A Saudade - COMPLETO

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  • 7/25/2019 A Saudade - COMPLETO

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    J O R N A L D O G R M I O L I T T E R A R I O P O R T U G U E Z

    o l

    I I

    D o m i n g o 41 de M a io d e 1 8 5 6

    M

    1 4

    iawsaa Q^

    P a g i n a s i n t i m a s .

    FRAG MENTO .

    QUALQUER COUSA.

    XII

    Cantate, diz que cantemos

    Cantar novo, no usado...

    GIL VICENTE.

    V O U

    escrever hoje umas

    paginas intimas

    em

    novo estilo. .

    A musa nada me d de romntico a vida

    real chama-me ao presente; e a minha penna re

    cusa escrever um periodo arrancado fora do

    pensamento.

    Nunca gostei de foral-o ; por isso que todos

    os meus escriptos se resentiram demasiado da

    espontaneidade das idas, desse colorido to r

    pido que desapparece como se formou.

    Sugeitar-me

    s

    regras gramm aticaes,como soem

    .fezer aquelles que pretendem o nome de

    littera-

    t profundos, escrever um artigo namorando

    o tecto da casa (dada a hypothese de que se es

    creva sob

    cobertaenxuta)

    escolher a linguagem,

    variar de palavras, & c , & c , tudo isto que pre

    tendo sempre evitar ; isto que eu chamarei affe-

    ctao, mau gosto, e.... esqueceu-me o resto.

    Andava ha muito tempo acariciando a ida de

    que bem depressa poderia apresentar o meu pro-

    =,gramma

    a

    minha profisso de f, ou o que vos

    parecer chamar-lhe, leitores.

    Tenho at aqui fallado ds outros quero

    hoje fallar de mim. E ' ura direito que ningum ,

    poder contestar-me, a menos que aventurem

    uma observao que meoccorreu agora. No a

    escrevo, porqpe receie envolver-me em questes

    cValta importncia, as quaes me reduziriam ao

    mister de ridculo.

    Ridicularisado, eu ? .... esta ida me causa

    calafrios 1....

    Perdo, leitores ; sei que desta vez o pobre

    escriptor das paginasintimasser apupado : sei

    q:e estou docaso pensado e rixa velha provo

    cando o vosso

    bilis....

    conheo a verdade, masj

    v o s

    disse que a musa teimava em sr-me ingra

    ta e que a minha companheira dessas horas

    de doce e profunda melancolia estava resolvida

    a pregar-me um logro.

    E' por isso que appello para a vossa generosi

    dade ; desculpai a penna e o escriptor....

    Se a

    Saudade

    quizesse por complascencia

    aceitar em silas columnas uma critica geral sobre

    tudo que desafia o sorrir irnico ; se ella acolhes

    se a minha opinio a respeito de tanta cousa m

    que vai por esse mundo ; ento eu

    v o s

    afiano, lei

    tores,

    que o meu nome seria levado posteridade

    conquistando uma reputao universal

    Prin

    cipiaria por censurar todas aquellas pessoas, que

    podendo assignar aSaudade, no o tem feito,

    devido talvez ida de que ella escripta por

    mancbos que comearam hontem a trilharadif-

    ficil e espinhosa carreira das letras.

    Censuraria a frieza com que se costumam aco

    lher os talentos novis, que morrem quando ape

    nas tem comeado.

    Censuraria (aqui que verdadeiramente vou

    comear) a moa solteira que faz da janella

    lele-

    graplio,

    quando as

    meias do papai

    reclamam to

    dos os seus cuidados

    Censuraria

    a s

    mesmas por gostarem tanto d'um

    baile, como eu nhelo possuir a fortuna de um

    Montc-Christo.

    Censuraria ainda as meninas travessas, que

    podendo brincar cora

    bonecas

    conquistara vaido

    sas o lugar-que pertence

    s

    que passaram dos2.

    Censuraria.... muita cousa, mas a

    Saudade

    uma menina discreta c sria, que

    n o l

    pela car*

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    10G

    A SAUDADE.

    tilha das suas companheiras, e neste momento

    franzindo o sobroho, me diz com polidez que

    devo fazer ponto Anal.

    No sem pedir desculpa aos leitores do logro

    que a rainha penna.... maliciosa.1 lhes pregos.

    Com os pais da

    menina

    fiquem certos que me

    arranjarei. Ponto^final.

