A Sedução Dos Homens Cultos - Artigo

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Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Departamento de História FaFich A sedução dos homens cultos O declínio do Ocidente e o conceito de Filosofia da História em Oswald Spengler

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O presente ensaio tem como objetivo discutir e problematizar importantes conceitos filosóficos presentes no interior da obra de Oswald Spengler. Centrais para as relações entre história e filosofia no âmbito da teoria, metodologia e epistemologias da história, noções como filosofia da história, história universal, universo como história e decadência da cultura ocidental são os núcleos duros da argumentação spengleriana em Der Untergang des Abendlandes (1922). Estes conceitos serão analisados no presente ensaio, numa tentativa de cotejamento com as principais perspectivas teóricas e conceituais de outros autores, tais como Friederich Nietzsche, Hegel, Jörn Rüsen, Martin Heidegger e Walter Benjamin.

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Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Departamento de História – FaFich

A sedução dos homens cultos

O declínio do Ocidente e o conceito de

Filosofia da História em Oswald Spengler

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A Decadência do Ocidente e o conceito

de Filosofia da História em Oswald Spengler

Marcus Ítalo da Cruz Augusto*

([email protected])

“Os Tempos são mais interessantes que os homens”

Honoré de Balzac

Critique Litéraire, Introduction pour Louis Lume, Paris, 1912, p. 103

[Guy de la Ponneraye, Histoire de l’Amiral Coligny]

[Das Passagen-werk, Walter Benjamin

[ N 1,1]

O presente ensaio tem como objetivo discutir e problematizar importantes

conceitos filosóficos presentes no interior da obra de Oswald Spengler. Centrais para as

relações entre história e filosofia no âmbito da teoria, metodologia e epistemologias da

história, noções como filosofia da história, história universal, universo como história e

decadência da cultura ocidental são os núcleos duros da argumentação spengleriana em

Der Untergang des Abendlandes (1922). Estes conceitos serão analisados no presente

ensaio, numa tentativa de cotejamento com as principais perspectivas teóricas e

conceituais de outros autores, tais como Friederich Nietzsche, Hegel, Jörn Rüsen,

Martin Heidegger, Walter Benjamin e Wilhelm Schapp.

Oswald Arnold Gottfried Spengler nasceu em Blankenburg, distrito de Harz em

29 de maio de 1880 no então recém-unificado Império Alemão. Spengler estudou

Filosofia e História em Munique e Berlim. Durante a fase em que esteve em Hamburgo,

lecionou física e matemática, abandonando o magistério a partir de 1914 para dedicar-se

exclusivamente à escrita daquela que seria sua principal e mais famosa obra: “A

decadência do Ocidente. Esboço de uma morfologia da História Universal” publicado

pela primeira vez, na sua versão incompleta, em 1918 e finalmente na versão completa

em dois tomos, no ano de 1922. Spengler e sua obra tiveram boa recepção entre a

intelectualidade alemã do início do século XX. Outra importante obra do autor foi Jahre

der Entscheidung (Anos decisivos,1933), livro no qual o autor aborda e analisa o

desenvolvimento da Alemanha dentro das dinâmicas da chamada História Universal.

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Em termos metodológicos, para a elaboração deste ensaio gostaríamos aplicar o

método benjaminiano da apresentação1. Entretanto, uma vez cientes das dificuldades de

aplicação deste método, ousamos aqui tomá-lo como empréstimo e não em sua

literalidade, já que sua aplicabilidade efetiva só o próprio Benjamin foi capaz de

alcançar. Portanto, nosso intuito por ora é adotá-lo a partir de seus princípios e adaptá-

los, buscando promover uma atualização2 da obra spengleriana na tentativa de

compreendê-la à luz de nosso tempo. Assim, nosso intuito é antes de tudo é empreender

uma leitura contemporânea de sua filosofia da história. A opção pelo método e da

montagem literária se dá por entendermos estes melhor se adéquam àquele que é um

esforço empreendido pelo próprio Oswald Spengler ao buscar em Goethe a inspiração

para seu método. Na seção O Método de Goethe – o Único Método Histórico, Spengler

argumenta que

Cada linha que Goethe escrevia como naturalista tinha o desígnio de

apresentar-nos a configuração do “devir”, a “forma plasmada, que,

vivendo, evolui”. Simpatias, intuições, confrontamentos, imediatas

certezas íntimas, precisas imaginações sensuais – eis os recursos que

lhe permitiam aproximar-se do mistério das aparências movediças3.

* Graduando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. 1 Walter Benjamin (1892-1940), importante filósofo, ensaísta e crítico literário judeu-alemão responsável

pela formulação de importantes reflexões nos campos da história, filosofia e teoria literária. Benjamin

ficou conhecido, sobretudo, pela hermeticidade e não sistematicidade de seu pensamento. Entendia que

cada estudo a ser realizado, demandava a criação de um método próprio. Deste modo, é na interseção

entre sua teoria da linguagem e sua teoria do conhecimento Benjamin, para explicar seu conceito de

atualização (Darstellung) propõe as seguintes formulações: “Não se trata de apresentar as obras literárias

no contexto de seu tempo, mas de apresentar, no tempo em que elas nasceram, o tempo que as revela e

conhece: o nosso” (apud Bolle, 2000, p. 47). “Método deste trabalho: montagem literária. Não tenho nada

a dizer. Só a mostrar. (...) Mas os farrapos e o lixo: estes não quero inventariar, mas fazer-lhes justiça do

único modo possível: usando-os” (apud BOLLE, 2000, p.86).

