A Singularida Do Pensamento de Ignacio Rangel

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel, v.2

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

Coleção Ignacio Rangel, v.2

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GOVERNADOR DO ESTADO DO MARANHÃO Jackson Lago SECRETÁRIO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO Abdelaziz Aboud Santos INSTITUTO MARANHENSE DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS E CARTOGRÁFICOS PRESIDENTE Raimundo Nonato Palhano Silva DIRETOR DE ESTUDOS E PESQUISAS Hiroshi Matsumoto DIRETOR DE ESTUDOS AMBIENTAIS E GEOPROCESSAMENTO José Raimundo Silva SUPERVISOR ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO Tetsuo Tsuji CHEFE DA ASSESSORIA JURÍDICA João Batista Ericeira CHEFE DE GABINETE Jhonatan U. P. Sousa ORGANIZAÇÃO DA COLEÇÃO IGNACIO RANGEL Raimundo Nonato Palhano Silva Jhonatan U. P. Sousa DIGITAÇÃO Arisson Ribeiro de Macedo Mayra Diuene Oliveira Soares REVISÃO Josélia Morais de Sousa NORMALIZAÇÃO Virginia Bittencourt Tavares Conceição Neves

A Singularidade do Pensamento de Ignacio Rangel/ Raimundo Nonato Palhano Silva (org.), Jhonatan Uelson Pereira Sousa (org.). – São Luís: IMESC, 2008.

110 p. : il. (Coleção Ignacio Rangel, v.2) ISBN 978-85-61929-01-5 1. Ciências Sociais – Coleção. I. Silva, Raimundo Nonato Palhano, org. II. Sousa, Jhonatan U. P., org. III. Título. IV. Série.

CDU 3 (08).

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RAIMUNDO PALHANO

JHONATAN U. P. SOUSA

(Organizadores)

A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

Coleção Ignacio Rangel, v.2

São Luís IMESC

2008

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INSTITUTO MARANHENSE DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS E CARTOGRÁFICOS CONSELHO EDITORIAL Raimundo Nonato Palhano Silva Presidente Francisca Zubicueta Hiroshi Matsumoto Jane Karina Silva Mendonça Jhonatan U. P. Sousa João Batista Ericeira José Ribamar Trovão José Rossini Campos do Couto Corrêa Josiel Ribeiro Ferreira Madian de Jesus Frazão Pereira Rosemary Paiva Marques Teixeira Tetsuo Tsuji

Presidência do IMESC Av. Jerônimo de Albuquerque, S/N – Edifício Clodomir Milet – 6º andar - CALHAU São Luís-MA | CEP 65074-220 (98) 3218 2176 (98) 3218 2394 (Fax) Diretorias de Pesquisa/Coordenadoria de Informação e Documentação Av. Senador Vitorino Freire, S/N – Edifício Jonas Soares – 4º andar – AREINHA São Luís-MA | CEP 65030-015 (98) 3221-2353 (98) 3221-2504 www.imesc.ma.gov.br www.seplan.ma.gov.br www.ma.gov.br

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APRESENTAÇÃO

A Coleção Ignacio Rangel, ora retomada pelo Instituto Maranhense de Estudos

Socioeconômicos e Cartográficos-IMESC, inscreve-se como mais uma contribuição voltada para a

ampliação dos conhecimentos sobre a realidade maranhense na perspectiva do revigoramento do

planejamento do desenvolvimento sustentável do Estado.

Ao reeditar obras de autores contemporâneos cujo pensamento ainda não se esvaiu e

a atualidade se faz pungente, sob a luz das questões do tempo presente, o IMESC contribui

significativamente para se repensar e reinventar o Maranhão, sob outras bases, mais democráticas e

inclusivas.

Analisando o Maranhão entre o antigo e o novo, Ignacio Rangel, põe um desafio que,

pelo resgate de seu pensamento singular, se tornou algo presente – “pensar grande”. Isto pode ser

compreendido pela utilização dos instrumentais de planejamento para uma atuação no médio e

longo prazo, superando os imediatismos e as descontinuidades, características históricas da

administração pública maranhense.

Este volume da Coleção Ignacio Rangel ao associar os trabalhos de Raimundo

Palhano, Ignacio de Mourão Rangel e Rossini Corrêa trazem à tona outros olhares sobre a realidade

maranhense, distantes das explicações consagradas e em busca da construção de leituras alternativas

e originais.

No atual planejamento público o conhecimento é tido como valor estratégico,

elemento vital para sua consecução e fiador da sua sustentabilidade futura, imperativo categórico de

um Maranhão mais Democrático e Solidário para todos os maranhenses.

Abdelaziz Aboud Santos

Secretário de Estado do Planejamento e Orçamento

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PREFÁCIO

O RETORNO DE IGNACIO RANGEL Ladrilhador da História Ao organizarmos este segundo volume da Coleção Ignacio Rangel, iniciada por “Um

fio de prosa autobiográfica com Ignacio Rangel”1, retomamos após dezessete anos esse projeto.

Cada texto compilado nesta retomada nos despertou aquele sentimento que só a

música pôde expressar com cristalina transparência – “voltar os dezessete anos depois de viver um

século é como decifrar signos sem se saber competente... isso é o que eu sinto neste instante fértil”2.

Buscamos construir essa competência para prestar a homenagem e a consideração

devidas a este retorno de Ignacio Rangel.

A riqueza desse momento está em justamente rompermos com a nossa, tão presente,

cultura da descontinuidade e da efemeridade das iniciativas, e justamente pelas mãos dos

idealizadores daquele projeto, que mesmo não podendo voltar até lá, me propiciaram aqui reiniciar

o já começado.

Não conheci Ignacio Rangel. Quando partiu deste mundo, incompletos dez anos

tinha. Portanto, o que dele sei me vem, como é característico do mister do ladrilhador da História,

pelos olhares e dizeres dos contemporâneos seus, e do muito que escreveu e escreveram sobre ele e

sua obra.

O que representa para o Maranhão a inspiração de um pensamento como o

rangeliano? Quais os impactos de sua publicação numa conjuntura de mudança tão importante para

o futuro do Maranhão?

A leitura compassada dos trabalhos aqui arrolados poderá revelar a força infinita e

fecunda das idéias rangelianas, e quem sabe, responder a essas perguntas ou pelo menos, fornecer

indicativos para elas.

É certo, como o poeta há muito afirmou, que em sendo seus versos belos, eles não o

poderiam ser, e ficar por imprimir “por que as raízes podem estar debaixo da terra, mas as flores

florescem ao ar livre e à vista. Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir”3.

1 Entrevista organizada por Rossini Correa, Raimundo Palhano, Maureli Costa e Pedro Braga, com Ignacio Rangel, admiradores e introdutores de sua obra no Maranhão, integrantes do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais-IPES, publicada na forma de livro, como volume um da Coleção Ignacio Rangel. 2 SOSA, Mercedes. Volver A Los 17. 3 PESSOA. Fernando (Alberto Caeiro). Se eu morrer de novo.

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Mesmo os anos de indiferença a este pensador-ação, a “conspiração do silêncio”

como ele denominava, não se manteve. A força de suas próprias idéias tem como lugar de

excelência o espaço e o debate públicos.

Assim a idéia que floresceu nesta retomada foi publicar os artigos de Rangel

veiculados na revista FIPES, quando de suas frutíferas passagens pelo Instituto de Pesquisas

Econômicas e Sociais-IPES no Maranhão, do qual o Instituto Maranhense de Estudos

Socioeconômicos e Cartográficos-IMESC é herdeiro espiritual.

Os artigos identificados foram: 1. Maranhão: antigo e novo; 2. Fogo, blindagem e

conjuntura e 3. Tecnologia e Custo de Produção, todos de 1989.

No trabalho “Maranhão: antigo e novo”, Rangel faz uma análise histórica do papel

desempenhado pelo Maranhão no passado e as expectativas no futuro, que via ligadas

umbilicalmente às ferrovias e ao Porto do Itaqui, destacando os fatores de localização e a

importância fundamental dos meios de transporte no aproveitamento destes.

Sonhava com uma ligação ferroviária unindo Carajás-Itaqui a Callao no Peru e a

conclusão da ferrovia Norte-Sul. Profeticamente disse “ora somente, pensando GRANDE, podemos

formar juízo sobre as perspectivas que estão abertas para o nosso Maranhão”, ensinando que mais

do que cantar glórias passadas, devemos é buscá-las no presente, construí-las no agora e por diante.

Ao analisar a história das guerras em “Fogo, blindagem e conjuntura” aponta que

nem sempre as melhores estratégias podem ser repetidas quando os tempos outros são e a

tecnologia avança, enfatiza a importância de atentarmos para a grandeza do Brasil e buscarmos

patrioticamente preservá-la e ampliá-la, algo desafiador num período tão crítico ao nacionalismo, ao

civismo, vistos como mal-arranjados simulacros de falsa consciência dos militares de 1964 pelos

“esclarecidos” de hoje, paradoxalmente efusivos com o verde-amarelo da bandeira brasileira nos

campos de futebol.

Por último, o autor nos relembra em “Tecnologia e Custo da Produção” a

importância do crescimiento hacia adentro, eco de sua formação cepalina, isto é, o

desenvolvimento endógeno, sustentável, sem o qual não é possível nos integrarmos ao mundo

global ou sequer competir nos setores que formos melhores.

O planejamento é redescoberto com acuidade como valimento para nossa inserção

internacional soberana no concerto das nações, operação que deve ser planificada, mas nunca

baseada no “desmantelamento dos instrumentos fundamentais do planejamento”.

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Razão e emoção

Ladeando os trabalhos do mestre Rangel, outros quatro sobre ele são postos, três de

autoria do economista Raimundo Palhano e um do sociólogo Rossini Corrêa. Os do primeiro foram:

1. Sobre o Pensamento Econômico do ISEB e a singularidade de Ignacio Rangel; 2. Notas sobre a

bibliografia intelectual de Ignacio Rangel, publicados na revista FIPES; e 3. Ignacio Rangel: um

decifrador do Brasil, palestra proferida por ocasião do lançamento das Obras Reunidas de Ignacio

Rangel no Maranhão. O do segundo é intitulado “Eu e Ele: minhas memórias de Ignacio Rangel”.

Nos textos tal como o próprio Raimundo Palhano afirmou, verdadeiro

“transbordamento” se avoluma e inunda o leitor, dando conta das várias dimensões, ou melhor, dos

vários Rangéis que habitam Ignacio: o personagem, o intelectual, o decifrador e o ídolo, ele

apresenta um pensador original e humano cuja obra não foi esquecida por seus discípulos,

admiradores, amigos, familiares, num esforço conjunto de devotamento e permanente

rememoração.

Na franja tênue entre a razão e a emoção, a poesia e a prosa, para alguns

inconciliáveis, mas para nós não, situamos a produção de Raimundo Palhano sobre o pensamento

rangeliano.

O texto de Rossini Corrêa expressa através da rememoração a figura humana de

Ignacio Rangel na convivência pessoal e profissional. Ele nos revela inconfidências dos momentos

de trabalho e descontração, como as invejas veladas e os elogios rasgados ao “Mestre dos Mestres”.

O mais interessante desse texto é o desvelar de uma faceta poética em Ignacio

Rangel, que recita de memória poemas inteiros de João de Deus e Gregório de Mattos.

Ficará patente ao leitor que este livro é muito mais “sobre” do que “de” Ignacio

Rangel, se cartesianamente dividirmos o que ele escreveu do que dele escreveram, pois nos escritos

e na vida profissional dos seus admiradores existe muito mais “de”.

Realismo e esperança

Ao ler a entrevista que Rangel concedeu4, chamou-me atenção duas passagens que

coloco ao lado de síntese de esparsos textos que encontrei5.

4 Me refiro a RANGEL, Ignacio. Um fio de prosa autobiográfica com Ignacio Rangel. Entrevistado por Rossini Corrêa, Maureli Costa, et. al. São Luís: SIOGE, 1991, v.1 (Coleção Ignacio Rangel, 1). 5 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A volta por cima de Ignacio Rangel. Primeira Leitura nº 43, setembro 2005: 90-93; SANTOS, Milton. O Pensamento de Ignacio Rangel. Conferência apresentada no Seminário Ignacio Rangel e a Conjuntura Econômica no dia 10 de novembro de 1997 no anfiteatro de Geografia da Universidade de São Paulo;

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Na primeira ele afirma que muitas vezes trabalhou até virar a noite, participando da

resolução dos mais diferentes problemas, com marchas e contramarchas, na presença dos

interessados que acontecia, segundo ele, serem centenas. Hoje, podemos dizer que foram milhões.

Ele afirma que constituíam equipe com absoluta confiança entre si, quando um saía o outro

continuava o trabalho que este havia deixado sobre a mesa.

O serviço público carece muito de um espírito de trabalho e dedicação assim, o

Brasil e em especial o Maranhão, se ressentem disso.

Na segunda passagem da referida entrevista ele se auto-definiu como um trabalhador,

não por cangas ideológicas, mas por que “o trabalho era tremendo, de, às vezes, se sair de casa pela

manhã da segunda-feira e voltar no final do sábado”.

Ele não diz isso como que para se auto-promover, mas por sua convicção patriótica

de serviço público e do relevo e projeção que seu trabalho possuía.

Da síntese aferimos que Rangel foi um dos mais notáveis economistas brasileiros,

com uma inteligência penetrante e uma poderosa imaginação, heterodoxo e extraordinário, não foi

um desses muitos epígonos que repetem um mestre qualquer, mas um criador que se arriscava, um

homem de ação, preocupado com a distribuição de renda, capaz de pensar por conta própria,

nitidamente autodidata. Sua percepção do novo e o sentimento de reconhecer o que está brotando no

mundo, no país, na sociedade exprimindo em palavras, demonstram seu apego ao trabalho

intelectual, sua busca por caminhos e sua realização prática, enfim, alguém que podemos dizer que

pensou antes.

Num homem só, tantas coisas, tanto vulto, e ainda é capaz de dizer “vejo o mundo

como o Brasil, com o realismo e a esperança dos meus ideais de juventude. Acredito no futuro. Ele

será, na verdade, melhor do que o passado”. Desse realismo é que precisamos para construir outro

Maranhão, melhor do que está hoje, sem ufanismos ou covardia, com pensamento e ação, com valor

e atrevimento.

Deixo testemunho pessoal que após concluir esse volume e olhando em retrospecto,

percebi que ao conviver com Raimundo Palhano e mais recentemente, com Rossini Corrêa, entre

muitas dessas tardes que viraram noite, conheci Ignacio Rangel.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Prefácio. O Pensamento de Ignacio Rangel. São Paulo: Editora 34, 1998; PEDRÃO, Fernando Cardoso. Ignacio Rangel. ESTUDOS AVANÇADOS 15 (41), 2001.

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Pensamento rangeliano

Pondo marcas no caminho, ou percebendo linhas indiciárias do pensamento

rangeliano, dispostas e traçadas nos textos aqui coligidos, observamos eixos relevantes para atual

conjuntura maranhense.

De início a importância do planejamento no encaminhamento de soluções e no

enfrentamento dos desafios recorrentes da realidade histórica. O planejamento para Rangel está

vinculado inseparavelmente à identificação dos problemas ao lado da proposição de respostas aos

mesmos, assim sendo, não basta apenas pensar antes de agir, significado singular do planejamento,

mas agir depois de pensar.

Outro eixo é o do desenvolvimento. No pensamento rangeliano ele está como algo

intrínseco, não ocorre de fora para dentro, mas de dentro para fora, isto é, somente com a elevação

de nossas próprias condições e capacidades é que poderemos nos direcionar rumo à superação do

subdesenvolvimento.

Um terceiro eixo é a tecnologia. Não faz sentido ter tecnologia de ponta se ela não

está articulada a estratégia global de desenvolvimento. É preciso inovar e inovar é preciso, o que

implica no conhecimento aprofundado de nossas necessidades e do que desejamos ser. Para tanto,

temos que realizar um trabalho de inclusão digital e pari passu desenvolvermos nossa própria

tecnologia, adequada às especificidades do local, sem perder de vista o global.

Como quarto eixo – a infra-estrutura. Fica patente que os fatores de localização

privilegiados do Maranhão, advindos do Porto do Itaqui e maximizados com a integração produtiva

que será propiciada pela conclusão da Ferrovia Norte-Sul são imprescindíveis em qualquer

planejamento do desenvolvimento estadual. Agora a mera existência deles per si, sem

investimentos permanentes em modernização e ampliação, os tornarão eternas potencialidades sem

concretude para o Estado.

Vale ressaltar ainda num quinto eixo, que os grandes empreendimentos não

resolverão todas as necessidades de empregabilidade e prosperidade do Maranhão, caso não

venham acompanhados da dinamização dos pequenos e médios empreendimentos, que agreguem

valor às matérias-primas, dinamizando as economias locais.

Construindo a permanência

O IMESC ao retomar essa coletânea não pretende apenas lançar mais um livro no

mundo editorial ou fazer louvações póstumas a figura eminente de Ignacio Rangel, mas pavimenta

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o caminho para o mais ousado – a criação da Cátedra Ignacio Rangel, com vistas à construção da

permanência e ao florescimento de novas idéias sobre o planejamento e o desenvolvimento.

Objetivamente se constituirá, a partir dessa Cátedra, amplo programa de estudos e

pesquisas materializado no resgate, à luz da contemporaneidade, dos trabalhos produzidos pela

profícua mão rangeliana, ao mesmo tempo, incentivará o produzir do pensamento inovador e

criativo, expandindo os horizontes de pesquisa e formando novos pesquisadores, atentos à realidade

maranhense.

Para essa empreitada o IMESC convidou o pesquisador José Rossini Campos do

Couto Corrêa para coordenar a Cátedra Ignacio Rangel, com vistas à articulação de equipes de

estudo e pesquisa e a obtenção de financiamentos para os projetos.

Sem dúvida, no dizer rangeliano, avançamos, avançamos e avançamos. Ao assentar

as bases da permanência e da institucionalização da pesquisa aplicada ao desenvolvimento por meio

da criação dessa Cátedra, semeamos a edificação de conhecimentos inovadores e úteis ao

planejamento público maranhense, cuja aula inaugural está nas páginas deste livro.