    Rio,13 de Maio de 1856.

    A. XAVIER RODRIGUES PINTO.

    O m y s t e r i o F u m a n o u t e .

    ROMANCE

    POR

    JOSE

    MIGUEL DIAS FERREIRA.

    CAPITULO VIII

    A religiosa, que appareceu, lanou ura olhar

    furtivo para a igreja e dando com os olhos no

    vito negro,

    deu um pequeno grito de surpreza.

    O

    vultonegro

    tinha ficado olhando estupefacto;

    um tremor convulsivo lhe agitava tgdo o corpo,

    e um suor frio lhe corria da testa: passados alguns

    instantes as foras lhe faltaram, um transporte

    d'alegria to profunda lhe fez perder os sentidos

    e cahio no cho semi-mocto...

    Um padre que estava junto elle, levantou-o

    c o fez carregar para a sachristia ; e ahi lhe prin

    cipiaram a administrar os remdios triviaes, para

    fazel-o tornar a si. O medico, que um criado ti

    nha ido chamar chegou, s ao contemplar o es

    tado do doente ficou aterrado e ainda perguntou

    secomeffeito no estava m orto Oh1est phthi-

    sico so as agonias da morte ; preciso confes-

    sal-o quanto antes, talvez no dure duas ho ras,

    j no ha esperanas, e escusado tentar, sal-

    vlo ; o prprio semblante o indica. O medico a

    custe o fez voltar a si, e conhecendo que no

    havia salvao, retirou-se. O padre o fez carregar

    e o collocaram era uma cama, que prepararam

    cm ura pequeno aposento, e assentando-se ca

    beceira do doente, ficou s com elle ouvindo a

    confisso.

    Oh 1 meu padre, a dr me.toma o corao,

    e custa-me a fallar.

    A i . . . .

    tende pacincia.... Oh, eu fui muito

    -peccadr ; eu matei a j m homem, que ousou

    apossar-se da mo d'uma mulher, que o co ti

    nha destinado, para ser minha esposa oh1 eu

    voltei de longe e aehei-os casados ; o amor louco,

    me levou ao extremo;jure i esquecer Amlia .. ..

    oh ella aqui se acha ,.. . O que clizeis ?...

    E' verdade . . .. este desmaio.foi porqujedepois,

    de tantos annos , eu vi seu rosto ainda to bello

    como dantes ... . o h .l e julgava que ella meama-j

    ria ; mas a fuga, era indispensvel para occultar

    meu castigo ; voltei, -mas., h Cos .. .. ella ti

    nha professado neste C onvento .. .. e eu o queme restava neste mundo depois que conheci

    que ella tinha-me sido fiel ? chorar nossa desgra

    a . .. . e nunca mais abandonar este templo

    onde oua essa voz de anjo ; rogando a'Deos pe

    los peecadores 1.... minha doenamevai matar,

    e eu com este trajo que adoptei. tenho passado:

    sem ser conhecido, porque ainda ningum OUVQ ,

    de meus lbios pronunciar o meu nom e.... oh L

    s vos meu pad re ; eu sou Gustavo de Mag--J

    lhes .... n un cad isse a ningum nem se quer *

    um adeus .... oh1 e meu nome? esse tinha fi-,,

    cado esquecido para mim mesmo... Padre, estou,;

    arrependido dos peecados que corametti;mas era

    nome de Deos vos supplico , estou a expirar;;

    quero ver A mlia que ro v-la e morrerei sa

    tisfeito, quero ainda que ella me reconhea, eme

    perdoe ... . sim meu padre, o ultimo^pedi

    do d'um moribundo .... ide, que Deosvoabri

    r as portas do co. O padre ficou commovido

    com as lgrimas do doente; e levantando-^

    sahio.

    - - '

    Passados alguns minutos appareceu elle

    porta e precedido por duas feiras, com os vos

    descidos. Uma era a madre abbadcssa que vinha

    acompanhada de um freira.

    O semblante cadaverico do doente exprimiouma alegria tocante ; a voz ia-lbe faltando, as l

    grimas corriam-lb pelas faces. Assim que entra

    ram o padre fechou a porte e a madre abbadessa

    descobrio o rosto da freira. O doente deu um

    grito abafado pela dr, ao reconhecer o semblan

    te de Amlia ainda ali to bello . Amlia ficou

    aterrada ao contemplar

    o

    rosto descarnado do

    doente.

