s se no

    encontrar neste que passar para o anel seguinte. Todos os outros produtos que no sejam agrcolas, tem

    uma concentricidade assente no modelo de pas e estrangeiro, por isso qualquer sapataria poder comprar

    sapatos em qualquer parte do pas.

    - No entanto, eu que gosto de sapatos italianos j no os poderei comprar nessas sapatarias, porque

    estas encontraro sapatos dentro do anel mais prximos que o pas. Como poderei compr-los?

    - Trs situaes podero acontecer. 1) A marca de sapatos italiana instala a sua fbrica em Portugal

    e voc poder encontrar esses sapatos em qualquer sapataria. 2) A marca de sapatos italiana decide manter

    a sua fbrica no estrangeiro, mas cria a sua rede de lojas em Portugal, representativas da sua marca, para

    vender em exclusivo os seus produtos e neste caso poder encontrar esses sapatos nas respectivas lojas. 3) a

    marca italiana decide no fazer nenhum tipo de investimento em Portugal, e nesse caso no justo que pretenda

    lucrar s custas do dinheiro dos portugueses, e assim, em ltima instncia, voc poder sempre encomendar os

    seus sapatos pela internet.

    - O que me ir custar muito mais do que se pudesse comprar na sapataria.

    - verdade. Mas querer sapatos italianos, quando tem sapatos portugueses de qualidade igual ou

    superior, um luxo seu e por isso ter que ser voc a pagar por esse luxo, no acha?

    O jornalista sorriu.

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    - Vamos ver se compreendi, ento. Este modelo da Localizao Concntrica no est a impedir que

    os produtos estrangeiros sejam vendidos em Portugal. Apenas exige que as empresas invistam no pas, seja

    atravs de fbricas, o que sinceramente acho que muito poucas o faro tendo em conta o facto do mercado

    portugus ser to pequeno, seja atravs de redes prprias de lojas representativas da marca que vendam

    exclusivamente os produtos dessa empresa, isso?

    - Exactamente! No estamos a taxar esses produtos acima dos produtos portugueses, nem estamos

    a criar cotas de consumo obrigatrios de produtos nacionais, apenas dizemos que toda a empresa estrangeira

    para vender em Portugal ter que investir no pas, seja atravs de fbricas, e acredito que algumas o faro,

    como podemos ver com a indstria automvel, seja atravs de redes prprias de venda ao pblico. Se isto for

    realizado, as leis de mercado funcionaro naturalmente. E veja o exemplo daquele grupo estrangeiro que vende

    mobilirio em Portugal. Este um grupo que no ir ser afectado com o modelo da Localizao Concntrica,

    pois mesmo quando no tinha fbricas em Portugal, soube criar a sua prpria rede de lojas para vender os

    seus produtos, gerando riqueza no pas e criando postos de trabalho. Hoje j criou as fbricas, e gerou ainda

    mais riqueza e trabalho. E mesmo que muitos possam ver nesse grupo um concorrente das fbricas de

    mobilirio nacional, em nenhum momento iremos interferir para proteger essa indstria, pois compete a esta

    modernizar-se e encontrar solues to criativas e inovadores quanto as apresentadas por este grupo. Por isso,

    como pode ver, no existe da nossa parte, atravs da implementao deste modelo, nenhum tipo de

    proteccionismo, e quem nos acusar disto ou estar de m-f, ou estar ao servio dos grandes grupos econmicos

    para quem o modelo da globalizao sempre lhes servir melhor. S que no podemos mais compactuar com

    esse modelo que depredou as economias mais frgeis, levando misria populaes inteiras. O modelo da

    globalizao faliu, no serve, por isso soltemo-lo. Como podemos continuar a defender esse modelo se ele j

    deu provas suficientes que em nenhum momento esteve ao servio das pessoas, mas sim dos grandes grupos e

    interesses econmicos. quase criminoso continuar a sustentar algo que levou misria, e at mesmo morte,

    milhes de pessoas pelo mundo inteiro para que ns pudssemos ter a possibilidade de escolher entre vrios

    modelos de uma mesma coisa, num consumo desenfreado que nos endividou a todos e que acabar, se no for

    corrigido, por levar o mundo banca rota.

    - Muitos dizem que as suas polticas so de esquerda. Concorda?

    - Respondo-lhe, dizendo que estas polticas no so nem de esquerda, nem de direita, nem do centro,

    mas sim de cima. Sendo que este cima so os portugueses e o interesse nacional.

    - Eu digo isto porque voc acusado, por alguns, de ser contra as empresas e o capital.