São Luís, 20 de agosto de 2008

Jhonatan Uelson Pereira Sousa Historiador. Assessor do IMESC/SEPLAN

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SUMÁRIO

IGNACIO RANGEL: UM DECIFRADOR DO BRASIL............................... 10

Raimundo Nonato Palhano Silva

SOBRE O PENSAMENTO ECONÔMICO DO ISEB E A SINGULARIDADE DE IGNACIO RANGEL ................................................. 18

Raimundo Nonato Palhano Silva

NOTAS SOBRE A BIBLIOGRAFIA INTELECTUAL DE IGNACIO RANGEL .................................................................................... 38

Raimundo Nonato Palhano Silva

MARANHÃO: ANTIGO E NOVO ................................................................... 48

Ignacio de Mourão Rangel

FOGO, BLINDAGEM E CONJUNTURA ....................................................... 54

Ignacio de Mourão Rangel

TECNOLOGIA E CUSTO DE PRODUÇÃO .................................................. 65

Ignacio de Mourão Rangel

EU E ELE: MINHAS MEMÓRIAS DE IGNACIO RANGEL ...................... 70

José Rossini Campos do Couto Corrêa

PERFIL DE IGNACIO RANGEL .................................................................... 95

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IGNACIO RANGEL: UM DECIFRADOR DO BRASIL

Raimundo Nonato Palhano Silva

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IGNACIO RANGEL: UM DECIFRADOR DO BRASIL6

Raimundo Nonato Palhano Silva*

1 INTRODUÇÃO

Aqui nos encontramos, neste lugar privilegiado, para atender ao honroso convite de

amigos generosos do Conselho Regional de Economia do Maranhão, presidido por Dilma Pinheiro,

da Academia Maranhense de Letras, liderada por Jomar Moraes e da Universidade Federal do

Maranhão, sob o reitorado de Fernando Ramos.

Neste lugar em que nos encontramos agora, privilégio imerecido, poderiam estar

Rossini Corrêa, Pedro Braga dos Santos Filho, Maureli Costa, jovens intelectuais como nós que,

com menos de trinta anos, se apaixonaram por Rangel e se propuseram, a partir de inícios dos anos

1980, a difundir a obra rangeliana e torná-la conhecida na terra natal do seu autor.

Poderiam estar aqui também José Augusto dos Reis, João Evangelista da Costa

Filho, Hiroshi Matsumoto, Alberto Arcangeli, Benjamin Mesquita, Jomar Moraes, Benedito Buzar,

Carlos Gaspar, Joaquim Itapary, Roberto Gurgel Rocha, Cursino Moreira, e outros estudiosos

coetâneos; ou integrantes do antigo Grupo de Reflexão Ignacio Rangel sobre o Desenvolvimento,

como Tetsuo Tsuji, Flávia Mochel, Niomar Viegas, Raimundo Arruda, Sebastião Moreira Duarte,

Luis Augusto Mochel, Haymir Hossoé, Emanoel Gomes de Moura, entre tantos outros rangelianos

que formavam o NIRDEC, hoje relançado por seus idealizadores.

Nesta noite, inspirados pelo brilho da lua, nos propomos, embora conhecedores das

nossas limitações, a realçar o significado e a importância do lançamento, entre nós, os conterrâneos

de Rangel, de suas “Obras Reunidas”, editadas e organizadas por César Benjamin, em alentados

dois volumes, primorosamente editados pela Contraponto, exemplo de editora comprometida com o

desenvolvimento e com a cultura brasileira, com o apoio do BNDES, sob a presidência de Carlos

Lessa, no contexto de uma coleção voltada ao resgate da memória do ciclo desenvolvimentista no

Brasil.

“Obras Reunidas” estas que muito devem também ao trabalho silencioso e esmerado

de Ludmila Rangel Ribeiro, filha e herdeira do legado rangeliano, que nos honra com sua presença,

e que, durante seis anos, mobilizando recursos tangíveis e intangíveis, ajudou a tecer, com mãos

delicadas de artista, os fios de ouro que criaram a obra-prima.

6 Discurso proferido por ocasião do lançamento do livro “Obras Reunidas” de Ignacio Rangel no Maranhão, em evento do Conselho Regional de Economia, no dia 22 de junho de 2005. * Economista. Ex-presidente do Conselho Regional de Economia.

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Não nos cabe, nesta oportunidade, a missão quase impossível de examinar a

contribuição de Ignacio Rangel ao pensamento econômico brasileiro, o que já o fizemos,

modestamente, por força das evidências lacunares e incompletudes temáticas, no trabalho intitulado

“Notas sobre a Biografia Intelectual de Ignacio Rangel”, publicado pela Revista FIPES, edição de

jul/dez de 1989. Ademais, na Introdução do Volume 1 das “Obras Reunidas”, os leitores

encontrarão o ensaio de Márcio Henrique Monteiro de Castro, economista do BNDES, denominado

“Nosso Mestre Ignacio Rangel”, que inventaria e analisa, de modo primoroso e didático, o conjunto

da obra rangeliana e sua contribuição ao pensamento econômico brasileiro, fato que nos exime de

novamente incorrer no desatino de tentar fazer o impossível.

2 O PERSONAGEM

Iniciando o exercício a que nos propusemos convém recordar a figura preciosa de

Ignacio Rangel, o mais criativo e ousado dos gigantes que edificaram os alicerces das ciências

econômicas em nosso país.

Ignacio de Mourão Rangel nasceu a 20 de fevereiro de 1914, em Mirador, no

Maranhão e faleceu em 04 de março de 1994, no Rio de Janeiro, combatendo a política econômica

do governo Collor, para ele uma verdadeira apostasia.

De forma autodidata estudou, com rigor, história e economia. Cursou direito na

antiga Faculdade de São Luís. No imediato pós-guerra radicou-se no Rio de Janeiro, onde

permaneceu até o final de sua vida. Atuou inicialmente como jornalista, tendo sido secretário da

United Press e como tradutor e, posteriormente, como jurista, historiador e, principalmente, como

economista.

Foi um homem sólido de caráter, ideário, idoneidade e convicções políticas e

filosóficas. Não apenas no discurso bem construído, mas na ação prática cotidiana. O espírito de

luta que herdou dos familiares fez com que, aos 16 anos, participasse da “Revolução de 30” e aos

21 da tentativa de tomada do poder pela Aliança Nacional Libertadora-ANL. Foi um dos

organizadores da luta dos trabalhadores rurais espoliados do Alto Sertão maranhense e piauiense

contra o poder do latifúndio. Derrotado em 1935, passou os dez anos seguintes entre presídios no

Rio de Janeiro, onde foi “reitor” de uma universidade popular formada por presidiários, e São Luís,

onde viveu sob intensa vigilância e com direitos de ir e vir cerceados.

A partir dos anos 50 esteve presente, lúcida e ativamente, nas instituições e nas

trincheiras de luta pelo desenvolvimento nacional. Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico-BNDE, hoje BNDES, Comissão Econômica para a América Latina-CEPAL, Instituto

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Superior de Estudos Brasileiros-ISEB, Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política-

IBESP, Assessorias de Vargas e Goulart, Plano de Metas de Juscelino, Clube dos Economistas,

Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, Instituto de Economistas do Rio de Janeiro-

IERJ e por último na Academia Maranhense de Letras, instituições estas onde atuou e realizou

inúmeros trabalhos, conferências e ministrou cursos, além das várias exposições que fez a convite

de universidades e instituições educacionais do país, tendo sido ainda colaborador permanente das

principais revistas e publicações especializadas em economia, como a Revista de Economia

Política, sendo um dos seus patronos, e dos maiores jornais do país, em especial a Folha de São

Paulo.

Um verdadeiro doador de sangue e alma pela causa de uma pátria chamada Brasil,

para que se desenvolvesse pelo bem do seu povo e para isso trabalhou e lutou tenazmente, sempre

fiel aos seus princípios e valores, em favor de uma nova humanidade, não cedendo aos fascínios do

poder e muito menos às conveniências oportunistas, no que teve de contrariar verdades professadas

tanto pelo pensamento de direita, como pelos ideólogos da esquerda nacional, de onde era

originário, o que lhe rendeu domicílios coactos e sofridos isolamentos nos círculos intelectuais

tradicionais.

3 O INTELECTUAL

Rangel tem lugar garantido no pantheon onde figuram os grandes pensadores da

formação social brasileira. Um seleto grupo do qual participam intelectuais como Caio Prado Jr.,

Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Celso Furtado. Seu livro “A Inflação Brasileira”, um

clássico do pensamento econômico, está cotado pela CBL como um dos 50 livros brasileiros do

século XX.

No texto introdutório de Márcio de Castro é enfatizado algo que singulariza a

produção intelectual de Ignacio Rangel: foi um exemplo raro de teórico não-acadêmico. Todas as

suas questões teóricas foram condicionadas pela busca de soluções aos problemas que afligiam o

país, sobretudo os econômicos, sociais e políticos. Um criativo produtor de idéias, nascidas da

combinação do prático com a busca de soluções adequadas às necessidades nacionais.

Não fez carreira acadêmica nem como docente, nem como pesquisador. Foi o maior

dos economistas sendo formado em direito e um dos maiores intérpretes do Brasil sem ter atuado no

meio universitário. Respeitava as questões que a academia pautava, muito embora preferisse dar

seus próprios mergulhos, profundos, nos problemas do desenvolvimento brasileiro.

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A independência intelectual, somada à coragem política, bem como o fato de não ter

sido um acadêmico profissional, dificultaram a difusão de sua obra, sobretudo por não ter tido a

convivência permanente de alunos e seguidores que se encarregassem de difundi-la

sistematicamente, o que acabou impondo-lhe uma angustiante solidão intelectual, que o próprio

Rangel denominava de “conspiração do silêncio”.

Embora tenha estudado com rigor as teorias de autores clássicos da literatura

econômica, como Smith, Marx, Engels, Keynes, Luxemburg, Kalecki, Hilferding, Harrod,

Robinson, Schumpeter, Kondratieff, Juglar, Kitchin, tendo inclusive se valido de muitos deles na

estruturação de suas teses sobre a Dualidade, quando falava sobre as grandes influências intelectuais

de sua vida, via de regra referia-se aos mestres do seu tempo de Maranhão, a começar pelo próprio

pai, José Lucas Mourão Rangel, seguindo-se Antonio Lopes da Cunha, com quem aprendeu direito,

materialismo dialético e filosofia e a quem chamava respeitosamente de mestre; Arimatéia Cisne,

com quem aprendeu latim, além de outros notáveis, como João Vasconcelos Martins e Caio

Carvalho, diretor-presidente e chefe do escritório da firma Martins, Irmãos & Cia., para ele sua

primeira e grande escola de aprendizagem da ciência econômica.

4 O DECIFRADOR

Apesar de ter construído um dos mais complexos e sofisticados sistemas explicativos

do desenvolvimento da formação social brasileira, presente na Teoria da Dualidade Básica, o fio de

Ariadne de sua obra, como costumava dizer, Rangel jamais confundiu a ciência econômica com os

fundamentos do equilíbrio neoclássico, ou com as matemáticas ou com a econometria, como tem

sido a lamentável tendência da atualidade, a causa maior do empobrecimento do pensamento

econômico brasileiro, refletido na decadência de suas escolas e faculdades de economia.

Fábio Comparato, o grande jurista brasileiro, afirmou recentemente que a economia

não pode ser vista como uma ciência exata. “A economia, como a política e o direito é uma

sabedoria de decisões, ...é a sabedoria de tomar decisões”. Na economia, portanto, o essencial é

saber quais devem ser os objetivos das decisões tomadas. Muito antes de Comparato, Rangel já

havia chegado a essa constatação ao preferir ir fundo na resolução dos enigmas da formação social

brasileira e não se contentar em apenas formular explicações meramente acadêmicas, incapazes de

darem conta da resolução dos problemas desafiadores e recorrentes.

Passou a vida inteira procurando traduzir as especificidades da formação social

brasileira e do seu desenvolvimento. Recusou de imediato a condição de transformar-se em mais

um adaptador de teorias importadas, comum na intelectualidade dos anos 50 e 60 e até mesmo ainda

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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hoje. As teses em voga, tanto da direita como da esquerda, a seu juízo, precisavam ser revistas

criticamente. Por isso teve que assumir posições fortes no debate intelectual e político da época, a

ponto de sua contribuição representar um novo olhar e uma nova interpretação sobre o Brasil e sua

história.

Segundo Rangel, a dinâmica histórica brasileira não será compreendida se for

pensada como os casos clássicos da história econômica dos países desenvolvidos. Os processos

internos da formação brasileira, sejam econômicos, sociais e políticos, dependem das relações que

se estabelecem com os centros dinâmicos da economia internacional. Foi a partir dessas

constatações que criou leis sociológicas e econômicas para a interpretação do Brasil, sintetizadas

em cinco grandes temáticas: a dualidade básica, a dinâmica capitalista, a inflação brasileira, a

questão agrária e o papel do Estado. Leis e princípios estes que tinham na Tese da Dualidade o

ponto de referência central, o princípio organizador de suas idéias, consideradas, sem nenhum

exagero, um modo de produção sofisticado e complexo. O desenvolvimento capitalista criou uma

enorme periferia onde o Brasil se encontra ainda. Para decifrar o país, seus problemas e crises, não

basta examinar o desenvolvimento econômico como se observa o comportamento dos modos de

produção clássicos. É fundamental antes de tudo que se decifre a dinâmica e as especificidades da

periferia e de suas relações com os países centrais do capitalismo.

Do início dos anos 50 até meados dos anos 90 do século anterior, quando vem a

falecer, Ignacio Rangel foi quem melhor explicou os fundamentos da formação social e do

desenvolvimento econômico do Brasil. A despeito da conspiração do silêncio e dos impactos

produzidos pelo processo de globalização econômica e financeira, suas teorias continuam

plenamente válidas e assim permanecerão por muito tempo, pois não se trata de uma contribuição

datada e localizada e sim de uma obra que agrega valores imensuráveis ao pensamento humano.

5 O SENTIDO DAS OBRAS REUNIDAS

As “Obras Reunidas” estão divididas em dois volumes. O Volume 1 reúne a tese que

o autor defendeu na CEPAL, livros e monografias, ao todo oito títulos essenciais de sua produção

intelectual. O Volume 2 compreende coletâneas de artigos elaborados entre 1955 e 1987, além de

artigos avulsos que vão de 1962 a 1992, portanto até os dois anos que antecederam a sua morte.

Apesar do hercúleo esforço de César Benjamin, Márcio de Castro e Ludmila em reunir a obra

completa de Rangel, com certeza uma nova garimpagem ainda encontrará textos e contribuições do

autor espalhadas por esse imenso país sob guarda de seus amigos e admiradores.

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Na verdade, o mérito maior dos organizadores destas obras reside no fato de terem

recolhido e juntado tesouros que se encontravam dispersos e que faziam uma falta enorme ao

patrimônio cultural da nação, em especial à sua ciência econômica.

Trata-se de um tesouro que precisa ser descoberto pelas escolas de economia,

sociologia, política, geografia e história deste país. Sobretudo pelos seus estudantes, para quem

Rangel tinha uma verdadeira predileção, pois acreditava que seriam eles os fecundadores das

sementes de um novo Brasil.

O ciclo eterno da concentração de riquezas e produção de desigualdades, destacado

por Cristovam Buarque a partir da carta de Caminha, que escreveu que “nesta terra em se plantando

tudo dá e se esqueceu de dizer que dá tudo, mas para poucos”, precisa, mais do que nunca, ser

rompido, sem o que continuaremos adiando a solução definitiva das crises econômicas e políticas.

Temos plena convicção de que as “Obras Reunidas” de Rangel iluminarão o enfrentamento desses

problemas e contribuirão para a eleição de novas políticas econômicas que promovam o

desenvolvimento nacional sustentável, baseado na geração de empregos, na ética e na justiça social.

Nós, os pioneiros dos anos 80 no Maranhão, sonhamos e lutamos muito pela reunião

e publicação do legado intelectual de Ignacio Rangel. É impossível traduzir a alegria que sentimos

ao ver esse objetivo alcançado agora.

6 O ÍDOLO

Falar sobre Ignacio Rangel para nós é um transbordamento. É como se fosse uma

declaração de amor: do filho que se orgulha do pai que lhe enche os olhos; do discípulo que se

entrega de corpo e alma ao deleite dos ensinamentos do mestre.

Convivemos próximos a Rangel por pouco mais de dez anos, justamente os últimos

de sua vida magistral. Nunca sentimos nele a menor pretensão de ter discípulos. Tentávamos de

todos os modos que ele nos aceitasse como tais, sem o menor sucesso. Era, ao contrário, um

pregoeiro destemido e sério, um anunciador corajoso, um decifrador de enigmas, que teve o Brasil

como maior desafio. Partia sempre da idéia de que os seus interlocutores podiam acompanhar o seu

raciocínio e suas explicações a respeito de como superar os problemas do país. E aí ele nos levava,

em expedições fantásticas, à convicção de que o mundo tinha saída, a pátria tinha futuro promissor

e que a humanidade viria a ser plenamente evoluída e feliz. A maior de todas as suas utopias: a

certeza de que todos os povos da Terra caminhariam para uma comunidade única – para “Um

Mundo Só”.

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Rangel não morreu. Está vivo e pulsa nas páginas destas “Obras” que lançamos hoje.

Está mais belo do que nunca porque está entre nós por mãos femininas, como as de Ludmila e Ana

Rangel, as de Dilma e de muitas outras que aqui se encontram. Não será surpresa para nós, se, ao

chegarmos em nossos lares, o Velho, de beijos e abraços com Aliete, José Lucas e Alberto,

observados por Solon Sylvio, Paulo de Jesus, Evandro Lucas, Celso Augusto, José Aldo e Dirceu

Carmelo nos mandar, como presentes por esta festa, uma bússola, um compasso, um relógio e uma

reguinha de calcular, os mesmos que dera de presente para os filhos José Lucas e Ludmila quando

fazia o curso da CEPAL no Chile. Será, sem nenhuma dúvida, mais um convite desse bravo

“sobrevivente da dignidade, nestes tempos de canalhice organizada”, como diria Rossini Corrêa,

para não desistirmos de decifrar e reinventar o Brasil.

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SOBRE O PENSAMENTO ECONÔMICO DO ISEB E A SINGULARIDADE DE IGNACIO RANGEL Raimundo Nonato Palhano Silva

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SOBRE O PENSAMENTO ECONÔMICO DO ISEB E A SINGULARIDADE DE IGNACIO RANGEL7

Raimundo Nonato Palhano Silva*

Resumo Segundo o autor, a contribuição do pensamento Isebiano não foi ainda devidamente avaliada como proposta para o desenvolvimento brasileiro, elaborado em período específico da nossa história. Procura, por outro lado, ressaltar a contribuição teórica de Ignacio Rangel, contrapondo-se às formulações do ISEB.