    Oh1 Amlia, eu vou morrer ... eu te per^

    do porque fostes innocente, eu bem tarde conhe

    c i

    Ah 1 dize-me que me perdoas tarobe;

    para poder morrer descanado1 ....Amlia ento

    tocada no mais intimo do corao, agarrouamo?j

    de Gustavo e barihando-a em lagrimas disse-lhe*.

    Oh Gustavo .. .. eu tudo te perdo, porque o

    amor faz tudo .... sim 1 eu tambm to lenho vis

    to muitas vezes contemplando-me, e tenho visto,

    tuas lagrimas de arrepend imento .. .. Gustavo foi

    pouco a pouco perdqndo o movimento, c dando

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    A SAUDADE.

    1-07

    um gemido prolongado volveu os olhos, para o

    padre, que lho deuaabsolvio; eexpirou

    i 'Amlia nosobreviveu muitos annosao des

    graado Gustavo.

    FIM.

    f Maihi l t le .

    POR A. XAVIER RODRIGUES PINTO.

    ..

    Continuao.)

    Sinto bastanteque no queira comprehender-

    me, tornou Castro com ironia ; mas, Mathilde

    pde referir-lhe, oq ue ouviodiasde Mm e. Ade

    laide.

    '* Falia, Mathilde, replicou Carlos voltando-se

    para a joven,o quedisseaFrancezaa meu res

    peito ?

    Q u e tudo quanto o Sr. tem dito delia, a seve

    ridade com quesepronuncia sobreassuas meno

    res aces, nasce de ter repellido com digni

    dade uma

    L Acaba.

    * Declarao amorosa queoSr.lh e fezemcasa

    do doutor Rego; completouamenina com voz

    to sumida, quecustouaentender.

    Porm , proseguio ella, para terminar a sua

    ida, tenho convico

    de que

    isso

    uma ca-

    himnia.

    i Pois bem,Sr. Castro, authoriso-oadeclarar

    aessa mulher, queuma infame ....

    i Se nh or. ... Infame, sim, repelio Carlos com

    exaltao: porque seno peja de descer to baixol

    Infame, sim,porque,esqueceasua dignidadede

    mulher , para se lembrar que no passa....

    d'uma

    prostituta, acerescentou Carlos ao ouvido

    deLoureno.

    k Senhor

    " Repita-lhe isto, diga-lhe que aquelle que

    pde acabrunhab a com linguagem nascida

    d'nma

    conscincia sem mancha, tem fora bastante

    para domar qualquer, sentimento em opposio

    aos deveres

    de

    homem honrado. Diga-lhe,

    em

    fim> que jamais sabirdemeus lbios uma pala

    vra Msongeira para

    a

    mulher

    que se

    vende

    para a mulher que negoceia com a sua bellez a ....

    a mulher que traz

    na

    fronte

    o

    sello fatal

    da

    per

    dio ....

    O usar lanar-lhe em faceoque acaba de

    dizer-me? perguntou Castro, rangendo os dentes

    com raiva.

    Hoje, amanh

    e

    sempre

    E eu venho proporcionar-lhe a occasio,

    atalhou uma voz.

    Por

    um

    movimento expontneo todos

    se

    volta

    ram paraolado d'ohde ella partia.

    Madame

    ....

    >

    A delaide ....

    -yInda*esta mulher ....

    Eis o triduo que

    se

    seguio

    ao

    apparecimento

    dessa pessa.

    Mathilde levntra-se,ecomo o fizera ehega-

    da

    de

    Loureno, aproximou-sedeCarlos.

    Loureno voltou-se unicamente pronunciando

    o nomedaFranceza , com uma inflexo de voz

    que muito queria dizer.

    Carlos.contentou-se em levar o charuto boca,

    expellindo pouco depois o.fumo delle, que des-

    lisando-seemgraciosas ospiraes foi baterno ros

    to da recem-vinda.

    Agradeo-lhe muito as boas ausncias que

    fezde mim, disse ella, fallando com Carlos;isso

    prova que tenho attributos.

    Alllributostoespeciaes, Mrae.,que,como

    vio, dispertaram-meaadmirao.

    A Franceza estremeceu a este sarcasmo, e con

    tinuou, com voz tremula pela raiva ou pela emo

    o.