2 Sobre o conceito de Aktualisierung atualização, Jeanne-Marie Gangnebin aponta que: "Em oposição à

concepção achatada e trivial de “atualidade” como presentificação, isto é, como repetição de um valor

eterno do passado no presente, concepção apologética e repetitiva, Benjamin forja um conceito intensivo

de atualidade (Aktualität) que retoma a outra vertente semântica da palavra, ou vir a ser ato “Akt” de uma

potência. Essa atualidade plena designa muito mais a ressurgência intempestiva de um elemento

encoberto, esquecido dirá Proust, recalcado dirá Freud, do passado no presente." GAGNEBIN, Jeanne-

Marie. Walter Benjamin: estética e experiência histórica In: ALMEIDA, Jorge de; BADER, Wolfgang.

Pensamento Alemão no século XX: grandes protagonistas e recepção das obras no Brasil. São Paulo:

Goethe-Institut, Cosac & Naify, 2009. p.147.

3 SPENGLER, Oswald. A decadência do Ocidente. Esboço de uma morfologia da História Universal. Rio

de Janeiro: Ed. Zahar, 1964.p. 43. O impacto de Goethe sobre a cultura alemã é enorme, nesse sentido,

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No prefácio à edição revisada, publicado finalmente em 1922, Spengler admite

que sua leitura da chamada História Universal seja signatária não só de Goethe, bem

como também de Nietzsche: “De Goethe é o método. De Nietzsche, adotei a formulação

dos problemas, e para resumir a relação que me liga a ele, digo que converti numa

sinopse a sua visão fugaz”. Talvez seja momento fortuito para lembrarmos que “A

decadência do Ocidente” é considerada por muitos como obra prima do

conservadorismo alemão. Além disso, o forte pessimismo que marca a obra

spengleriana foi tomado como representativo do quadro geral de frustração e

pessimismo que pairava como uma nuvem negra sob a alma dos alemães desde o fim do

Império Alemão (1871-1918). Assim, o ponto de inflexão que liga diretamente os

pensamentos de Nietzsche e Spengler parece-nos ser justamente a sinopse ou tradução

do niilismo de nietzschiano ao plasmá-lo, pelo menos em parte, para o campo da análise

do processo de evolução e decadência das culturas ao longo da história.

O ponto de partida para que Oswald Spengler começasse as investigações sobre

a deterioração da cultura ocidental e que culminariam na publicação de “A decadência

do Ocidente”, foi o contexto de grave crise político-administrativa surgida entre França

e o Império Alemão pelo domínio de territórios no Marrocos. Conhecida como Crise de

Agadir e ocorrida entre 1911 e 1912 esta tensão entre França e Alemanha confirmava

aquele que seria um dos pontos apontados por Spengler como caracteristicamente

marcantes da zivilisation, fase mais avançada de evolução de uma Alta Cutura. Nesta

fase, as culturas caracterizar-se-iam por acentuada urbanização, irreligião, intelecto

puramente racional, vida mecanizada e apreço pelas formas imperialistas e ditatoriais de

exercício do poder, aos quais Spengler classificou como “cesarismos”.

A obra spengleriana foi bem recebida e bastante debatida no contexto da

intelectualidade alemã do início do século XX. Por ocasião de seu falecimento em 1936,

o "The New York Times" escreve em um editorial no qual busca evidenciar não só a

boa recepção da obra junto à intelectualidade alemã, sobretudo, aos setores mais

conservadores da sociedade àquela época, contudo, destaca-se também aquilo que já

estaria pré-codificado por Spengler para acontecer à Alemanha

não é de se surpreender que seus escritos tenham influenciado boa parte da intelectualidade alemã, dentre

eles Oswald Spengler e o próprio Walter Benjamin, já citado.

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A primeira edição de A Decadência do Ocidente apareceu não apenas

antes da ascensão de Mussolini ao poder, mas também muito antes do

aparecimento de Hitler. Assim, quando Spengler predizia a volta da

ditadura, não estava meramente profetizando um estado de coisas já

atingido. Suas profecias cumpriram-se quase completamente na

Alemanha.

Tida como obra prima do pessimismo e do conservadorismo alemão, mas, se

conservadora do ponto de vista político, a obra de Oswald Spengler revoluciona do

ponto de vista do método. Ao analisar as dinâmicas de decadência e superposição de

culturas ao longo do curso da história, Spengler propõe a adoção daquilo que seria uma

“filosofia intuitiva”, conforme se pode notar a partir das palavras do próprio autor no

prefácio à primeira edição do Tomo I de “A decadência do Ocidente”

Na minha opinião, não se trata de uma filosofia entre outras

possíveis, justificada apenas pela lógica, mas da filosofia da nossa era,

filosofia de certo modo natural, pressentida, vagamente, por todos.