1 PRELIMINARES

Este trabalho procura ser o menos preconceituoso possível em relação ao ISEB. Para

nós não é fundamental a questão de ser ou não isebiano, uma espécie de identificação apriorística

presente em várias análises sobre aquele Instituto. Somos daqueles que acham necessário ampliar o

campo epistemológico a respeito de sua contribuição histórica, intelectual e do seu papel como

centro de irradiação cultural. Não estamos subestimando a produção acadêmica sobre o ISEB,

realmente relevante e inovadora. Acreditamos mesmo que o seu peso é tão grande e marcante o

talento de seus elaboradores que chegaram a se transformar, involuntariamente, em fatores de

inibição à emergência de novas vertentes de análise. É preciso reverter esse processo, apontando

para outros campos epistemológicos e assim minimizar a influência das explicações consagradas,

muitas vezes esquematizações grosseiras de concepções analíticas erigidas originalmente com toda

propriedade possível. Há, pois, uma espécie de compulsão no sentido de diminuir no sentido as

bases do pensamento isebiano, principalmente quando o identificam como mera ideologia (no

sentido de falsa consciência), dificultando a compreensão de muitas de suas categorias básicas,

como nacionalismo e desenvolvimentismo.

É no interior dessa problemática que procuramos o diálogo com o pensamento de

Ignacio Rangel, porque se mostra didático como a prova de que as atuais tendências reducionistas

não são inteiramente verossímeis. Com efeito, a produção rangeliana é de um ineditismo marcante

(em função do contexto histórico de onde emergiu), fato que põem por terra tais tendências.

Convém deixar claro, no entanto, que não é com a pretensão de dar conta dessas questões que

elaboramos este texto. Não possuímos uma contraproposta para ampliar o campo epistemológico

sobre o ISEB e os isebianos históricos. É um desafio muito árduo para nós. Aqui é possível

7 Publicado originalmente com o título “Sobre o Pensamento Econômico do ISEB e a Simplicidade de Ignacio Rangel” na Revista FIPES, São Luís, v.3, n.2, jul./dez. 1988. * Economista do IPES.

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encontrar antes de tudo, um conjunto de reflexões sobre o pensamento econômico do ISEB, e a

singularidade de Ignacio Rangel, como é retratado do título. Não há assim, pretensão de

grandiloqüência. Há apenas uma espécie de desconfiança em relação a certas verdades sobre o

isebianismo e o desenvolvimentismo, levando-nos a adotar algumas posturas críticas em relação às

mesmas. O que foi possível, sobretudo, pelo estimulante diálogo com o pensamento de Rangel, em

obras como “A Inflação Brasileira”, e de trabalhos como “Recursos Ociosos na Economia

Nacional”, este último recebendo aqui tratamento interpretativo especial.

2 A ECONOMIA POLÍTICA DO ISEB

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros não completou dez anos de vida. Criado

em 1955, por Café Filho, foi extinto em 1964, por ato de Ranieri Mazzili. Suas origens, no entanto

são mais recuadas, pois procedem do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política

(IBESP), nascido do antigo grupo Itatiaia, que se reuniu a partir de 1953 para assessorar o Estado

Brasileiro sobre o desafio de um moderno Estado Capitalista. Vincula-se a um período bem

característico da evolução recente da sociedade brasileira: a fase desenvolvimentista, ligada a uma

crença quase febril na modernização e na redenção do país pela via industrial. Sua função básica

seria a de funcionar como intérprete e condutor das transformações que estavam ocorrendo no país.

Com efeito, os anos 50 foram palcos de um conjunto de modificações na economia

brasileira ao ponto de caracterizarem uma nova forma de acumulação capitalista. São provas dessas

modificações estruturais, a elevação da participação no setor industrial e a conseqüente queda da

elevação no setor agrícola no PIB, quando se inicia a reversão de um quadro que tinha nas

atividades primárias a principal fonte de renda nacional. Nota-se o paulatino aumento da produção

agrícola voltada ao exterior. Decorrente dessa situação observa-se aumentos significativos nas

rendas geradas internamente e da produção para o mercado interno, sem declinar o nível das

importações, principalmente de matérias-primas e equipamentos básicos, necessários à expansão

industrial. Esse novo reordenamento econômico baseado na industrialização procurava resolver

aquilo que era considerado o obstáculo principal, apontado nos diagnósticos da Comissão Mista

Brasil-EUA e Grupo Misto BNDE-CEPAL, que era a vulnerabilidade da economia nacional às

flutuações e determinações do comércio externo, o que provocava a crescente degradação dos seus

termos de intercâmbio. Isto era atribuído à própria estrutura produtiva nacional, até então

centralizada na agricultura, considerada, por aqueles diagnósticos, incapaz de realizar o surto

modernizador-desenvolvimentista, pela própria natureza do sistema econômico mundial, tarefa esta,

como se sabe, atribuída exclusivamente ao setor industrial. É, enfim, diante dessa problemática que

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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se inicia a implantação de um novo modelo de acumulação, estabelecendo-se os mecanismos de

uma nova divisão internacional do trabalho, onde o principal objetivo era integrar a economia para

fortalecer o mercado interno. Com efeito, duas outras instâncias terão a participação decisiva na

efetivação do modelo: o Estado nacional, ampliado e fortalecido, e o capital estrangeiro, “fonte

complementar de poupança”, considerados por muitos como indispensáveis para viabilizar o

desenvolvimento capitalista do Brasil.

Como é sabido, o ISEB não possuía uma única postura metodológica sobre a

condição do desenvolvimento brasileiro frente às condições materiais e situacionais da época, já um

pouco sintetizadas acima. Acolhia entre os seus membros simpatizantes das duas posições já

tradicionais no debate econômico da época, envolvendo nacionalistas e liberais, inaugurado nos

anos 40, através das célebres polêmicas entre Roberto Simonsen (nacionalista) e Eugênio Gudin

(liberal). Do mesmo modo, vamos encontrar no seu interior, posturas identificadas com

praticamente todas as grandes correntes de pensamento econômico brasileiro, predominantes ao

longo de seu período de existência.

Uma dessas correntes, seguramente a mais significativa, era a chamada

desenvolvimentista nacionalista, que teve no ISEB um dos seus sustentáculos principais. Para os

seus adeptos, sejam aqueles da área privada, como o CNI e a FIESP; sejam da área estatal, como

BNDE, CEPAL, Assessoria econômica de Vargas, etc. (envolvendo nomes como Celso Furtado,

Rômulo de Almeida, Américo de Oliveira, Ewaldo Lima, etc.) o desenvolvimento ocorreria com a

industrialização e a planificação, contando com a participação de empreendimentos estatais. Seus

diagnósticos da realidade eram fortemente influenciados pelas teses cepalinas, envolvendo a

preferência pelo desenvolvimento “para dentro”, a partir de uma visão estruturalista dos problemas.

Interpretavam a evolução econômica com base no processo de substituição de importações e

responsabilizavam os desequilíbrios estruturais como causadores dos problemas econômicos

recorrentes, aliados à ausência de planejamento, fatores estes a serem corrigidos a longo prazo.

Filiavam-se a uma certa orientação teórica, baseava-se no pós-keynesianismo, em Prebish,

caracterizado pelo forte tom eclético de suas análises.

Em outro pólo de interpretação, vamos encontrar a corrente desenvolvimentista não-

nacionalista, e lá tomando assento também algumas expressões do pensamento isebiano. Suas

interpretações da realidade eram baseadas principalmente no diagnóstico da Comissão Mista Brasil-

EUA e BNDE, envolvendo personagens como Roberto Campos, Lucas Lopes, e Glycon de Paiva.

Embora adotando a mesma orientação teórica da corrente anterior (pós-keynesianismo e ecletismo),

divergem do seu enfoque nacionalista. Defendiam a participação intensiva do capital estrangeiro,

associado ao capital nacional, com participação moderada do planejamento estatal. Tinham uma

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compreensão dicotômica da realidade, onde existiriam setores problemáticos (pontos de

estrangulamento) e setores favoráveis (pontos de crescimento). Acreditavam numa certa tendência

ao desequilíbrio, por razão desta dicotomia, a qual se perpetuava por erros de política econômica.

Também na terceira grande corrente de pensamento vamos encontrar ilustres

isebianos, como Nelson Werneck Sodré. Esta era a corrente socialista, que além do ISEB, contava

adeptos como o PCB, Caio Prado Jr., A. Passos Guimarães e Aristóteles Moura. Seu projeto

econômico fundamental era garantir a viabilização do desenvolvimento capitalista como meio de

passagem ao socialismo, um pouco em cima das teses leninianas, por força da orientação teórica

que adotava concentrada no materialismo histórico. Defendiam a planificação da industrialização

em bases estritamente nacionais. Ao lado de uma reforma agrária geral, pois trabalhavam com a

tese do anti-feudalismo ou anti-imperialismo. Admitiam, assim, que o desenvolvimento das forças

produtivas no Brasil era obstaculizado pelo monopólio da terra (latifundiarismo) e pelo

imperialismo.

A despeito da polimorfia, o pensamento isebiano consegue guardar em alguns

pontos-chaves de sua construção, momentos de unidade e de identificação. Um dos exemplos disso

está na questão central de suas análises, aquela que contrapõe as categorias Nação e Antinação.

Independentemente das eventuais vinculações teóricas e doutrinárias dos seus membros, esse

momento de convergência ocorre quando aquelas duas categorias estão presentes nas distintas

formulações/conceituações isebianas. Todas essas formulações são unânimes em admitir que o

desenvolvimento capitalista representa o meio de superação daquela contradição básica. Pois o

antinacional simboliza o atraso, o subdesenvolvimento, o arcaico; e o nacional confunde-se com o

avanço das forças capitalistas e suas conseqüências, como o industrial, o moderno e o urbano. Eis

porque a categoria fundamental é a nação que deve enfrentar e vencer a antinação. É o nacional-

desenvolvimento versus o antinacional-subdesenvolvimento; ou a indústria versus a agricultura.

Ou, como dizia Paim: a passagem da economia natural fechada, para a economia de mercado,

aberta. É, enfim, esse traço dual que informa o nacional-desenvolvimentismo isebiano e que

perpassa o discurso da quase totalidade de seus membros (muito embora cada qual dê a ele

tratamento eventualmente diferenciado), fazendo emergir, dentre outras coisas, a visão bipolarizada

da sociedade brasileira, a existência de setores dinâmicos e estáticos, produtivos e improdutivos. Eis

porque o Nacionalismo e o Desenvolvimentismo isebiano guardam íntima relação com o

estabelecimento de um sistema capitalista mais avançado no Brasil, ainda que nos anos 50, o

desenvolvimentismo (entendido como intervenção do Estado para viabilizar industrialização)

recebesse críticas das correntes liberais, aquelas que defendiam “a vocação agrária” do Brasil, e,

portanto, não viam com simpatia o intervencionismo. Na verdade, tanto uma quanto outra não eram

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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anticapitalistas, muito embora o nacional-desenvolvimentismo estivesse filiado ao keynesianismo e,

portanto fosse contrário ao liberalismo neoclássico, aquele que defendia o não-intervencionismo,

por acreditar que o funcionamento normal da economia capitalista dava-se no nível de grande

emprego. Eis porque, em termos de filiação teórica, o pensamento isebiano tem muito a ver com os

economistas da escola da concorrência imperfeita, aquela que afetou os alicerces da abordagem do

equilíbrio neoclássico, através de figuras como Kalecki, Keynes, Schumpeter e Myrdal, todos eles,

a rigor, discípulos de outras influências como Sraffa, J. Robinson e Chamberlim. Além, de

evidentemente, de outras influências mais próximas, ligadas às novas teorias do desenvolvimento e

do subdesenvolvimento econômico, como André Gunder Franker (que introduziu no Brasil o

pensamento de Sweezy, Baran e Magdoff) e Raul Prebish, este último de enorme influência, pelo

seu papel relevante na estruturação da CEPAL.

Se fosse possível sintetizar a economia política do ISEB, o que consideramos muito

difícil poderíamos dizer que suas formulações de política econômica e de análise da realidade

brasileira, conduzem à adoção de uma espécie de capitalismo social democrata, assentado em bases

nacionais, onde o desenvolvimento se faria “para dentro”(conforme a tese cepalina), como forma de

luta contra os segmentos ligados ao setor primário exportador (associados ao “imperialismo

comercial”) que no Brasil eram identificados com os setores arcaicos da classe dominante. A

entidade demiúrgica criada por estas formulações era o Estado Nacional (conforme a influência

Keynesiana do “Estado Providência”), o qual deveria funcionar como ordenador de toda atividade

econômica, de cuja ação todos seriam beneficiados, com o que tornavam secundária a luta de

classes (que se daria apenas nos estágios mais avançados do desenvolvimento). Jaguaribe, por

exemplo, afirmava que no máximo haveria luta no interior de cada classe, envolvendo os segmentos

estáticos versus os dinâmicos. Até mesmo os “radicais” (como Werneck e Rangel) sustentavam que

a contradição entre capital e trabalho no Brasil era secundária, podendo se manifestar apenas

quando o país atingisse um estágio mais desenvolvido de suas forças produtivas.

3 A CEPAL COMO INSPIRAÇÃO

Não é novidade para ninguém a importância da CEPAL como uma das matrizes

fundamentais do pensamento brasileiro, muito embora ainda persistam nas análises vigentes uma

certa subestimação dessa influência. De certa maneira, atitude semelhante atinge também o ISEB, a

despeito da larga penetração de uma e de outra instituição no pensamento social nacional. Surgida

em fins dos anos 40, espelhada nos esboços de seu principal idealizador, Raul Prebish, a CEPAL,

emerge como instância questionadora do processo de expansão capitalista da América do Sul,

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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centrando suas baterias críticas contra a divisão internacional do trabalho então vigente (que se

apoiava em certas premissas da teoria clássica e neoclássica do comércio exterior), cuja dinâmica

estaria reservando um destino inexoravelmente subdesenvolvido para os países daquele continente.

Longe de propiciar vantagens bilaterais, o comércio internacional, baseado no comércio cambial,

não estariam possibilitando os frutos tão cobiçados da lei das vantagens comparativas, como

especialização e processo técnico. Era o inverso que estava acontecendo: os mecanismos desse

comércio estavam cada vez mais deteriorando os termos de intercâmbio do comércio latino-

americano. A prova mais contundente da justeza do diagnóstico cepalino era a situação em que

continuavam se mantendo os países do continente: permaneciam meros exportadores de produtos

primários e matérias-primas, sem obterem do centro do sistema capitalista as tão esperadas

transferências da produtividade (presentes nas formulações clássicas e mesmo o oposto do que se

dava: o centro é que capturava os ganhos de produtividade da periferia). Daí a conclusão nada

animadora da CEPAL; os países latino-americanos não passavam de simples marionetes dos

mercados consumidores do núcleo capitalista.

O outro lado do diagnóstico cepalino como se sabe vai atribuir o

subdesenvolvimento de seus países membros a causas totalmente endógenas. E a causa principal

seria a própria estrutura interna desses países, caracterizados pela existência de setores atrasados e

anacrônicos que impediam o desenvolvimento equilibrado de suas economias. O setor onde estas

características estavam mais presentes era o primário, apontado unanimemente como a causa

interna principal do subdesenvolvimento. Síntese do diagnóstico cepalino: subdesenvolvimento

gera subdesenvolvimento, fortemente inspirado nas teses de Nukse, Myrdall, dentre outros.

A proposta da CEPAL para romper com este círculo vicioso também é de todo muito

conhecida: incrementar o desenvolvimento industrial, promover a reforma agrária, melhorar a

alocação interna de recursos produtivos e impedir, de maneira eficiente, a evasão de produtividade

(por força da eliminação dos mecanismos deteriorativos dos termos de intercâmbio). A síntese

desse projeto é adoção de um modelo de desenvolvimento capitalista voltado “para dentro”, uma

vez que o modelo tradicional “voltado para fora”, não dera os resultados esperados. É uma proposta

nacionalista (porque visa o desenvolvimento do mercado interno) e de certo modo, contrária,

também, ao imperialismo (a rigor, ao imperialismo comercial e financeiro; que se nutria do modelo

agroexportador). O sonho cepalino era a efetivação de economias latinoameriacanas autônomas e

sólidas, com incrementos constantes de renda e consumo, atingindo a uma posição realmente

importantíssima: promover o desenvolvimento e, quando necessário, proceder o planejamento das

mudanças de rumo.

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Não resta dúvida que este é um pensamento reformista e de que as suas propostas

não visam revolucionar as estruturas do pensamento econômico. É como diz Octávio Rodriguez, “o

pensamento da CEPAL altera, mas não supera os marcos da economia convencional”. Contudo, não

se pode negar que, para os anos 40 e 50, davam àquela instituição uma feição progressista. Mas não

é nossa intenção neste tópico discutir seus acertos e desacertos. Quisemos apenas lembrar alguns

pontos de identificação entre as formulações do pensamento econômico isebiano e da CEPAL.

4 E RANGEL, ONDE FICA?

Ignacio de Mourão Rangel foi, simultaneamente, cepalino e isebiano. À primeira

vista, é de se supor, deveria ter um pensamento o mais próximo possível das teses centrais do

desenvolvimento. Mas tal não é novidade. Ele sem medo de errar é o menos típico dentre todos os

formuladores do pensamento econômico isebiano. Ombreado aos mais representativos do

pensamento econômico brasileiro, como Furtado, Gudin, etc. Rangel destaca-se, principalmente,

pelas singularidades de suas análises e concepções, podendo francamente constituir-se em uma

corrente independente, em relação às demais, para não dizer que chegara mesmo a esboçar um novo

campo epistemológico para a interpretação da economia e da realidade nacionais.

A vinculação teórica de Rangel expressa certo hibridismo, envolvendo Smith e uma

curiosa fusão de Keynes e Marx. Desses cruzamentos, aqui e ali, é possível encontrar, em suas

formulações, uma espécie de convivência pacífica entre concepções da economia política burguesa

e importações do materialismo histórico. Defende, como bom isebiano, que era, a industrialização

planificada e decididamente apoiada pelas ações estatais. Reúne um fascínio enorme pelo

planejamento econômico, como veremos no tópico seguinte. Sua tese central para explicar o

subdesenvolvimento é da “Dualidade Básica”, que está quase sempre presente em todas suas

exposições. Como Furtado, interpreta o processo de crescimento da economia brasileira com base

nas formulações do modelo de substituição de importações.

Igualando-se a Furtado, segundo alguns analistas, como um dos pioneiros na

elaboração de sistemas conceituais abrangentes, complexos e globais, capazes de expressar a

evolução e realidade da economia brasileira, Rangel detém-se, essencialmente, na interpretação das

relações entre agricultura e indústria, teorizando a respeito de um sistema capitalista especial (o

brasileiro), gestado monopolista e oligopolista, respectivamente. É justamente em sua obra mais

completa e representativa, “A Inflação Brasileira”, publicada primeiramente em 1963, que ele vai

desenvolver essas idéias, já transparentes em outras obras iniciais, como a “A Dualidade Básica da

Economia Brasileira” (ISEB, 1958); “Introdução ao Estudo do Desenvolvimento Econômico

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Brasileiro” (ISEB, 1960) e “Questão Agrária Brasileira” (Companhia de Desenvolvimento

Econômico de Pernambuco, 1962).