    Aexperincia me ha mostrado que nopos

    svel destruir a impresso desfavorvel que pro

    duzi no Sr.,aquem conheo apenas a umanno;

    com tudo quer essa impresso fosse ou deixasse

    de ser lisongeira,o Sr. no devia insultaruma

    mulher comoofez ba pouco; e adm ira-me bastante

    que, vangloriando-sederespeitar as convenin

    ciasdasociedade, procedesse em contrariocom^

    migo,que lheno hei feitoomenor mal.

    Pode

    ser,

    Mme., mas no

    essa

    a

    opinio-

    do

    Sr.

    Caslro.

    Sei pouco mais ou m enos d'onde nasceu esta

    questo; seutambmqueum simples gracejo

    bastante para ferir a sua susceptibilidade, mas

    estou certo que elle no o authbrisava a pr o

    meu nome no lugar que pertence aquellas a

    quem

    o Sr. ha

    talvez endereado poemas.

    O brigado, Mme., aceitoacorreco;vou

    abjurar dos meus passados erros,

    e na

    primeiraoccasio opporluna irei depor a seus ps o fructo

    d'alguns mezesdepenitenciaeorao.

    s seus sarcasmos nada podem sobremim

    desculpo-os por partirem d^ m a creana.

    Muito bem,estimo sobremodo saberoluga

    r

    que lhe pertence; esse seu dito convenceu-me de.

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    108

    A SAUDADE.

    que os m eus clculosnofalha ram .... Que pena estende-se a meu tio e Luiz a; livre-se d'envover

    no ter eu alguns filhos

    Para que , Sr. Carlos ? Servir-lhe-hia

    d 'av . . . .

    Malhilde que escutava os dous a tremer, com-

    prehendendo que este ultimo sarcasmo ia produ

    zir a erupo volcanica da cratera que se formara

    com a junco de tantos sentimenlos oppostos,

    lanou-se aos ps do mancebo, e com voz pun

    gente e afflictiva implorou-lhe que se retirasse,

    pois que no s ella como mais algum desejava

    vl-o no meio dos seus amigos, e no entre pes

    soas que tarde ou cedo se vingariam das suas ex-

    probraes.

    Carlos no cedeu ao pedido da joven , pelo

    contrario, insinuou-a de tal frma,que, Mathilde,

    resignou-se, e foi sentar-se perto de Domingos,

    que silencioso e retirado, prestava summa atten

    o aos debates, como Carlos lhe chamara.Loureno continuava a ser mero espectador.

    Aquella alma corrupta e pervertida pensando, e

    com razo, que eram desnecessrios os seus

    apartes, pois que o seu auxilio nada faria ante a

    facilidade extrema com que a mulher responde

    aquillo que julga feril-a em seu amor prprio .

    Alm

    d'isso

    elle se rigosijava em ver dous to

    temveis adversrios combater-se com armas

    iguaes.

    A Franceza pareceu deixar escapar o ultimo

    sarcasmo de Carlos, mas pela resposta se com-

    prebende que elle tinha produzido o desejado

    effeito.

    Quereria ter filhos, disse ella ;

    6

    um desejo

    fcil de satisfazer ; sei que Mathilde vai morar em

    sua casa, e....

    Se levantaramo para uma m ulher no fos

    se acovardia mais infam e, eu foral-a-hia apedir-

    me perdo de joelhos do insulto que acaba de

    dirigir a uma innocente men ina, que recusou

    consentir em suas indignas proposies ; isto o

    nico mal que ella lhe tem feito, Mme.

    Mathilde, proseguo Carlos com menos exal

    tao, acompanha Domingos que vai conduzir-te

    a casa.

    Domingos, entrego-te Mathilde;desneces

    srio dizer-te o resto. Agora,Mm e., perante Deos que me ouve,

    eu juro esmagar a cabea da pessoa que ousar to

    car em um s cabello daquella menina

    Sr. Loureno, achar-me-ha sempre prompto

    para o que determinar, mas que diga respeito

    unicamente a mim; o juramento que fiz pouco

    qualquer d'elles nos nossos negcios, porque em

    caso contrario eu te rei fora de vontade suicien-

    te para apanhar o lobo em seu covil.

    Mm e., ao seu dispor, Sr. Loureno/"

    au

    revoir

    E Carlos desappareceu pelo lado esquerdo,

    como se tivesse assistido a qualquer divertimento

    agradvel. D'ahi a pouco ouvia-se ao longe uma

    voz fresca entoar uma cano amorosa.

