A Segunda Geração Modernista brasileira: poesia...Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que...
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A Segunda Geração Modernista brasileira:
poesia
POEMA DE SETE FACES Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade.
Alguma poesia (1930)
POEMA DE SETE FACES Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Fragmentação da realidade, reconstruída como um
poliedro de sete faces, que são as sete estrofes;
Texto descontínuo, caótico,
apresentando pequenos quadros, como flashes
instantâneos das vivências do sujeito lírico.
Características da estrutura estético-formal que aproxima o
poema do Cubismo.
POEMA DE SETE FACES Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Refere-se ao nascimento do poeta. Um anjo o
condena a ser gauche (desajeitado,
inadequado) na vida.
Diferentemente dos anjos convencionais,
belos e luminosos, esse anjo é torto e vive nas
sombras.
POEMA DE SETE FACES Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração. Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
A partir da 2ª estrofe, o mundo vai sendo descrito
também como “torto”, isto é, desencontrado: homens e
mulheres se desejam, provavelmente sem se
encontrar, e as pessoas se mostram fragmentadas, vistas em movimento.
Esse cenário se apresenta por meio de METONÍMIA
POEMA DE SETE FACES Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração. Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Surge a imagem de um homem solitário (o eu poético) e quase sem
amigos, escondido atrás de uma máscara (óculos e bigode) de seriedade que o converte em estereótipo
do respeito e da incomunicabilidade.
Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade.
Alguma poesia (1930)
Nesse mundo de aparências, o sujeito
poético, na quinta estrofe, apela para Deus, embora
de antemão se saiba abandonado.
Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade.
Alguma poesia (1930)
Esta estrofe sintetiza a postura irônica e
desencantada do sujeito poético em relação ao mundo, à poesia e ao próprio sentimento.
Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade.
Alguma poesia (1930)
Lembram o Romantismo, dominado pela subjetividade e
sentimentalismo, em que o mundo real não importa,
mas as reações emocionais, o coração, do
indivíduo.
Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.
Carlos Drummond de Andrade.
Alguma poesia (1930)
Proximidade com o
“poema-piada” e utilização de linguagem
coloquial e prosaica.
Recursos típicos da primeira geração
modernista interrompem, ironicamente, o fluxo lírico iniciado na 5ª
estrofe.
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. -Ó, vida futura! Nós te criaremos. Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo (1930)
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. -Ó, vida futura! Nós te criaremos. Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo (1930)
Ecoa o poema pré-romântico de Tomás
Antônio Gonzaga
Eu tenho um coração maior que o mundo, tu formosa, Marília, bem o sabes; Um coração, e basta, Onde tu mesma cabes
Tomás Antônio Gonzaga
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. -Ó, vida futura! Nós te criaremos. Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo (1930)
Características formais:
assim como o “Poema de sete faces” os versos são livres e a estrofação
irregular. Contudo, não apresenta
a fragmentação da realidade em pequenos quadros instantâneos, típica do movimento
cubista.
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. -Ó, vida futura! Nós te criaremos. Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo (1940)
Não há individualismo, nem recusa à expressão dos
sentimentos.
O eu lírico afirma que a vida será melhor na medida em que
o coração (os sentimentos) cresça tanto que abarque o
mundo.
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. -Ó, vida futura! Nós te criaremos. Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo (1940)
ANTÍTESES. Podem se referir à época em que o poema foi escrito, a Segunda Guerra
Mundial. No contexto, o fogo significa destruição, ódio,
morte, contrastando com o amor, a vida.
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. -Ó, vida futura! Nós te criaremos.
Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo (1940)
Mostra que o sujeito lírico antevê a criação de uma vida melhor e mais humana, por
meio da luta entre os opostos: de um lado a
guerra, a destruição, a morte; de outro, a esperança, o
amor, a vida.
Mundo grande
Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.
Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. -Ó, vida futura! Nós te criaremos.
Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do mundo (1940)
CONCLUSÃO: Na 2ª Geração Modernista, o poeta se propõe a fazer uma poesia que participe diretamente da realidade, buscando transformá-la
para que se torne mais digna e humana.
1930 – inauguração de um novo período no Brasil.
- desgaste da política do café com leite;
- Tenentismo e Coluna Prestes;
- crise política das oligarquias;
- quebra da Bolsa de Nova York;
Início da Era Vargas
- busca da conciliação entre os setores agrários e urbanos.
Acentuação da tendência à industrialização.
- modernização dos engenhos açucareiros;
Busca de novos caminhos : filosóficos, sociais, políticos, existenciais.
Contexto histórico
Início: Publicação de Alguma Poesia (Carlos Drummond de Andrade, em 1930). Encerramento: 1945.
Versos livres;
Liberdade temática;
Introdução do prosaico, do coloquial e do irônico no contexto poético;
Antiacademicismo;
Engajamento do escritor nas questões do seu tempo
Características
Características tanto dos poetas da Primeira Geração Modernista quanto dos poetas de 30,
como Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes
A Geração de 30:
Inserção das conquistas e reivindicações da 1ª Geração
Modernista agora com mais amadurecimento em termos
de assimilação do Modernismo.
Conciliação de elementos da tradição com os novos
tempos.
Mudança de enfoque quanto à temática nacionalista de
22. A consciência da nacionalidade desenvolve-se e torna-
se uma consciência social mais ampla, que situa a questões
regionais e locais em um contexto universalista.
Surge a consciência de que a problemática do mundo em
que vivemos é de natureza política, ligada ao capitalismo
(com suas desigualdades e contradições) e a poesia, a arte
precisam denunciar.
Características
Poetas de cosmovisão – possuem aguda percepção
do tempo em que vivem e da necessidade de
transformá-lo, pelos caminhos escolhidos pela
sensibilidade poética.
Conclusão: a poesia da Geração de 30 substitui o
caráter radicalmente demolidor da 1ª Geração por
uma perspectiva construtiva, que valoriza o passado
e, ao mesmo tempo, preserva, aprofunda e
amadurece as conquistas de 22.
CONCILIAÇÃO CONSTRUÇÃO
UNIVERSALISMO
Principais poetas da Segunda Geração Modernista
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes
MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo: — mais nada.
Cecília Meireles
LUA ADVERSA
Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...) No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.
Pré-história
Mamãe vestida de rendas
Tocava piano no caos.
Uma noite abriu as asas
Cansada de tanto som,
Equilibrou-se no azul,
De tonta não mais olhou
Para mim, para ninguém!
Cai no álbum de retratos. Murilo Mendes
Anunciação e encontro de Mira-Celi
Quando te aproximas do mundo, Mira-Celi,
sinto a sarça de Deus arder, em círculo, sobre mim;
estão mil demônios nômades fogem nos últimos barcos,
E as planuras desertas se ondulam volutuosas.
Quando, porém, te afastas, os homens se combatem entre ranger de dentes;
a vida se torna um museu de pássaros empalhados
e de corações estanques dentro de vitrinas poentas;
infelizes crianças, que nasceram em bordéis, escondem-se atrás dos móveis,
com medo dos homens bêbados;
paira no ar um cheiro de mulher recém-poluída;
passam aviadores desmemoriados em cadeiras de rodas; veem-se tanques transformados em gaiolas de pássaros;
E submarinos apodrecendo em salmoura de suor.
[...] Jorge de Lima
Temas do cotidiano.
Reflexões sobre o tempo, o passado e a morte.
Lirismo ao mesmo tempo encantador, realista e crítico.
Ternura, melancolia, intimismo, misticismo, humor irônico
(para disfarçar o sentimentalismo), nostalgia da infância,
de pureza - são os motivos de seu mundo poético.
Profundo humanismo (no conteúdo) e ―difícil
simplicidade‖ (na forma).
