A Sedução Dos Homens Cultos - Artigo
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Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Departamento de História – FaFich
A sedução dos homens cultos
O declínio do Ocidente e o conceito de
Filosofia da História em Oswald Spengler
1
A Decadência do Ocidente e o conceito
de Filosofia da História em Oswald Spengler
Marcus Ítalo da Cruz Augusto*
“Os Tempos são mais interessantes que os homens”
Honoré de Balzac
Critique Litéraire, Introduction pour Louis Lume, Paris, 1912, p. 103
[Guy de la Ponneraye, Histoire de l’Amiral Coligny]
[Das Passagen-werk, Walter Benjamin
[ N 1,1]
O presente ensaio tem como objetivo discutir e problematizar importantes
conceitos filosóficos presentes no interior da obra de Oswald Spengler. Centrais para as
relações entre história e filosofia no âmbito da teoria, metodologia e epistemologias da
história, noções como filosofia da história, história universal, universo como história e
decadência da cultura ocidental são os núcleos duros da argumentação spengleriana em
Der Untergang des Abendlandes (1922). Estes conceitos serão analisados no presente
ensaio, numa tentativa de cotejamento com as principais perspectivas teóricas e
conceituais de outros autores, tais como Friederich Nietzsche, Hegel, Jörn Rüsen,
Martin Heidegger, Walter Benjamin e Wilhelm Schapp.
Oswald Arnold Gottfried Spengler nasceu em Blankenburg, distrito de Harz em
29 de maio de 1880 no então recém-unificado Império Alemão. Spengler estudou
Filosofia e História em Munique e Berlim. Durante a fase em que esteve em Hamburgo,
lecionou física e matemática, abandonando o magistério a partir de 1914 para dedicar-se
exclusivamente à escrita daquela que seria sua principal e mais famosa obra: “A
decadência do Ocidente. Esboço de uma morfologia da História Universal” publicado
pela primeira vez, na sua versão incompleta, em 1918 e finalmente na versão completa
em dois tomos, no ano de 1922. Spengler e sua obra tiveram boa recepção entre a
intelectualidade alemã do início do século XX. Outra importante obra do autor foi Jahre
der Entscheidung (Anos decisivos,1933), livro no qual o autor aborda e analisa o
desenvolvimento da Alemanha dentro das dinâmicas da chamada História Universal.
2
Em termos metodológicos, para a elaboração deste ensaio gostaríamos aplicar o
método benjaminiano da apresentação1. Entretanto, uma vez cientes das dificuldades de
aplicação deste método, ousamos aqui tomá-lo como empréstimo e não em sua
literalidade, já que sua aplicabilidade efetiva só o próprio Benjamin foi capaz de
alcançar. Portanto, nosso intuito por ora é adotá-lo a partir de seus princípios e adaptá-
los, buscando promover uma atualização2 da obra spengleriana na tentativa de
compreendê-la à luz de nosso tempo. Assim, nosso intuito é antes de tudo é empreender
uma leitura contemporânea de sua filosofia da história. A opção pelo método e da
montagem literária se dá por entendermos estes melhor se adéquam àquele que é um
esforço empreendido pelo próprio Oswald Spengler ao buscar em Goethe a inspiração
para seu método. Na seção O Método de Goethe – o Único Método Histórico, Spengler
argumenta que
Cada linha que Goethe escrevia como naturalista tinha o desígnio de
apresentar-nos a configuração do “devir”, a “forma plasmada, que,
vivendo, evolui”. Simpatias, intuições, confrontamentos, imediatas
certezas íntimas, precisas imaginações sensuais – eis os recursos que
lhe permitiam aproximar-se do mistério das aparências movediças3.
* Graduando em História pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. 1 Walter Benjamin (1892-1940), importante filósofo, ensaísta e crítico literário judeu-alemão responsável
pela formulação de importantes reflexões nos campos da história, filosofia e teoria literária. Benjamin
ficou conhecido, sobretudo, pela hermeticidade e não sistematicidade de seu pensamento. Entendia que
cada estudo a ser realizado, demandava a criação de um método próprio. Deste modo, é na interseção
entre sua teoria da linguagem e sua teoria do conhecimento Benjamin, para explicar seu conceito de
atualização (Darstellung) propõe as seguintes formulações: “Não se trata de apresentar as obras literárias
no contexto de seu tempo, mas de apresentar, no tempo em que elas nasceram, o tempo que as revela e
conhece: o nosso” (apud Bolle, 2000, p. 47). “Método deste trabalho: montagem literária. Não tenho nada
a dizer. Só a mostrar. (...) Mas os farrapos e o lixo: estes não quero inventariar, mas fazer-lhes justiça do
único modo possível: usando-os” (apud BOLLE, 2000, p.86).
