A Segunda Guerra Púnica e a Construção Da “Armadilha Cívica” Nas Histórias, De Políbio

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Praesentia 9 (2008) A segunda guerra púnica e a construção da “armadilha cívica” nas Histórias , de Políbio (The Second Punic War and the construction of “civic trap” in Polybius’ Histories) Henrique Modanez de Santa Ana Universidad de Brasilia Resumo Resumo: Este artigo analisa a Segunda Guerra Púnica a partir da questão do militarismo cívico presente nas Histórias, de Políbio. Levando em consideração o contexto de emergência da tradição militar helenística, desenvolvo um estudo acerca das táticas empregadas em todas as batalhas decisivas deste conflito, travado entre Roma e Cartago. Palavras-chave : guerra, tática, Cartago, Roma. Abstract This article analyses the Second Punic War from the matter of civic militarism founded in Polybius’ Histories. Taking into consideration the context of emergence of the Hellenistic military tradition, I develop a study on the tactics employed in all decisive battles of this conflict fought between Rome and Carthage . Key words: warfare, tactic, Carthage , Rome . Recepción: 12/04/2008 Evaluación: 16/05/2008 Aceptación: 30/05/2008 1.1. PRELÚDIO DA GUERRA Pensando a história antiga de modo relacional, percebemos que no início do séc. III a.C., enquanto diversos reinos surgiam como desdobramento da fragmentação do Império Macedônico, a aproximação dos romanos com a Sicília, especificamente com a cidade de Taras (a Tarentum romana), promoveu um rompimento no acordo antes feito com a pólis dotada da maior frota da península itálica[1]. Estava claro que Roma, então republicana, não ignoraria o apelo advindo de seus aliados da Magna Grécia e que Taras não permitiria a presença das tropas romanas no golfo tarentino. Com isso, instaurou-se uma situação cujo fruto final seria a intervenção de Pirro nos assuntos peninsulares, justificando tal postura pela defesa dos gregos contra um poder estrangeiro ( xenos ), como fizera Filipe II quase oitenta anos antes contra os persas. Após Pirro, os gregos do sul da península itálica perceberam que não poderiam fazer frente aos romanos e, em 272, os tarentinos decidiram aceitar a aliança proposta por eles. O resultado da campanha de Pirro provocou no cenário político do Mediterrâneo ocidental abalo

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Artigo academico

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  • A segunda guerra pnica e a construo da armadilha cvica nas Histrias, de Polbio

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    Praesentia 9 (2008)

    A segunda guerra pnica e a construo da armadilha cvica nas Histrias, dePolbio

    (The Second Punic War and the construction of civic trap in Polybius Histories)

    Henrique Modanez de Santa Ana

    Universidad de Brasilia

    ResumoResumo: Este artigo analisa a Segunda Guerra Pnica a partir da questo do militarismocvico presente nas Histrias, de Polbio. Levando em considerao o contexto deemergncia da tradio militar helenstica, desenvolvo um estudo acerca das tticasempregadas em todas as batalhas decisivas deste conflito, travado entre Roma e Cartago.

    Palavras-chave: guerra, ttica, Cartago, Roma.

    AbstractThis article analyses the Second Punic War from the matter of civic militarism founded inPolybius Histories. Taking into consideration the context of emergence of the Hellenisticmilitary tradition, I develop a study on the tactics employed in all decisive battles of thisconflict fought between Rome and Carthage . Key words: warfare, tactic, Carthage , Rome . Recepcin: 12/04/2008Evaluacin: 16/05/2008Aceptacin: 30/05/2008

    1.1. PRELDIO DA GUERRA

    Pensando a histria antiga de modo relacional, percebemos que no incio do sc. III a.C.,enquanto diversos reinos surgiam como desdobramento da fragmentao do ImprioMacednico, a aproximao dos romanos com a Siclia, especificamente com a cidade deTaras (a Tarentum romana), promoveu um rompimento no acordo antes feito com a plisdotada da maior frota da pennsula itlica[1]. Estava claro que Roma, ento republicana, noignoraria o apelo advindo de seus aliados da Magna Grcia e que Taras no permitiria apresena das tropas romanas no golfo tarentino. Com isso, instaurou-se uma situao cujofruto final seria a interveno de Pirro nos assuntos peninsulares, justificando tal postura peladefesa dos gregos contra um poder estrangeiro (xenos), como fizera Filipe II quase oitentaanos antes contra os persas.

    Aps Pirro, os gregos do sul da pennsula itlica perceberam que no poderiam fazer frenteaos romanos e, em 272, os tarentinos decidiram aceitar a aliana proposta por eles. Oresultado da campanha de Pirro provocou no cenrio poltico do Mediterrneo ocidental abalo

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    suficiente para fazer com que o reino ptolomaico entrasse em relaes diplomticas comRoma, provando o reconhecimento dos romanos diante dos reinos subseqentes ao imprioalexandrino. Alm disso, encurtou a distncia com o maior poder do Mediterrneo ocidental,isto , a cidade fundada pelos fencios no sc. VIII a.C. e que agora se mostrava interessadaem assumir o controle da Siclia: Cartago.