Analisando a configuração do capitalismo brasileiro da época, Rangel aponta como

um dos seus problemas básicos a existência de um processo de industrialização (moderno), sem que

tenham modificados as estruturas tradicionais do setor agropecuário. Isto porque, em uma situação

como esta, forma-se um grande exército industrial de reserva, o que estimula altas taxas de

exploração da força de trabalho no processo de acumulação capitalista. E mais, a tendência de

capitalização (modernização) da agricultura liberaria mais mão-de-obra para os centros urbanos

industrializados. Assim, segundo sua análise, a contradição fundamental do capitalismo brasileiro

residia entre as enormes possibilidades de incremento dos investimentos (em função das vantagens

decorrentes da exploração da força de trabalho, o que asseguraria maiores taxas de lucros) e a

conseqüente insuficiência de demanda da população, uma vez que a massa salarial tendia para

baixo, em função das taxas de exploração elevadas (para ele o “fundo social de consumo” era

constituído, principalmente pelas massas de salários).

Com efeito, o centro das contradições estava no sistema de comercialização de

produtos agrícolas, justamente por ser o segmento controlado por monopsônios e oligopsônios.

Assim, o capital comercial adquiria a produção agrícola a preços aviltantes e repassava a preços

escorchantes. Com isso, elevavam-se os preços dos produtos agrícolas, comprometendo maiores

faixas da renda com alimentação, em detrimento do consumo de industrializados. Por seu turno, os

baixos preços pagos aos produtores agrícolas pelos intermediários que controlavam o capital

comercial, estimulavam a queda na produção do setor primário e a conseqüente diminuição na

oferta de alimentos e matérias-primas, o que implicaria, a curtos e médios prazos, na existência de

capacidade ociosa do setor industrial (devido, logicamente, à redução do consumo dos assalariados

e o custo elevado de matérias-primas oriundas do setor agrícola). A rigor, seria esse o processo

detonador da inflação brasileira: a elevação do nível de preços decorreria fundamentalmente da

necessidade de cobrir custos fixos elevados, em função de integração entre os setores primários e

secundários. O seu método explicativo partia do pressuposto de que a intermediação elevava os

preços agrícolas, e de outro, que o “latifúndio feudal” incrementa o exército industrial de reserva

(igualmente a modernização agrícola), implicando em taxas incrementais de exploração, o que

implicava na diminuição da demanda. Essa insuficiência (“crônica”) de demanda, por outro lado,

gerava a maiores graus de capacidade ociosa, implicando em preços elevados e, assim, até nutrir

aspiral inflacionária.

Estas formulações sobre o capitalismo brasileiro eram inteiramente inéditas em

relação às demais então existentes. Os estruturalistas (dentre eles, Furtado), tinham, por exemplo,

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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um outro padrão explicativo para o problema. Trabalhando com as teses estruturalistas, um pouco

ao estilo cepalino, diziam que a causa principal era a inelasticidade da oferta de produtos agrícolas,

pois achavam que a agricultura tinha “deficiências estruturais” que inviabilizavam o atendimento

das demandas globais do setor industrial. Ou seja, achavam que a zona rural não teria condições

intrínsecas de produzir alimentos e matérias-primas baratos, por força de seu próprio atraso. Rangel,

como estamos vendo, discordava desse ponto de vista, chegando a dizer que, caso fossem

eliminadas as cadeias de intermediação, não mais haveriam problemas de inelasticidade de ofertas

de produtos primários para o setor industrial do Brasil.

Outra singularidade do pensamento rangeliano pode ser encontrada nas suas

formulações sobre a inflação brasileira. Afirmava categoricamente que era justamente a inflação a

grande mantenedora do ritmo das atividades industriais da época, na medida em que se constituía

no principal estímulo às imobilizações de capital (aquisição de construções, terrenos, bens duráveis,

etc.), além de incentivo a novos investimentos por força das elevadíssimas taxas de exploração,

ainda que fosse diminuto o mercado consumidor. Isto porque os efeitos corrosivos da inflação numa

situação como a brasileira, onde as taxas de juros eram baixas, obrigava as classes mais abastadas a

metamorfosearem o seu dinheiro em bens materiais. A despeito dessa situação um tanto insólita

(inflação elevada, como fator de estímulo ao investimento total da poupança), Rangel reafirmava,

contudo, que a sua existência não solucionava o problema crônico da deficiência de demanda, a

qual poderia até se agravar, face aos esperados incrementos na capacidade produtiva.

É no interior dessa problemática que Rangel defendia para o Brasil a implantação de

um mercado de capitais, na medida em que reconhecia no capital financeiro os próximos passos a

serem dados pelo capitalismo nacional, o que, confirma, outra vez, a antevisão de sua análise, pelo

rumo, nessa direção, que tomará a economia brasileira anos mais adiante. A sua proposta de

reestruturação do sistema financeiro guardava íntima relação com as suas teses subconsumistas de

explicação dos problemas econômicos nacionais (porquanto entendia que a crise capitalista

brasileira era de realização), pois achava que só um novo mercado de capitais disponíveis em

função da ociosidade industrial, significava uma alternativa real ao desenvolvimento, na medida em

que funcionaria como instrumento de identificação de novas opções para as inversões produtivas,

podendo gerar mais emprego, mais renda e, logicamente, mais consumo/demanda. Nessa ocasião

chegou a propor a instituição de correção monetária (inexistente ainda) como forma de estímulo à

ampliação daquele sistema financeiro, uma vez que o baixo nível da taxa de juros não atraía alguns

investimentos de prazo fixo.

Como dissemos no começo, não é nosso objetivo tratar de acertos e desacertos. Em

Rangel é natural que ambos estejam presentes. O que nos move é a intenção de refletir sobre a

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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possibilidade de encontrar-se novos ângulos sobre o isebianismo, que não os já delimitados em

concepções uniformizantes e simplificadoras. Eis porque, no essencial o desenvolvimento

rangeliano, por encerrar especificidades, fatalmente colide com muitas das explicações gerais sobre

“o desenvolvimento do ISEB”, além, evidentemente, das eventuais dessemelhanças com outras

correntes de relação às análises do PCB, e de Werneck Sodré, que responsabilizavam a estrutura

agrária semifeudal como impeditivo ao desenvolvimento das forças produtivas capitalistas no

Brasil; ou as de Caio Prado Jr., que atribuía as condições econômicas do Brasil à sua situação

semicolonial e à exploração do imperialismo.

4.1 Uma Análise Mais Pormenorizada: as formulações sobre ociosidade e economia

Com efeito, se resolvêssemos admitir que são plenamente satisfatórias as atuais

análises que buscam sistematizar e estruturar o pensamento desenvolvimentista isebiano como

sendo uma categoria unitária, poderíamos dizer que o pensamento rangeliano, ora pode ser, sem ser,

isebiano quando desenvolvemos, a seguir, algumas considerações sobre seu trabalho “Recursos

Ociosos na Economia Nacional-ROEN”, publicado em 1960, pelo ISEB. É uma obra em que

transparece as concepções de Rangel sobre o desenvolvimento capitalista, suas causas e fatores

impeditivos. É, na verdade, um pequeno (embora proficiente) esboço acerca da realidade e

perspectiva do capitalismo brasileiro, da sua relação com a sociedade e, sobretudo, um enfoque

sobre o papel do Estado Nacional como planejador do processo de transformação das estruturas

econômicas e sociais, teses estas que estão reunidas e aprofundadas em suas posteriores obras,

principalmente em “A Inflação Brasileira”.

Logo no início de ROEN, Rangel deixa antever a sua vinculação metodológica aos

princípios do materialismo histórico e a sua inclinação socialista ao admitir que a sociedade humana

se dirige para uma comunidade única, para um “mundo só”, na sua maneira de dizer. Mas não é

sobre essa questão que a obra se preocupa, obviamente. Seu núcleo temático é o desenvolvimento, e

mais ainda, um caso específico de desenvolvimento - o Brasileiro. Homem de sua época, não deixa

a menor dúvida que o Brasil só se constituiria como nação soberana se permanecesse desenvolvido.

Segundo seu ponto de vista, o nascimento de uma nação é produto do avanço das forças produtivas

e da técnica. É por esta razão que os anos 50 apresentava-se-lhe como o momento em que o país

perdia a sua condição de “nação criança” para transformar-se em nação. É ele quem diz: “o sinal

mais importante do nascimento de uma nação, nesta segunda metade do século XX, é afirmação

categórica da exigência do desenvolvimento” (p.10). É evidente que aqui ele não está falando em

desenvolvimento em geral; trata-se, obviamente, do desenvolvimento capitalista. Contudo há uma

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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particularidade na sua formulação, que marca outra vez uma diferença em relação às formulações

reducionistas sobre o desenvolvimento. Rangel, sintonizado com seu método da análise, entende o

desenvolvimento capitalista como transição e não como uma etapa final. Deixa bem claro que o

progresso das forças produtivas gera a nação, mas que esse mesmo avanço levará à “comunidade

única”. Para que se chegue ao futuro cidadão do universo, afirmava ele, há a passagem transitória

para cidadão de uma pátria (leia-se nação).

Em ROEN, Rangel não consegue disfarçar o seu ecletismo teórico-metodológico,

quando se utiliza de categorias analíticas que demonstram igualmente a sua vinculação aos

enfoques schumpeterianos e smithianos, comprováveis ao longo do texto, pela recorrência constante

ao papel da técnica e do mercado. No tópico sobre “A Nação e a Técnica” é possível obter

comprovação disso. Começa por afirmar, retomando questão anterior, que duas eram as tarefas

básicas impostas ao Brasil pela história: construir sua soberania (através do desenvolvimento

econômico) e assegurar a sua unidade. A efetivação dessa última tarefa dependia do

desenvolvimento do mercado interno, a ser conseguido pelo avanço da técnica no país, através da

qual se daria a superação do atraso existente. Sedimenta essas suas observações, sobre o avanço

inexorável da tecnologia e da técnica e seu papel como fator de unificação dos mercados nacionais,

mirando-se no próprio exemplo mundial, quando extrai dessa realidade provas de que a técnica não

só os havia unificado, como já estava mesmo ultrapassando seus próprios limites. Seria justamente

esta pressão externa que obrigaria o Brasil a se unir, asseverava o nosso autor. Na verdade a crença

na unidade como integração do mercado nacional, para viabilizar o desenvolvimento, tem suas

raízes em concepções smithianas, segundo as quais a unificação do espaço econômico alargaria os

níveis da divisão social do trabalho, decorrência direta do progresso tecnológico. Mais adiante,

tratando do relacionamento entre soberania e unidade nacionais, deixa claro que a primeira não

pode constituir em frente a segunda, o que ocorreria sempre que a soberania viesse a limitar a

expansão do comércio externo isto não significava, todavia, que Rangel estivesse defendendo o

livre jogo das forças de mercado, mas achava que nem por isso esse desenvolvimento levasse,

fatalmente, à internacionalização dos fatores produtivos. Dá um exemplo ilustrativo a respeito dessa

questão, destacando o caso da indústria siderúrgica nacional, localizada em um país com enormes

reservas de minério de ferro, mas grandemente necessitado de carvão mineral de boa qualidade. Sob

o império dessas determinações, a siderurgia brasileira estaria permanentemente vulnerável e sem

possibilidades de expansão. Somente com o desenvolvimento tecnológico essa situação poderia ser

contornada, através do desenvolvimento de sucedâneos para o coque (como gases combustíveis, gás

xisto ou eletro-siderurgia, por exemplo). Conclui afirmando que nesse caso, como em outros

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

38

semelhantes, a própria técnica impediria a internacionalização de fatores, e simultaneamente,

permitiria a criação de uma indústria à base de recursos naturais.

Prosseguindo suas análises, chama a atenção para o que denomina “o moderno

problema da unidade”, que seria o risco da integração do mercado nacional vir a reforçar, em vez de

eliminar, as disparidades inter-regionais. Jocosamente faz menção à fábula de La Fontaine, quando

diz que a brusca aproximação econômica poderia converter-se na “associação de panela de barro

com a panela de ferro”. Seu receio era o de que o processo integrativo fizesse prevalecer apenas às

forças centrífugas o que levaria os parques fabris e produtivos das várias regiões a se satelitizarem.

A solução para esse problema é cristalina em Rangel: dotar o Estado de um planejamento eficiente e

racional, capaz de reverter àquela perspectiva. Ouçamo-lo: “...o preço da unidade é o fortalecimento

do poder central, para torná-lo capaz de certos fluxos econômicos, de modo a possibilitar a

coexistência das regiões marginalizadas com as vanguardas e também a gradual liquidação do

atraso daqueles” (p.14). Assim para o pensamento rangeliano, o planejamento estatal não só

bloquearia as forças centrífugas como deveria reverter a situação de atraso das áreas mais débeis do

país. Pode-se dizer que até aqui não há muita novidade se considerarmos que essas questões já

faziam parte das análises da época. Na verdade o “moderno problema da unidade” está na crítica

feita por Rangel ao prosseguimento do processo de industrialização no Sudeste através de indústrias

de base, e a sua conseqüente integração ao mercado mundial, sem que o mercado nacional

efetivamente já estivesse unificado. Ou seja, via com muita apreensão a tendência à centralização

que se prenunciava na economia brasileira.

Este diagnóstico da situação é que transforma o planejamento, no pensamento de

Rangel, no principal fator de unidade e de soberania, conforme aparecem em mais um tópico de seu

trabalho. Sua visão do planejamento, portanto, não é tecnocrática. Entendo-o, obviamente como

fator de ordenamento do desenvolvimento, em que não se realizem apenas interesses de uma classe

ou de um setor econômico. Como para ele a atuação do Estado deveria ser impessoal e

desinteressada, pelo menos naquele estágio da economia brasileira, o planejamento deveria atender

ao interesse de todas as classes. A justificativa que encontra para esta postura é extraída da crença

de que o planejamento só daria certo em nações solitárias. Para ele apenas as nações bem

constituídas planejam bem, porque os seus membros não se colocam antagônicos entre si. Afirmava

ele que “não há planejamento sem transferências não compensadas de renda” (p.17).

Isto posto, Rangel retoma a questão do planejamento e unidade, criticando a posição

das correntes cosmopolitas, que achavam inexorável a eliminação das barreiras regionais durante o

processo de integração do mercado nacional. Segundo ele, a verdadeira unidade não deveria

eliminar as especificidades de todas as regiões integradas, porque não era para centralizar, mas para

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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expandir e diversificar, que ela deveria existir. É desse modo que entendia também a integração

com outras economias: a verdadeira integração consolida, ao invés de eliminar, as barreiras

nacionais. É ele quem afirma: “devemos subordinar o intercâmbio com o exterior aos interesses

necessariamente autarcizantes de sua construção interna” (p.21). Isto porque acreditava que só os

Estados soberanos poderiam programar seu intercâmbio com o exterior. Estas colocações não

significam, contudo, que Rangel defenda a “autarcização” das economias nacionais. Admitia

claramente no seu texto que as “autarcias econômicas” desaparecerão com a planificação do

desenvolvimento e que estas são produto de uma fase em que impera a desordem econômica.

Assim, a consolidação das barreiras não significava “autarcização”, mas consolidação das

soberanias nacionais, que se daria no momento da consolidação do comércio internacional.

Para destacar a relevância de suas formulações, Rangel chegava a afirmar que o

verdadeiro progressismo no Brasil não se mede em termos de direita e esquerda, mas, sobretudo,

pela adesão ou repúdio às idéias de unidade, soberania e planejamento (conforme, evidentemente,

os seus conceitos para cada uma delas). O exemplo que encontra para provar sua tese é aquele em

que demonstra a possibilidade de existirem no Brasil, radicais retrógrados e conservadores

progressistas ao ponto de indicar nesse fato um dos paradoxos da dualidade básica da economia

brasileira. Conclui dizendo que, na história do Brasil, tem havido sempre mais fusão de classe, do

que contradição, ou mesmo, alianças de classes.

Feitas essas considerações, Rangel parte para os comentários sobre um dos itens

básicos de seu trabalho, que é o da interpretação da ociosidade na economia nacional, temática esta

presente na totalidade de sua produção intelectual, e que está mais explicitada e aprofundada em “A

Inflação Brasileira”. Com efeito, seus argumentos iniciais são contra a falta de criatividade e de

espírito empreendedor da indústria nacional. Não poupa os empresários, taxando-os de preferirem

as opções de menor esforço, ligados ao “leilão de fatores” do comércio internacional e não a

investigação abalizada da capacidade ociosa nacional. Por este motivo é que a importação

apresentava-se como panacéia para tudo o que se mostrava escasso no Brasil. Segundo ele, só

depois demonstrada a existência de mercado garantido, em função de importação efetivada

anteriormente, é que o empresário brasileiro se dispunha a examinar a possibilidade de produzir

internamente. E isto ocorreria, justamente pelo fato do empresariado industrial ter uma economia

voltada enormemente ao comércio externo. Este seria um procedimento inteiramente condenável,

segundo a análise rangeliana, pois, além de agravar os problemas de ociosidade, poderia contribuir

para a tendência de incrementos maiores na pauta de importações. Chegavam mesmo a afirmar que,

nos momentos de contração às importações, provocados por eventuais crises de pagamentos, o

empresariado não saberia encontrar novas alternativas de inversão, ao ponto de renunciar ao próprio

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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investimento, o que inibiria o desenvolvimento global da economia. Para ele, o empresário nacional

enfrentava um grave desafio: teria que fazer uma escolha que não recaísse ou no capital estrangeiro,

ou a compressão do consumo, ou na renúncia ao desenvolvimento.

A proposta de Rangel, para vencer esse dilema, era a ênfase na utilização da

capacidade ociosa da economia, porque só assim seria possível incrementar a disponibilidade total

de bens e serviços, portanto aumentar o nível do investimento para assegurar a aceleração do

desenvolvimento econômico, prescindindo-se, assim, do capital estrangeiro, sem que ocorresse a

compressão do consumo. Assim é na unificação do mercado interno que encontrava a fórmula para

a eliminação da capacidade ociosa da indústria, cuja utilização, a seu ver, era a via preferencial para

unir a Sociedade e o Governo, pois, segundo ele, “os trabalhadores desejam trabalhar e os homens

de indústria desejam ver suas instalações plenamente utilizadas” (p.38). Não negará, mais adiante,

que o uso integral da capacidade produtiva existente seria também uma aspiração plena do

pensamento nacionalista, “porque a capacidade ociosa é nacional e seu uso habilitará o Brasil a

desenvolver-se com os próprios meios, o que, aliás, não quer dizer que se limite a eles recusando-se

a receber recursos que sejam oferecidos em condições razoáveis.” (p.38).