2 Sobre o conceito de Aktualisierung atualização, Jeanne-Marie Gangnebin aponta que: "Em oposição à
concepção achatada e trivial de “atualidade” como presentificação, isto é, como repetição de um valor
eterno do passado no presente, concepção apologética e repetitiva, Benjamin forja um conceito intensivo
de atualidade (Aktualität) que retoma a outra vertente semântica da palavra, ou vir a ser ato “Akt” de uma
potência. Essa atualidade plena designa muito mais a ressurgência intempestiva de um elemento
encoberto, esquecido dirá Proust, recalcado dirá Freud, do passado no presente." GAGNEBIN, Jeanne-
Marie. Walter Benjamin: estética e experiência histórica In: ALMEIDA, Jorge de; BADER, Wolfgang.
Pensamento Alemão no século XX: grandes protagonistas e recepção das obras no Brasil. São Paulo:
Goethe-Institut, Cosac & Naify, 2009. p.147.
3 SPENGLER, Oswald. A decadência do Ocidente. Esboço de uma morfologia da História Universal. Rio
de Janeiro: Ed. Zahar, 1964.p. 43. O impacto de Goethe sobre a cultura alemã é enorme, nesse sentido,
3
No prefácio à edição revisada, publicado finalmente em 1922, Spengler admite
que sua leitura da chamada História Universal seja signatária não só de Goethe, bem
como também de Nietzsche: “De Goethe é o método. De Nietzsche, adotei a formulação
dos problemas, e para resumir a relação que me liga a ele, digo que converti numa
sinopse a sua visão fugaz”. Talvez seja momento fortuito para lembrarmos que “A
decadência do Ocidente” é considerada por muitos como obra prima do
conservadorismo alemão. Além disso, o forte pessimismo que marca a obra
spengleriana foi tomado como representativo do quadro geral de frustração e
pessimismo que pairava como uma nuvem negra sob a alma dos alemães desde o fim do
Império Alemão (1871-1918). Assim, o ponto de inflexão que liga diretamente os
pensamentos de Nietzsche e Spengler parece-nos ser justamente a sinopse ou tradução
do niilismo de nietzschiano ao plasmá-lo, pelo menos em parte, para o campo da análise
do processo de evolução e decadência das culturas ao longo da história.
O ponto de partida para que Oswald Spengler começasse as investigações sobre
a deterioração da cultura ocidental e que culminariam na publicação de “A decadência
do Ocidente”, foi o contexto de grave crise político-administrativa surgida entre França
e o Império Alemão pelo domínio de territórios no Marrocos. Conhecida como Crise de
Agadir e ocorrida entre 1911 e 1912 esta tensão entre França e Alemanha confirmava
aquele que seria um dos pontos apontados por Spengler como caracteristicamente
marcantes da zivilisation, fase mais avançada de evolução de uma Alta Cutura. Nesta
fase, as culturas caracterizar-se-iam por acentuada urbanização, irreligião, intelecto
puramente racional, vida mecanizada e apreço pelas formas imperialistas e ditatoriais de
exercício do poder, aos quais Spengler classificou como “cesarismos”.
A obra spengleriana foi bem recebida e bastante debatida no contexto da
intelectualidade alemã do início do século XX. Por ocasião de seu falecimento em 1936,
o "The New York Times" escreve em um editorial no qual busca evidenciar não só a
boa recepção da obra junto à intelectualidade alemã, sobretudo, aos setores mais
conservadores da sociedade àquela época, contudo, destaca-se também aquilo que já
estaria pré-codificado por Spengler para acontecer à Alemanha
não é de se surpreender que seus escritos tenham influenciado boa parte da intelectualidade alemã, dentre
eles Oswald Spengler e o próprio Walter Benjamin, já citado.
4
A primeira edição de A Decadência do Ocidente apareceu não apenas
antes da ascensão de Mussolini ao poder, mas também muito antes do
aparecimento de Hitler. Assim, quando Spengler predizia a volta da
ditadura, não estava meramente profetizando um estado de coisas já
atingido. Suas profecias cumpriram-se quase completamente na
Alemanha.
Tida como obra prima do pessimismo e do conservadorismo alemão, mas, se
conservadora do ponto de vista político, a obra de Oswald Spengler revoluciona do
ponto de vista do método. Ao analisar as dinâmicas de decadência e superposição de
culturas ao longo do curso da história, Spengler propõe a adoção daquilo que seria uma
“filosofia intuitiva”, conforme se pode notar a partir das palavras do próprio autor no
prefácio à primeira edição do Tomo I de “A decadência do Ocidente”
Na minha opinião, não se trata de uma filosofia entre outras
possíveis, justificada apenas pela lógica, mas da filosofia da nossa era,
filosofia de certo modo natural, pressentida, vagamente, por todos.
Isto se pode afirmar sem presunção. Uma ideia historicamente
inevitável, que não ocorre casualmente numa época, mas plasma essa
época, é somente sob um aspecto restrito propriedade da pessoa à qual
couber engendrá-la4.
Na seção A Tarefa que integra a introdução ao primeiro tomo de sua obra,
Spengler apresenta, já nas primeiras linhas, o objetivo geral de seu livro: “Neste livro,
acomete-se pela primeira vez a tarefa de predizer a História”. Partindo deste que é o
objetivo geral de Oswald Spengler, buscaremos avaliar em que medida é possível falar
numa filosofia da história spengleriana para, a partir daí discutirmos outros conceitos
centrais presentes na obra e que corroboram com a estruturação de sua filosofia.