    - O mais irnico, sabe, que este novo modelo aquele que poder salvar muitas das empresas,

    mesmo as maiores, de falirem, pois esse o destino de todas elas dentro do modelo da globalizao. Se

    verdade que no modelo da globalizao uma empresa tem que investir menos para chegar aos mercados,

    podendo montar uma grande fbrica num pas do terceiro mundo para depois vender os produtos ali produzidos

    a preos baratos para o mundo inteiro, e com isso destruindo as economias locais, no menos verdade que ao

    faz-lo est a assinar a sua prpria sentena de morte, j que ao destruir os mercados locais, estar a conduzir

    as pessoas pobreza, e pessoas sem dinheiro no podero comprar os produtos dessa mesma empresa levando-

    a, mais tarde ou mais cedo, falncia. O modelo da Localizao Concntrica, pelo contrrio, exigir dessas

    empresas um maior investimento inicial, pois ao contrrio do modelo anterior, em que tinham apenas que

    investir numa grande fbrica, agora tero que criar fbricas nos pases para onde pretendem vender os seus

    produtos. S que, se certo que existe um investimento maior, tambm certo que ao levarem riqueza para

    esses pases estaro a contribuir para o bem-estar das pessoas e das economias locais, permitindo que estas

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    tenham capacidade financeira para continuarem a consumir dos produtos que essa mesma empresa produz.

    Como v, este novo modelo bom para as pessoas, mas tambm para as empresas. E mais justo, pois implica

    que o capital circule e no fique estagnado nos bolsos de alguns enquanto assistem falncia dos mercados. E

    esse o destino que est nossa frente se nada for feito: a falncia global do sistema financeiro mundial e a

    pobreza crescente.

    - E se os outros pases no aceitarem os seus argumentos e considerarem que este modelo

    proteccionista, exigindo o mesmo dos produtos nacionais quando exportados?

    - Eu espero sinceramente que este modelo seja adoptado pelo mundo inteiro, pois o nico que poder

    trazer de volta a abundncia economia mundial e o bem-estar s populaes. E por isso aquilo que exigimos

    dos produtores estrangeiros dever ser o mesmo a ser exigido aos produtores nacionais, ou seja, que instalem

    as suas fbricas no estrangeiro, se quiserem aquele mercado, gerando riqueza local e criando postos de trabalho,

    ou criem as suas redes de distribuio ou de venda para os seus produtos, ou ento que se especializem em

    produtos que sejam nicos e que no possam ser encontrados nos anis mais prximos desses pases.

    - E se ningum seguir o seu modelo e comearem a criar barreira alfandegrias aos produtos

    nacionais?

    - Nesse caso mostraro a sua m-f, pois em momento algum levantmos barreiras alfandegrias aos

    produtos estrangeiros. E nesse caso teramos que ver outras solues.

    - E que solues seriam essas?

    - Ainda cedo para falar. Concluiu o Antnio, sorrindo.

    Essas solues passavam pela criao de uma unio econmica entre os pases de

    lngua Portuguesa, pois j nessa altura o Antnio sabia que a Europa no iria aceitar o novo

    modelo, o que seria um pretexto para ele fazer aquilo que sempre quis fazer, que era sair da

    Unio Europeia e criar, juntamente com o Brasil e Angola, e mais tarde com todos os outros

    pases de lngua portuguesa, a Unio Lusfona.

    Todas estas medidas foram implementadas no seu primeiro mandato e em quatro

    anos o pas mudou radicalmente. Tnhamos agora a capacidade de produzir a nossa prpria

    energia sem estar dependentes do exterior e de alimentar um pas inteiro com os nossos

    prprios recursos. Embora fosse apenas no mandato seguinte que a mquina estaria em plena

    laborao, com a proibio da venda de veculos que no fossem elctricos e a biodiesel, j

    no primeiro mandato a produo do novo combustvel e a venda dos novos veculos

    comeou a ganhar fora, sendo que nenhuma das medidas foi vista pelos portugueses como

    uma imposio, mas como algo a que todos aderiram com gosto e orgulho por estarem a

    fazer diferente e de serem vistos por muitos sectores, no mundo inteiro, como um exemplo

    a seguir. O Antnio, como um verdadeiro lder, tinha conseguido mobilizar um pas inteiro

    em funo da Viso que tinha, e isto era algo que muito poucos conseguiam fazer, pois

    escravos de um sistema alimentado pelos interesses e pela vontade de poucos, submetiam-se

    de forma passiva a esses mesmos interesses, acomodando-se no conforto dos caminhos

    conhecidos sem ousarem pensar de maneira diferente e depois agir de acordo com esse novo

    pensamento.