No item reservado aos modos da utilização da capacidade ociosa, Rangel é taxativo:

“Se uma economia não utiliza plenamente seus recursos produtivos, se deixa no limbo da mera

possibilidade um produto adicional, para o qual estão cumpridas as condições prévias materiais ou

técnicas, renuncia a um adicional de riqueza que poderia, além de melhorar seus padrões de

consumo, aumentar o que é mais importante ainda, o volume de seus investimentos, dos quais

depende, em grande parte, a ulterior expansão do produto nacional, isto é, do desenvolvimento” (p.

41).

Sobre os investimentos, ele chamava atenção para a necessidade de maiores

inversões nos setores produtivos de bens de produção, considerados de maior poder germinativo e

com maiores chances de integração intersetorial. Nesse sentido, chegou a formular uma proposta

um tanto incomum, que era a adoção de um verdadeiro processo de conversão de certas atividades

produtivas industriais em outras. Acreditava nesta possibilidade pelo próprio estágio das economias

subdesenvolvidas, onde não seriam bem nítidas as fronteiras que separam as indústrias de bens de

produção e as de bens de consumo (“ao menos esta característica do subdesenvolvimento pode ser

posta a serviço do desenvolvimento...”) (p.43). Apontava, assim, para a possibilidade de mudança

na estrutura de oferta da economia brasileira, que tanto poderia obter bens de produção, pelo

emprego de indústria de bens de consumo, como obter bens de consumo em indústrias de bens de

produção. Aparece claro aqui a sua defesa de uma espécie de revolução tecnológica tupiniquim.

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Fica-nos evidente, enfim, que em ROEN, Ignacio Rangel desenvolve o esboço de um

modelo analítico capaz de explicar o desenvolvimento presente e futuro do capitalismo brasileiro. É

um projeto nacionalista e fortemente apoiado no planejamento estatal, onde o fator dinâmico é o

desenvolvimento do mercado interno, liderado pela industrialização. Embora não fale claramente,

desenvolve um diagnóstico segundo o qual os setores atrasados, (o primário principalmente) e a

ociosidade industrial, representam os pontos de estrangulamentos básicos. A rigor, ambos seriam

afastados pela introdução da técnica, que, guiada pela luz do planejamento, levaria o país a uma

situação de desenvolvimento seguro e equilibrado, lacunar, se assim quisermos proceder para

análise do texto de Rangel, está a omissão sobre a natureza de muitos dos problemas levantados,

como o da ociosidade. Mas aí estaríamos cometendo uma impropriedade: o seu trabalho foi

elaborado com essa pretensão.

5 À GUISA DE REFLEXÃO FINAL

Ninguém duvida que o desenvolvimento é a mola mestre do pensamento

isebiano.Isto é uma coisa. A outra (geralmente esquecida) é que não existe no interior do ISEB

apenas uma concepção de desenvolvimento que torna a tarefa de construir uma formulação unitária

de desenvolvimento algo extremamente complexo, pois, se, de um lado, simplifica o problema, de

outro, pode inibir o avanço do próprio campo epistemológico a seu respeito. Sem contar os riscos

do paroxismo, quando fontes não legítimas recorrem àquelas sínteses e esboçam análises apressadas

que, invariavelmente, tratam a produção isebiana sem a menor competência. A nosso ver uma das

causas desse tipo de situação, reside numa espécie de transposição abusiva de certas análises sobre

o ISEB (em geral análises relevantes, por estarem legitimadas em fontes eruditas), produzidas para

dar conta de aspectos específicos da realidade social (como análises de discursos, sob perspectivas

filosóficas e ideológicas) e que, de uma hora para outra, são utilizadas para explicar outros aspectos

dessa mesma realidade. Até mesmo no seio dessas análises é possível encontrar situações ambíguas.

As análises eruditas de Caio Navarro de Toledo sobre a ideologia desenvolvimentista do ISEB, por

exemplo, não contemplam a matéria econômica de per si, muito embora qualquer discurso sobre o

desenvolvimentismo ( inclusive o seu, curiosamente) tenha que passar por ali.

Assim, as análises em voga que supõem já estar construída a unidade do pensamento

desenvolvimentista, a nosso ver, não se sustentam integralmente. Uma das provas para demonstrar

sua fragilidade pode ser obtida pela comparação entre o desenvolvimentismo constante no discurso

dos isebianos e dos planos governamentais de fins dos anos 50, começo dos anos 60. Os primeiros

são mais rigorosos, racionais e equilibrados; os segundos são ufanísticos e em geral, ideológicos.

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Admitir que o discurso desenvolvimentista dos planos governamentais é o mesmo que o dos

isebianos que tratam, por exemplo, da matéria econômica, é na melhor das hipóteses um ato de

injustiça para com o ISEB, enquanto órgão produtor de cultura especializada.

É preciso olhar o isebianismo sem preconceito. Não é nenhuma heresia admitir-se,

por exemplo, que as suas propostas e análises da realidade nacional, devidamente reduzidas ao seu

contexto histórico, são mais progressistas do que muitos pensam. Não queremos, evidentemente,

transformar o criticismo de seus analistas em apologia. Tomemos apenas as generalizações que não

são capazes de precisar com exatidão o lugar de onde estão falando. O debate travado em fins da

década de 70, entre Lamounier e seus colegas paulistas, analistas do ISEB, é ilustrativo a esse

respeito. Entre outras coisas ele discordava de algumas formulações contidas no livro de Navarro

(“ISEB: Fábrica de Ideologias”), por exemplo por adotarem como questão básica a crítica de que o

ISEB, fazia mistificação ideológica, no que escamotiava a luta de classes, não sobrepondo-a à

contradição nação-antinação, que ocupava o núcleo do sistema analítico isebiano. Segundo

Lamounier, este também não seria o verdadeiro caminho para esclarecer a questão, pois achava que

Navarro partia de um ponto de vista simplista: tudo que dissesse respeito às classes seria

verdadeiro; seria crítica da ideologia. Acredita que, além dessas preocupações, o mais essencial

seria aprender o significado e o alcance daquelas ambigüidades. O que sua crítica procura

demonstrar é a inexistência de contextualização apropriada; a inexistência de certa “relação entre o

texto e o contexto “, crítica esta que lança não só ao trabalho de Navarro, mas também a alguns

outros da escola paulista.

Não devemos esquecer que, para os anos 50, nacionalismo e desenvolvimentismo

não são meras categorias analíticas, como muitos estudos parecem indicar. Não são simples

mistificações da realidade, engendradas por “intelectuais a serviço da burguesia das classes

dominantes”. Eram também, acima de tudo, aspirações nacionais produzidas pela ação de um

momento histórico particular, que afetava o Brasil e a América Latina em geral. Representava (o

nacionalismo e o desenvolvimentismo) também – com o que concorda o próprio Lamounier -

consciência dos problemas nacionais, continentais e mundiais. Era por isso mesmo, consciência das

desigualdades.

Afinal, nem só de ilusão vivem os homens!

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia do Desenvolvimento do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. (Estudos Brasileiros, v.14). CHAUÍ, Marilena. Seminários. São Paulo: Brasiliense, 1984. CHAUÍ, Marilena, FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: CEDEC/Paz e Terra, 1978. FURTADO, Celso. A Questão Nordeste. Rio de Janeiro: ISEB, 1960. JAGUARIBE, Hélio. O nacionalismo na atualidade brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958. LAMOUNIER, Bolívar. O ISEB: notas à margem de um debate. São Paulo: Discurso n. 9 (Ciências Humanas), 1979. MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Rio de Janeiro: Poli/Vozes, 1984. PAIM, Gilberto. Industrialização e economia natural. Rio de Janeiro: ISEB, 1957. (Textos Brasileiros de Economia, v.1) RANGEL, Ignacio. A inflação brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1984. ________. Recursos ociosos na economia nacional. Rio de Janeiro: ISEB, 1960. RODRIGUEZ, Octávio. Teoria do desenvolvimento da CEPAL. Rio de Janeiro: Forense, 1981. TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1982. (Ensaios, 28).

Resumé

D’aprés l’auter contribuition de la pensée “isebiano” n’a pás ancore até bien apréciee, comme proposition pour le développment brésilien , d’autre côte relever la contribuition théorique de Ignacio Rangel , en l’oppsamt aux formulations du ISEB et ses points de conexions aveccette institutions.

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NOTAS SOBRE A BIBLIOGRAFIA INTELECTUAL DE IGNACIO RANGEL

Raimundo Nonato Palhano Silva

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NOTAS SOBRE A BIBLIOGRAFIA INTELECTUAL DE IGNACIO RANGEL8

Raimundo Nonato Palhano Silva *

Resumo Neste artigo o autor procura mostrar a versatilidade da personalidade de Ignacio Rangel, também ressaltando a contribuição por ele dada ao pensamento econômico brasileiro no decorrer do século XX.

O título deste texto é pretensioso. O mais apropriado seria denominá-lo “notas

incompletas”. Isto porque, tanto em extensão quanto em conteúdo, ainda não dispomos de um

dimensionamento completo da obra de Ignacio Rangel, no sentido do resgate pleno do seu valor

histórico para a cultura brasileira e para o pensamento econômico latino-americano. Na verdade,

este é um texto sucinto que se propõe, sobretudo, a tentar uma apresentação de sua bibliografia mais

conhecida e, se conseguir, focalizar um pouco da singularidade que cerca a vida desse maranhense

tão ilustre.

1 A BIBLIOGRAFIA

Tomando por base a bibliografia organizada por Gilberto de Carvalho e Fernando

Pinto, de “Literatura Econômica”, correspondente ao período 1955-1985, ampliada e atualizada

pelo autor deste texto, através de levantamentos em outras fontes, são estes os livros e principais

textos avulsos de Rangel: [1] “A Dualidade Básica da Economia Brasileira”, elaborada em 1953,

apresentada à Assessoria Econômica da Presidência da República e publicada em 1957, no Rio,

pelo ISEB; [2] “El Desarollo Economico en Brasil”, de 1954, monografia de conclusão de curso na

CEPAL; [3] “Introdução ao Estudo de Desenvolvimento Econômico Brasileiro”, conferências

pronunciadas em 1955, no IBESP, e publicadas em 1957 pela Livraria Progresso de Salvador-BA;

[4] “Desenvolvimento e Projeto”, de 1957, trabalho decorrente de sua passagem pelo Departamento

Econômico do BNDE; [5] “Elementos de Economia do projetamento”, cuja primeira edição é de

1959, produto de curso ministrado na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade da Bahia,

obra pela qual Rangel reserva grande apreço, tendo merecido edição recente da Editora Bienal, de

São Paulo; [6] “Visão do Desenvolvimento e da Economia Brasileira: Programa e Política – O

8 Artigo publicado originalmente na Revista FIPES, São Luís, v.4, n.2,/v.6, n.2, jul./dez. 1989. Trabalho apresentado no VIII Encontro de Entidades de Economistas do Nordeste- ENE, em homenagem a Ignacio Rangel, como comemoração dos 40 anos de regulamentação da profissão de Economista, no Brasil. * Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão-UFMA.

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Programa de Metas Econômicas do Governo”, de 1959, publicada no Rio pelo BNDE; [7]

“Recursos Ociosos na Economia Nacional” decorrência de aula inaugural proferida, em 1960, no

ISEB; [8] “Apontamento para o Segundo Plano de Metas”, de 1961, publicado pelo CONDEPE,

Recife-PE; [9] “A Questão Agrária Brasileira” de 1961, fruto das análises e reflexões desenvolvidas

em grupo de trabalho pela Presidência da República, visando apontar soluções ao problema agrário

brasileiro, publicado pelo Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República, no Rio de

Janeiro-RJ; [10] “A Inflação Brasileira”, originalmente de 1963, editado pelo Tempo Brasileiro,

reeditado posteriormente pela Zahar, Brasiliense e Bienal, estando próximo da 10ª edição, sendo o

trabalho mais divulgado de Rangel e hoje um clássico do pensamento econômico brasileiro; [11]

“Recursos Ociosos e Política Econômica” de 1979, publicada pela HUCITEC, São Paulo,

compreendendo uma reedição revista dos trabalhos “Recursos Ociosos na Economia Nacional”, e

“Apontamentos para o Segundo Programas de Metas”, atualmente na 3ª edição; [12] “Ciclo,

Tecnologia e Crescimento”, de 1982, reunião de artigos, conferências e textos produzidos entre

1969-1982, publicação pela Civilização, Rio (RJ); [13] “Economia: Milagre e Anti-Milagre”, de

1985, integrante da coleção Os Anos de Autoritarismo? da Zahar Editora, Rio de Janeiro-RJ,

abordando a economia brasileira durante o regime militar; [14] “Economia Brasileira

Contemporânea”, de 1987, reunindo textos selecionados, publicados em jornais e revistas de

circulação nacional, período de 1983 a 1987, publicado pela Editora Bienal.

Ainda na bibliografia organizada pelos autores a que nos referimos anteriormente,

está arrolada, como contribuição intelectual de Rangel: [29] trabalhos publicados em periódicos de

renome, no campo da Economia e das Ciências Sociais, tais como Digesto Econômico, Cadernos do

Nosso Tempo, Desenvolvimento e Conjuntura, Revista do BNDE, Revista da Civilização

Brasileira, Estudos CEBRAP, Revista Agrária, Ensaios FEE e Revista de Economia Política, [7]

trabalhos de fôlego, como contribuição em coletâneas organizadas por entidades culturais e

científicas como o ISEB, a UFMG, a Editora dos Encontros com A Civilização Brasileira e o

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Além de [3] teses sobre o

pensamento de Ignacio Rangel, elaboradas por Manoel Francisco Pereira (EASP/FGV/SP), Paulo

Davidoff (UNICAMP) e Ricardo Bielchowsky, em cuja tese de doutorado, defendida na

Universidade de Leicester, Inglaterra, figuram capítulos sobre a contribuição de Rangel.

Recentemente tivemos conhecimento de mais dois trabalhos acadêmicos: a dissertação de F.J.C. de

Carvalho (IFCH/UNICAMP) e o texto de Mauricio Tiommo Tolmasquim, estes sobre os ciclos na

obra de Rangel, elaborado para o curso de Teoria e História das Crises, de R. Boyer, na École de

Hautes Estudes et Histoire em Scienses Sociales, de Paris.

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Ultimamente tornou-se colaborador assíduo dos principais jornais brasileiros, entre

os quais a Folha de São Paulo e o Jornal de Brasília, onde tem veiculado sua produção. Segundo

nossos dados, só na Folha, entre 1983 e 1990, Rangel publicou 247 artigos, a saber: 1983 (25

artigos); 1984 (24 artigos), 1985 (83 artigos); 1986 (26 artigos); 1987 (32 artigos); 1988 (15

artigos); 1989 (39 artigos); 1990 (23 artigos), perfazendo, no período uma média de quase 3 artigos

novos por mês. Não menos volumosa é sua contribuição, nos últimos 10 anos, a jornais e revistas

especializadas em economia, tanto de projeção nacional quanto regional e estadual. São artigos,

ensaios, entrevistas, veiculados pela grande imprensa e periódicos dos grandes centros do sul e de

outras regiões brasileiras. Adicionem-se a isto as crescentes solicitações a Rangel, provenientes das

mais variadas instituições sociais e culturais do país, e até de universidades estrangeiras,

interessadas em ouvir suas conferências, palestras e depoimentos.

A despeito de suas proporções consideráveis, ainda é vasta a bibliografia de Rangel

que permanece inédita ou desconhecida. São pareceres, relatórios técnicos, estudos e projetos,

referentes a questões econômicas dos anos 50 e 60, período em que desempenhou funções decisivas

na burocracia governamental e militou nas instituições estratégicas, na formulação de idéias sobre o

desenvolvimento do Brasil.

2 O SENTIDO DA OBRA

Na verdade, a obra de Ignacio Rangel, em sua extensividade e profundidade, ainda

não foi inteiramente trabalhada. Isto longe de desmerecer, atribui às interpretações passadas e

presentes um extraordinário mérito: justamente o de terem evidenciado a necessidade do

preenchimento de várias lacunas. O que constitui sem dúvida, um novo desafio à capacidade das

novas gerações de economistas brasileiros.

Isto posto, e em termos gerais, podemos dizer, seguindo o ponto de vista de

Bielchowsky, em seu trabalho citado, que o “princípio organizador” do pensamento de Rangel é a

sua tese da dualidade. Trata-se de engenhosa construção analítica que articula contribuições do

materialismo histórico marxista, de Smith, de Keynes, da teoria dos ciclos e das crises de

Kondratieff e Jaglar à formação econômica brasileira, no intuito de entender sua dinâmica e

especificidades, a partir da conjugação de dois pólos definidores: um “interno” (atrasado) e outro

“externo” (capitalista).

Quando redigiu, originalmente, em 1953, o autor da tese da dualidade tinha 39 anos.

Em 1957, com alguns retoques, foi publicada pela primeira vez. Inscreve-se como uma resposta

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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penetrante de Rangel ao tema focal colocado à sua geração: clarificar o significado da questão

agrária para o desenvolvimento do país e a maneira em que se daria a revolução brasileira, no

sentido da superação do capitalismo. Em 1981, mais seguro da validade de suas premissas Rangel

publica na REP 1 (4), out./dez., o artigo “A História da Dualidade Brasileira”, o qual, com

extraordinária clareza, desenvolve, aproximadamente as articulações entre a dinâmica da dualidade

e os princípios teóricos de Kondratieff. O resultado último desse esforço intelectual foi a construção

de uma verdadeira teoria do desenvolvimento brasileiro, algo inédito no tempo em que foi esboçada

e, ainda hoje, extremamente raro nos quadros da produção acadêmica sobre economia, no Brasil.

Para efeitos analíticos, são classificados em cinco as grandes teses de Rangel,

expressões de suas interpretações sobre a economia brasileira, a teoria econômica e o

desenvolvimento econômico, social, político, classificação esta construída por estudiosos atuais do

seu pensamento, como Monteiro de Castro et Belshowsky, Mantega, Davidoff Cruz, Tolmasquim,

entre os principais: [1] Tese da Dualidade Básica, que conjuga e sistematiza as leis gerais da

formação histórica (em Marx), à estrutura e funcionamento da economia brasileira; [2] Tese da

Dinâmica Capitalista, que articula as teorias dos ciclos, das crises e a questão tecnológica ao

movimento da economia brasileira e mundial; [3] Tese da Inflação Brasileira, contida em seu

famoso livro do mesmo nome, transformada, pela sua densidade analítica, nível de formulação e

grau de universalidade em uma verdadeira teoria da Inflação, feito inigualável na história do

pensamento econômico brasileiro; [4] Tese da Questão Agrária, que interpreta os determinantes da

crise agrária brasileira e suas conseqüências para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil; [5]

Tese sobre a Intervenção do Estado e Planejamento, que analisa o valor do planejamento do setor

público como fator de equilíbrio econômico global e de redução de ociosidades setoriais na

economia, campo este o qual se vale para demonstrar o significado positivo de um vigoroso sistema

financeiro, mobilizador de recursos ociosos para os setores produtivos, com ênfase nos

investimentos em serviços de utilidade pública e infra-estrutura.