Ora, anteriormente havíamos falado sobre a influência que A decadência do
Ocidente exerceu sobre os principais pensadores da Alemanha dos anos de 1920.
Seduzindo a intelectualidade alemã do período, as ideias de Spengler iriam reverberar
durante muito tempo, tanto que, no aniversário de dez anos da publicação do livro, a
4 Idem, op. cit. p. 15.
5
revista norte-americana Time numa revisão do segundo tomo da obra publica o
seguinte:
"Quando o primeiro volume de o Declínio do Ocidente apareceu na
Alemanha há alguns anos atrás, milhares de cópias foram vendidas. O
cultivado discurso europeu rapidamente se tornou saturado de
Spengler. O Spenglerismo jorrou das penas de inúmeros discípulos.
Era imperativo ler Spengler, simpatizar ou contrariá-lo. E ele
continua a ser assim.” 5
Realizado este preâmbulo que introduz o contexto de publicação e recepção da
obra spengleriana, passemos agora às considerações formais a respeito dos conceitos
presentes dentro do livro, bem como seu cotejamento para com outras referências
textuais importantes, na tentativa de mensurar a resposta àquela pergunta que orienta o
presente estudo, qual seja: seria possível falar, em Oswald Spengler de uma filosofia da
história? Em caso positivo, qual é a forma que toma tal filosofia? Quais conceitos a
orientam? Para responder estas questões, utilizaremo-nos dos próprios escritos do autor,
particularmente da introdução de seu livro na qual expõe as razões que o levaram a
escrevê-lo, seu objetivo, método e entendimento do que sejam os conceitos de filosofia
da história e história universal.
Genericamente, por filosofias da história podemos entender as diversas teorias
que buscaram sistematizar, através de uma leitura universalizante do tempo, as
engrenagens ou forças motrizes da história humana. O pressuposto de existência de uma
História Universal, estas teorias entendem de modo geral, que a despeito das
especificidades, idiossincrasias, regimes de historicidades intrínsecas a cada processo,
fenômeno ou acontecimento histórico no tempo e no espaço, seria possível identificar
ainda sim, uma razão de ser da história, um sentido, um caminho, um telos. Assim
sendo, de modo geral, admite-se que existam basicamente três tipos de filosofias da
história: a Filosofia da História Teológica ou Providencial, marcada por uma visão
cristã da experiência do tempo em que a ordenação do mesmo se dá segundo as
providências e ou desígnios de um ser ou autoridade superior responsável por comandar
a história dos homens.
5 “Patterns in Chaos", Time Magazine, 1928-12-10.
6
A partir desta perspectiva, a trajetória humana ao longo da História Universal
resumir-se-ia a uma marcha rumo à transcendência ou à restauração de uma unidade
sublime entre homem e divindade num reino supraterreno. Outra leitura da História
Universal é a das Filosofias da História Metafísicas ou Especulativas, que por sua vez,
são relativas a concepções mais secularizadas da experiência do tempo e que buscaram
elaborá-lo a partir de uma visão antropocêntrica, passando a vigorar, sobretudo a partir
do século XVIII e tendo em Hegel seu maior expoente. Nesta concepção da história,
mais propriamente filosófica e de caráter especulativo, a vontade, a liberdade e a razão
são postas como aquelas categorias que ocupam o lugar da transcendência representada
pela providência divina nas filosóficas teológicas da história. Assim sendo, podemos
dizer de um processo de secularização em que valores transcendentais são transpostas
para o curso da história como sendo ontologicamente constituintes ou responsáveis pelo
curso da História Universal. Por fim, teríamos as revisões críticas do desenvolvimento
da história universal, deste modo, as Filosofias Críticas da História seriam nas palavras
de José Nicolao Julião aquelas que
Compromete[m]-se com uma análise epistemológica acerca das
condições de um conhecimento científico da história, que, a despeito
de seu caráter preponderantemente analítico, pretende poder ainda
amparar as concepções segundo as quais o princípio básico do
desenvolvimento histórico consistiria de certos fatores
fundamentalmente materiais e antropológicos, tais como: as relações
políticas, sociais e econômicas, os fatores geográficos, as raças e,
também, certos aspectos psicológicos6.
Martin Heidegger, por seu turno, em Ontologia. Hermenêutica da Faticidade
descreve as filosofias críticas da história como sendo formas aparentes de apresentação
unificada do conteúdo da história universal. A percepção da história universal é
unificada, segundo Heidegger nas filosofias críticas da história sob a forma de um
patrimônio ao qual ele chama de “consciência de formação” cuja essência
6 JULIÃO, José Nicolao. Ensaio de introdução à filosofia da história. In: Veritas Porto Alegre v. 55 n. 3
set./dez. 2010 p. 236-250.
7
identificamos ser a mesma da “consciência histórica” de que nos fala Jörn Hüsen.