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    A Unio Europeia, no entanto, como o Antnio j previa, no ficou convencida com

    as novas polticas, exigindo que o modelo da Localizao Concntrica fosse abandonado por

    consider-lo proteccionista e contrrio ao Esprito Europeu. Na verdade todos percebamos

    que aquilo que a Europa queria dizer com Esprito Europeu era na verdade o Esprito dos

    grandes interesses econmicos que acabaram por pressionar os polticos europeus, como

    lbis poderosos, para que impedissem que o novo modelo fosse implementado, pois no s

    era uma afronta ao seu poder, como poderia disseminar-se pelo mundo pondo em causa o

    modelo da globalizao que to bem os servia. E foi num dos conselhos europeus que o

    Antnio falou para os seus congneres e cujo discurso foi ouvido pelo mundo inteiro como

    uma lufada de ar fresco que soprava no meio do mofo institucional e burocrtico daquela

    Europa moribunda.

    - O Esprito Europeu no existe mais. Vivemos um conto de fadas que se transformou num conto

    de bruxas, onde a Europa foi construda em funo dos interesses dos mais ricos, pois necessitavam de mercados

    para vender os seus produtos. Com isso destruram as economias dos pases mais frgeis, dizimaram a sua

    capacidade produtiva, pagando para que estes abandonassem as terras e o mar e passassem a consumir tudo

    aquilo que vinha do centro da Europa, obrigando ao seu endividamento crescente. Esta no a Europa que

    foi desenhada na mente dos seus criadores, esta no uma Europa solidria e unida em torno de uma causa

    comum, mas um aglomerado de interesses numa estrutura que agride a prpria democracia. No iremos

    abandonar o modelo da Localizao Concntrica, porque temos que vos pagar a divida que contramos

    convosco, e s podemos pagar a dvida se produzirmos riqueza. Neste momento Portugal est a sair da crise

    a um ritmo mais acelerado que todos os outros pases da Europa. Os mercados voltaram a confiar em ns, e

    somos aquele que mais cresce. Deveramos ser vistos como o exemplo a seguir e no como o exemplo a abater.

    E se o modelo que estamos a adoptar visto por vs como uma ameaa, a soluo muito simples: adoptem-

    no tambm e juntem-se a ns, alinhando-se com os novos tempos que iro pedir de vs outras solues, porque

    se no o fizerem ser o Euro e a prpria Europa que no ter futuro.

    As reaces foram estremadas. Desde os aplausos de vrios sectores, que viam

    naquele discurso uma esperana para a Europa, at s crticas pesadas dos mais

    conservadores que exigiam que Portugal deixasse o Euro e a Unio. E assim foi. J no seu

    segundo mandato, Portugal pediu a sada do Euro e da Unio Europeia, numa altura em que

    o Pas se tornava um modelo para muitos outros que comearam, em particular na Amrica

    do Sul, a replicar o modelo que o governo tinha implementado. A sada de Portugal da Unio

    Europeia acabaria por pr fim quele projecto h muito condenado, pois em poucos anos o

    Euro deixou de existir e a Europa acabou por se desmantelar. Portugal, pelo contrrio,

    cresceu ainda mais. Embora tivesse adoptado uma moeda mais fraca, como no estvamos

    dependentes de importaes, a moeda acabou por beneficiar as exportaes, na sua maioria

    de tecnologia ligada energia e aos novos veculos elctricos, embora tambm de produtos

    tipicamente portugueses que no existiam nos pases de destino. As exportaes passaram a

    ser realizadas em maior nmero para os pases de lngua Portuguesa, onde se comeou a

    desenhar uma nova comunidade econmica e poltica que trs dcadas depois, j aps o

    Grande Colapso que levou o mundo banca rota, iria dar origem Federao Lusfona.

    Mas houve muitas outras leis implementadas no pas durante o seu primeiro

    mandato, todas elas revolucionrias e sempre em funo do bem-estar das pessoas e da vida

    planetria. Na educao, com o envolvimento de todos os parceiros sociais e sindicatos,

    acabou-se com um modelo curricular imposto de cima, para se apresentar um modelo bsico,

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    com linhas gerais, onde cada professor passou a ter a liberdade de criar em cima desse modelo

    escolhendo as ferramentas mais indicadas para o implementar em funo dos alunos e do

    contexto cultural e social. Definiu-se que esse modelo deveria ser construdo em conjunto

    com os alunos, num processo de co-responsabilizao, e no como algo imposto e

    obrigatrio. No primeiro ciclo acabou-se com as avaliaes, os testes, os quadros de honra,

    sendo o processo de aprendizagem feito de forma cooperativa e sempre de um modo ldico.