Isto se pode afirmar sem presunção. Uma ideia historicamente

inevitável, que não ocorre casualmente numa época, mas plasma essa

época, é somente sob um aspecto restrito propriedade da pessoa à qual

couber engendrá-la4.

Na seção A Tarefa que integra a introdução ao primeiro tomo de sua obra,

Spengler apresenta, já nas primeiras linhas, o objetivo geral de seu livro: “Neste livro,

acomete-se pela primeira vez a tarefa de predizer a História”. Partindo deste que é o

objetivo geral de Oswald Spengler, buscaremos avaliar em que medida é possível falar

numa filosofia da história spengleriana para, a partir daí discutirmos outros conceitos

centrais presentes na obra e que corroboram com a estruturação de sua filosofia.

Ora, anteriormente havíamos falado sobre a influência que A decadência do

Ocidente exerceu sobre os principais pensadores da Alemanha dos anos de 1920.

Seduzindo a intelectualidade alemã do período, as ideias de Spengler iriam reverberar

durante muito tempo, tanto que, no aniversário de dez anos da publicação do livro, a

4 Idem, op. cit. p. 15.

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revista norte-americana Time numa revisão do segundo tomo da obra publica o

seguinte:

"Quando o primeiro volume de o Declínio do Ocidente apareceu na

Alemanha há alguns anos atrás, milhares de cópias foram vendidas. O

cultivado discurso europeu rapidamente se tornou saturado de

Spengler. O Spenglerismo jorrou das penas de inúmeros discípulos.

Era imperativo ler Spengler, simpatizar ou contrariá-lo. E ele

continua a ser assim.” 5

Realizado este preâmbulo que introduz o contexto de publicação e recepção da

obra spengleriana, passemos agora às considerações formais a respeito dos conceitos

presentes dentro do livro, bem como seu cotejamento para com outras referências

textuais importantes, na tentativa de mensurar a resposta àquela pergunta que orienta o

presente estudo, qual seja: seria possível falar, em Oswald Spengler de uma filosofia da

história? Em caso positivo, qual é a forma que toma tal filosofia? Quais conceitos a

orientam? Para responder estas questões, utilizaremo-nos dos próprios escritos do autor,

particularmente da introdução de seu livro na qual expõe as razões que o levaram a

escrevê-lo, seu objetivo, método e entendimento do que sejam os conceitos de filosofia

da história e história universal.

Genericamente, por filosofias da história podemos entender as diversas teorias

que buscaram sistematizar, através de uma leitura universalizante do tempo, as

engrenagens ou forças motrizes da história humana. O pressuposto de existência de uma

História Universal, estas teorias entendem de modo geral, que a despeito das

especificidades, idiossincrasias, regimes de historicidades intrínsecas a cada processo,

fenômeno ou acontecimento histórico no tempo e no espaço, seria possível identificar

ainda sim, uma razão de ser da história, um sentido, um caminho, um telos. Assim

sendo, de modo geral, admite-se que existam basicamente três tipos de filosofias da

história: a Filosofia da História Teológica ou Providencial, marcada por uma visão

cristã da experiência do tempo em que a ordenação do mesmo se dá segundo as

providências e ou desígnios de um ser ou autoridade superior responsável por comandar

a história dos homens.

5 “Patterns in Chaos", Time Magazine, 1928-12-10.

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A partir desta perspectiva, a trajetória humana ao longo da História Universal

resumir-se-ia a uma marcha rumo à transcendência ou à restauração de uma unidade

sublime entre homem e divindade num reino supraterreno. Outra leitura da História

Universal é a das Filosofias da História Metafísicas ou Especulativas, que por sua vez,

são relativas a concepções mais secularizadas da experiência do tempo e que buscaram

elaborá-lo a partir de uma visão antropocêntrica, passando a vigorar, sobretudo a partir

do século XVIII e tendo em Hegel seu maior expoente. Nesta concepção da história,

mais propriamente filosófica e de caráter especulativo, a vontade, a liberdade e a razão

são postas como aquelas categorias que ocupam o lugar da transcendência representada

pela providência divina nas filosóficas teológicas da história. Assim sendo, podemos

dizer de um processo de secularização em que valores transcendentais são transpostas

para o curso da história como sendo ontologicamente constituintes ou responsáveis pelo

curso da História Universal. Por fim, teríamos as revisões críticas do desenvolvimento

da história universal, deste modo, as Filosofias Críticas da História seriam nas palavras

de José Nicolao Julião aquelas que

Compromete[m]-se com uma análise epistemológica acerca das

condições de um conhecimento científico da história, que, a despeito

de seu caráter preponderantemente analítico, pretende poder ainda

amparar as concepções segundo as quais o princípio básico do

desenvolvimento histórico consistiria de certos fatores

fundamentalmente materiais e antropológicos, tais como: as relações

políticas, sociais e econômicas, os fatores geográficos, as raças e,

também, certos aspectos psicológicos6.