Assim sendo, para Heidegger
O modelo de relação de nosso hoje com o passado é algo que se pode
verificar nas ciências históricas do espírito. Elas apresentam-se a si
mesmas como meio em que a experiência histórica da vida passada se
faz acessível e estabelecem, além disso, como se deve objetualizar o
passado de maneira teórico-científica. Elas caracterizam o passado
histórico em sua aparência, uma aparência de concepção bem
determinada, e apresentam-no como se, em determinados aspectos,
estivesse gravado na “consciência de formação” (um como da
interpretação pública) e como se constituísse um patrimônio
disponível7.
A filosofia da história proposta por Oswald Spengler, segundo nos parece,
difere-se sensivelmente destas, pois, ao invés de se projetar-se sobre a história universal
procurando os desígnios, razões ou espírito responsável por engendrar o curso das
vicissitudes humanas no tempo, a teoria spengleriana explica o curso da história
universal não pela via dos desígnios da divina providência, nem tampouco pela astúcia
do espírito da Razão. Spengler objetifica o telos de sua filosofia da história e aponta não
para a otimista perspectiva de uma reconciliação entre o homem e Deus no reino dos
céus, nem tampouco para a realização da astucia do espírito da Razão com vias a
alcançar a liberdade do Estado. Embora parta exatamente da análise sobre a formação
de ambas as instâncias que materializam estas duas perspectivas, isto é, as Religiões e o
Estado, Spengler ao contrário de muitos, não era otimista quando ao progresso da
história e via nestas instituições exatamente os marcadores das etapas de
desenvolvimento da história universal em relação ao seu destino final, isto é, o fim
inexorável de toda e qualquer forma de cultura. Ainda a esse respeito, Martin Heidegger
aponta que Oswald Spengler foi o primeiro cuja teoria, não se contentou apenas em
projetar ou especular sobre o sentido da história universal, ele e sua filosofia da história
ousaram determinar claramente aquilo que outros autores não se atreveram a fazer ou
apenas esboçaram, quer por prudência intelectual quer porque ainda acreditassem no
progresso e evolução linear da cultura ocidental
7 HEIDEGGER, Martin. Ontologia (Hermenêutica da faticidade). Petrópolis: Ed. Vozes, 2013.pp.43-44.
8
(...) A última e única determinação do ser é: a cultura é um organismo
vida autônoma e independente (desenvolvimento, florescimento,
decadência). Spengler proporcionou-nos uma expressão consequente e
suprema desse modo de ver o passado (...) o decisivo reside no fato de
Spengler realmente ter mudado de lugar tudo o que neles [Nietzsche,
Dilthey e Bergson], embora de maneira tímida e insegura, apontava
para um fim. Antes de Spengler, niguém teve a coragem de tornar
efetiva, sem receio das consequências, determinada possibilidade da
consciência histórica moderna situada na origem e no
desenvolvimento8.
Até o surgimento do pensamento de Friederich Nietzsche era praticamente
impossível negar a influência do pensamento filosófico hegeliano sobre a grande
maioria dos intelectuais de fins do século XVIII e metade do século XIX. Um dos
méritos de Hegel foi, conforme nos aponta Robert Hartman foi “seu método dinâmico”
no qual filosofia e história encontravam-se e de algum modo, um confirmava a validade
do outro, já que não houve, ainda segundo Hartman “um único grande sistema político
que tenha resistido à sua influência”. Contudo, apesar da enorme influência que Hegel
exerceria na política e no pensamento filosófico durante muito tempo, a face de sua
teoria não resistiria intacta ao golpe intempestivo e iconoclasta empreendido pelo
niilismo de Friederich Nietzsche.
A validação da filosofia da história hegeliana se deu principalmente pelo fato de
que, uma vez defendendo que a história humana resumir-se-ia a uma marcha inevitável
rumo ao progresso, esta se confirmava diante dos homens quando, ao olharem para o
passado e para o rastro que haviam deixado ao longo da História Universal, estes
constatavam que a astúcia da Razão lhes havia legado não só a política, a economia, as
instituições, como também nela encontravam explicação para o aparentemente
inexplicável horror da guerra, do mal e da fome, todos justificados pela mesma astúcia
do espírito cuja Razão se realiza na marcha dos homens pela História Universal com um
único objetivo, conduzi-los, ainda que às vezes exigindo o alto preço da tirania mais
brutal àquela forma mais perfeita de Liberdade, qual seja: a Liberdade do Estado e das
leis. Além disso, o desenvolvimento técnico-científico era inegável e tinha dado aos
incontestáveis benefícios. Como crer então que não havia progresso se simplesmente
8 Idem. op.cit. pp.43-44.
9
um olhar ao redor de si lhe constatava a existência? Como duvidar que a marcha da
História Universal não se tratava, pois de um caminho linear rumo a um progresso sem
fim? Hegel assim secularizando a promessa do reino de Deus substituiu-a pelas noções
do Estado e do progresso.