    No contexto de fixao do conflito armado contra os cartagineses, o recrutamento domercenrio espartano Xantipo como comandante das foras armadas terrestres pnicasobedece a uma lgica estranha ao exrcito cvico romano. Nesses termos, deve ser percebidoque o grande problema do exrcito cartagins era o mesmo dos persas no sc. V a.C.: acarncia de uma tradio de infantaria pesadamente armada. A inexistncia de infantes quecumprissem funo ttica semelhante a dos hoplitas ou legionrios era ainda agravada com ofato dos comandantes cartagineses (antes da reforma elaborada por Xantipo) desconheceremas formas bsicas de integrao ttica, difundidas em toda a Hlade e nos reinos sucessoresdo Imprio de Alexandre.

    No momento em que Xantipo , ento contratado pelos cartagineses, observou a quantidade decavalos e elefantes (elephantas) dos quais dispunham Cartago, deduziu, de acordo comPolbio, que perdiam as batalhas para os romanos devido impercia de seus comandantes.Ao dispor as tropas contra o cnsul romano e suas legies, o mercenrio fez marchar a frentedo exrcito os elefantes, na tentativa de suprir a deficincia de tropas de choque com oataque intimidador dos animais. Atrs da investida inicial seguia a infantaria cartaginesa, auma distncia segura e ladeada pela cavalaria.

    Os romanos, em contrapartida, temendo o ataque dos elefantes, densificaram as linhascentrais no intuito de barrar a investida, mas falharam totalmente em seus clculos contra acavalaria cartaginesa, muito superior romana[2]. A partir da vitria nas alas, os cavaleiroscercaram os legionrios que comeavam a repelir o ataque dos elefantes, mas se viramobrigados a combater tanto os cavaleiros que os flanqueavam quanto a infantaria cartaginesaque lhes chegava intacta e ordenada. A partir de Xantipo (que assegurou apenas essa vitriacomo comandante, segundo Polbio), as foras cartaginesas combateram de modo taticamenteintegrado, ora executando manobras que supriam o problema da infantaria de choque, oraempregando mercenrios ou elefantes como substituto para a carncia de exrcito quemarchava sob o princpio da eutaxia.

    Por meio da Campanha Prrica, os romanos entraram em contato direto com a tradio militarhelenstica, que se desenvolvia paralelamente fixao de uma cultura militar pautada nadefesa do militarismo cvico. No entanto, a reforma ttica que permitiu o avano das tropasromanas em campo de batalha, sem sofrer os efeitos do envolvimento de manobra de tipomacednico, ocorreu apenas alguns anos depois, durante a Segunda Guerra Pnica. A vitriasobre Pirro no eliminou, portanto, os problemas aos quais foram submetidas s legiesquando enfrentavam um exrcito helenstico bem preparado. Isto se deveu especialmente aofato de que, diante do interesse crescente pela Siclia por parte das maiores cidades doMediterrneo ocidental, os exrcitos mercenrios se impuseram como necessrios, uma vezque os cartagineses no possuam qualquer tradio na utilizao de tropas cvicas. Dessemodo, a integrao ttica tpica dos exrcitos mercenrios, aliada falta de familiaridade dos

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    cartagineses no que se refere ao comando de soldados em terra firme, fez com que fosselegado o controle e treinamento de suas tropas (compostas tanto de mercenrios quanto depovos aliados africanos) a um misthophoros de nome Xantipo.

    Com apenas uma referncia em Polbio (1, 32), Xantipo se encarregou de apresentar aoscartagineses a tradio militar helenstica, especialmente no que se refere aos dispositivostticos. Com isso, pde vencer o cnsul romano na frica e organizar o exrcito cartaginsem sintonia com a complementaridade ttica necessria no contexto de consolidao dosexrcitos profissionais. Os prprios romanos, quando passaram fase do imperialismoofensivo[3], perceberam a incompatibilidade do exrcito cvico com guerras encaminhadaslonge da cidade natal.

    Com o fim da guerra em 241 a .C., quando Amlcar resignou ao comando do exrcito,Cartago enfrentou o maior problema no ps-guerra (talvez at mais grave que as exignciasromanas). Os mercenrios que haviam retornado sem pagamento do conflito na Sicliarequereram seu misthos e, diante da recusa por parte dos cartagineses, pegaram em armas eavanaram contra Tunis e logo contra Cartago. No entanto, a vitria dos cartagineses sob ocomando de Amlcar Barca, especificamente na batalha de Bagradas ( 239 a .C.), encerrou aguerra mercenria. Este conflito pode ser analisado, juntamente com as guerras pnicas[4], apartir de dois elementos interligados que, em nosso entender, no devem ser dissociados: (a)a formao da tradio militar helenstica e sua adaptao por cartagineses e romanos e (b) aconstituio de uma escola ttica difusora desta tradio, que une os planos de batalhaempregados tanto por comandantes cartagineses quanto por romanos (especialmente no quese refere manobra de envolvimento de tipo macednico).

    1.2. OS TRS MOMENTOS DA SEGUNDA GUERRA PNICA

    Aps os anos transcorridos entre o fim da guerra mercenria e a expanso do territriocartagins, observamos que, diante do assassinato de Asdrbal ( 221 a .C.), o comando doexrcito cartagins ficou sob responsabilidade de Anbal Barca, filho de Amlcar Barca,criado por quase toda sua vida na regio mais nova do Imprio construdo por Cartago: achamada Hispnia romana. Com Anbal, o perodo de paz se transformou em guerra aberta,especialmente a partir do ataque a Sagunto, cidade aliada dos romanos.