Martin Heidegger, por seu turno, em Ontologia. Hermenêutica da Faticidade

descreve as filosofias críticas da história como sendo formas aparentes de apresentação

unificada do conteúdo da história universal. A percepção da história universal é

unificada, segundo Heidegger nas filosofias críticas da história sob a forma de um

patrimônio ao qual ele chama de “consciência de formação” cuja essência

6 JULIÃO, José Nicolao. Ensaio de introdução à filosofia da história. In: Veritas Porto Alegre v. 55 n. 3

set./dez. 2010 p. 236-250.

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identificamos ser a mesma da “consciência histórica” de que nos fala Jörn Hüsen.

Assim sendo, para Heidegger

O modelo de relação de nosso hoje com o passado é algo que se pode

verificar nas ciências históricas do espírito. Elas apresentam-se a si

mesmas como meio em que a experiência histórica da vida passada se

faz acessível e estabelecem, além disso, como se deve objetualizar o

passado de maneira teórico-científica. Elas caracterizam o passado

histórico em sua aparência, uma aparência de concepção bem

determinada, e apresentam-no como se, em determinados aspectos,

estivesse gravado na “consciência de formação” (um como da

interpretação pública) e como se constituísse um patrimônio

disponível7.

A filosofia da história proposta por Oswald Spengler, segundo nos parece,

difere-se sensivelmente destas, pois, ao invés de se projetar-se sobre a história universal

procurando os desígnios, razões ou espírito responsável por engendrar o curso das

vicissitudes humanas no tempo, a teoria spengleriana explica o curso da história

universal não pela via dos desígnios da divina providência, nem tampouco pela astúcia

do espírito da Razão. Spengler objetifica o telos de sua filosofia da história e aponta não

para a otimista perspectiva de uma reconciliação entre o homem e Deus no reino dos

céus, nem tampouco para a realização da astucia do espírito da Razão com vias a

alcançar a liberdade do Estado. Embora parta exatamente da análise sobre a formação

de ambas as instâncias que materializam estas duas perspectivas, isto é, as Religiões e o

Estado, Spengler ao contrário de muitos, não era otimista quando ao progresso da

história e via nestas instituições exatamente os marcadores das etapas de

desenvolvimento da história universal em relação ao seu destino final, isto é, o fim

inexorável de toda e qualquer forma de cultura. Ainda a esse respeito, Martin Heidegger

aponta que Oswald Spengler foi o primeiro cuja teoria, não se contentou apenas em

projetar ou especular sobre o sentido da história universal, ele e sua filosofia da história

ousaram determinar claramente aquilo que outros autores não se atreveram a fazer ou

apenas esboçaram, quer por prudência intelectual quer porque ainda acreditassem no

progresso e evolução linear da cultura ocidental

7 HEIDEGGER, Martin. Ontologia (Hermenêutica da faticidade). Petrópolis: Ed. Vozes, 2013.pp.43-44.

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(...) A última e única determinação do ser é: a cultura é um organismo

vida autônoma e independente (desenvolvimento, florescimento,

decadência). Spengler proporcionou-nos uma expressão consequente e

suprema desse modo de ver o passado (...) o decisivo reside no fato de

Spengler realmente ter mudado de lugar tudo o que neles [Nietzsche,

Dilthey e Bergson], embora de maneira tímida e insegura, apontava

para um fim. Antes de Spengler, niguém teve a coragem de tornar

efetiva, sem receio das consequências, determinada possibilidade da

consciência histórica moderna situada na origem e no

desenvolvimento8.

Até o surgimento do pensamento de Friederich Nietzsche era praticamente

impossível negar a influência do pensamento filosófico hegeliano sobre a grande

maioria dos intelectuais de fins do século XVIII e metade do século XIX. Um dos

méritos de Hegel foi, conforme nos aponta Robert Hartman foi “seu método dinâmico”

no qual filosofia e história encontravam-se e de algum modo, um confirmava a validade

do outro, já que não houve, ainda segundo Hartman “um único grande sistema político

que tenha resistido à sua influência”. Contudo, apesar da enorme influência que Hegel

exerceria na política e no pensamento filosófico durante muito tempo, a face de sua

teoria não resistiria intacta ao golpe intempestivo e iconoclasta empreendido pelo

niilismo de Friederich Nietzsche.

A validação da filosofia da história hegeliana se deu principalmente pelo fato de

que, uma vez defendendo que a história humana resumir-se-ia a uma marcha inevitável

rumo ao progresso, esta se confirmava diante dos homens quando, ao olharem para o

passado e para o rastro que haviam deixado ao longo da História Universal, estes

constatavam que a astúcia da Razão lhes havia legado não só a política, a economia, as

instituições, como também nela encontravam explicação para o aparentemente

inexplicável horror da guerra, do mal e da fome, todos justificados pela mesma astúcia

do espírito cuja Razão se realiza na marcha dos homens pela História Universal com um

único objetivo, conduzi-los, ainda que às vezes exigindo o alto preço da tirania mais

brutal àquela forma mais perfeita de Liberdade, qual seja: a Liberdade do Estado e das

leis. Além disso, o desenvolvimento técnico-científico era inegável e tinha dado aos

incontestáveis benefícios. Como crer então que não havia progresso se simplesmente

8 Idem. op.cit. pp.43-44.

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um olhar ao redor de si lhe constatava a existência? Como duvidar que a marcha da

História Universal não se tratava, pois de um caminho linear rumo a um progresso sem

fim? Hegel assim secularizando a promessa do reino de Deus substituiu-a pelas noções

do Estado e do progresso.