Curiosamente, a semelhança entre Hegel e Spengler e consequentemente a
explicação à adesão obtida por suas respectivas filosofias da história subjaz ao fato de
que ambas as teorias pareciam, cada qual a seu tempo, estarem tão intimamente
justificada pelos acontecimentos históricos, tão amplamente verificáveis ao nível da
experiência histórica que tornava-se realmente difícil desmenti-las. Se Hegel predizia o
desenvolvimento da História Universal como consequência da manifestação da Razão
na história, Spengler explicaria o curso desta mesma História Universal como um
encadeamento inevitável e subsequente desaparecer de culturas superiores.
O fator determinante para que este ensaio afigure a tese spengleriana da
decadência das culturas como uma filosofia da história, em grande medida, parte do fato
de que é justamente por sua existência que Spengler se pergunta quando busca delinear
a tarefa de seu empreendimento intelectual.
Existe uma lógica na História? Haverá, além dos feitos avulsos, que
são casuais e imprevisíveis, uma estrutura, por assim dizer metafísica,
da Humanidade histórica, e que permaneça independente das
conhecidas e manifestas formações político-espirituais, que se veem
na superfície? Uma estrutura que, pelo contrário, origine essa
realidade secundária? Não se apresentam as grandes linhas da História
Universal aos olhos inteligentes sempre sob um aspecto que permita
tirar conclusões? E se isso for assim, quais serão então os limites de
tais deduções? Será possível descobrir na própria vida [...] os degraus
que teremos que escalar, numa sequência que não admite exceção?9
A filosofia de Oswald Spengler conforme já havíamos explicitado anteriormente
consiste no fato de que o telos da História Universal é o resultado do surgimento,
desenvolvimento e consequente desaparecimento natural de toda e qualquer forma
superior de cultura quando os limites de suas possibilidades e potencialidades criativas
9 SPENGLER, Oswald. A decadência do Ocidente. Esboço de uma morfologia da História Universal.
(Trad. Herbert Caro). Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1964. p.23.
10
estiverem se esgotado. Entretanto, antes de empreender a busca pelas razões históricas
de tal processo, Spengler admite que primeiro é preciso buscar uma definição de cultura
cujos símbolos – “povos, idiomas e épocas, batalhas e ideias, Estados e deuses, artes e
obras, ciências, grandes homens e grandes acontecimentos” – possam ser tomados como
signos e interpretados do ponto de vista de seu estágio de desenvolvimento em relação
ao fim que lhe inexorável. Assim, Spengler propõe dois estágios de desenvolvimento da
cultura: a kultur que, correspondente à fase inicial da Alta Cultura, seria marcada vida
rural, religiosidade, vitalidade, vontade de poder, e instintos ascendentes. Já a
Zivilisation (civilização) é caracterizada pela forte urbanização, irreligião, intelecto
puramente racional, vida mecanizada, e decadência.
Para comprovar a sua tese, Oswald Spengler, embora reconheça a existência de
outras formas de Alta Cultura, dedica-se à análise e comparação entre três delas, a
saber: a Magiana (tipificada pela presença do elemento oriental, cultura árabe), a
Clássica (Greco-romana) e àquela cuja essência era a razão de sua análise, a Alta
Cultura Ocidental. Na obra spengleriana as culturas são entendidas à semelhança de um
organismo vivo que surge e se desenvolve, se replica em novas formas e, alcançando o
auge de suas forças reprodutivas acaba por exaurir-se e desaparecer. Assim ocorre com
todas altas formas de cultura que, alcançando o estágio de Zivilisation tendem
naturalmente para o declínio e o desaparecimento.
O tempo é certamente uma das estruturas centrais e elemento comum à todas as
filosofias da história já produzidas. É por sobre sua leitura e interpretação que os
filósofos indicam o telos, isto é, o sentido para o qual caminha o desenvolvimento da
História Universal. Mas o que significam propriamente o Tempo e a História Universal
para Spengler? Por tratar do surgimento, desaparecimento e consequente substituição
das diferentes formas de cultura umas pelas outras, o tempo na filosofia da história
spengleriana assume um caráter cíclico e irreversível, marcado sempre pelo
desaparecimento inexorável daquelas formas de cultura que tivessem chegado ao auge
de seu desenvolvimento. O tratamento formal dado por Oswald Spengler ao tempo não
passou desapercebido às críticas, dado o sucesso editorial de seu livro. A crítica mais
robusta à sua obra partiu do historiador Arthur Moeller van den Bruck, conservador
revolucionário, autor de uma das principais obras apropriadas pelo regime nazista (Das
Dritte Reich, 1923), Moeller discordava resolutamente da visão spengleriana
determinista e fatalista da história, bem como da noção de ciclos culturais destinados.