    O questionamento do por que o conflito foi retomado por parte dos cartagineses refere-se, emnvel inicial, ao juramento relatado por Polbio, no qual Anbal, ainda jovem, prometeu a seupai que no se tornaria aliado de Roma e que, alm disso, encaminharia a guerra contra eles.

    Nas palavras de Polbio[5] ao apresentar a explicao de Anbal para a guerra:

    (...) quando seu pai estava por cruzar a Hispnia com suas tropas, Anbal tinha noveanos e estava prximo a um altar onde Amlcar oferecia um sacrifcio a Zeus. Uma vezque obteve agouros favorveis, libou em honra aos deuses, cumpriu os ritos prescritose, ordenando que todos os demais que assistiam o sacrifcio se afastassem um pouco,chamou Anbal e perguntou amavelmente se ele queria acompanhar-lhe na expedio(...) Amlcar o conduziu pela mo direita at o altar e o fez jurar, tocando as oferendas,que jamais seria aliado dos romanos.

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    A investigao elaborada por parte do historiador deve ser dirigida, evidentemente, com basena documentao, mas sempre em relao ao contexto onde as informaes foramproduzidas. Em outras palavras, cabe interrogar, para alm da procedncia da lenda referenteao juramento de Anbal, sobre as relaes polticas existentes entre as duas potncias doMediterrneo ocidental no sc. III a.C.

    De um lado, com o controle poltico da pennsula itlica, encontrava-se a cidade de Roma,tendo seu domnio estendido de partes da Glia Cisalpina (considerada pacificada pelosromanos sob Jlio Csar, no sc. I a.C.) Magna Grcia, regio que limitava um lado dafronteira imaginada para o fortalecimento da posio no Mediterrneo ocidental. Do outrolado, estava a cidade de Cartago, possibilitando o entendimento de uma fronteira imaginadaa partir da idia de que o controle de um limite (Magna Grcia ou norte da frica) e daregio de fronteira (as ilhas que intermediavam as duas regies citadas) implicaria emfortalecimento poltico.

    De acordo com Scullard[6],

    A histria externa de Cartago, que principalmente a histria de sua tentativa deconstruir e manter seu comrcio, recai sobre trs perodos bvios: 1) o esforo inicialpara dominar os outros estabelecimentos fencios e a populao nativa do norte dafrica; 2) a tentativa de controle exclusivo do Mediterrneo ocidental, da qualresultaram sculos de guerra com os gregos; 3) e finalmente sua trs guerras contraRoma.

    Diante da existncia de trs perodos bvios na histria de Cartago, devemos enfatizar ofato da escrita sobre os eventos que caracterizaram a derrota dos cartagineses para osromanos ser especialmente externa, ou seja, elaborada em um universo referencial queprimava pela noo de dever cvico, o que era estranho cultura cartaginesa.

    A partir desta nfase, adentramos a questo do porque a historiografia referente a segundaguerra pnica permanece, especificamente em se tratando do modelo ocidental de guerra,submetida ao que chamamos de armadilha cvica. Uma hiptese plausvel pode ser o tipode evidncias que chegaram at ns sobre os cartagineses, quase sempre a partir dasconstrues feitas por gregos vistos como romanizados (Polbio) e por romanos (a exemplode Tito Lvio).

    Assim, consideramos interessante desdobrar o argumento que diz respeito questo domilitarismo cvico na obra de Polbio ao longo da anlise da segunda guerra pnica,percebendo seu quadro estratgico geral e suas fases de aplicao ttica. Isso significa dizerque o cerco de Sagunto, considerado como incio do conflito, no pode ser pensado de modoisolado, pois est estreitamente ligado ao conjunto de eventos que permitem a organizao dasegunda guerra pnica em trs momentos.

    Em primeiro lugar, de 218 a 216 a .C., do incio da guerra (com o cerco de Sagunto) batalha de Canas, entendemos que se encontra o primeiro momento da guerra, na medida emque aps a vitria obtida em Canas, Anbal poderia ter invadido Roma, no fosse peladeficincia de maquinrios de cerco. Em seguida, de 216 a 205 a .C., configura-se o segundomomento da guerra, quando Cipio foi eleito cnsul e, de acordo com solicitao aprovada

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    pelo Senado, inverteu o princpio estratgico do confronto, passando a utilizar o mesmo planogeral de Anbal: atacar diretamente o centro poltico inimigo.

    Por ltimo, caracterizando a ltima fase do conflito, de 205 a 202 a .C., quando Anbal foiderrotado em batalha decisiva, emergiu a adaptao bem sucedida do cnsul Cipio, entoAfricano. A manobra envolvente empregada pelos romanos, aliada aos problemas polticosexistentes entre o Conselho cartagins e os Barca e traio do reino da Numdia, fez comque a situao em Zama fosse completamente desfavorvel ao comandante cartagins,servindo de marco para o fim do conflito e de base para a reforma ttica encaminhada nainfantaria legionria.