Curiosamente, a semelhança entre Hegel e Spengler e consequentemente a

explicação à adesão obtida por suas respectivas filosofias da história subjaz ao fato de

que ambas as teorias pareciam, cada qual a seu tempo, estarem tão intimamente

justificada pelos acontecimentos históricos, tão amplamente verificáveis ao nível da

experiência histórica que tornava-se realmente difícil desmenti-las. Se Hegel predizia o

desenvolvimento da História Universal como consequência da manifestação da Razão

na história, Spengler explicaria o curso desta mesma História Universal como um

encadeamento inevitável e subsequente desaparecer de culturas superiores.

O fator determinante para que este ensaio afigure a tese spengleriana da

decadência das culturas como uma filosofia da história, em grande medida, parte do fato

de que é justamente por sua existência que Spengler se pergunta quando busca delinear

a tarefa de seu empreendimento intelectual.

Existe uma lógica na História? Haverá, além dos feitos avulsos, que

são casuais e imprevisíveis, uma estrutura, por assim dizer metafísica,

da Humanidade histórica, e que permaneça independente das

conhecidas e manifestas formações político-espirituais, que se veem

na superfície? Uma estrutura que, pelo contrário, origine essa

realidade secundária? Não se apresentam as grandes linhas da História

Universal aos olhos inteligentes sempre sob um aspecto que permita

tirar conclusões? E se isso for assim, quais serão então os limites de

tais deduções? Será possível descobrir na própria vida [...] os degraus

que teremos que escalar, numa sequência que não admite exceção?9

A filosofia de Oswald Spengler conforme já havíamos explicitado anteriormente

consiste no fato de que o telos da História Universal é o resultado do surgimento,

desenvolvimento e consequente desaparecimento natural de toda e qualquer forma

superior de cultura quando os limites de suas possibilidades e potencialidades criativas

9 SPENGLER, Oswald. A decadência do Ocidente. Esboço de uma morfologia da História Universal.

(Trad. Herbert Caro). Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1964. p.23.

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estiverem se esgotado. Entretanto, antes de empreender a busca pelas razões históricas

de tal processo, Spengler admite que primeiro é preciso buscar uma definição de cultura

cujos símbolos – “povos, idiomas e épocas, batalhas e ideias, Estados e deuses, artes e

obras, ciências, grandes homens e grandes acontecimentos” – possam ser tomados como

signos e interpretados do ponto de vista de seu estágio de desenvolvimento em relação

ao fim que lhe inexorável. Assim, Spengler propõe dois estágios de desenvolvimento da

cultura: a kultur que, correspondente à fase inicial da Alta Cultura, seria marcada vida

rural, religiosidade, vitalidade, vontade de poder, e instintos ascendentes. Já a

Zivilisation (civilização) é caracterizada pela forte urbanização, irreligião, intelecto

puramente racional, vida mecanizada, e decadência.

Para comprovar a sua tese, Oswald Spengler, embora reconheça a existência de

outras formas de Alta Cultura, dedica-se à análise e comparação entre três delas, a

saber: a Magiana (tipificada pela presença do elemento oriental, cultura árabe), a

Clássica (Greco-romana) e àquela cuja essência era a razão de sua análise, a Alta

Cultura Ocidental. Na obra spengleriana as culturas são entendidas à semelhança de um

organismo vivo que surge e se desenvolve, se replica em novas formas e, alcançando o

auge de suas forças reprodutivas acaba por exaurir-se e desaparecer. Assim ocorre com

todas altas formas de cultura que, alcançando o estágio de Zivilisation tendem

naturalmente para o declínio e o desaparecimento.

O tempo é certamente uma das estruturas centrais e elemento comum à todas as

filosofias da história já produzidas. É por sobre sua leitura e interpretação que os

filósofos indicam o telos, isto é, o sentido para o qual caminha o desenvolvimento da

História Universal. Mas o que significam propriamente o Tempo e a História Universal

para Spengler? Por tratar do surgimento, desaparecimento e consequente substituição

das diferentes formas de cultura umas pelas outras, o tempo na filosofia da história

spengleriana assume um caráter cíclico e irreversível, marcado sempre pelo

desaparecimento inexorável daquelas formas de cultura que tivessem chegado ao auge

de seu desenvolvimento. O tratamento formal dado por Oswald Spengler ao tempo não

passou desapercebido às críticas, dado o sucesso editorial de seu livro. A crítica mais

robusta à sua obra partiu do historiador Arthur Moeller van den Bruck, conservador

revolucionário, autor de uma das principais obras apropriadas pelo regime nazista (Das

Dritte Reich, 1923), Moeller discordava resolutamente da visão spengleriana

determinista e fatalista da história, bem como da noção de ciclos culturais destinados.