Rangel, inquestionavelmente, é o maior dos pioneiros, dentre os que estudaram a

economia brasileira a partir de seu relacionamento com a teoria dos ciclos, apoiados em

Kondratieff. Por anos a fio vem refletindo sobre o comportamento do Kondratieff nos vários países

e suas articulações com os avanços tecnológicos, de onde extraí fundamentos metodológicos para

suas teses sobre o Brasil, o desenvolvimento e o subdesenvolvimento econômico. Foi desse esforço

que resultou a construção de outro de seus marcos teóricos centrais, o da “dialética da ociosidade”,

centrada no que denomina “exoneidade” do Kondratieff brasileiro. Mecanismo este que fez de

Rangel produtor de um conceito original de subdesenvolvimento, com o qual se definia o

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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desenvolvimento de um país relacionando-o a outro. É de Rangel a tese de que o “atraso de um país

é relativo a um estágio superior do seu próprio desenvolvimento”.

Castro et Bielchowsky afirmam, textualmente: ... “Ignacio Rangel se tornou, ao

longo dos últimos 30 anos, o mais original analista do desenvolvimento econômico brasileiro”. Seus

intérpretes não hesitam em afirmar que ele materializa um dos poucos, bem poucos, economistas

brasileiros que conseguiram produzir um sistema teórico e conceitual abrangente, complexo e

articulado sobre a evolução e a realidade da economia brasileira. Pela envergadura do seu poder

criador, passou a ser reconhecido como uma das vertentes fundamentais na constituição de uma

moderna economia política neste país. Mantega identifica em sua obra um dos alicerces do

pensamento econômico no Brasil, de quilate semelhante ao de Celso Furtado, Gudim ou Conceição

Tavares.

3 O AUTOR

IGNACIO DE MOURÃO RANGEL nasceu a 20 de fevereiro de 1914, em Mirador

(MA). Nos anos 30 faz breves incursões nas faculdades de Medicina, no Rio de Janeiro e

Agronomia, na capital do Maranhão. Cursou Direito na Faculdade de São Luís. De forma

autodidata, estuda, com rigor, História e Economia. No pós-guerra radica-se no Rio de Janeiro,

atuando, inicialmente como jornalista (foi secretário da United Press) e tradutor e, posteriormente

como jurista, historiador e, principalmente, como economista. Em 1954, um ano após seu ingresso

no BNDE, participa em Santiago, Chile, dos primeiros cursos de formação de técnico em

desenvolvimento econômico, organizado pela Comissão Econômica para a América Latina-

CEPAL. De meados dos anos 60 ministra cursos em várias faculdades e Universidades do país.

Nessa época torna-se colaborador regular e conferencista em cursos e seminários sobre economia,

promovidos pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros-ISEB, pelo Instituto Brasileiro de

Economia, Sociologia e Política-IBESP e pelo Clube de Economistas. Mais recentemente vem

militando no Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, do qual foi presidente no início

dos anos 80, e no Instituto de Economistas do Rio de Janeiro-IERJ, onde ocupou a função de

membro consultivo.

Quem se aproxima de sua obra cedo começa a perceber que em Ignacio coabitam

vários Rangéis.

Há o Rangel intérprete da economia brasileira. Seu lado mais conhecido. Dono de

uma obra monumental, original e inovadora. Um dos formuladores do modelo de substituição de

importações na economia brasileira. Tolmasquim (op. cit.) afirma, convictamente, que o motivo

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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pelo qual Rangel tem influenciado várias gerações de economistas se deve ao fato dele ter sabido

analisar a realidade cotidiana da economia brasileira.

Há o Rangel pensador. O criador original. O pioneiro. Aquele que vai fundo no seu

trabalho intelectual. Que, de repente, se dá conta que produziu uma maneira nova de se posicionar

no debate. A forma peculiar com a qual trabalha a realidade brasileira, atribui-lhe a classificação de

“pensador independente”. São evidências desta faceta: a tese da dualidade, a teoria da inflação, os

princípios relacionados à política de privatização de serviços de utilidade pública, as análises sobre

reserva de mercado, as propostas pioneiras à época, referentes à instituição de um sistema de

correção monetária e de estruturação de um sistema financeiro e de um mercado de capitais para o

desenvolvimento do Brasil, ou as demonstrações acerca da importância estratégica do comércio

exterior para a economia brasileira

Há o Rangel erudito. Sua face reconhecida, mas pouco destacada. Em seus textos é

fácil encontrar não só um analista profundo, mas, igualmente, um escritor refinado, dono de um

estilo invejável. Suas análises, quase sempre, vêm recheadas de erudição histórica, fina ironia, ricas

metáforas, que, em conjunto imprimem a seu trabalho uma atraente e fecunda expressão literária.

Há o Rangel militante. Tanto aquele que optou pela militância intelectual como uma

forma de atuação, como o militante político, autêntico e destemido. Aqui também sua biografia é

expressiva. Com apenas 16 anos, participou, em São Luís, do movimento de 8 de outubro de 1930.

Em meados daquela década integrou a ANL. Como conseqüência do levante de 1935, pegou dois

anos de prisão e, em seguida, 8 anos de “domicílio coacto”, de domicilio forçado em São Luís,

proibido portanto de atravessar os Mosquitos e de outros direitos fundamentais, como o de tornar

público o seu pensamento. Igualmente notável sua militância na burocracia e planejamento

governamentais. Atuou e ajudou a construir instituições básicas ao desenvolvimento brasileiro do

pós-Segunda Guerra entre elas, a Assessoria Econômica de Vargas e Kubitschek, tendo participado

das formulações de criação da ELETROBRÁS e PETROBRÁS; o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico-BNDE, onde chefiou o Departamento Econômico e participou da

execução do plano de metas de Kubitschek, funcionando como assessor junto ao Ministério de

Viação e Obras Públicas e ao Conselho de Desenvolvimento da Presidência, onde coordenou

trabalhos e estudos sobre a economia nacional e chefiou a equipe técnica, além do assessoramento a

Presidência da República, a vários ministérios e governos estaduais. Fora do setor público, sua

militância foi também relevante no ISEB, onde chefiou o Departamento de Economia; no clube dos

economistas e em centros universitários. Não resta dúvida que do início dos anos 1950 a 1965,

Rangel ocupou posição privilegiada nos principais centros de decisão econômica do Brasil. Ele

próprio escreveu deixando evidente sua peculiar modéstia, na introdução de seu livro “Economia:

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Milagre e Anti-Milagre”: “Fui testemunha atenta de fatos importantes de nossa história por pura

sorte minha”.

Há ainda o Rangel missionário. O Rangel conselheiro. O Rangel profeta. Neste

particular, aliás, ele tem se caracterizado como um analista que houve sempre bem como

antecipador dos desdobramentos históricos da economia brasileira. Já de algum tempo, centrado em

suas fases sobre privatização de serviços públicos, vem se transformando em uma espécie de

pregador solitário, na qualidade de detentor de uma proposta alternativa para enfrentar a crise e

fazer crescer a economia, voz que muitos escutam ou querem ouvir, mas que ainda não tiveram

coragem ou não puderam assimilar.

Há ainda um Rangel muito especial, do qual Ignacio Rangel se orgulha muito. O

Rangel funcionário público. Aquele que tem a consciência e verdadeira noção do que significa ser

um servidor público. O homem íntegro que não foi seduzido pelas alturas, preferindo semear na

planície. O cidadão que soube dizer sim, quando era para dizer e disse não, quando foi preciso.

Instado pelo então presidente Goulart, no dia em que completava seus 50 anos, de vida, a escolher

entre os cargos de Ministro Extraordinário da Moeda e do Crédito, a SUMOC, hoje Banco Central,

Rangel, honrado e agradecido, recusou o convite, demonstrando ao Presidente que seria mais útil ao

país continuando como servidor público, temeroso do poder imobilizador da lata burocracia e, como

ele mesmo confessaria, da crise que cercava o Governo Goulart naquele momento.

4 NOTAS FINAIS

Mesmo sendo verdade que ‘“santo de casa” não faz milagre, Rangel em relação ao

Maranhão, vem, aos poucos, quebrando esse adágio. Com efeito, desde o início dos anos 80, um

grupo de economistas e de outras áreas das ciências sociais, vinculados ao IPES, e ao Departamento

de Economia da UFMA (DECON), vêm divulgando a obra de Ignacio Rangel no Estado. Em 1989,

houve um primeiro coroamento daquela iniciativa. Rangel passou a ter seu nome em salas do IPES

e DECON/UFMA, emprestando-o também aos concludentes do curso de Especialização em

Economia do Setor Público. Foi agraciado com o título de “Economista do Ano” pelo Conselho de

Economia do Maranhão e houve uma grande cobertura dos “média” nessa sua passagem por São

Luís. A partir daí tornou-se colaborador regular da revista FIPES, do IPES. No DECON/UFMA

existe um projeto visando a implantação de um grupo de estudos sobre desenvolvimento econômico

que leva seu nome, tendo como um dos seus objetivos preservar a documentação e a memória

intelectual do autor da “Inflação Brasileira”. Além disso, está em andamento a assinatura de um

convênio tripartite, envolvendo UFMA, IPES e SIOGE que se propõe a desenvolver uma linha

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editorial, denominada “Coleção Ignacio Rangel”, cujo sentido é o de difundir, através de livros, a

produção e a obra do economista maranhense. Os frutos daquele trabalho de divulgação apareceram

ainda mais nítidos em 1994: no início deste ano seu nome é lançado à uma vaga na Academia

Maranhense de Letras, por iniciativa de intelectuais e literatos da terra e o Governo do Maranhão,

através da Secretaria de Cultura, evidencia seu interesse em conceder-lhe uma comenda, pelo valor

de sua contribuição cultural ao Brasil e ao Maranhão.

Finalmente o dia de hoje.

Por feliz e oportuna iniciativa do Conselho Federal de Economia, o Dr. Ignacio de

Mourão Rangel vem de ser um dos homenageados desta noite ao lado de outros ilustres

Economistas Brasileiros, no momento em que se comemoram os 40 anos da Lei 1.411, de

13.08.1951, que regulamentou a profissão do economista no Brasil.

Oportuna, sim, porque Rangel simboliza o lado positivo da atuação dos economistas

neste país. Impresso em seu caráter de homem probo e no seu papel de intelectual e militante. Feliz,

sim, porque Rangel é um otimista. Crê no país e em seu povo. Sua marca é o nascimento e o

humanismo. Sua visão do desenvolvimento do Brasil combina, magistralmente, modernização e

democracia, desenvolvimento econômico e justiça social.

Em sua última visita a São Luís, falando a um grupo de admiradores, entre modesto e

orgulhoso, ouvi-lo dizer satisfeito... “Parece que, enfim, minha voz faz eco”!

Faz, fez e continuará fazendo, professor Ignacio de Mourão Rangel!

Falta dizer algo antes de concluir. O homem sobre o qual balbuciamos essas palavras

não construiu sua estrada sozinho. Não enfrentou solitariamente as “voltas que o mundo dá”. Ao

seu lado, como bálsamo e esteio, esteve Aliette Martins Rangel de quem obteve a paz e a

inspiração, que fez de sua obra orgulho e glória do pensamento econômico brasileiro.

Aplausos companheiros.

Aplausos que eles, verdadeiramente, os merecem!

Sumary

In this article, the author tries to show the versatility of the personality of Ignacio Rangel, also giving evidence his contribution to the Brazilian economic thinring in the passing of century twentieth.

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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MARANHÃO: ANTIGO E NOVO Ignacio de Mourão Rangel

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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MARANHÃO: ANTIGO E NOVO9 Ignacio de Mourão Rangel*

Resumo Uma breve análise da trajetória histórica do Maranhão, desde os tempos do império, quando se constituía numa das suas mais ricas províncias, passando por suas atividades de decadência/ prosperidade/decadência até as novas perspectivas de tornar-se um grande Parque Industrial concentrado na siderurgia e metalurgia em geral.

O Maranhão foi como é sabido, uma das províncias mais ricas do Império. Quase

isolado do resto do Brasil, enquanto o principal meio de transporte foi o navio à vela, dado que a

conjugação da Corrente do Brasil com o alíseo fazia com que o caminho mais curto de São Luis a

Fortaleza passasse pelo mar dos Sargaços e Lisboa, vivia também uma conjuntura econômico-social

sui generis. Pensava mais com a cabeça de Coimbra e de Paris, do que do Rio de Janeiro. Não por

acaso, era a Atenas Brasileira.

O navio a vapor viria romper esse isolamento, já que podia vencer a corrente

oceânica e o vento, ambos correndo na direção geral Leste-Sudeste a Norte-Noroeste.

Mas restava outro fato, capaz de singularizar a conjuntura maranhense no contexto

nacional. Com efeito, não se havia cumprido no Maranhão, como também em Mato Grosso – a

condição nulle terre sans seigneur. Por outras palavras, persistia a possibilidade de que a abolição

da escravidão representasse não um passo à frente, mas um passo atrás. Não a passagem ao

feudalismo, um modo superior de produção, mas o retrocesso à tarde e à cubata, isto é, ao

comunismo primitivo.

Quando chegou a 13 de maio, já o vizinho Ceará havia, de fato, abolido a escravidão

por uma série de posturas municipais. Claro está que isso nem sempre significava a liberdade para

os escravos, os quais eram, não raro, contrabandeados para o Sul e, inclusive, para o Maranhão.

Mas significava que a economia cearense, ou melhor, o lado interno do pólo interno da dualidade

havia passado ao feudalismo, um modo mais avançado de produção.

O Maranhão, como Mato Grosso – estava na transição entre o Nordeste Oriental uma

área de virtual monopólio da terra pela classe dos fazendeiros, e a Amazônia, que era terra de

ninguém. Assim, libertados os cativos, estes usaram sua liberdade, como era natural que o fizessem,

voltando à cubata – uma forma legalizada de quilombo, como aglomerados que chegaram aos

nossos dias – ou tornaram ao nomadismo copiado dos índios. (Nossa Universidade está a dever-nos

9 Artigo publicado originalmente na Revista FIPES, São Luís, v. 4, n. 1, jan./jun. 1989. * Economista. Assessor dos governos Vargas e Kubitschek. Um dos fundadores do BNDES. Economista renomado do Instituto Superior de Estudos Brasileiros-ISEB em fins dos anos 50, começo dos anos 60; Um dos formuladores do pensamento econômico brasileiro contemporâneo. Autor do clássico A Inflação Brasileira.

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um estudo da importância da mão-de-obra indígena, na composição da mão-de-obra escrava, no

Maranhão).

Assim, enquanto ao Sul-especialmente no Sudeste - a Abolição representava um

formidável passo à frente, o Maranhão passou a ser a “Terra do já Teve”. Especialmente a Guiana

Maranhense, isto é, a área ocidental do Estado, entrou a caminhar, a passos largos, para a pré-

história. Burgos ricos, como Alcântara, Turiaçu e, suponho Engenho Central, etc., entraram em

decadência.

É certo que, concomitantemente com o virtual colapso da Agricultura, na esteira da

Abolição assistíamos a um desenvolvimento singular da indústria da transformação, especialmente

em São Luís. Assim, segundo o Prof. Jerônimo de Viveiros – meu ilustre mestre de história – com

16 fábricas, o Maranhão era o segundo parque industrial brasileiro, aí por 1895. Seguindo-se a

Minas Gerais, com 37 fábricas e acima da capital Federal e ao Estado do Rio de Janeiro, da Bahia e

de São Paulo que, nessa ordem tinham 15, 14, 12 e 10 fábricas, somente.

Era o apagar das luzes de um período brilhante de nossa história. Somente por

meados dos anos 60, demográfica e economicamente o peso de nossa velha província, no corpo do

Brasil, voltaria a começar a crescer. Demograficamente, somente em 1960, voltaríamos aos três por

cento que tínhamos em 1890 – imediatamente após a Abolição.

Entrementes, o Maranhão foi a “Terra do já Teve”. Além das fábricas de fiação e

tecelagem, inclusive de lã, meias e cânhamo, tínhamos tido até fábricas de fósforos e pregos, raros

no Brasil de então. A epopéia rodoviária, quebrando nosso isolamento dourado, que faria com que

toda área servida pela rica rede potamográfica, pela ferrovia São Luís-Teresina, pela importante

frota de barcos à vela gravitasse em torno do empório da Praia Grande, o surto rodoviário viria

subverter esse estado de coisas.

Com efeito, o que restava do nosso orgulhoso parque industrial da passagem do

século - que não se mordenizara – quebrou-se como a panela de barro em choque com a panela de

ferro da fábula ao entrar em competição aberta com a nóvel indústria sulista e, inclusive, com a

indústria do Nordeste oriental.

A seca de 1958, no Nordeste, deu um golpe fatal nesse parque industrial. Os

caminhões que vinham buscar o arroz do Mearim, além de flagelados nordestinos, traziam os

produtos industriais competitivos com os supridos por nossas fábricas sobreviventes. O taboado

lançado sobre a ponte ferroviária entre Teresina e a velha Flores foi o golpe de graça.

Mas o surto agrícola, nas cinzas da velha mata, compensou com sobras essa perda.

Era outro processo que se abria. Queimada a mata uma vez, não tendo mais de onde tirar madeira

para a cerca e para queimar, o lavrador maranhense o declarava “terra cansada”. O migrante do

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Nordeste oriental, muito mais gregário, não raro emitia outro parecer. Vi roçados nordestinos,

fileiras de mamona, mas protegida, toda a área por uma única cerca, o que implicava numa colossal

economia de material.

Fui encontrar em Bacabal nada menos que um projeto de declará-lo “município

agrícola”. Uma cerca única, envolvendo todo o município, e protegendo suas lavouras contra os

bois dos municípios pecuaristas vizinhos, não estava fora de cogitações.

Essa utopia, que eu o saiba não teve seguimento e, ao que ouvi, em minha recente

passagem por São Luís, Bacabal é hoje um município pecuarista. Primeiro o maranhense expelido

pelo nordestino oriental, depois, este último expelido pelo boi.

Aí por princípios dos anos 60, conversando sobre esse processo – na primeira fase,

quando entrava o nordestino e saía o maranhense – com o então Governador de Goiás, Mauro

Borges dele ouvi o reverso da medalha, isto é, que havia em seu Estado, nada menos que 53

prefeitos maranhenses. O surgimento do Estado do Tocantins, em nossos dias, não deve ser

estranho a esse processo.