    Loureno_ficra to sorprehendido com o des-'

    fecho do drama que prever, que no achou pa

    lavras para responder a Carlos.

    A Franceza seguio com ura olhar d'odio a di

    reco que tomara o mancebo, e dando um sus

    piro, disse baixinho :

    Apezar de tudo amo-o cada vez mais. "

    Vamos, Sr. Caslro.

    (

    Continua

    O s m e u s

    s o n h o s

    ou

    A HERANA DE MEU TIO.

    (Continuao.)

    j

    Sim, proseguio um ultimo interlocutor, no

    qual reconheci o retrato do tio, os m eus anteces- |

    sores conquistaram para os nossos descendentes

    a justia e a lib er da de ; faltava diligenciar-lhes

    recursos ; aceitei esta tarefa de formiga. Graas

    aos meus esforos e minha parcimnia, melho

    rei pouco a pouco a pequena herana legadapor.

    nossos pais; engrosseiaseconomias, engrandecib

    patrimnio ; deixarei aos meus suecessores seis

    vezes mais do que aquillo que recebi, e, graas

    severa probidade da senhora Felicidade^: tudV

    chegar intacto s mos do meu herdeiro.

    Por este modo ter-lhe-hei proporcibBdo vagar-

    para que cultive a sua intelligenc ia, e liberdade/

    para fazer bem, finalmente a felicidade de poder

    dedicar a sua vida aos ou tros, e de no ter de se

    occupar unicamente de si. Se fr digno deste fa

    vor, estou certo que o saber aproveitar; que ha

    de conservar no fundo do seu corao algum re-^

    conhecimento para comohomem quelhepropor

    cionou esta bella empreza ; que longe de o escar

    necer, ha de abenoal-o, e saber sanetificar o

    que o velho tio economisou sobre si mesmo para

    generosamente o prodigalisar com os outros.

    Estas ultimas palavras foram pronunciadascom

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    A SAUDADE.

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    um accento to penetrante, e to profundo senti

    mento, que estremeciameu pezar, e.... acordei

    A luz estava quasi a apagar-se, os velhos retra

    tos nos seus lugares, o inventario e o livro de

    historia tinham cahido aos ps da cama ; e reco

    nheci que tudo isto no passara de um sonho

    Um sonho, ou antes a voz do bom senso, e da

    conscincia. Os velhos retratos eram bem real

    mente os symbolos do passado ; cada um delles

    me recordava os servios prestados por um sculo,

    por uma classe.

    Eram elles que marcavam, por assim dizer, os

    *passos do tempo sobre a estrada do progresso.

    Para quem sabia comprehendel-os, encontrava

    ali a glorificao da obra consum mada pelos an

    tepassados.

    Assaltado por uma repentina ida estendia a

    mo para as quasi escurecida telas, como se ellas

    podessem yr-me e ouvir-me.

    Ah1 perd o exclam ei; perdo, velhos sol

    dados,

    magistrados

    rectos,

    com merciantes probos,

    agricultores honrados, vs sois dos tempos que

    j foram; agora comprehendo o respeito que vos

    devido. Tudo quando hoje possuo, e com que

    tanto me tornava vaidoso, foi grangeado por vos

    sas mos ; o presente no mais do que a conse

    qncia do passado,-

    e

    a tradio o instrumento

    jjo progresso. Perdo, vs que apenas conhe-

    "cestes a arvore da sciencia ainda pequena, mas

    que a regastes com o vosso suor e vosso sangue ;

    agora conheoque omeu orgulho era ingratido ;

    mas reservar-vos-hei

    d'ora

    em diante um santo

    lugar na minha lembrana.

    i",, E Vs tambm, -vestgios de um tem po que j

    no sabemos comprehender, rusticidadedevossos

    pais,velhos e esquecidos usos, de hoje em dian

    te no excitareis, nem os meus risos, nem a mi

    nha clera, porque saberei que sois as ruinas

    de uma civilisao que prehencheu a sua tarefa

    por isso deveis bem dizer sempre a vossos ante-

    .passados.

    FIM.

    t SERPA TINTO.

    i

    M e d i t a o .