Moeller afirmava que a história era essencialmente imprevisível e não-fixa pois "Há

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sempre um começo (...) a História é a história daquilo que não calculado"10

. Além

disso, Arthur Moeller acreditava que o desenvolvimento do tempo na história não devia

compreendido de forma cíclica ou circular conforme pretendia Spengler, mas sim como

uma "espiral", e uma nação em franco declínio poderia sim, efetivamente, reverter o

quadro de sua decadência caso mudanças e eventos psicológicos ocorressem dentro

dela11

. A propósito pessimismo de Spengler, sua dimensão pode ser mensurada não

somente pela forte crítica à ideia hegeliana de progresso linear

Mas, em face da história da Humanidade civilizada, predomina um

otimismo desenfreado, a menosprezar quaisquer experiências

históricas, e com isso orgânicas, relativas ao desenvolvimento do

futuro. Cada um descobre no presente os “sintomas” de um progresso

linear, especialmente significativo, não porque possa comprová-lo

cientificamente, mas porque o acha desejável. Mas a “Humanidade”

não tem nenhum objetivo, nenhuma ideia, nenhum plano, como não os

têm as espécies de borboletas ou orquídeas12

.

Pessimismo igualmente verificável também, na total negação de sentido que o

autor atribui ao conceito de humanidade, também ele fundamental à compreensão da

ideia de História Universal, continua Spengler

A “Humanidade” é um conceito zoológico, uma palavra vazia.

Façamos com que este fantasma desapareça do círculo de problemas

relacionados às formas históricas, e logo veremos surgir uma

abundância surpreendente de formas genuínas. Em lugar da monótona

imagem de uma História Universal retilínea, deparo com o espetáculo

de múltiplas culturas poderosas, a brotarem com cósmico vigor do

seio de uma região maternal à qual permanecem todas elas ligadas,

rigorosamente, por todo o curso de sua existência13

.

10

Apud BENOIST, Alain de. Arthur Moeller van den Bruck. Elementos: Revista de Metapolítica para una

Civilización Europea, nº. 15, 11 June 2011, p. 41. Disponível online em:

http://issuu.com/sebastianjlorenz/docs/elementos_n__15. Último acesso em: 13/12/2015. 11

Idem, p. 41. 12

SPENGLER, op. cit. pp.38-39. 13

Ibidem, p. 39.

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Oswald Spengler não crê assim numa linearidade do desenvolvimento histórico

da humanidade, à qual porventura esteja subentendida igual noção de desenvolvimento

ou progresso cultural. Para ele o que há é uma multiplicidade de culturas, cujas formas

estão particularmente ligadas aos processos intrínsecos ao meio, espaço e tempo no qual

se desenvolvem. Por isso mesmo devem ser estudadas segundo sua especificidade e não

atreladas umas às outras numa relação causal em que uma seja responsável pelo

desaparecimento da outra. Spengler critica abertamente aqueles que vem na sequência

Antiguidade-Idade Média-Idade Moderna uma ligação intrínseca, orgânica e baseada

por leis de causalidade. A esse respeito, o autor comenta

Antiguidade, Idade Média, Época Moderna – eis o esquema absurdo,

incrivelmente pobre, cujo domínio absoluto sobre o nosso pensamento

histórico fez uma e outra vez com que não compreendêssemos

corretamente a verdadeira posição dessa pequena parcela do mundo,

tal como se desenvolveu no solo da Europa ocidental, desde a era dos

imperadores alemães, e com que nunca apreciássemos com exatidão o

seu nexo com a história total da humanidade civilizada no que tange à

sua categoria, à sua forma, e à duração da vida14

.

Ainda criticando virulentamente tal procedimento, o prossegue acrescendo agora

uma crítica também o eurocentrismo que marca essencialmente este esquema de

apresentação da História Universal.

Às culturas do porvir parecerá quase inacreditável, que esse esquema

jamais tenha sido abalado seriamente, não obstante a estupidez do seu

curso retilíneo e as proporções insensatas, que de século em século se

tornaram mais ilógicas, e sem embargo do fato de ele não admitir a

incorporação natural de zonas recentemente trazidas à luz da nossa

consciência histórica. Tal esquema não somente reduz a extensão da

História, como também – e isso é pior ainda – restringe-lhe o cenário.

O território da Europa ocidental constitui o polo imóvel – não se sabe

14

SPENGLER, op. cit. p. 33.

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por que, a não ser pela razão de que nós, os realizadores desse quadro

histórico nascemos justamente nesse lugar. Ao redor do mencionado

polo, giram, com toda a modéstia, milênios de história sumamente

importantes, bem como imensas culturas longínquas. Deparamos com

um sistema planetário de caráter muito singular. Escolhe-se uma

determinada região, para que sirva de centro natural de um sistema

histórico. Representando o sol, de onde os acontecimentos históricos

recevem uma iluminação autêntica, determina ela a perspectiva sob a

qual é medida a importância de tudo o quanto ocorrer15

.