Na seqüência natural deste, estavam implícitos dois movimentos de “fronteiras”: a)

os investidos contra a mata amazônica, com seus hoje notórios desastrados efeitos ecológicos; b) a

escalada dos chapadões e dos cerrados, o que implicava na introdução de uma agricultura de novo

tipo-tecnologicamente apoiada nas novéis indústrias mecânicas e químicas e na ciência agronômica

e, sociologicamente, sob, o comando do novo capitalismo agrícola brasileiro, que está tomando o

lugar do velho latifúndio feudal.

Parece-me claro que a penetração do capitalismo no campo – efeito socioeconômico

das escaladas dos cerrados e das chapadas, não poderá deixar de contagiar-se à catinga nordestina.

Um pouco mais demoradamente, porque ao contrário do cerrado, que estava desocupado, a caatinga

não está. Mas o campo de batalha dessa nova investida bandeirante, que é a penetração do

capitalismo no campo, são as áreas problemas do país.

Os vastos campos da Baixada Maranhense, abrindo a porta a uma promissora

agricultura irrigada, com água dos rios que formam o Golfão, parece-me igualmente estar na ordem

natural das coisas, como área de eleição para o emergente capitalismo agrícola brasileiro.

Mas, para encerrar essas notas, não poderíamos deixar de lado as perspectivas da

nova indústria maranhense de transformação. O Porto do Itaqui, ao emergir como porta aberta para

Europa e América do Norte, tinha que ser o ponto de apoio para a alavancagem do processo todo.

Lembro-me de que, sendo Presidente da República, Jânio Quadros, eu, atendendo a

uma ordem do chefe do governo, encaminhei-lhe parecer onde sugeria a continuação da então BR-

24, que começava na Paraíba e, havendo cruzado o Piauí, penetrara no Maranhão, na direção geral

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da Amazônia. Lembro-me de que dizia aquela estrada somente devia parar – se parasse – na

fronteira do Peru, e recomendava que os engenheiros incumbidos da locação da estrada estivessem

de olhos bem abertos no cruzamento do divisor de águas entre o Tocantins e o Xingu. Sabemos,

hoje, que a estrada não parará na fronteira do Peru e que Callao é seu término natural. Por outro

lado, no divisor de águas entre o Tocantins e o Xingu está, nada menos, que Carajás.

Hoje, atrevo-me a pensar numa ferrovia projetando a Carajás-Itaqui para o Oeste, na

direção geral de Callao, o que faria de Itaqui a porta do Peru para Europa e América do Norte e de

Callao nossa porta natural para o Pacífico.

As conseqüências desse esboço ciclópico para o Maranhão – naturalmente

complementado pela conclusão da ferrovia Norte-Sul (a Estrada Tocantina, neste primeiro trecho já

lançado) não podem ser exageradas. Como meio de transporte – excluído o duto, onde couber – a

ferrovia emergiu como o mais eficiente meio de transporte de cargas pesadas. Não é por acidente

que o Japão no processo de transportar suas cargas para a Europa, esteja preferindo, aos tradicionais

caminhos marítimos por Boa Esperança e pelo canal de Panamá, as ferrovias canadense e

transiberiana, apesar dos transbordos – em Vancouver e Terra Nova, e em Vladivostok,

respectivamente.

É claro que teremos que vencer dois formidáveis obstáculos, a saber, a Floresta

Amazônica, com seus grandes rios e os Andes – aqueles e estes perpendiculares ao sentido da

marcha – mas não creio que esses obstáculos sejam maiores que o “permafrost” agravado pelos

cimos da Sibéria oriental, que não impediram o lançamento da BAMUR. Ora, somente pensando

GRANDE, podemos formar juízo sobre as perspectivas que estão abertas para o nosso Maranhão.

Minha recente viagem ao Maranhão - maio/89 - persuadiu-me de que a retomada

pelo nosso Estado do seu antigo lugar de grande centro industrial já começou. Com uma

peculiaridade: que, em vez de indústria leve, é indústria pesada o que teremos, centrada na

siderurgia e na metalurgia em geral. Embora geograficamente situado no Pará, é o Porto de Itaqui

que alavanca o projeto de Carajás, apenas começando, até por que não tardaremos a “redescobrir” o

antracite do Xingu, isto é, do Rio Fresco. Ora, por perto da Ponta da Madeira é que esse antracite se

encontrará com nossas hulhas pobres, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Há muito que

sabemos que, combinadas, com antracite, essas hulhas pobres forneceriam um coque perfeito. (A

menos que, levado a termo o projeto ferroviário Norte-Sul, a localização lógica do grande projeto

siderúrgico se desloque para o entroncamento ferroviário Norte-Sul com Carajás, tanto mais quanto,

para Açailândia, poderá confluir o gás natural amazônico).

Mas São Luís será sempre a localização privilegiada para a indústria que converterá

os lingotes de Açailândia em produtos finais.

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Os exclusivismos regionalistas brasileiros – inclusive os Paulistas e Nordestinos –

estão morrendo. Eles refletem imperativos geopolíticos exemplificados aqui com o casamento da

corrente do Brasil com o alíseo, e imperativos geo-econômicos, herdados do antigo latifúndio

feudal. O Brasil unifica-se, cada vez mais energicamente e, nessas condições o que importa

decisivamente são os fatores de localização.

Os quais nos apontam uma posição de elite, no vigoroso organismo em que se

converteu o Brasil.

Résume Une bréve analyse de la trajetoire historique du Maranhão, depuis lês temps de l´empire, quand celuí-ci se constituait une des ses plus riches provinces, em passant par ses activites de decadence/prosperité /decadence jusqu ´aux nouvelles perspectives de devenir um grand parc industriel concentré em Sidérurgie et Metalllurgie général.

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FOGO, BLINDAGEM E CONJUNTURA

Ignacio de Mourão Rangel

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FOGO, BLINDAGEM E CONJUNTURA10

Ignacio de Mourão Rangel*

Resumo O economista tem muito o que aprender com a história das guerras. Ao contrário de grandes exércitos, na guerra como na economia , as táticas inteligentes são as mais recomendáveis. Na leitura das várias guerras da humanidade o economista pode extrair exemplos negativos: a percepção da situação econômica atual do Brasil permite esta reflexão.

A Primeira Guerra Mundial teve início sob a inspiração de experiência da guerra de

1870, franco-prussiana: clara perspectiva de predominância de blindagem, contra fogo,

prenunciando guerra de movimento. Essas ilusões não tardaram a dissipar-se, porque, entre uma

guerra e outra, a tecnologia, dotando a infantaria de armamento leve, mas muito eficiente – como o

fuzil de repetição e a metralhadora Maxim – mudou o caráter do conflito. Os esquadrões de

cavalaria, responsáveis pelo choque e, portanto, pela imposição da guerra de movimento,

revelaram-se inanes, ante o poder de fogo da infantaria, e, como vem acontecendo, ao longo da

história, sempre que o escudo e a couraça se revelam ineficazes, o homem os substitui pela terra – a

Mãe Terra – cavando um buraco restabelecendo o equilíbrio, mas ao custo da imobilização dos

exércitos convertendo a guerra de movimento em guerra de posição.

A história antiga registra duas batalhas que se tornaram antológicas: Arbelas (33 a.c.)

ganha por Alexandre, contra Dario III, da Pérsia; e Canas (216 a.c.), ganha por Aníbal, contra o

cônsul romano Paulo Emilio. Em Arbelas, contra multidões asiáticas incontáveis, Alexandre

colocou a falange macedônica, culminação da arte militar helênica, provavelmente aprendida por

Felipe, de Epaminondas. A falange era constituída por um quadrilátero de combatentes, escalonados

em profundidade, com uma primeira fila protegida por grandes escudos e armada ofensivamente

apenas com a espada, mas apoiada por outras filas de combatentes armados de lanças de diferentes

comprimentos. Era uma verdadeira fortaleza, com a propriedade de poder mover-se.

Esse dispositivo buscava, de caso pensado, deixar-se cercar pelo inimigo, mas de tal

forma que esse cerco saia mal para o exército sitiante, não para o sitiado. Em nossos tempos, a

falange macedônica teve seu equivalente consumado nas “panzerdivisionen” nazistas.

Ainda na antiguidade, travou-se, na Itália outra batalha que passou também à história

como modelar. Refiro-me a Canas. Paulo Emilio, dispondo de um exército formalmente muito

melhor e mais homogêneo que o de Aníbal, havendo observado que o exército deste havia tomado

posição, em campo, com as tropas de elite púnicas ao centro e tropas mais leves, como os arqueiros

10 Artigo originalmente publicado na Revista FIPES, São Luís, v. 4, n. 2/ v. 6, n. 2, jul./dez./1989. * Economista. Autor do clássico “A Inflação Brasileira”.

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e fundibulários baleares, de pouca confiança, nas alas, decidiu jogar a sorte da batalha com um só

golpe, inspirado, em última instância, no exemplo de Alexandre, em Arbelas.

Ora, o expediente por muito brilhante que parecesse, saiu mal aos romanos, porque

Aníbal, já com as tropas romanas em movimento, ordenou a inversão do próprio dispositivo.

Enquanto os romanos avançavam contra o centro cartaginês, as tropas púnicas de elite passaram a

postar-se nas alas, enquanto as tropas auxiliares de Aníbal iam postar-se ao centro leve, o qual teve

que bater-se em retirada, formando um saco, que as alas de elite cartaginesas fecharam. O resto se

sabe: naquela multidão assim cercada, não se perdia, nem flexa, nem pedra de fundo, nem,

naturalmente, lança. Mais de setenta mil romanos trucidados pelo esforço e valor dos púnicos

guerreiros, seis alqueires de areia de mortos cavaleiros, certeza arrecadou, nos versos do nosso

grande Bilac.

Assim, duas batalhas travadas com a mesma inspiração, levaram a resultados

diametralmente opostos. Em Arbelas, o exército cercado aniquilou o exército sitiante, ao passo que

em Canas – 115 anos – a tecnologia da guerra havia mudado, sem que disso se apercebesse o

general romano que passou à história como exemplo de imbecilidade, por ter feito, a mesma coisa

que dera a Alexandre o merecido conceito de genialidade.

Assim, também no período entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, o quadro

da tecnologia inverteu-se. O tanque, desenvolvido no estágio final da Primeira Guerra Mundial,

reduziu drasticamente a eficácia das armas básicas responsáveis pelo “fogo”. O fuzil de repetição e

a metralhadora nada podiam contra a blindagem do tanque, sendo mister resistir a este com

artilharia leve, em campo aberto , exposta ao fogo aéreo , sem o “escudo” tradicional da “Mãe

Terra”. Estavam criadas as premissas para que a guerra de posição se convertesse em guerra de

movimento, sob a forma de “blitzkrieg”, axiada nas “panzerdivisionen” – que prometiam batalhas

fulminantes, do tipo Arbelas.

Já não era mais assim no final do conflito. A batalha de Stalingrado pôs em evidência

a nova promessa de hegemonia do fogo sobre a blindagem. Como em Canas, o exército defensor

deixou que se praticasse em suas linhas um bolsão, convertido em saco, no qual o exército de Von

Paulus teria a mesma sorte das legiões de Paulo Emilio. O retorno à guerra de posição estava na

ordem natural das coisas, se bem que não de imediato: talvez na Terceira Guerra Mundial,

plausivelmente em nossos dias. Não há como não pensar nessa possibilidade, observando as guerras

experimentais movidas pelo imperialismo contra o socialismo, “by proxy”, isto é, por interpostas

pessoas.

Com efeito, como os nazistas depois de Stalingrado, o imperialismo, com os Estados

Unidos à frente, persiste em mover guerra nos termos consagrados na fase de abertura do último

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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grande conflito. Em Kursk a maior batalha da história, os nazistas persistiram em seu sonho de

obter a decisão através de uma operação clássica de guerra de movimento, como Alexandre em

Arbelas. O exército soviético suspendera sua ofensiva, depois de Stalingrado, numa posição que

tudo fazia interpretar como uma Stalingrado às avessas, isto é, com os russos metidos num saco, ao

qual faltava apenas amarrar a boca.

Sabemos, agora, porém, que os nazistas não haviam aprendido a lição, ou ao

contrário, que os soviéticos a haviam aprendido muito bem. Com efeito, em vez de, - como os

nazistas em Stalingrado – confiarem a defesa das alas a tropas de segunda linha (italianas e

romenas) os soviéticos entregaram-nas a suas tropas de elite, com defesas escalonadas em

profundidade, que os nazistas não lograram romper, não obstante o terrível preço pago na tentativa.

O cerco, e o conseqüente aniquilamento do exército inimigo, não se consumaram. Paradoxalmente,

seguiu-se uma guerra de movimento, até Berlim, explicável menos pelo poder da blindagem

soviética, do que pela persistência nazista em retomar a ofensiva, quando tudo sugeria a passagem à

guerra de posições.

Ora, como seria de esperar-se, a história não parou aí. O meio século que está por

concluir-se, entre o fim do terceiro e o fim do quarto Kondratievs – perdão, eu estava falando entre

a segunda e a terceira guerras mundiais, mas no fundo, é a mesma coisa – esse meio século,

dizíamos, trouxe muito plausivelmente nova revolução na arte da guerra. Em conseqüência, uma

“blitz”, como a batalha que resultou na tomada da linha Marginot – que os pósteros estudarão como

clássica ao lado de Arbelas e Canas – muito implausivelmente se poderá repetir, nas condições

presentes. O restabelecimento da hegemonia do fogo sobre a blindagem, especialmente a partir das

defesas de Leningrado e Moscou, e consolidada em Stalingrado e Kursk, não fez senão estruturar-

se, de então para cá.

Para isso, muito contribuíram os interesses do “combinado industrial militar”

expressão consagrada por Eisenhower especialmente nos Estados Unidos. Compreende-se que a

indústria moderna esteja sempre a buscar modelos acabados, que justifiquem a produção em série.

Ora, isso introduz no esquema uma perigosa tendência arcaizante, porque tais modelos acabados

somente podem ser buscados, no caso da indústria bélica, nas batalhas passadas; na espécie, as

batalhas típicas do último conflito mundial. Ora, como vimos essas batalhas, mesmo depois de

Kursk, pelo paradoxo que deu à contra-ofensiva soviética a aparência de uma “blitz” às avessas -

isto é simples aprendizagem, pelos russos, da lição dos mestres prussianos – suscitou tendência a,

no futuro, jogar na hipótese da supremacia da blindagem sobre o figo. O que nos levaria, no campo

de batalha, a buscar Arbelas e não Canas.

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Numa época em que um simples soldado de infantaria pode levar em seu ombro – e,

consequentemente, escondê-lo consigo, numa trincheira, ou num simples buraco, encontrado ao

acaso – um armamento capaz de destruir o tanque mais possante, jogar na hipótese de uma ‘blitz’ é,

no mínimo, uma temeridade. Quando não uma tolice, como aquela que, na batalha de Canas, contra

Aníbal deu ao cônsul Paulo Emilio inspirada, embora na genialidade de Alexandre – não tem

faltado citadores e êmulos, inclusive em nossos dias, como o noticiário nos está mostrando, todos os

dias, nessas escaramuças preparatórias de Terceira Guerra Mundial, inclusive a presente “Guerra do

Golfo”.

Acontece que as guerras não se ganham pelas estatísticas de cadáveres. Os norte-

americanos, ao que se sabe, mataram quase cem camponeses vietnamitas para cada soldado que

perderam, mas, como todos devem estar lembrados, foram eles os perdedores, os vencidos. Nem se

ganham, tampouco, pela quantidade e refinamento dos equipamentos. Esse refinamento somente

pode vir com o tempo, isto é, traz consigo a probabilidade de encarnar certa medida de arcaização.

Por isso as batalhas da história são ganhas, geralmente, por equipamentos inovadores, que não

tiveram tempo, ainda para refinar-se e, por isso, são simples e toscos. Na Coréia, no Vietnã e outros

lugares tem sido assim, para variar.

Todas as guerras contemporâneas – subseqüentes à Segunda Grande Guerra – são

preparativas da terceira, que talvez não aconteça nunca, mas que, do ponto de vista da arte da

guerra, é como se já tivesse acontecido, porque tudo se faz em sua intenção. Mesmo quando

travadas por interpostas pessoas, são guerras entre o imperialismo e o socialismo, o primeiro

visivelmente empenhado no revivescimento do fascismo. A apostasia de Gorbatchov e demais

“perestróicos”, não basta para alterar o quadro histórico básico. O Pentágono e, apesar dos

gorbatchovos, o Estado-Maior Soviético, fazem as jogadas decisivas desse imenso tabuleiro de

xadrez. Cabe-nos estudar os corolários econômicos desse fogo vital.

Ambos os contendores dispõem de recursos enormes, mas ao contrário do

Pentágono, o Estado-Maior Soviético, ao que parece, não é tolhido por nenhum complexo industrial

militar. Assim, a decisão do que produzir em série – sem o que não se ganha hoje, nem as batalhas

econômicas nem, a fortiori, as estratégias podem ser deixadas para a enésima hora. Como foi no

processo da preparação soviética na última Grande Guerra. Ninguém, nesse Estado Maior, está

interessado em produzir montanhas de armamento reluzentes, novíssimos, mas, de fato, árcadios,

porque “resolvem” problemas pretéritos, não problemas vindouros ou, sequer correntes.

Na Guerra da Coréia, por exemplo, para fazer frente ao B-25 considerado imbatível,

os soviéticos deram aos coreanos, não bombardeiros ainda modernos, mas o modesto MIG-15, um

pequeno avião, barato (porque produzido em série), que fora concebido ao tempo em que a URSS

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não tinha, ainda nem a bomba atômica, nem a bomba de hidrogênio, para a finalidade específica de

interceptar os bombardeiros imperialistas capazes de levar bombas nucleares à retaguarda socialista

profunda. Ora, a missão estratégica desse aparelho, o MIG-15, estava cumprida quando, pouco

antes da Guerra da Coréia, surgiram as armas nucleares soviéticas, transferindo o confronto para o

campo da “mútua dissuasão”. Como, no anterior conflito mundial, havia ou quase, acontecido com

as armas químicas e biológicas, que não foram usadas precisamente porque os dois lados delas

dispunham.

Para fazer frente aos blindados norte-americanos – reedição “modernizada”,

“refinada” dos blindados alemães – os coreanos receberam, não tanques “ainda mais modernos”,

uma versão tosca de armamento anti-tanque, surgido no estágio final da segunda grande guerra. Ao

que noticiou a imprensa, tratava-se de um foguete, já provado antes, com peculiaridade de poder

dividir-se em partes de algumas dezenas de quilos, que as mulheres camponesas podiam transportar

em seus ombros, para entregá-las às mulheres das aldeias próximas, o que conferia a esse

equipamento uma tremenda mobilidade – Todos devem estar lembrados que as divisões de

McArthur, depois de chegarem, em “blitz” ao Rio Yalú, na fronteira com a Sibéria, tiveram que

bater em retirada, para as posições de partida, no paralelo 38, de onde não mais se moveram.