    Acabavam d e soar nove horas na torre de San

    to Antnio, minha alma triste, como o vago scis-

    mar da donzella, a quem pungem saudades do

    amante ausente, abandonava-se meditao, re

    voando pelo pramo infindo do fantasiar, mas

    d'um fantasiar annuviadoporumadr ndefinivel,

    ]dessas que fazem definar e no doem. Um co ar-

    [genladoe puro, comosesero dos paizesintertro-

    picaes em noites de luar, deixa refranger em sua

    cpula nevada, o doce e meigo reflexo da rainha

    das trevas. A pequena distanciaomar, vera ima

    gem do conflicto das paixes e do estuar das iras

    humanas, arrojava suas vagas, que estrepi-

    tosas cevavam sua raiva nos rochedos, que lhes

    bordam as praias. D'outro lado, como para con

    trastar o effeito desta perspectiva de marulho e

    agitao , divisava-se uma lmpida lagoa, cujas

    guas plcidas, apenas de vez em quando abriam

    seu seio, para receber os beijos carinhosos do

    brando zephiro. No pincaro

    d'uma

    colina, em

    que me havia ido assentar, como que para inter

    por um dique entre mim e os hom ens, entre o

    tmulo e o silencio, jazia debruada no verde

    cochim de relva, que tapisa a montanha, a poeti-

    ea e magestosa capella da Senhora da Guia : di-

    rieis ao vl-a, ser uma fada benigna envolta emvo de branca gara, cora olhos perscrutadores,

    a sondar os desatinos d'Amphitrite, e guiar com

    seu mago condo os nautas temerosos. No sop ,

    do monte , offerecia-se ao indagador um^ cercado

    de raches, simulando uma pocilga d'animaes

    sunos, e era entretanto a Necropolisa morada

    da morte

    d'uma

    cidade. Os pyrilampos apezar

    do claro reflexo da lua, deixavam por vezes en

    trever resteas de pallida luz ; crerieis ao vel-os,

    que so as almas dos que ali jazem sepultos, que

    vem ahoras mortasdanoite, carpiro leitohumi-

    do e immundo era que sepultaram seus corpos.

    Que grandioso espectaculo no ministrava ao

    homem sensvel, o eonjunctodestas perspectivas,

    com suas harmonias e seus contrastes O mar

    cora

    peus

    escarcos; a terra com o seu remanso ;

    a lua com sua meiguice, o co com sua serenida

    de ,

    o lago com sua doce quietao ; o zephiro

    com sua alegria ; e a Necropolis como sombra

    deste quadro lembrando-nos a ida fatal da

    morte I

    O' meu Deos, dizia eu distendendomeusolhos

    por sobre esto panorama , quanto maravilhosa

    e admirvel a natureza porm quantomaispo

    tica e sublime me pareceria ella, se eu a divisas

    se com os olhosdocorao, e se nelle me germi

    nasse um simples pensamento d'amor 1 Sim, as

    harmonias da natureza desafiam a admirao, e

    deleitam os sentidos, mas para que ellas sejam

    bem comprehenddas, releva, que no corao do

    homem veceje essa flor pud ibunda, mimosa e

    perfumada, que se chama amor. Oh Quanto

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    A SAUDADE.

    acerbaetriste a peregrinao nesta vida, sem.um

    enteque noscomprehenda Avidasemamor,

    como um hortosemplantas, como uma, lyrasem

    cordas,

    ou

    como

    a

    estatua imperfeita,

    em que o,

    burildoartistanoimprimio ainda animao;

    finalmente, comoabonina funerea^ que vegeta

    entre tmulos

    sem os

    adejos festivos

    da

    mariposa,

    nem

    o

    terno oscular

    do

    beijaflr.

    Meu Deos, porque meno perraittis vs, que

    depareem minha romagem mundana, um ser,

    complexodebondade, meiguicee ternura,que

    me sorria, cujo coraoseexpandano meu, que

    me diga emfim nessa linguagem doce erepassada

    de ternura

    : eu te amo, o

    universo para

    mim re

    sume-seem ti? ....

    Eum enide fatal, quesurgistedo Averno, para

    trasvasar era meu corao, o veneno de tua prfida

    ternurae oengodo lethifero de teus cantos de

    sera,. fostetu, que espesinhaste, meus mais

    charos affectos, e que alquebraste minha sen

    sibilidade

    com a

    mais horrvel

    das

    decepes.