Moeller afirmava que a história era essencialmente imprevisível e não-fixa pois "Há
11
sempre um começo (...) a História é a história daquilo que não calculado"10
. Além
disso, Arthur Moeller acreditava que o desenvolvimento do tempo na história não devia
compreendido de forma cíclica ou circular conforme pretendia Spengler, mas sim como
uma "espiral", e uma nação em franco declínio poderia sim, efetivamente, reverter o
quadro de sua decadência caso mudanças e eventos psicológicos ocorressem dentro
dela11
. A propósito pessimismo de Spengler, sua dimensão pode ser mensurada não
somente pela forte crítica à ideia hegeliana de progresso linear
Mas, em face da história da Humanidade civilizada, predomina um
otimismo desenfreado, a menosprezar quaisquer experiências
históricas, e com isso orgânicas, relativas ao desenvolvimento do
futuro. Cada um descobre no presente os “sintomas” de um progresso
linear, especialmente significativo, não porque possa comprová-lo
cientificamente, mas porque o acha desejável. Mas a “Humanidade”
não tem nenhum objetivo, nenhuma ideia, nenhum plano, como não os
têm as espécies de borboletas ou orquídeas12
.
Pessimismo igualmente verificável também, na total negação de sentido que o
autor atribui ao conceito de humanidade, também ele fundamental à compreensão da
ideia de História Universal, continua Spengler
A “Humanidade” é um conceito zoológico, uma palavra vazia.
Façamos com que este fantasma desapareça do círculo de problemas
relacionados às formas históricas, e logo veremos surgir uma
abundância surpreendente de formas genuínas. Em lugar da monótona
imagem de uma História Universal retilínea, deparo com o espetáculo
de múltiplas culturas poderosas, a brotarem com cósmico vigor do
seio de uma região maternal à qual permanecem todas elas ligadas,
rigorosamente, por todo o curso de sua existência13
.
10
Apud BENOIST, Alain de. Arthur Moeller van den Bruck. Elementos: Revista de Metapolítica para una
Civilización Europea, nº. 15, 11 June 2011, p. 41. Disponível online em:
http://issuu.com/sebastianjlorenz/docs/elementos_n__15. Último acesso em: 13/12/2015. 11
Idem, p. 41. 12
SPENGLER, op. cit. pp.38-39. 13
Ibidem, p. 39.
12
Oswald Spengler não crê assim numa linearidade do desenvolvimento histórico
da humanidade, à qual porventura esteja subentendida igual noção de desenvolvimento
ou progresso cultural. Para ele o que há é uma multiplicidade de culturas, cujas formas
estão particularmente ligadas aos processos intrínsecos ao meio, espaço e tempo no qual
se desenvolvem. Por isso mesmo devem ser estudadas segundo sua especificidade e não
atreladas umas às outras numa relação causal em que uma seja responsável pelo
desaparecimento da outra. Spengler critica abertamente aqueles que vem na sequência
Antiguidade-Idade Média-Idade Moderna uma ligação intrínseca, orgânica e baseada
por leis de causalidade. A esse respeito, o autor comenta
Antiguidade, Idade Média, Época Moderna – eis o esquema absurdo,
incrivelmente pobre, cujo domínio absoluto sobre o nosso pensamento
histórico fez uma e outra vez com que não compreendêssemos
corretamente a verdadeira posição dessa pequena parcela do mundo,
tal como se desenvolveu no solo da Europa ocidental, desde a era dos
imperadores alemães, e com que nunca apreciássemos com exatidão o
seu nexo com a história total da humanidade civilizada no que tange à
sua categoria, à sua forma, e à duração da vida14
.
Ainda criticando virulentamente tal procedimento, o prossegue acrescendo agora
uma crítica também o eurocentrismo que marca essencialmente este esquema de
apresentação da História Universal.
Às culturas do porvir parecerá quase inacreditável, que esse esquema
jamais tenha sido abalado seriamente, não obstante a estupidez do seu
curso retilíneo e as proporções insensatas, que de século em século se
tornaram mais ilógicas, e sem embargo do fato de ele não admitir a
incorporação natural de zonas recentemente trazidas à luz da nossa
consciência histórica. Tal esquema não somente reduz a extensão da
História, como também – e isso é pior ainda – restringe-lhe o cenário.
O território da Europa ocidental constitui o polo imóvel – não se sabe
14
SPENGLER, op. cit. p. 33.
13
por que, a não ser pela razão de que nós, os realizadores desse quadro
histórico nascemos justamente nesse lugar. Ao redor do mencionado
polo, giram, com toda a modéstia, milênios de história sumamente
importantes, bem como imensas culturas longínquas. Deparamos com
um sistema planetário de caráter muito singular. Escolhe-se uma
determinada região, para que sirva de centro natural de um sistema
histórico. Representando o sol, de onde os acontecimentos históricos
recevem uma iluminação autêntica, determina ela a perspectiva sob a
qual é medida a importância de tudo o quanto ocorrer15
.
Após apresentarmos as noções de tempo e as críticas tecidas por Oswald
Spengler ao modo como as filosofias da história e a historiografia procederam em
relação à apresentação do desenvolvimento da história ao longo do tempo, vejamos
então o modo como o autor conceitua História Universal. De modo geral, Spengler
apresenta-nos um conceito que, embora aproxime-se da noção geral de filosofia da
história – anteriormente apresentada neste trabalho – mas que também difere
sensivelmente desta. Segundo ele a História Universal pode ser compreendida como
Uma concepção ordenada do passado, um postulado íntimo, uma
expressão de um senso formal. Sem dúvida alguma. Mas um
sentimento, por determinado que seja, não é uma forma concreta.