    1.2.1. DO CERCO DE SAGUNTO (218) BATALHA DE CANAS ( 216 A .C.)

    O cerco de Sagunto, conforme dito anteriormente, significou o incio do segundo conflitoentre romanos e cartagineses. Segundo Polbio[7], os cartagineses romperam com o acordode no atravessar o Ebro em armas.

    Os romanos, tomando os deuses por testemunhas, exigiram que Anbal se mantivesseafastado dos saguntinos (pois estavam sob sua proteo) e no cruzasse o rio Ebro,segundo o pacto estabelecido com Asdrbal.

    Entretanto, existia uma segunda razo pela qual Roma no queria que os cartaginesescruzassem o rio. Segundo Michael Grant[8], o medo que os romanos tinham dos cartaginesesmarcharem pelos Pirineus, atravessando a Glia Cisalpina, onde celtas poderiam juntar-se aeles, fazia com que a tenso entre as duas potncias aumentasse.

    Aps a primeira vitria aniblica sobre os romanos no Rio Ticino, quando Roma pensavacontar com o cansao das tropas cartaginesas, Cipio se retirou para Placentia e montou seuacampamento na frente da cidade. De acordo com Tenney Frank[9], desde que Cipiocortou as pontes atrs dele, Anbal marchou pelo P para encontrar uma passagem.

    Em seguida, no que viria a ser conhecido como a batalha de Trbia ( 218 a .C.), diante detodos os preparativos para a execuo de um plano direcionado realizao do confrontodecisivo, Anbal levava em conta, de acordo com Polbio[10], trs fatores. Em primeirolugar, pretendia tirar proveito do ardor combativo dos celtas, enquanto o desejo de lutarcontra os romanos estava ainda intacto. Em segundo lugar, quanto mais cedo o combate fossetravado, mais proveito Anbal tiraria da inexperincia das tropas romanas. Por ltimo, ocomandante cartagins considerava interessante lutar enquanto Cipio era assolado por umaenfermidade, o que garantiria o mximo aproveitamento no que se refere ao carterinexperiente das legies.

    Anbal disps seu irmo Mago, ento no comando de excelente cavalaria, em terreno propcioa emboscada, na medida em que inibia a viso dos romanos pela proximidade com avegetao ao redor do rio. Enquanto isso, tendo os romanos respondido a provocaocartaginesa, iniciada com um ataque furtivo dos nmidas, as tropas sob o comando de Barcase alimentavam e realizavam os ltimos preparativos para o embate, aguardando que osromanos em marcha cruzassem despreparados o frio Trbia.

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    Aps a travessia do rio, no momento em que o choque frontal ocorreu[11], os romanos seviram pressionados pelos elefantes cartagineses, dispostos frente da cavalaria, enquanto asltimas linhas legionrias sofriam constantes ataques das foras montadas de Mago, queemergiu da emboscada com sucesso.

    Em 217, fruto do contexto de expanso da participao dos plebeus nas magistraturasromanas, foi eleito para o segundo consulado Flamnio, que tentou conter o avano doscartagineses para o sul, acampando prximo a Etrria. Anbal, no entanto, optou por utilizaruma rota alternativa (deve-se dizer, pantanosa), que asseguraria a surpresa quando doconfronto com o inimigo e impossibilitaria a unio dos dois cnsules, aproveitando-se daansiedade de Flamnio, que optou por avanar contra o inimigo.

    Marchando em direo a Roma pela Etrria, Anbal tinha a sua esquerda a cidade de Crotonae os montes que a cercavam e a direita o lago Trasimeno. Ciente da trajetria do comandanteromano, tirou proveito do espao entre as colinas e o lago, dispondo as tropas ligeiras emposio favorvel a emboscada, na medida em que acreditava no avano precipitado dosromanos. Acampou com os africanos e os iberos no local que se opunha frontalmente aocaminho[12], induzindo a marcha de Flamnio e, desse modo, conseguiu atingir o objetivo deatacar os adversrios em diversos pontos, confundindo at mesmo as operaes deauxlio[13].

    A vitria no lago Trasimeno instaura a discusso sobre o porqu, antes mesmo de Canas,Anbal no avanou em direo a cidade de Roma e a sitiou. A explicao bvia sobre aimpossibilidade do transporte de mquinas de assdio pelos Alpes continua fazendo sentido,mas talvez este seja o caso onde a forma romana de fixar alianas (e, portanto, de recrutartropas) possa se mostrar superior ao emprego do soldado mercenrio. Sem batalhas decisivase com problemas de abastecimento, as tropas de Anbal mostrariam insatisfao e o novoditador, Fbio Mximo, sabia disso. Utilizando-se de uma estratgia de ataque s linhas deabastecimento inimigas, evitou o choque frontal e a deciso em campo aberto, provocandoinstabilidade no corpo do exrcito cartagins, seja pelo questionamento da autoridade deBarca ou por meio dos problemas gerados devido ao abastecimento reduzido.

    No entanto, apesar da estratgia de Mximo ter se mostrado eficiente, a cultura militarpautada no combate direto em campo aberto (onde a disciplina era exercitada pelo corpoformado de soldados-cidados), traduziu-se em insatisfao por parte dos romanos. Emoutras palavras, o desejo de combater frontalmente o inimigo (o que deve ser entendido comoalgo culturalmente estabelecido) fez com que Roma, graas ao recrutamento de tropas novas,desafiasse Cartago com o maior exrcito j disposto em campo de batalha.