    O lema no primeiro ciclo era: aprender enquanto se brinca. Os professores deixaram de

    ter um papel administrativo, concentrando-se unicamente no acto de ensinar, e foi-lhes dada

    maior liberdade na forma de o fazer. De alguma forma, comeou-se a desconstruir um

    modelo que tinha a sua raiz na revoluo industrial, com os seus horrios rgidos, com as

    campainhas, com as filas e as fardas, com uma lgica regimentar, para algo mais fluido, mais

    livre, mais ao sabor do momento, da criatividade e da cooperao. A escola passou a ser um

    lugar de prazer e alegria, e no mais um fardo e uma obrigao.

    Quando o primeiro mandato terminou, o Antnio trouxe uma outra novidade ao

    panorama poltico de ento. Embora todas as sondagens indicassem que iria vencer as

    eleies com mais de dois teros dos votos, e por isso mesmo, dentro da mentalidade de

    ento, poderia governar sozinho, o Antnio fez questo de apresentar um governo de

    unidade nacional para ser votado pelos portugueses, convidando para esse governo todos os

    partidos e grupos de ento com assento parlamentar numa coligao nacional em torno

    daquele projecto. E todos aceitaram.

    O mundo no falava de outra coisa. Aquele pequeno pas, ignorado por muitos,

    passava a ter uma identidade e uma Voz que era s sua e que, aos poucos, comeava a ser

    ouvida, percebida, e executada por muitos na replicao das polticas implementadas. Aps

    as eleies convidou para os Conselhos de Ministros os representantes dos partidos e dos

    grupos sem assento parlamentar pois, tambm estes eram representantes de uma parte do

    povo portugus e cuja voz deveria ser ouvida e considerada.

    O segundo Mandato comeou com a sada de Portugal da Unio Europeia. Os lbis

    que se moviam nos bastidores, exigiam que assim fosse devido s polticas adoptadas por

    Portugal e o governo aproveitou a onda negativa para fazer aquilo que h muito j deveria

    ter sido feito. Muitos partidos Europeus aplaudiram pela positiva a coragem de Portugal, em

    particular alguns partidos ingleses que sempre foram contrrios quele modelo europeu que

    contrariava os princpios bsicos da democracia. Um modelo onde as polticas eram decididas

    por pessoas que no tinham sido eleitas pelos europeus, onde os tratados eram aprovados

    contra a vontade das pessoas, pois quando estas, em referendo, se mostravam contrrias aos

    mesmos, a Europa mandava repetir esses mesmos referendos at obter o resultado desejado

    e com isto acabando com qualquer noo democrtica que ainda pudesse existir nesse

    projecto. Fora da Unio Europeia, Portugal cresceu ainda mais. Com uma moeda mais fraca,

    as exportaes aumentaram, em particular para os pases de lngua Portuguesa onde, ainda

    no segundo mandato, seria criada a Unio Lusfona que, numa primeira fase, era

    exclusivamente econmica, mas que nos anos seguintes avanaria para uma unio poltica e

    mais tarde para a actual Federao Lusfona onde se encontravam todos os pases de lngua

    oficial Portuguesa.

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    Nesse segundo mandato houve a solidificao das medidas implementadas na

    anterior legislatura. O pas era agora auto-suficiente em energia e alimentos, tendo uma

    economia slida, prspera e cheia de vitalidade. Nos fruns internacionais era visto como o

    exemplo a seguir, como a locomotiva de um Novo Paradigma emergente ao qual todos se

    deveriam juntar.

    Mas algo de profundamente dramtico estava destinado ao pas no final do segundo

    mandato, quando Lisboa foi assolada por um terramoto verdadeiramente devastador que

    deitou por terra mais de 90% das suas construes, fazendo centenas de milhares de mortos.

    Tnhamos sido avisados pelo David que o terramoto iria acontecer no dia seguinte,

    mas o Antnio recusara sair de Lisboa. Resolvemos ir para uma rea alta no meio da natureza

    com os familiares que acreditaram em ns. Foi algo profundamente desesperante, saber do

    terramoto que estava para acontecer e no poder fazer nada, nem mesmo avisar as pessoas,

    pois quem iria acreditar num aviso que no era fundamentado em nenhuma prtica cientfica?