Após apresentarmos as noções de tempo e as críticas tecidas por Oswald

Spengler ao modo como as filosofias da história e a historiografia procederam em

relação à apresentação do desenvolvimento da história ao longo do tempo, vejamos

então o modo como o autor conceitua História Universal. De modo geral, Spengler

apresenta-nos um conceito que, embora aproxime-se da noção geral de filosofia da

história – anteriormente apresentada neste trabalho – mas que também difere

sensivelmente desta. Segundo ele a História Universal pode ser compreendida como

Uma concepção ordenada do passado, um postulado íntimo, uma

expressão de um senso formal. Sem dúvida alguma. Mas um

sentimento, por determinado que seja, não é uma forma concreta.

Ainda que todos sintamos a História Universal, vivendo-a e crendo-

nos capazes de abrangê-la com a vista, seguros de conhecer a sua

configuração, permanece certo, todavia, que, por enquanto, só temos

conhecimento de algumas das suas formas, mas nunca da sua forma

como correlato de nossa vida íntima16

.

A este respeito o que defende Spengler ao dizer de uma não coincidência total

entre a História Universal e o íntimo de nossas experiências cotidianas, vemos sua

defesa aproximar-se, muito sensivelmente, da teoria que viria a ser desenvolvida sob

parâmetros muito peculiares anos mais tarde pelo jurista Wilhelm Schapp em seu livro

Envolvidos em Histórias – Sobre o ser do homem e o da coisa, obra na qual aponta que

a possibilidade de entendimento de que possa haver uma História Universal da qual

15

Idem, pp.33-34. 16

Ibidem, pp.33.

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14

façamos parte, em certa medida, só é possível graças ao fato de estarmos o tempo todo

envolvidos em histórias. Para Schapp é impossível desvincular quem somos daquilo que

em nós é história a nos constituir. Assim, segundo Schapp, são os homens a fonte de

toda (re)significação da experiência, bem como de todo sentido concedido às coisas do

chamado mundo exterior.

Dando prosseguimento à sua crítica ao tratamento até então dispensado à

História Universal, Spengler aponta que seu telos nunca deve referenciar ou reverenciar

o ponto na história no qual se encontra aquele que a concebeu. Assim, a História

Universal não deve servir de álibi teleológico para que a história seja resumida a um

processo que linearmente conduziu os homens ao presente daquele que a (d)escreve:

Torna-se, no entanto, completamente insustentável um método de

interpretar a História Universal, o qual dê rédea solta às convicções

políticas, religiosas ou sociais do próprio intérprete; um método que

imprima às referidas três fases, que ninguém se atreve a discutir,

rumos que as conduzam justamente ao ponto em que se encontra o

intérprete; um método que, como gabarito absoluto para medir

milênios e para demonstrar que estes não compreenderam ou não

alcançaram a verdade, empregue respectivamente, conceitos tais como

a supremacia da Razão, a humanidade, a felicidade do maior número,

a evolução econômica, o esclarecimento, a liberdade dos povos, o

triunfo sobre a Natureza, a paz mundial, ou qualquer coisa desse

quilate17

.

Conforme já dissemos anteriormente, em “A decadência do Ocidente”, o telos

determinado e determinável da História Universal para Oswald Spengler consiste no fim

das formas superiores de cultura quando estas porventura alcançassem a exaustão de

seus métodos para continuar a se reproduzir. Se pensarmos na ideia filosófica de cultura

como algo que tende para a superação progressiva em relação àquilo que lhe é anterior,

bem como para a superação de si mesma enquanto cultural, é fácil compreender como a

filosofia da história de Spengler introduz, no campo da filosofia, uma crítica radical à

ideia do progresso. Procurando melhor esboçar sua crítica, Spengler propõe que o

problema da civilização, enquanto problema de ordem filosófica consiste exatamente na

17

Idem, pp. 37-38.

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15

compreensão, ou de certo modo na aceitação do fim inevitável das formas superiores de

cultura. Assim o ponto delimitável e concreto da teoria spengleriana é senão

precisamente as civilizações (zivilisation).

Ora, cada cultura tem a sua própria civilização. Pela primeira

vez, estas duas palavras, que até agora designavam uma vaga

distinção ética, acham-se aqui empregadas num sentido

periódico, como expressões de uma sucessão orgânica, estrita e

necessária. Com isso, alcançamos o cume de onde se tornam

solúveis os derradeiros, os mais difíceis problemas da

morfologia histórica. Civilizações são os estados extremos, mais

artificiosos, que uma espécie superior de homens é capaz de

atingir. São um término. [...] Representam um fim irrevogável,

no qual sempre se chega, com absoluta necessidade18

.

Para Spengler a primeira transição de um ponto em que a humanidade era kultur e

passou ao estágio de zivilisation teria ocorrido historicamente na Antiguidade Clássica

no decorrer do século IV a.C. Já no Ocidente tal transição teria ocorrido precisamente

no século XIX e é a partir destes momentos que decisões de caráter espiritual já não são

mais tomadas como base de resolução dos problemas da experiência cotidiana, nem

tampouco da política. O homem passa a habitar não mais o mundo, mas a Metrópole

que para Spengler é o ponto referencial máximo de objetificação que a civilização

imprime no espaço, no meio físico exterior, ou seja, na Natureza.