    Na narrativa de Polbio, os registros numricos agem como reforo retrico, sem pretensesmodernas de exatido matemtica. O historiador grego est preocupado com o significadoque os nmeros podem atribuir a uma batalha e pretende, portanto, acentuar a drasticidadeda quantidade de mortos, na tentativa de convencer o quo relevante foi Canas, na medidaem que a prpria existncia de Roma foi ameaada. De acordo com Polbio, setenta milsoldados de infantaria e quase seis mil cavaleiros romanos foram mortos, excluindo as forasmontadas compostas de aliados celtas[14].

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    A atuao romana na Glia Cisalpina, quando da marcha do exrcito cartagins dirigido porAnbal, produz uma questo referente instabilidade gaulesa. De um lado, os romanos teriamse dirigido Glia com o intuito de prevenir a expanso do domnio cartagins para alm dosPirineus, que poderia se dar por meio da fixao de uma aliana com os celtas. Nessesentido, os romanos estavam antecipando o evidente ataque cartagins. Por outro lado, Anbalteria se aproveitado da atuao romana na Glia, clara entre a primeira e a segunda guerrapnica, para tornar os nimos inflamados dos celtas uma poderosa arma a ser utilizada nainvaso da pennsula itlica.

    Teoricamente, Anbal estava diante de duas estratgias para levar os romanos destruio.Poderia tomar a prpria cidade de Roma ou cortar suas linhas de abastecimento, provocandoo esgotamento de toda a resistncia armada, o que conduziria ao fim do conflito. A opo deassediar e capturar diretamente Roma implicaria na possibilidade de desembarcar nasproximidades da cidade com o conjunto de maquinrios necessrios para o cerco. Talsituao era apenas ideal, j que os cartagineses haviam perdido o controle martimo com aderrota na primeira guerra pnica. Restava apenas a marcha rumo aos Alpes, com o objetivode atravess-lo e dali prosseguir invaso do territrio romano.

    Tendo assumido o trajeto possvel s suas foras, Anbal estava confiante em seu sucessottico, ou seja, certo de que poderia derrotar qualquer exrcito romano que viesse confront-lo[15]. Evidentemente, uma sucesso de vitrias campais no garantiria a vitria cartaginesae a esperana no corte das linhas de abastecimento no poderia dar certo se Anbal norecebesse apoio de Cartago e se permanecesse isolado nos arredores de Roma, incapaz desustentar os nimos de suas tropas com uma demora de mais de dez anos.

    De qualquer maneira, a capacidade ttica de Anbal, advinda das possibilidades demovimentao de seu exrcito reformado nos padres helensticos de guerra, permitiu que eleencaminhasse sua estratgia ofensiva, deslocando suas tropas vitoriosas de Sagunto at asportas de Roma.

    Montar acampamento prximo a Canas parecia interessante aos cartagineses porqueconsolidava o desejo de Anbal: enfrentar os romanos em uma batalha decisiva, onde pudessecolocar seu plano de envolvimento em prtica, concebido em adaptaes das batalhaspromovidas pelo exrcito macednico aproximadamente um sculo antes.

    Os romanos haviam disposto seu numeroso exrcito de forma tradicional: velites a frente dainfantaria de choque, cavaleiros romanos na ala direita e cavalaria composta de aliados na alaesquerda. Polbio constri um ad locutio de Lcio Emlio Paulo, cnsul encarregado emCanas do comando da ala direita do exrcito, enfatizando a superioridade numrica dosromanos:

    Como todas as condies agora so o contrrio das predominantes nas batalhas a queme referi, podemos antever que o resultado da batalha prestes a travar-se serigualmente o oposto. De fato, seria na realidade estranho, ou melhor, impossvel, queaps haverdes enfrentado os vossos inimigos em igualdade de condies em tantasescaramuas isoladas, e em muitos casos terdes sido vitoriosos, agora, quando ireiscombat-los com vossas foras reunidas e lhes sois numericamente superiores numa

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    proporo excedente a dois para um, visseis a ser vencidos[16].

    Anbal, por outro lado, tendo disposto os celtas e iberos em uma formao que Polbiochama de crescente ou convexa, provocou a sensao de inchao nas linhas centrais, atraindoos romanos para uma constante investida contra o centro cartagins, tal qual estavamhabituados a fazer.

    A situao estava posta em um grande risco, uma vez que o recuo dos celtas e iberos poderiacausar o rompimento da linha de envolvimento e, consequentemente, levar as foras pnicas desordem. O plano de Anbal era arriscado, porm funcional, uma vez que sabia dasuperioridade da cavalaria celta diante da romana e da fora da cavalaria nmida, assimcomo confiava que seus infantes africanos dispostos nas laterais como tropas de reservapudessem entrar em ao quando a ameaa de rompimento da linha de frente cartaginesa seformasse[17].