    Aps o terramoto, o Antnio arregaou as mangas e foi, com o seu governo, para o

    meio das pessoas. Apesar de ter sido montada pelo exrcito uma enorme tenda que seria a

    sede provisrio do Governo, este apenas se reunia nessa tenda da parte da tarde, ficando as

    manhs para o servio directo a quem necessitava nos vrios hospitais de campanha que

    foram montados ou no meio dos escombros na busca de sobreviventes. O exemplo dado

    pelo Antnio e por todos os seus ministros foi profundamente mobilizador. Como foi

    gratificante ver as pessoas colocarem de parte as desavenas bairristas, vindo voluntrios de

    todos os lugares do pas. Estvamos unidos e a ncora dessa unio era o Antnio que como

    lder tinha o poder de mobilizar, de inspirar, de tocar no melhor de cada um e fazer emergir

    em todos esse sentido de servio e unidade. O melhor daquele povo tinha vindo ao de cima

    e todos se juntaram na reconstruo da cidade e na ajuda a quem tudo perdera.

    O terramoto que poderia ter vindo como um golpe para a economia do pas, acabou

    por no o ser, pois a solidez conquistada com as reformas realizadas, permitiu ao pas

    aguentar o embate e sair ainda mais fortalecido e unido aps a catstrofe.

    Nos conselhos de ministros realizados na tenda de campanha, decidiu-se que a capital

    do pas deveria ser deslocada para uma zona mais segura, agora que era necessrio reconstruir

    todos os edifcios, e por sugesto do Antnio, que acabou por ser consensual na sociedade

    portuguesa, o local escolhido, por ser o concelho onde se encontrava o centro geodsico do

    pais, foi Vila de Rei.

    Em apenas um ano, a nova sede do Governo e Assembleia da Repblica foi

    construda no centro geogrfico do pas. Um projecto que viria a receber vrios prmios

    internacionais, usando materiais leves que no agrediam a paisagem, em construes auto-

    sustentveis energeticamente e onde tudo era reciclado e reaproveitado, num estilo

    arquitectnico moderno e harmonioso. Quem passasse por perto e nada soubesse, nunca

    diria que naquele complexo estava o centro da governao nacional. Ainda me lembro do dia

    em que aps a inaugurao das instalaes eu e o Antnio nos deslocmos ao marco

    geodsico que ficava na Serra da Melria, e ali, parados diante de uma placa colocada no

    marco pudemos ler, na parte final do texto, a seguinte frase: Assim se honram VII sculos de

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    histria municipal e se pretendem lanar neste solo fecundo as sementes de esperana num futuro mais radioso

    para todos. E no podia ser mais apropriado que em terras outrora da Rainha Santa Isabel,

    estivesse a sede do Governo do pas que iria mudar o mundo.

    Depois do terramoto o governo resolveu apoiar de forma directa o projecto do

    David, que era para mim como um irmo e para o Antnio como o seu mentor espiritual

    com quem ele se aconselhava muitas vezes, embora o David nunca lhe desse respostas

    directas, deixando apenas sementes para reflexo. Esse projecto tinha como objectivo criar

    ncleos rurais, pequenas aldeias, que ligadas em rede, conseguissem viver sem dinheiro. E

    foi para esses ncleos que muitos dos desalojados do terramoto acabaram por ser

    reconduzidos, onde era oferecida habitao gratuita e um modo de vida alternativo, fazendo

    com que essas clulas crescessem ao ponto de Portugal ter cerca de 500 mil habitantes a viver

    sem dinheiro quando o colapso financeiro mundial levou o mundo inteiro banca rota. Esse

    colapso iria acontecer j no quarto mandato do Antnio.

    O terceiro mandato foi de reconstruo, de consolidao e de unio de todos os

    portugueses em torno da viso que o Antnio e o seu governo apresentaram ao pas. Foi

    tambm o perodo em que o modelo de uma sociedade sem dinheiro, implementado pelo

    David, comeou a ganhar expresso nacional com centenas de ncleos rurais ligados em rede

    onde tudo era partilhado, suprindo-se as necessidades de todos. Foi tambm no terceiro

    mandato que se implementou a unio poltica dos pases de lngua portuguesa na nova

    comunidade lusfona que tinha como pilares principais Portugal, Brasil e Angola.