No lugar do mundo, colocamos uma cidade, um ponto onde converge

a vida inteira de vastas regiões, enquanto definha todo o resto. Em vez

de um povo rico em formas, unido à terra, surgiu um novo nômade,

um parasita, o habitante das metrópoles, criatura meramente afeita aos

fatos reais, desligada das tradições, parcela das massas flutuantes,

amorfas, homem sem religião, inteligente, improdutivo [...] homem

18

Idem, p.47. Grifos meus.

Page 17: A Sedução Dos Homens Cultos - Artigo

16

que, portanto, representa um gigantesco passo em direção ao

inorgânico, ao fim19

.

A crítica tecida por Spengler ao progresso e às formas superiores de organização

da cultura são também encontradas em Walter Benjamin. No conjunto de sua obra,

marcadamente ensaística, o crítico literário judeu-alemão alerta para a necessidade de o

homem voltar-se novamente às formas tradicionais de organização e produção. Walter

Benjamin identificou naquilo que chamou de razão radicalizada na técnica, os perigos

de uma ciência e técnica empregadas não mais a favor da humanidade e do homem, mas

que pelo contrário, estavam sendo cooptadas pelos Estados numa desmedida política

belicosa expressa numa corrida armamentista e ameaçava a humanidade e punha a

prova já que

Grande parte da humanidade experimentava a proximidade da morte e

desmoronava em um panorama no qual, dentro de um curto espaço

temporal, nada permanecia inalterado, exceto as nuvens, e debaixo

delas, num campo de forças torrentes e explosões, o frágil e minúsculo

corpo humano20

.

Exemplificando ou de algum modo predizendo as palavras que Walter Benjamin

escreveria, anos mais tarde, no olho da tormenta, Oswald Spengler, um pouco antes,

descrevera o imperialismo como o eclipse das formas mais altas de cultura. Este mesmo

imperialismo que ele observara e analisara para a Antiguidade, que ele diagnosticara ter

levado ao colapso o Império Romano e que, à sua época, radicalizando-se nos atritos

observados entre as nações mais proeminentes da Europa – França, Inglaterra e a

própria Alemanha – conduziria o continente à guerra que sua obra parecia

sensivelmente ter pressentido21

, Spengler afirma categoricamente que “o Imperialismo é

19

Idem, p.48. 20

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura.

Tradução: Sergio Paulo Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas; v. 1) O

narrador. p.198.

21

Oswald Spengler começa a redigir A decadência do Ocidente em 1911, após três anos de trabalho tem

em mãos a primeira versão manuscrita de sua obra. Segundo relato do próprio Spengler no prefácio à

primeira edição do Tomo I, publicado em Munique em dezembro de 1917, segundo nos parece, a própria

guerra fora empecilho para que o livro não tivesse sido publicado antes. Nas palavras do próprio

Spengler: “Até a primavera de 1917, prossegui corrigindo-a, como também completei e elucidei certos

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17

a civilização pura. Assumir essa forma de existência é o destino inalterável do

Ocidente. O homem culto dirige suas energias para dentro; o civilizado para fora22

”.

A leitura fatalista que Spengler possui da História Universal e do fim

incontornável ao qual a cultura Ocidental estava predestinada coloca em evidência só

sua descrença, como apresenta também o modo pelo qual entende o autor que deva ser o

posicionamento dos sujeitos históricos em relação a este fato. Neste ponto, enxergamos

talvez as doses letais de um niilismo resignado que tenha sido administrado a Oswald

Spengler através da influência que segundo ele mesmo admite, Nietzsche possui sobre

seu pensamento

Quem não compreender que tal desenlace é absolutamente

inalterável; que nos cabe desejar isso ou nada; que temos de

amar esse destino ou desesperar do futuro e da própria vida; [...]

quem perambular pelo mundo com idealismo provinciano, à

procura do estilo de vida de épocas passadas, deverá desistir do

propósito de entender a História, de viver a História, de criar a

História23

.

Encaminhando-nos ao final de nossa apresentação sobre a filosofia da história de

Oswald Sepengler, gostaríamos apenas de destacar que o presente trabalho não quis em

momento algum reduzir a obra do autor às correlações realizadas, nem tampouco

pretendeu o esgotamento das questões que tal obra suscita. Muito em contrário,

quisemos antes disso o levantamento de novas questões, abrir horizonte à novas

perspectivas através do estabelecimento de aproximações teóricas a partir de afinidades

dialógicas que enxergamos entre seu pensamento e o de outros importantes filósofos e

teóricos da história.

Desafiadora e original, a obra de Oswald Spengler segue carecendo de novos

olhares que lhes dirigiam a atenção, de novas mentes que reinterpretem suas palavras e

tragam à luz novas e desafiadoras perspectivas que contribuam, através dele, ainda mais

pormenores. Condições anormais demoraram ainda mais o seu lançamento”. SPENGLER, Oswald. A

decadência do Ocidente. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1964. p.15.

22

SPENGLER, op. cit. p. 51. 23

Idem, p.53.

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18

para a compreensão daquela parte da história pensamento filosófico ocidental à qual a

importância de “A decadência do Ocidente” certamente ainda representa.

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19

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SPENGLER, Oswald. A decadência do Ocidente. Esboço de uma morfologia da

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