    Conforme o combate de cavalaria se desenrolava e os celtas montados rodeavam aretaguarda romana, indo auxiliar os nmidas da outra ala, a cunha formada de infantes celtase iberos cedia (indo de convexo para cncavo) at o momento em que o macio corpo delegionrios encheu uma espcie de bolsa. Os legionrios, ento cercados pelos africanosdispostos nos flancos, no foram capazes de oferecer resistncia, mesmo estando em maiornmero[18]. Por fim, as foras montadas comandadas por Asdrbal efetuaram cargassucessivas em vrios pontos na retaguarda romana, concluindo a manobra deenvolvimento[19].

    De acordo com Victor D. Hanson, o massacre a que foram submetidos os romanos em Canasilustra o valor do militarismo cvico em sua ocorrncia mais improvvel, ou seja, quando umexrcito mercenrio demoliu a milcia de Roma[20], na medida em que os romanosconseguiram se organizar para depois derrotar o inimigo. Neste sentido, durante o sc. IIIa.C., a legitimidade na luta pela cidade-estado repousava na constante retomada de valoresmarciais advindos do civismo dos tempos antigos.

    1.2.2. DA BATALHA DE CANAS (216) AO CONSULADO DE CIPIO, O AFRICANO ( 205 A .C.)

    A abordagem descrita acima aposta na fora do exrcito cvico e na necessidade de suarelao com os outros aspectos caractersticos do modelo ocidental de guerra[21]. Porm,apesar de todas as peculiaridades na delimitao da cidadania (diferente entre gregos eromanos, por exemplo), um elemento permanece nuclear: o apelo ao sentimento cvico e defesa da cidade-estado. Nossa interpretao para a segunda guerra pnica pretende escapara que mostra o soldado-cidado como uma das chaves para a interpretao do sucessoromano em Zama ( 202 a .C.), concebido em relao direta ao fracasso de Canas.

    Polbio defende que a fora da constituio romana permitiu que pudessem retomar aconquista de seus territrios e ir mais alm, incorporando todos a sua volta. O argumento danatureza da politia, embora no seja nosso interesse analis-la, constri um dos camposnecessrios para a produo da armadilha cvica: cidados so formados por suasconstituies, que os delimitam como sujeitos livres porque atuam na garantia da liberdade, aexemplo dos espartanos nas Termpilas, durante as guerras greco-prsicas.

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    De acordo com o historiador grego:

    A derrota dos romanos era inegvel e haviam perdido sua reputao marcial, mas apeculiaridade de sua politia e a prudncia de suas deliberaes no somente permitiuque recobrassem o domnio da Itlia, como tambm todos a sua volta[22].

    Uma outra interpretao possvel de que Anbal pde vencer e foi vencido especialmentedevido s diversas adaptaes da ttica que melhor expressa os fundamentos clssicos de ummodelo de guerra iniciado com os gregos e potencializado com Filipe II, sob a forma detradio militar helenstica. Sustentamos que essa proposta, sem ignorar outros aspectos, capaz de aglutinar um conjunto de indcios que permitem apresentar a relevncia da hiptesettica a que delimita a formao de uma tradio militar que leve em considerao diversasadaptaes de planos de batalha e o desenvolvimento dos armamentos no cenrio helenstico.

    Aps a batalha de Canas, os exrcitos romanos estavam divididos em um nmero depequenas foras distribudas em pontos vitais, como uma matilha de ces disposta ao redorde um leo[23]. Na seqncia do argumento de Grant, desdobrada da nfase conferida invaso de Anbal e quase sempre devido ao impacto da batalha de Canas (mesmo entrehistoriadores antigos), a relevncia das operaes militares na Hispnia ignorada oucaracterizada como esfera secundria. Exatamente por isso devemos considerar os aspectosmltiplos da Segunda Guerra Pnica, compreendendo a estratgia romana frente aosproblemas enfrentados na pennsula itlica com a expedio comandada por Anbal.

    Nos primeiros anos da guerra, o exrcito romano situado na Hispnia foi comandado por doishomens, ambos de nome Cipio (pai e filho). Sob sua atuao, Sagunto foi recapturada em211 a .C. e serviu de base para as demais operaes na regio. Em 210, o Senado decidiu pordelegar o comando das foras na Hispnia a Cipio, o que ser designado posteriormenteAfricano, devido ao sucesso na investida contra a segunda rea de controle do impriocartagins.

    Segundo Michael Grant[24], logo aps a conquista de Nova Cartago ( 209 a .C.), Cipiomarchou para o centro da Hispnia, no intuito de combater Asdrbal em Baecula, visando oaniquilamento das foras cartaginesas enquanto estavam separadas. Nesta ocasio, Cipioatacou o inimigo utilizando os homens levemente armados como tropas de cobertura(screen), induzindo pela movimentao ttica a realizao do princpio de envolvimento, damesma maneira que Anbal fizera na pennsula itlica (em Canas, por exemplo).

    Esta ocasio ilustra no somente a ampliao da flexibilidade ttica referente ao exrcitoromano, como tambm a aproximao do conhecimento militar de Cipio com o que podeser caracterizado enquanto tradio militar helenstica. Este momento, que o de vitriaromana sobre os sucessores de Asdrbal (agora em marcha rumo a pennsula itlica), torna-se crucial na interpretao da segunda guerra pnica devido ao carter conclusivo da vitria,na medida em que muitos aliados romperam seus acordos com Cartago, resultando ao finaldo ano na perda definitiva de todos os territrios espanhis.