    A riqueza e o dinamismo destas trs economias, e em particular as novas polticas

    adoptadas tendo como base tudo aquilo que o Antnio implementou em Portugal, ajudaram

    no crescimento e no bem-estar das populaes desses trs pases e, de forma mais intensa,

    dos pases mais pobres dessa comunidade, que se vieram a juntar depois. Mas foi no final do

    seu quarto mandato que a grande prova chegou para toda a humanidade, quando se deu a

    crise mundial definitiva, com o colapso total do sistema financeiro que levou o mundo

    banca rota. Foi o caos generalizado pelo mundo, com os exrcitos nas ruas para controlar as

    populaes enfurecidas e as pilhagens que dizimaram todas as grandes cidades. O dinheiro

    tinha acabado. Mas no meio daquele caos, havia um farol que se manteve acesso, e esse farol

    era Portugal e a Unio Lusfona. Quando a crise chegou e os bancos fecharam, o Antnio

    olhou o pas nos olhos fazendo um pacto com todos os portugueses. O seu discurso foi

    ouvido pelo mundo inteiro, pois ele tinha feito aquilo que mais ningum conseguiu fazer,

    que foi permitir uma transio pacfica de um mundo gerido pelo dinheiro, para um mundo

    onde o dinheiro tinha deixado de existir.

    - O modelo civilizacional conhecido terminou. A humanidade tem que aprender novas formas de

    viver, tem que reformular as bases sobre as quais fundeou a sua existncia. Chegou o momento histrico do

    planeta deixar o culto do Ter, que levou o mundo banca rota, para finalmente poder expressar o Ser, onde

    o Homem e o Planeta, com toda a sua diversidade, voltam a estar no centro e no mais os mercados e o

    dinheiro. Quero aqui fazer um pacto com todos os Portugueses. Que todos vs, pelo bem desta nao,

    continuem a trabalhar, que no abandonem os vossos empregos, mesmo no havendo mais um salrio no fim

    do ms, e eu comprometo-me com todos, que os produtos essenciais continuaro disponveis nos supermercados

    de forma gratuita. As reformas dos ltimos anos permitem-nos a auto-suficincia necessria para que

    possamos viver com aquilo que produzimos, mas temos que continuar a produzir, no podemos parar. O

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    dinheiro, na verdade, irrelevante. Foi uma grande miragem que nos iludiu a todos, pois este para nada serve.

    Se todos pensarmos que os recursos continuam na terra, que a mo-de-obra, a inteligncia e as competncias

    de todos ns, continuam disponveis, que as fbricas e as redes de distribuio, continuam activas, que a

    tecnologia est inventada, facilmente perceberemos que no necessitamos de dinheiro para vivermos. Foi uma

    longa caminhada desde que assumi a responsabilidade de fazer uma verdadeira revoluo neste pas ao aceitar

    candidatar-me a Primeiro-ministro h 16 anos atrs. Digo-vos que foi profundamente gratificante ter

    percebido como o povo Portugus aderiu a essa revoluo, sempre de forma pacfica e profundamente

    responsvel. Juntos mudmos o pas e o mundo, pois o modelo que aqui implementamos acabou por ser

    replicado por muitos, principalmente nos pases de lngua portuguesa e hoje aquele que poder ajudar todos

    os outros pases, que mergulharam no caos, a encontrar um rumo de volta paz. Enfrentamos todas as

    dificuldades, como as do terramoto, juntos e com elas nos unimos mais, mostrando a fora deste pas. Chegou,

    pois, a hora de, uma vez mais, darmos as mos e de cabea levantada, como um farol para o mundo,

    mostrarmos o caminho que todos tm que seguir. Termino agradecendo-vos, pois tudo o que conseguimos

    realizar s foi possvel porque houve um povo inteiro que respondeu de forma positiva e tomou nas suas mos

    essa revoluo e a responsabilidade de ser Portugus, pois sempre coube a este pas, como muitos dos poetas e

    filsofos do passado sempre anunciaram, de levar ao Mundo novos Mundos e novas formas de ser Mundo.

    Depois do discurso, os restantes elementos do governo anunciaram as medidas que

    tinham sido tomadas. Tinha sido decidido criar um carto para todos os trabalhadores. Esse

    carto seria disponibilizado a todos aqueles que continuassem a trabalhar, fosse por conta de

    outrem ou por conta prpria, permitindo que estes pudessem ir aos supermercados buscar

    todos os produtos que necessitavam como j o faziam anteriormente, bastando apresentar

    esse carto. Nos primeiros meses imps-se o racionamento desses produtos, pois muitas

    pessoas, movidas pelo medo, poderiam correr aos supermercados para levar muito mais do

    aquilo que necessitavam, mas com o tempo esse racionamento foi levantado j que todos

    perceberam que os produtos no iam faltar e que a distribuio dos mesmos seguia o mesmo

    ritmo de sempre. O carto permitia, de igual forma, o acesso aos transportes, sade e

    cultura de forma livre. Decidiu-se tambm, nacionalizar todas as empresas estratgicas do

    pas, assim como as redes de distribuio e os grandes ncleos de retalho para garantir que

    nada falhava e que tudo chegava aos locais de consumo como anteriormente. Estipulou-se,

    tambm, que as casas que as pessoas tinham hipotecado aos bancos, por ainda no terem

    concludo o pagamento dos emprstimos, revertiam automaticamente para estas sem a

    necessidade de nenhuma medida ou ajustamento adicional. Os poucos desempregados que

    existiam, seriam reintegrados nas empresas, pois sem os custos com salrios ou impostos,

    no havia razo alguma para que algum ficasse sem trabalho.