    Longe de mim tua sinistra recordao*: essa

    nuvem ferrenha

    que

    tolda

    meu

    sero evocar

    tua memria,

    ha de

    dissipar ante

    o

    condo

    salutar de

    um

    anjo,

    que

    vs,

    meu

    Deos, fatigado

    de

    meu

    agonisar, haveis

    de

    mandar

    ao meu, en

    contro. Meu Deos, permitli

    que

    esta esperana

    no seja alguma utopia, pois

    que a

    unea; ida

    queme amenisa esta vida to aoutada pelas

    decepes ....

    Cabo Frio, Abril A.

    D. A. MACIEL DO AMARAL.

    O sol e o a m o r .

    Comoamvele encantador, irmosmuicedo

    sentar-nos

    na

    encosta d'um monte,em uma dessas

    bellas manhs,a contemplarosprimeirosraiosdo

    sol,que vem despontandono formoso horisonte

    Sim, Gomonodiremos comopeito cheio de ale

    gria,

    e a

    alma tocada

    por um

    divino sentimento,

    ao contemplarmosessaobra grandiosa de

    Deos ...

    Salve, manh formosa, que vens trajando as

    mais lindas gallasque oSenhor te deu Como

    deve nascer em nosso corao

    um

    amor puro,

    consagrado

    obra grandiosa

    do

    Altssimo1

    So

    os primeiros raiosdosol, que despontamna ma

    nh mais bella, comoosnossos p rimeiros amores,

    so ainda,comoossorrisos dessa donzella

    a

    quem

    dedicamos todosos nossos affectos. Abrisaque

    brandamentenossadaaopassar nesse m omen

    to ,

    o quedirem seudoce murmrio11 Admirai

    a grandezadeDeos,dizella Equem noha de

    admiral-a ?1 T emos que meditar nesse mysterio

    profundo do co. Equem haver inda nesta vida

    tao nscio, to faltodecomprehenso, para arro

    jar-seaduvidarda existncia do Todo-Poderoso.?

    No ver elle;

    em

    cada nuvem

    que

    passa,

    em

    cada arbustoquenasceodedo gigantedo Altissi-

    m o? ....Poisoamorque nos manda essa don

    zellano seusorrirdeinnocencia,qualosraios

    do

    sol que

    despontam alm,

    com

    seu brilho doii-

    randuos cumesdos mais elevados montes.Em

    uma,e outra cousa existemuibella poesia.Oh

    eu vos saudocom os mais puros sentimentos;

    bem vindos sejais receber o tributo de'minha

    admirao,e do meuamor.

    Abrilde 1856.

    M LEITE MACHADO.

    Jk

    b o r b o l e t a .

    Borboleta feiticeira,

    Por-que vensa quipousar,

    Tens a caso algum segredo.

    Quemequeirasvircontar?'

    Vem dizer-mesebrincaste

    Com Eulina

    em

    seu jardim

    ;

    Me fallai toda a verdade,

    Dizei no, ou dizei sim.

    Sedelevenosseus dedos

    To mimosos

    te

    apertou,

    E depoismuimeigamente

    Livremente

    te

    soltou.

    Eavaidosa borboleta

    Escutouorogomeu,

    E depois erguendo o vo

    Mal apenas respondeu

    :

    Illudido sois, m ancebo,

    Buscai Eulina esquecer,

    Que tereis um desengano

    E

    vos

    pode enlouquecer.

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    A SAUDADE.

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    Ella falsa, muito falsa,

    No vos pode pertencer.;

    Fugi, pois ao precipcio

    Se no quereis l morrer.

    Foi este o fatal segredo

    Que sem medo revellou ;

    E depois abrindo as azas

    Velozmente se occultou.

    Vai-te, vai-te, borboleta,

    Para bem longe, vai sim ;

    Que teu segredo maldito

    No o quero-para mim.

    'Fiquei triste, ai bem triste,

    Na borboleta a pensar,

    E em segredo to tefando

    Sem poder acreditar.

    Desde ento nunca segredos

    De ningum eu quiz ouvir ;

    Por temer que me quizessem

    Qual borboleta mentir.

    Maio de 18S6.

    M. LE ITE MACHADO.

    l l c s e a s g a u o .

    Pedes-me, mulher, um canto

    Que t'exprima o amor santo

    Que eu outr'ora alimentei ;

    Pedes um canto subido,

    Um canto todo sentido ;

    Mas cantar no saberei.

    Tumatas tesa poesia.

    Que na mente reflectia

    Quandoa sspenseilemti

    ;

    Quando eu via a minha estrella

    A brilhar no co mui bella,

    Essa estrella que segui.