    Com o alarme provocado pela chegada de Asdrbal pennsula itlica, que objetivava porsua vez juntar foras com Anbal, o comandante romano Caio Cludio Nero marchou para o

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    rio mbrio Metaurus ( 207 a .C.). Como Asdrbal estava vido por encontrar com o exrcitode seu irmo, e sabendo da proximidade das tropas romanas, optou por mover seu exrcitopelos desfiladeiros ao cair da noite, no intuito de no ser visto pelo inimigo durante amarcha. No entanto, falhou em seu plano e foi submetido ao combate, morrendo na primeiravitria romana caracterizada pelo choque de infantaria levemente armada, dada a natureza doterreno.

    1.2.3. DO CONSULADO DE CIPIO, O AFRICANO ( 205 A .C.) BATALHA DE ZAMA ( 202 A .C.)

    Passados dois anos da realizao deste combate, momento em que Cipio eleito cnsul,ocorre uma alterao estratgica fundamental por parte dos romanos. De um lado,representava a aplicao do mesmo princpio empregado por Anbal quando optou porinvadir a pennsula itlica, isto , atacar o inimigo em seu prprio territrio, levando todas asmolstias da guerra para prximo de suas cidades, ampliando o terror e muitas vezes aansiedade pelo fim do confronto. Por outro lado, significava que a organizao da estratgiaromana desenvolvida na Hispnia, que resultou em desequilbrio da logstica cartaginesa,permitiu um nvel de organizao a ponto de o Senado aprovar a solicitao de Cipio,quando props a invaso da frica.

    Em 204, com exrcito formado tambm por cavaleiros advindos de parte da Numdia, quehaviam estabelecido aliana sob o comando do prncipe Masinissa, Cipio desembarcou nonorte da frica, no muito distante de Cartago. Diante das exigncias por parte daaristocracia cartaginesa, Anbal teve que retroceder a Cartago, pois alm de no contar maiscom abastecimento para o prosseguimento de sua campanha (uma vez que a Hispnia deixarade ser cartaginesa), no podia recusar a solicitao de defesa advinda diretamente dacidade de Cartago.

    A movimentao de Cipio se deu no sentido de minar o suprimento de alimentos da capitalinimiga, destruindo as reservas agrcolas ao redor da cidade e se instalado prximo a Zama,onde ocorreu a ltima batalha decisiva da segunda guerra pnica, em 202 a .C. O ltimo anodo conflito foi marcado pelo aumento na hostilidade de ambos os lados, cientes de que o fimdo conflito residia no choque frontal entre os dois exrcitos: os cartagineses combatiam porsua sobrevivncia, na tentativa de evitar o saque e a destruio de Cartago e os romanoslutavam, de acordo com a fonte, para vingar a situao do qual foram vtimas.

    Nas palavras de Polbio[25]:

    Este era o sinal para a retomada da guerra com a crueldade e o esprito mais colrico.Os romanos, por um lado, encaravam-se como tendo sido tratados com perfdia, e seviram tomados por uma determinao furiosa direcionada a conquista dos cartagineses.Por outro lado, conscientes das conseqncias do que eles haviam feito, oscartagineses estavam prontos para fazer o que fosse preciso para evitar cair nas mosdo inimigo. Com aquele sentimento animando ambos os lados, estava evidente que oresultado seria decidido em campo de batalha.

    Deve-se notar que em Zama, quando o contexto apontava para a inevitabilidade da batalha,estava disposto diante de Anbal um exrcito flexvel, forjado sob o comando de um romanoque o treinou durante os anos que estiveram na Hispnia, conquistando territrios por meio

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    de adaptaes das tticas empregadas por Anbal na pennsula itlica.

    Segundo Giovanni Brizzi[26], esta ocasio apresentava um problema duplo. Por um lado,Anbal deveria combater de modo diferenciado, deixando de lado os conceitos que tinhampossibilitado suas vitrias precedentes, superados e tornados inaplicveis por uma situaomilitar profundamente alterada. Por outro lado, no poderia ignorar que em Zama nodispunha de excelente cavalaria nmida, indispensvel em todas as suas concepes tticasempregadas em territrio romano.

    Quando a batalha foi iniciada, Anbal realizou uma manobra de envolvimento, acreditandoque ao recuar as duas linhas do exrcito (uma para a ala esquerda e outra para a ala direita),os romanos se concentrariam em avanar com sua formao densa de trs linhas focadas nochoque frontal e retilneo. No entanto, o cnsul romano tambm pensava poder envolver oexrcito cartagins e, aproveitando-se da disposio habitual das legies, ordenou que asduas ltimas linhas se desdobrassem para as alas, obedecendo ao mesmo esquema propostopor Anbal, mas de forma invertida.

    Quanto coliso das tropas de infantaria, Polbio[27] argumenta em favor da superioridadedos romanos, apontando a uniformidade atingida pela defesa do bem comum como principalfator da vitria dos legionrios:

    As linhas inimigas de infantaria pesada avanavam para o choque, confiantes eorgulhosas; exceto as tropas italianas de Anbal, que permaneceram na posio deorigem. Quando se aproximaram um do outro, os romanos atacaram os inimigos,liberando seu tradicional grito de guerra e batendo suas espadas contra seus escudos,enquanto os mercenrios cartagineses emitiram uma estranha confuso de gritos (...) avoz de todos no era uma s, assim como no era um nico grito.