Em uma aparente ingenuidade formal
se esconde uma rede de sentidos, elipses,
alusões, sutilezas verbais e rítmicas
que revelam a grandeza desse poeta.
Mário Quintana, o poeta da simplicidade
O TEMPO
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o
relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca
dourada e inútil das horas...
Seguraria o amor que está à minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente,
nunca mais voltará.
POEMINHO DO CONTRA
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
TIC-TAC
Esse tic-tac dos relógios
é a máquina de costura do
Tempo
a fabricar mortalhas.
ESPERANÇA
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na
calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…
OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
PEQUENO ESCLARECIMENTO
Os poetas não são azuis nem nada, como
pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a
ataques súbitos de levitação. O de que eles
mais gostam é estar em silêncio - um silêncio
que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e
declamatórios. Um silêncio... Este impoluível
silêncio em que escrevo e em que tu me lês.
Carlos Drummond de Andrade, o poeta da escavação do real
A mais viva expressão entre a Geração de 22 e a de 30.
Trajetória poética dividida em três fases.
Primeira fase “mundo mundo vasto mundo/
mais vasto é meu coração”
Eu > que o mundo. (fase “gauche”)
Sente-se um ―gauche‖, um desajeitado.
Desencanto em relação ao mundo.
Expressa o ―orgulho mineiro‖.
Poesia concentrada no homem.
Ironia e humor (que não faz rir).
Emoção contida, represada.
Poema de sete faces.
Pessimismo, isolamento, individualismo e reflexão existencial.
Segunda fase “mundo mundo vasto mundo/ Se eu me chamasse
Raimundo/ Seria uma rima, não seria uma solução” Eu = mundo. (fase social) Sente-se abandonado por Deus, sem ilusões ou devaneios,
resolvido a enfrentar o mundo: ―a pedra no meio do caminho‖. É o real a sua escolha.
Ausência de sentido: ―E agora, José?/Você marcha, José!/ José,
para onde?‖
Consciência da solidão e falta de opções. Para o poeta, é preciso unir poesia e vida, homem e mundo,
sonho e realidade, sem deixar de perceber a ―pedra no meio
do caminho‖.
Desafio maior do poeta: jamais se permitir escapar do real e, ao
mesmo tempo, jamais deixar de ser poeta.
Vontade do poeta de participar e tentar transformar o
mundo. O poeta se solidariza com os problemas do mundo.
Terceira fase “Não, meu coração não é maior que o mundo./
É muito menor”
Coração < mundo (poesia filosófica e tempo das
memórias.
Maturidade humana e poética singular.
Temas: iniquidades do sistema capitalista, questões
sociais e políticas deflagradas pela guerra,
metalinguagem poética (depuração técnica e
refinamento poética).
Obra: ―A rosa do povo‖ (1945)
Temas de preocupação universal como a vida e a morte.
Recordações da infância e da família.
No meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
DE MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens
presentes,
a vida presente.
SENTIMENTO DO MUNDO
"Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo. Por isso me grito,
por isso frequento os jornais, me exponho cruamente nas
livrarias:
preciso de todos.
Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua. A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens. A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens.
as diferentes dores dos homens.
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que elo estale.
Fecha os olhos e esquece. Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo... Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos —— voltarão?
Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração. Só agora descubro como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem com que homens se comunicam.)
Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.
Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar.
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio
Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.
Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
— Ó vida futura! nós te criaremos
ANDRADE, Carlos D.
Sentimento do mundo.
CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO
Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
O que é a lírica moderna? O lirismo moderno é aquele em que o poeta ―está preso
à vida‖, não pode deixar de enfrentá-la, porque lhe é
necessário denunciar as suas contradições, suas
desigualdades.
Há preocupação com o social.
Obras engajadas.
Características de Drummond que o destacam como um grande poeta do lirismo moderno:
A sobriedade
O humor discreto
A ironia fina
A contenção emocional
A clareza inflexível na percepção minuciosa do real.