    Ah

    1

    Incauto ... horas inteiras

    Doces esperanas, fagueiras

    A formar ento passei,

    Quando entregue a doces sonhos

    Se desusavam risonhos

    Os dias que ento gosei I

    Eu devia essa esp'rana fagueira

    Para sempre no olvido lanar ;

    Eu devia, mulher traioeira,

    Vis manejos, cruel, fexprobrar.

    Eu devia jamais doces cantos

    Por tua causa na lyra taiiger ;

    Eu devia s cantos pungentes

    D'ironia, cantar, ohImulher

    Mas a lyra obedecia

    A' doce melancolia,

    Melancolia sem dor

    ;

    Pois que esse sentimento

    Me levava doce intento

    Emballado em meu amor.

    Inda vens com teus sorrisos

    O passado, me lembrar

    Inda vens dizer-me como

    Poderei, mulher, te amar ?

    Mas teus sorrisos so falsos,

    Nada podem sobre mim,

    E depois d'um desengano

    Imperar no vens assim.

    Vae-te pois, teus juramentos

    Esquece-los saberei

    As promessas que fizeste

    J d todo as olvidei.

    Foi um triste desengano,

    Mas em mim rigor insano

    D'ora avante en contrars;

    Hei-de o ser teu juiz,

    Pois que a sorte assim o quiz...

    A i

    mulher... perdida ests I...

    Rio, Maio 10 de 1856

    ANTNIO XAVIER RODRIGUES PINTO.

    Pe r t t i g a l .

    Minha terraa imagem

    Do celeste Paraso ;

    E'de Deos-mriiptente

    O mais brilhante sorriso.

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    A SAUDADE.

    E 'u m solo abenoado,

    A Ptria aonde nasci,

    As bellezas que ella encerra

    N'outra parte inda no vi.

    Tem cidades mui formosas,

    Tem campinas deleitosas,

    As fructas so saborosas

    Como mais no podem ser ;

    Produz Unho para tela,

    Tem o vinho e a canella,

    L se escuta a Philomla

    Pelos bosques a gemer.

    Tem um co onde as estrellas

    Fulguram sempre mui bellas,

    Tem a lua que como ellas

    Brilha mais qu'em outra parte

    Tem seus campos plantados

    De trigos bem semeiados

    Por pastores amestrados

    Nesse frtil ramo d'arte.

    Tem Coimbra, que tem dado

    Ao mundo povo illustrado,

    Tem esse Porto abastado

    Pelo commereio que faz ;

    Tem Lisboa a graciosa,

    Cidade rica e formosa,

    Cuja barra deleitosa

    Ao mundo franqueia em paz.

    Tem os seus templos sagrados

    Que j dos antepassados

    Anossosavs legados

    Attestamsua grandeza;

    Tem um nome engrandecido,

    Respeitado e mui temido

    Par a aquelle que atrevido

    A quer forar baixeza.

    Nocommereio, nao forte,

    Espalhadosul ao norte

    Navios de grande porte

    Com produtos sem igual.

    A m inha Ptria sagrada,

    Pelos cos abenoada

    Em todoomundo cantada

    Minha PtriaPortugal.

    Quero muito minha P tria,

    Bella Ptria ond'eu nasci,

    Por que as bellezas que encerra

    Nteutra parte inda no vi.

    Deos permitia que inda veja

    Minha P tria um so momento,

    E tranquillo no seu solo

    Tarde chegue o passamento.

    Abril de 1856.

    J . AUGUSTO DA SILVA GUIMAMKJ.

    M e s a s s u s p i r o s .

    Nem suspirar ensbia

    Antes

    de te

    conhecer,

    Depois queviteus encantos .

    Se isuspirar, se imorrer.

    ( C P . )

    Quando te ouvia cantar

    Doce emoo eu sentia,

    Era ento mais venturoso,

    Nem suspirar eu sabia.

    Logo que vi teus encantos

    Senti minh'alma soffrer,

    J no era como outr'ora -'

    Antes de te conhecer. ,;

    Desejando sempre ver-te

    Eu vivia sempre em prantos,

    Lamentei a minha sorte

    Depois que vi teus encantos.

    Desde j, oh l quanto sinto

    Meu corao padecer,

    Agora sou infeliz,

    Sei suspirar, sei morrer

    A. C. DAC

    R io DE JANEIRO TV P. DE F . A . DE ALUEI.

    Rua da Valia n. 41.

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