    Ao final do choque, quando os legionrios gradualmente empurraram as duas linhas lateraisdo exrcito cartagins para uma formao cada vez mais convexa, o resultado da batalhaficou a cargo dos nmidas, que retornaram ao cenrio principal de Zama (aps bater acavalaria inimiga) e concluram o cerco dos cartagineses.

    Ao fim da batalha, poucos cartagineses sobreviveram e da por diante a Segunda GuerraPnica pode ser considerada encerrada. A prova desse fim se deu especialmente quando oprprio Anbal, sobrevivente de Zama, props ao conselho cartagins que o mesmo aceitasseas pesadas condies impostas pelos romanos, nas negociaes de paz. Esquematizando, oscartagineses tiveram sua frota limitada e Masinissa se tornou rei de toda a Numdia, alm dofato de Cartago, da por diante, permanecer submetido ao consenso dos romanos, quandooptasse por entrar em guerra com outro povo.

    Exemplificando pelo argumento de Polbio quando do choque de infantarias durante abatalha de Zama, sua explicao para a vitria romana na guerra advm do fato doslegionrios lutarem pelo que a todos pertence e de modo consentido, na medida em que orecrutamento neste momento cvico e no profissional. Por outro lado, no que se refere aoexrcito mercenrio dos cartagineses, a habilidade ttica exaltada, mas submetida noenredo polibiano fora obtida pela execuo do dever cvico.

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    [1] GRANT, Michael, History of Rome , Nova York : Charles Scribners sons, 1978, p. 87

    [2] POLYBIUS, The histories, Cambridge : Harvard University Press, 2006, Livro 1, 33.

    [3] GUARINELLO, Norberto L. Imperialismo greco-romano, So Paulo, tica, 1987.

    [4] Evidentemente, neste artigo permanecemos focados na segunda guerra pnica.

    [5] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 3, 5-8.

    [6] SCULLARD, H. H., Carthage. Greece & Rome, Cambridge, v. 2, p. 98-107, 1955, p. 102.

    [7] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 3, 15.

    [8] GRANT, Michael, History of Rome , Op.cit., p.115.

    [9] FRANK, Tenney, Placentia and the battle of the Trebia. The journal of Roman Studies,London, v. 9, p. 202-207, 1919, p. 203

    [10] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 3, 70.

    [11] Os exrcitos estavam dispostos ao modo tradicional, isto , infantaria ligeira a frente,infantaria pesada logo atrs e cavalaria nas alas.

    [12] M. O. B. Caspari (1910: 421), em artigo sobre o problema da localizao da batalha (Thebattle of lake Trasimene), sustenta que apenas uma nica parte do exrcito de Anbal estavavisvel, facing the line of march.

    [13] POLYBIUS. The histories, Op.cit., Livro 3, 84.

    [14] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 3, 117.

    [15] SALMON, E. T. The strategy of the second punic war. Greece & Rome, Cambridge, v. 7, p.131-142, 1960, p. 136.

    [16] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 3, 109.

    [17] A ameaa de rompimento das linhas centrais era, alis, necessria para a execuo damanobra.

    [18] HART, Liddell, As grandes guerras da histria, So Paulo: Ibrasa, 1982, p. 55.

    [19] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 3, 116.

    [20] HANSON, V. D., Why the west has won, Nova York , Faber and Faber, 2001, p. 11.

    [21] Evidente que o conceito de cidadania entre gregos e romanos completamente diferente,existindo especificidades no prprio mundo grego (dependendo da poca e da plis).

    [22] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 3, 9.

    [23] GRANT, Michael, History of Rome . Op.cit., p. 119.

    [24] Ibid., p. 121.

    [25] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 15, 3.

    [26] BRIZZI, Giovanni, Il Guerriero, Loplita, il Legionario, Bolonha, Societ editrice ilMulino, 2002, p. 68.

    [27] POLYBIUS, The histories, Op.cit., Livro 15, 12.

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    BIBLIOGRAFIA:

    BRIZZI, Giovanni, Il Guerriero, Loplita, il Legionario, Bolonha, Societ editrice il Mulino,2002.

    CASPARI, M. O. B., The battle of lake Trasimene , The English historical review, Oxford ,vol. 25, pp. 417-429, 1910.

    FRANK, Tenney, Placentia and the battle of the Trebia, The journal of Roman Studies,London , v. 9, p. 202-207, 1919.

    GRANT, Michael, History of Rome , New York , Charles Scribners sons, 1978.

    GUARINELLO, Norberto L. Imperialismo greco-romano, So Paulo , tica, 1987.

    HANSON, V. D., Why the west has won, New York,: Faber and Faber, 2001.

    HART, Liddell, As grandes guerras da histria, So Paulo, Ibrasa, 1982.

    POLYBIUS, The histories, Cambridge , Harvard University Press, 2006.

    SALMON, E. T. The strategy of the second punic war. Greece & Rome, Cambridge , v. 7, p.131-142, 1960.

    SCULLARD, H. H., Carthage. Greece & Rome, Cambridge , v. 2, p. 98-107, 1955.

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