Ainda que todos sintamos a História Universal, vivendo-a e crendo-
nos capazes de abrangê-la com a vista, seguros de conhecer a sua
configuração, permanece certo, todavia, que, por enquanto, só temos
conhecimento de algumas das suas formas, mas nunca da sua forma
como correlato de nossa vida íntima16
.
A este respeito o que defende Spengler ao dizer de uma não coincidência total
entre a História Universal e o íntimo de nossas experiências cotidianas, vemos sua
defesa aproximar-se, muito sensivelmente, da teoria que viria a ser desenvolvida sob
parâmetros muito peculiares anos mais tarde pelo jurista Wilhelm Schapp em seu livro
Envolvidos em Histórias – Sobre o ser do homem e o da coisa, obra na qual aponta que
a possibilidade de entendimento de que possa haver uma História Universal da qual
15
Idem, pp.33-34. 16
Ibidem, pp.33.
14
façamos parte, em certa medida, só é possível graças ao fato de estarmos o tempo todo
envolvidos em histórias. Para Schapp é impossível desvincular quem somos daquilo que
em nós é história a nos constituir. Assim, segundo Schapp, são os homens a fonte de
toda (re)significação da experiência, bem como de todo sentido concedido às coisas do
chamado mundo exterior.
Dando prosseguimento à sua crítica ao tratamento até então dispensado à
História Universal, Spengler aponta que seu telos nunca deve referenciar ou reverenciar
o ponto na história no qual se encontra aquele que a concebeu. Assim, a História
Universal não deve servir de álibi teleológico para que a história seja resumida a um
processo que linearmente conduziu os homens ao presente daquele que a (d)escreve:
Torna-se, no entanto, completamente insustentável um método de
interpretar a História Universal, o qual dê rédea solta às convicções
políticas, religiosas ou sociais do próprio intérprete; um método que
imprima às referidas três fases, que ninguém se atreve a discutir,
rumos que as conduzam justamente ao ponto em que se encontra o
intérprete; um método que, como gabarito absoluto para medir
milênios e para demonstrar que estes não compreenderam ou não
alcançaram a verdade, empregue respectivamente, conceitos tais como
a supremacia da Razão, a humanidade, a felicidade do maior número,
a evolução econômica, o esclarecimento, a liberdade dos povos, o
triunfo sobre a Natureza, a paz mundial, ou qualquer coisa desse
quilate17
.
Conforme já dissemos anteriormente, em “A decadência do Ocidente”, o telos
determinado e determinável da História Universal para Oswald Spengler consiste no fim
das formas superiores de cultura quando estas porventura alcançassem a exaustão de
seus métodos para continuar a se reproduzir. Se pensarmos na ideia filosófica de cultura
como algo que tende para a superação progressiva em relação àquilo que lhe é anterior,
bem como para a superação de si mesma enquanto cultural, é fácil compreender como a
filosofia da história de Spengler introduz, no campo da filosofia, uma crítica radical à
ideia do progresso. Procurando melhor esboçar sua crítica, Spengler propõe que o
problema da civilização, enquanto problema de ordem filosófica consiste exatamente na
17
Idem, pp. 37-38.
15
compreensão, ou de certo modo na aceitação do fim inevitável das formas superiores de
cultura. Assim o ponto delimitável e concreto da teoria spengleriana é senão
precisamente as civilizações (zivilisation).
Ora, cada cultura tem a sua própria civilização. Pela primeira
vez, estas duas palavras, que até agora designavam uma vaga
distinção ética, acham-se aqui empregadas num sentido
periódico, como expressões de uma sucessão orgânica, estrita e
necessária. Com isso, alcançamos o cume de onde se tornam
solúveis os derradeiros, os mais difíceis problemas da
morfologia histórica. Civilizações são os estados extremos, mais
artificiosos, que uma espécie superior de homens é capaz de
atingir. São um término. [...] Representam um fim irrevogável,
no qual sempre se chega, com absoluta necessidade18
.
Para Spengler a primeira transição de um ponto em que a humanidade era kultur e
passou ao estágio de zivilisation teria ocorrido historicamente na Antiguidade Clássica
no decorrer do século IV a.C. Já no Ocidente tal transição teria ocorrido precisamente
no século XIX e é a partir destes momentos que decisões de caráter espiritual já não são
mais tomadas como base de resolução dos problemas da experiência cotidiana, nem
tampouco da política. O homem passa a habitar não mais o mundo, mas a Metrópole
que para Spengler é o ponto referencial máximo de objetificação que a civilização
imprime no espaço, no meio físico exterior, ou seja, na Natureza.