    Com o amadurecimento destas medidas, foi criado o banco das horas de trabalho

    extra que eram acumuladas nesse mesmo carto, e que permitiam que todos pudessem

    adquirir produtos que no fossem de primeira necessidade e que tinham o valor

    correspondente a horas de trabalho. A hora de trabalho passou a ser igual para todos, tendo

    o mesmo valor. As horas extra da empregada domstica ou do varredor de rua valiam

    exactamente o mesmo que as horas extra do poltico, do empresrio, do magistrado ou de

    qualquer outro trabalhador. E embora muitas dessas classes tivessem protestado

    argumentando que tiveram um esforo maior em anos de estudo e de aperfeioamento da

    carreira, para o Governo, qualquer trabalho tinha o mesmo valor, pois deveria ser visto como

    um servio que se prestava comunidade sendo o investimento que se fez resultado da

    vocao de cada um e por isso mesmo algo que no deveria ser valorizado por si mesmo, j

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    que a vocao do Juiz no era certamente mais importante que a vocao do Padeiro, pois

    se sem o primeiro no se faziam cumprir as leis, sem o segundo no teramos po para comer.

    Acabou-se assim com as classes sociais, e a sociedade caminhou a passos largos para um

    sistema verdadeiramente livre. Com o tempo, a escravido do dinheiro que mantinha as

    pessoas infelizes e incapazes de viver plenamente, desaparecera e a felicidade e o bem-estar

    passaram a estar espelhados no rosto de todos, pois no tinham mais que sobreviver para

    pagar contas, podendo simplesmente desfrutar a vida em toda a sua plenitude. E os exemplos

    claros dessas mudanas foram o do crime que praticamente desapareceu e o da sade que

    atingiu nveis nunca antes alcanados. As pessoas passaram com o tempo a trabalhar menos,

    abdicando de muitos dos produtos que poderiam conseguir com horas extra e a dedicar mais

    tempo famlia e comunidade. Com o passar dos anos outras medidas foram sendo

    implementadas, como o direito habitao. A todos aqueles que alcanavam a maioridade

    era oferecido um T0. A quem constitusse famlia era concedida um T1 num lugar sua

    escolha. Com o nascimento do primeiro filho, poderiam aceder a um T2 e a partir do terceiro

    filho a um T3. Nunca a construo civil tinha produzido tanto, agora sem o negcio do

    dinheiro por detrs. Essas casas no eram propriedade de quem as recebia, mas ficavam ao

    cargo das mesmas pelo perodo que necessitassem. O prprio conceito de propriedade

    privada foi-se diluindo com o tempo, pois num mundo sem dinheiro deixara de fazer sentido.

    As pessoas eram responsveis pela propriedade que geriam em funo das suas necessidades

    e das necessidades da comunidade enquanto esta tivesse ao seu cargo, numa espcie de

    acordo vitalcio com o Estado. Quando morressem essa propriedade revertia para o banco

    das propriedades livres podendo ser requisitada por quem dela necessitasse.

    Com o passar dos anos, o mundo inteiro comeou a sair do caos ao replicarem o

    modelo que tnhamos implementado. E embora a transio nesses outros pases, em

    particular naqueles que em tempos foram os mais ricos, tivesse sido muito dolorosa, em

    alguns deles com grandes custos sociais, aos poucos comearam a acertar o passo com os

    novos tempos e a Nova Terra que despertava, trazendo a paz para os seus povos.

    Quando o quarto mandato terminou, o Antnio no voltou a recandidatar-se, apesar

    dos apelos de todo um povo para que assim o fizesse. Ele sabia que tinha cumprido aquilo

    para que estava destinado e que agora poder-se-ia recolher ao seu espao privada de onde

    fora forado a sair pela vontade da prpria Vida. Muitos ainda insistiram para que se

    candidatasse Presidncia da Repblica ou da prpria Federao Lusfona, mas ele recusou.

    Era a altura de outros se chegarem frente e assumirem as suas responsabilidades. Um pouco

    como Nuno lvares Pereira, que aps todas as batalhas vencidas se recolheu ao claustro do

    mosteiro, tambm o Antnio despia os trajes de guerreiro, para vestir os de monge. E assim

    foi, pois quando se afastou da poltica passou a ter uma vida eremtica na comunidade do

    David, em ligao profunda com a Maria, minha filha, que sempre o inspirou. Apesar do seu

    afastamento, ele tornou-se o lder carismtico do Novo Mundo, aquele que era respeitado

    por todos pela sua coragem, pela sua firmeza e humanidade. O lder que levara o planeta

    paz depois do colapso e que unira todos os povos em torno de um Novo Paradigma.

    Nos anos seguintes vrios pases comearam a juntar-se em federaes, criando-se

    vrios ncleos pelo mundo. Hoje, ainda no avanmos para um governo mundial, mas

    inevitavelmente acabaremos por chegar a esse modelo no futuro. A nova Confederao

    Mundial, que substitui as Naes Unidas aps o Grande Colapso, juntava todas as federaes

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    e preparava-se para se transformar no ncleo do futuro Governo Mundial cujo modelo no

    seria centralizado num poder planetrio absoluto, mas num ncleo central de gesto dos

    vrios poderes federais e locais. Na verdade, naquele novo modelo, o poder estava centrado

    nas pessoas atravs das comunidades, sendo a funo do poder central o de gerir os vrios

    interesses em funo do bem comum e no de legislar ou impor polticas uniformes s

    pessoas.

    Com a morte do Antnio, j ele se tinha reformado h muitos anos de todos os

    cargos pblicos, os lderes do mundo inteiro confluram para o centro de Portugal. Os povos

    da terra assistiram pela televiso s cerimnias fnebres em profunda comoo por verem

    partir o homem que iria ser lembrado para sempre como aquele que mudou o mundo e fez

    deste planeta um lugar melhor para se viver. O meu discurso durante a cerimnia foi simples,

    lembrando a todos que ele era um ser humano como qualquer outro, com as suas fragilidades

    e inseguranas, mas que soube sonhar e acreditar nesse sonho. Tudo o que ele fez s foi

    possvel porque no centro de todas as suas polticas, desde os primeiros tempos em que se

    tornara presidente de uma cmara, estava o bem-estar das pessoas, a sua felicidade e o

    respeito pelo planeta e toda a Vida contida neste. Esse sempre fora o motor que lhe dava a

    fora para continuar quando fraquejava, e foram muitas as vezes que ele fraquejou. Quando

    isso acontecia, l estava eu, sempre presente para lhe dar todo o apoio que necessitava,

    encorajando-o a seguir em frente. Foi um privilgio ter estado ao seu lado, ter testemunhado,

    na primeira pessoa, a presena de uma Alma que tinha um resgate crmico a fazer com o pas

    pois, embora ele nunca o tivesse sabido, tinha sido, numa outra vida, aquele que nos fizera

    perder a independncia para os Espanhis e cujo regresso desde sempre foi aguardado por

    todos os portugueses para que Portugal se cumprisse, cumprindo-se o mundo. E assim foi!

    E com estas memrias deixei-me levar pela brisa morna do fim da tarde, olhando o

    lago que pintara na tela branca e depois aquele que servira de inspirao e que l em baixo

    permanecia sereno como um espelho. Aquele mesmo lago que continha no seu mago, pois

    fora o bero da sua criao, a Alma de Portugal que sempre inspirou este povo na consecuo

    de todos os seus desgnios - seja pela voz dos seus poetas ou pela aco dos seus lderes -, e

    nenhum desses desgnios ficou por se cumprir, tal a sua fora e Presena que nunca nos

    abandonou, mesmo nos momentos mais difceis.

    FIM

    Este texto constitui um dos captulos do romance Memrias de um Despertar de Pedro Elias que ser publicado a 10 de Junho de

    2014 e que neste momento est a ser distribudo gratuitamente como um contributo da editora e do autor para os tempos de hoje,

    mostrando de forma clara que possvel fazer diferente colocando no centro da aco humana, as pessoas e o seu bem-estar.

    Memrias de um Despertar o ltimo livro de um conjunto de trs obras formado, para alm deste, pelos romances Murmrios

    de um Tempo Anunciado e Janelas entre dois Mundos.

    Para mais informao sobre estas obras ou para fazer a pr-reserva do ltimo livro, visite o site da editora Caminhos de Pax em:

    www.caminhosdepax.pt/editora

    25 11 - 2013