No lugar do mundo, colocamos uma cidade, um ponto onde converge
a vida inteira de vastas regiões, enquanto definha todo o resto. Em vez
de um povo rico em formas, unido à terra, surgiu um novo nômade,
um parasita, o habitante das metrópoles, criatura meramente afeita aos
fatos reais, desligada das tradições, parcela das massas flutuantes,
amorfas, homem sem religião, inteligente, improdutivo [...] homem
18
Idem, p.47. Grifos meus.
16
que, portanto, representa um gigantesco passo em direção ao
inorgânico, ao fim19
.
A crítica tecida por Spengler ao progresso e às formas superiores de organização
da cultura são também encontradas em Walter Benjamin. No conjunto de sua obra,
marcadamente ensaística, o crítico literário judeu-alemão alerta para a necessidade de o
homem voltar-se novamente às formas tradicionais de organização e produção. Walter
Benjamin identificou naquilo que chamou de razão radicalizada na técnica, os perigos
de uma ciência e técnica empregadas não mais a favor da humanidade e do homem, mas
que pelo contrário, estavam sendo cooptadas pelos Estados numa desmedida política
belicosa expressa numa corrida armamentista e ameaçava a humanidade e punha a
prova já que
Grande parte da humanidade experimentava a proximidade da morte e
desmoronava em um panorama no qual, dentro de um curto espaço
temporal, nada permanecia inalterado, exceto as nuvens, e debaixo
delas, num campo de forças torrentes e explosões, o frágil e minúsculo
corpo humano20
.
Exemplificando ou de algum modo predizendo as palavras que Walter Benjamin
escreveria, anos mais tarde, no olho da tormenta, Oswald Spengler, um pouco antes,
descrevera o imperialismo como o eclipse das formas mais altas de cultura. Este mesmo
imperialismo que ele observara e analisara para a Antiguidade, que ele diagnosticara ter
levado ao colapso o Império Romano e que, à sua época, radicalizando-se nos atritos
observados entre as nações mais proeminentes da Europa – França, Inglaterra e a
própria Alemanha – conduziria o continente à guerra que sua obra parecia
sensivelmente ter pressentido21
, Spengler afirma categoricamente que “o Imperialismo é
19
Idem, p.48. 20
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura.
Tradução: Sergio Paulo Rouanet. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas; v. 1) O
narrador. p.198.
21
Oswald Spengler começa a redigir A decadência do Ocidente em 1911, após três anos de trabalho tem
em mãos a primeira versão manuscrita de sua obra. Segundo relato do próprio Spengler no prefácio à
primeira edição do Tomo I, publicado em Munique em dezembro de 1917, segundo nos parece, a própria
guerra fora empecilho para que o livro não tivesse sido publicado antes. Nas palavras do próprio
Spengler: “Até a primavera de 1917, prossegui corrigindo-a, como também completei e elucidei certos
17
a civilização pura. Assumir essa forma de existência é o destino inalterável do
Ocidente. O homem culto dirige suas energias para dentro; o civilizado para fora22
”.
A leitura fatalista que Spengler possui da História Universal e do fim
incontornável ao qual a cultura Ocidental estava predestinada coloca em evidência só
sua descrença, como apresenta também o modo pelo qual entende o autor que deva ser o
posicionamento dos sujeitos históricos em relação a este fato. Neste ponto, enxergamos
talvez as doses letais de um niilismo resignado que tenha sido administrado a Oswald
Spengler através da influência que segundo ele mesmo admite, Nietzsche possui sobre
seu pensamento
Quem não compreender que tal desenlace é absolutamente
inalterável; que nos cabe desejar isso ou nada; que temos de
amar esse destino ou desesperar do futuro e da própria vida; [...]
quem perambular pelo mundo com idealismo provinciano, à
procura do estilo de vida de épocas passadas, deverá desistir do
propósito de entender a História, de viver a História, de criar a
História23
.
Encaminhando-nos ao final de nossa apresentação sobre a filosofia da história de
Oswald Sepengler, gostaríamos apenas de destacar que o presente trabalho não quis em
momento algum reduzir a obra do autor às correlações realizadas, nem tampouco
pretendeu o esgotamento das questões que tal obra suscita. Muito em contrário,
quisemos antes disso o levantamento de novas questões, abrir horizonte à novas
perspectivas através do estabelecimento de aproximações teóricas a partir de afinidades
dialógicas que enxergamos entre seu pensamento e o de outros importantes filósofos e
teóricos da história.
Desafiadora e original, a obra de Oswald Spengler segue carecendo de novos
olhares que lhes dirigiam a atenção, de novas mentes que reinterpretem suas palavras e
tragam à luz novas e desafiadoras perspectivas que contribuam, através dele, ainda mais
pormenores. Condições anormais demoraram ainda mais o seu lançamento”. SPENGLER, Oswald. A
decadência do Ocidente. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1964. p.15.
22
SPENGLER, op. cit. p. 51. 23
Idem, p.53.
18
para a compreensão daquela parte da história pensamento filosófico ocidental à qual a
importância de “A decadência do Ocidente” certamente ainda representa.
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