Exemplos assim podem ser citados para as outras “guerras preparatórias” do terceiro

conflito macro-bélico.

A conclusão a tirar de todas as “guerras experimentais” promovidas pelo

imperialismo, é que este está excelentemente preparado para ganhar... A Segunda Grande Guerra.

Mas é apanhado de surpresa, quando se trata de partir para a terceira. É pouco provável que “A

Guerra do Golfo” seja diferente. Para vencê-la, seria mister ocupar o Iraque e, como disse o nosso

Brigadeiro Piva, isso não seria fácil. Como foi na Coréia, no Vietnã, no Camboja, no Afeganistão,

nem mesmo na minúscula Nicarágua, que o imperialismo norte-americano conhecia bem, pois já

invadira três vezes, no passado século-e-meio.

Essas guerras experimentais – destinadas a comprovar o óbvio, isto é, que a Segunda

Guerra Mundial não se pode repetir, questão dirimível por simples exercício de lógica dialética, sem

necessidade do massacre de milhões de pobres populares terceiro-mundistas – ou talvez, por causa

do seu refinamento de fabricação. O complexo industrial-militar do imperialismo surge, assim,

como um gigantesco produtor de sucata. Uma sucata “moderna”, “refinada”, “reluzente”, mas

sucata em todo caso, porque somente serviria para resolver problemas irremissivelmente peremptos.

E, eventualmente, para matar gente. Não para aniquilar exércitos, como às vezes é

mister, para ganhar guerras. Mas para assassinar populações civis e destruir instalações residenciais,

serviços públicos e monumentos, que não podem, evidentemente, proteger-se por detrás do escudo

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tradicional da “Mãe Terra”. Ou na medida em que não possam, porque às vezes o podem, como está

sendo, aparentemente, o caso do Iraque, na presente guerra, entre contendores fora de qualquer

proporcionalidade.

Ora, é tempo de que nós, os economistas, comecemos a tirar nossos próprios

corolários dessa evolução da arte da guerra. Os homens e mulheres que, atualmente, no Brasil,

falam em nome da ciência econômica, nos concílios do estado, são jovens e, por isso estão

atravessando sua primeira fase “b”do ciclo de Kondratiev, ou ciclo longo: o 4º. Os homens de

minha geração, que estão beirando os oitenta, estão vivendo a sua segunda fase “b”, porque

atravessam, já em idade de razão a do 3º Kondratiev, carregado de significado, não apenas no

campo econômico, como no político e no estratégico

A Primeira Guerra Mundial foi um incidente da fase “a”, ou próspera do 3º

Kondratiev. Nos primeiros anos do decênio de 20, a humanidade ingressou, simultaneamente, ou

quase, na paz e na fase recessiva do Ciclo Longo. A Grande Depressão Mundial foi um incidente

dessa fase recessiva e, com essa depressão, tivemos a emergência do fascismo, o qual levou à

Segunda Guerra Mundial, no decênio final da dita fase recessiva.

O armamentismo e a própria guerra, pelo menos ao primeiro exame, muito tiveram

que ver com a virada do Ciclo Longo – passagem da fase “b”do 3º à fase “a” do 4º. Ou a recíproca é

que foi verdadeira, isto é, a virada do ciclo é que foi a causa eficiente do armamentismo e da guerra.

Foi nas condições da fase “b” do ciclo que a Ciência Econômica se viu reconstituída, num esforço

ligado ao nome de Keynes, e nos primeiros planos capitalistas sérios: o New Deal, nos Estados

Unidos, e o Plano Quadrienal, do Dr. Von Schacth, o mago das finanças de Hitler, na Alemanha

nazista.

Com a paz tivemos, de quebra, a mais explosiva fase de crescimento econômico de

que há notícia. Tomando por base a produção industrial do ano de 1948, como 100, a mesma para o

mundo capitalista havia chegado a 410 – ou 5,8% ao ano – ao fim da fase “a” do 4º Kondratiev, em

1973, quando se abriu a fase “b” do mesmo Ciclo Longo. O índice para a América do Norte passou

a 305, ou 4,6% ao ano, nos cinco lustros da fase “a”, 550, ou 7,0% ao ano, para o Mercado Comum

Europeu; 449, ou 6,2% ao ano, para a América Latina; 3074 (mais de trinta vezes) ou 14,6% ao ano,

para o Japão; 1244 (mais de doze vezes) ou 10,6 % ao ano para a União Soviética. O Brasil teve

um desempenho nada desprezível, alcançando o índice de 872 (mais de oito vezes) ou cerca de 9%

ao ano, muito mais, portanto, que América Latina (inclusive Brasil) e, ainda mais, que o resto da

América Latina (exclusive o Brasil).

Em 1973, abriu-se, pontualmente a fase “b” do 4º Kondratiev. Com efeito, nos

quinze anos subseqüentes (1973-88), para comparação com os dados supra, a taxa média de

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crescimento do mundo capitalista passou a 2,1% ao ano; o crescimento industrial da América do

Norte, passou de 2,2 %. O Mercado Comum Europeu, a 1,5% ao ano; o do Japão, a 3,4% do ano; o

da União Soviética, caiu a 4,6% ao ano; o do Brasil, a 3,3%. Em média, naturalmente, porque no

lustro intermédio, os valores caíram a níveis negativos.

Há meio século, isto é, na fase do Ciclo Longo simétrica com esta que estamos

vivendo, o fascismo havia completado sua evolução e parecia fadado ao domínio do planeta.

Somente a União Soviética parecia capaz de alguma resistência discretamente eficaz, mas não eram

todos os que jogavam nessa hipótese. Afinal, a Europa e a Ásia haviam sido convertidos em quintal

do Eixo, oferecendo a este uma massa sem precedente de recursos econômicos e estratégicos.

Passando o conflito, aberta a fase próspera do novo ciclo longo, esses temores foram

esquecidos. E Jorge Dimitrov, tornado famoso por sua luta judiciário-política em torno do problema

do incêndio do Reichstag, teve necessidade de toda sua eloqüência para contestar os que

consideravam o fascismo como um capítulo encerrado da história. “Uma nova vaga fascista,

comparada com a qual a que a humanidade acaba de viver não passará de um ensaio, está em

gestação”, disse ele aproximadamente. E acrescentava que essa nova onda chegará à Europa

cruzando o Atlântico.

Ora, não há como pensar nisso, quando vemos essa coalizão de 28 países, incluindo

virtualmente todo o primeiro mundo – o centro dinâmico da economia capitalista mundial – e

contando com o apoio de grande parte do segundo mundo, isto é, do antigo mundo socialista,

formar-se para o fim específico de aniquilar um pequeno país terceiro-mundista, o Iraque. Dar-se-á

que os prenúncios de Dimitrov estejam em via de cumprir-se?

Com efeito, do ponto de vista econômico, a similitude com a época em que a

humanidade ingressou na Segunda Guerra Mundial, promovida pelo Eixo Alemanha, Itália, e Japão

de nossa época é flagrante. Mas também, como não lembrar –

relativizando os ditos prenúncios de Dimitrov – o pensamento de Marx, segundo o qual a história

dificilmente se repete, ou melhor, quando parece repetir-se é para apresentar-nos como farsa o que,

da primeira vez, foi tragédia.

Estamos, de fato, assistindo a uma aparente repetição da fase histórica de há meio

século, a saber: uma crise econômica profunda, uma guerra mundial aparentemente em marcha, e

um renascimento do fascismo. Apenas, a conjuntura de há meio século – por muito trágica que

tenha sido – esteve carregada de grandezas. Para começar, os generais nazistas deixaram-nos

modelos antológicos de feitos estratégicos, antes de tropeçarem nos desastres de Stalingrado e

Kursk, e, por outro lado no que toca a nossa ciência econômica, deram-nos um modelo de

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planejamento, calcado num Keynesianismo “avant la lettre” que, por exemplo, deu emprego a

cerca de sete milhões de desempregados que Hitler encontrou na Alemanha, ao subir ao poder.

Esta reedição do fascismo não tem dessas grandezas. Suas aventuras militares

lembram muito mais Paulo Emilio do que Alexandre ou Aníbal. Só para exemplificar, o general

Giap, comandante do exército vietnamita que, contra toda expectativa derrotou um exército norte-

americano, supostamente invencível, interpelado sobre as razões inesperadas da sua vitória,

respondeu que aquele fora um fato complexo, difícil de explicar, mais que, para o dito desfecho,

muito havia contribuído a incompetência dos generais norte-americanos. Ora, não há como pensar

nisso, agora nos chegam, do “Golfo”, notícias de que o exército iraquiano não foi batido e venceu as

sublevações das minorias apoiados pelos Estados Unidos e aliados.

O Brasil, como naquele tempo, está fazendo eco ao surto fascista mundial. Com a

mesma diferença, porém, isto é, nossa experiência “collorida” de fascismo, não tem nenhuma

grandeza, o que não se pode dizer do seu modelo de a meio século, sob o comando de Getúlio

Vargas e uma plêiade de homens da melhor qualidade política, entre os quais devemos recordar

outro Collor – Lindolfo – que inovou pesadamente em nossas instituições, promovendo um direito

trabalhista que, embora formalmente inspirado na Carta Del Lavoro, de Mussolini, e calcado nas

instituições medievais, vale dizer, corporativas, deu um tremendo impulso ao processo de nossa

industrialização.

Naquele tempo, nós, os homens de esquerda, que queríamos a industrialização do

Brasil – vale dizer, a construção do capitalismo industrial aqui –, estávamos convencidos de que

isso seria uma radical reforma agrária, como na França de 1789, nos Estados Unidos do século

passado e na União Soviética nossa contemporânea. Somente mais tarde, alguns dentre nós

aperceberíamos de que os caminhos da história são mais tortuosos do que parece à primeira vista, o

que nos levaria à teoria da dualidade da economia brasileira, segundo a qual o capitalismo industrial

brasileiro podia e devia desenvolver-se em aliança e sob a hegemonia do latifúndio feudal. Isto é,

num enquadramento francamente corporativo.

Muito mais tarde, chamado por Getúlio Vargas para trabalhar em sua assessoria

econômica, sob o comando imediato de Rômulo Almeida e J. Soares Pereira, respondendo a minha

ponderação de que não me considerava getulista e que minha oposição a ele me havia rendido mais

de dois anos de prisão, além dos oito anos de domicílio coacto em São Luís – não no Maranhão – o

presidente disse, num gesto que me ficou como exemplo de sua grandeza, que havia estudado

cuidadosamente o meu currículo e que estava disposto a correr o risco. Em suma, que me sentisse

em sua assessoria como se estivesse em minha própria casa. – Do que jamais me arrependi, nem,

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estou certo, dei razão, ao chefe do Estado para arrepender-se de sua decisão que, francamente

parecera temerária, ao primeiro exame.

Com efeito, eu fora getulista por um breve momento. Quando da Revolução de 30,

com escassos 16 anos, procurando corroborar a ação de meu pai, prócer aliancista maranhense, fiz-

me conspirador e soldado voluntário. – Getúlio, consequentemente, como chefe da revolução, havia

sido meu comandante, fazendo jus a toda minha lealdade.

Conto estas coisas, para marcar a diferença entre o nosso “fascismo” estado-novista e

o atual. Para meu conhecimento, somente dois países, o Brasil e a União Soviética, emergiram da

fase recessiva do 3º Kondratiev. Com efeito entre 1938 e 1979 – pré-guerra imediato à abertura do

nosso “decênio perdido” – a produção industrial soviética, batendo todos os recordes, cresceu 26,5

vezes; a do mundo capitalista, 6,9 vezes; a do Japão, o mais próspero dos países capitalistas, 13,8

vezes. Entrementes a produção industrial brasileira cresceu, no mesmo período 23,9 vezes.

É esta formidável potência, que estivemos construindo, partindo das condições de

uma economia mundial deprimida, que temos o dever de preservar. Coisa incompatível com um

programa como o “collorido”, que aí temos, que arbitrariamente coloca a inflação no centro de toda

a nossa problemática, e como o epi-fenômeno que é. E que pretende combater esse epi-fenômeno

pela via do agravamento de sua causação profunda, isto é, da recessão e do desemprego.

Sumary

The economist has a lot to learn with the history of wars. On the contrary of big armys, in war as in economy the intelligent can find (extract) negative examples. The perception of todays economic situation of Brazil consents this kind of reconsideration.

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TECNOLOGIA E CUSTO DE PRODUÇÃO

Ignacio de Moura Rangel

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TECNOLOGIA E CUSTO DE PRODUÇÃO11

Ignacio de Moura Rangel*

Resumo Segundo o autor, a iniciativa brasileira deve continuar a ser objeto de proteção oficial, enquanto não dispor de condições para enfrentar a concorrência de indústrias tecnologicamente mais avançadas.

Quando me despedi de Mrs. Silveira – aí por 1940, em São Luís – dela ouvi este

julgamento, sobre meu desempenho, no curso de inglês, sob sua batuta:

– Vários dos meus ex-alunos, a começar por Rui Costa Fernandes, despediram-se de mim sabendo

inglês mais do que tu. Mas nunca encontrei ninguém, que aprendesse mais depressa do que tu –.

Devo acrescentar que a querida mestra – inglesa, mas viúva de um comerciante português, radicada

em São Luís, não me lembro em que condições embora cobrasse mensalidade dos meus irmãos,

jamais cobrou um níquel pelas aulas que me dava. A exemplo do que faziam outros mestres

maranhenses dos anos 30, inclusive Antonio Lopes e Arimatéia Cisne: o primeiro ensinando-me

filosofia, e o segundo, latim.

Outros mestres assim, eu os tive – inclusive João Vasconcelos Martins e Caio

Carvalho, diretor-presidente e chefe do escritório, da firma Martins e Cia. Creio que a mais

importante empresa maranhense da época –. Talvez por estas e outras, fiz-me um economista fora

de série. Embora muitos dos meus colegas soubessem mais economia do que eu, nada sabiam de

Direito e, sobretudo, nunca haviam visto uma fábrica brasileira por dentro – coisa que João Martins

e Caio Carvalho me facultaram ver.

Imagine-se que, naquele tempo, houvéssemos tentado colocar a “modernidade” –

como hoje dizemo-no centro de nossa problemática. – Minha resposta é clara: em vez de

convertermos o Brasil numa das economias mais prósperas do planeta, haveríamos deixado que,

como em muitos outros países, a depressão criasse raízes, para ficar.

Mas não fizemos isso. Minha experiência, ao lado de João Vasconcelos Martins, na

firma Martins, Irmãos e Cia., preparou-me para entender o que, no período, se estava fazendo em

todo o país: ao instituirmos o que hoje malsinamos tanto como “reserva de mercado”, estávamos

empreendendo o que depois Raul Prebisch, secretário geral da CEPAL, batizaria como

“crescimiento hacia adentro”, sob a forma de industrialização substitutiva de importações.

11 Publicado originalmente na Revista FIPES, São Luís, v.4, n2,/v.6, n.2, jul./dez. 1989 * Economista. Autor do clássico “A Inflação Brasileira”.

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Mais tarde – sob o comando da Getúlio Vargas, que fez de mim o relator do sistema

de leis ordenado em torno da futura Eletrobrás – outros ângulos da mesma problemática me seriam

revelados. Com efeito, com uma receita pública cuja origem era afinal, a renda gerada pelos

investimentos privados, que não teriam acontecido se, nos quadros da reserva de mercado, não

houvéssemos criado condições de investimento, mesmo sem acesso ao que hoje chamamos de

tecnologia de ponta, com essa receita pública financiamos os investimentos do setor público –

inclusive captando recursos, dentro e fora do país, sem outra garantia senão o aval do tesouro.

Ao primeiro exame, isso me pareceu impraticável, e usando da prerrogativa que me

havia sido dada pelo próprio Presidente da República – quando me disse: Dr. Rangel, não preciso

de aduladores, mas de homens que, como sei ser o seu caso, tenham a coragem de dizer-me que

estou errado – usando dessa prerrogativa, opus-me ao esquema da Eletrobrás.

– Como assim, companheiros? Vamos criar empresas públicas concessionárias de

serviços públicos? Empresas assim somente podem oferecer a hipoteca dos seus bens ao próprio

Estado, o que constituiria um absurdo, visto como, sendo elas próprias parte do Estado, teríamos

este oferecendo a hipoteca dos seus bens a si mesmo –. Isto conflitava com tudo o que me havia

ensinado o meu mestre de direito civil, Araújo Costa, na velha escola da Rua do Sol, esquina com a

travessa do teatro.

Entretanto, eu já sabia, também – coisa aprendida na velha fábrica do Largo do

Santiago – que o setor privado podia ser induzido a investir, e que esses investimentos – como

depois aprendera Keynes – engendrariam uma renda nacional e, por essa via, uma receita estatal

que, diretamente, ou pelo seu comprometimento com o aval do Tesouro, possibilitariam coisas

ainda impensáveis, então, a exemplo de Tucuruí, da Hidroelétrica do Vale do São Francisco e

Itaipu.

A equipe conhecia esse mecanismo, até por que eu próprio lhe havia explicado. Isso

significava que, pelo menos durante algum tempo, a eletrificação – e, de um modo geral, a

implantação de um Departamento moderno, supridor de bens e serviços de produção que não

interessavam ainda ao setor privado – podia fazer-se, com recursos do tesouro ou levantados com o

aval deste. Não foi por acaso que, nos três decênios 1956-86, nossa produção de eletricidade

cresceu 12,5 vezes, isto é, mais do que o dobro da média mundial, muito mais que a dos Estados

Unidos e dos próprios vanguardeiros do desenvolvimento, na época, como a União Soviética.

Ora, nada disso teria sido possível se a receita fiscal não tivesse sido aumentada, no

período, por investimentos privados sem acesso à tecnologia de ponta. Noutros termos, sem que o

parque industrial não estivesse sendo renovado – e até expandido, com o apoio das humildes

oficinas de manutenção das velhas fábricas e usinas. Sem isso, a receita pública com a qual o

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Tesouro estava financiando a implantação do setor estatal da economia, estaria surgindo ex nihilo,

isto é, do nada.

Parece predominar, hoje, a tendência a exigir que nossas indústrias e serviços possam

competir com as empresas mais avançadas dos países desenvolvidos. Ora, por certo as condições

hoje vigentes não são mais as dos anos trinta e quarenta. Entretanto, sob certo ponto de vista, as

condições persistem, a saber: hoje, como então, atravessamos uma crise, em cuja medula vamos

encontrar um grupo de atividades dotadas de excesso de capacidade, contrabalanceado por outro,

sem capacidade produtiva à altura da demanda solvente do país.

Naquele tempo, a crise foi superada pela criação de condições institucionais para a

promoção de investimentos neste segundo grupo de atividades, mas teria sido pura ilusão esperar

que, para isso, a tecnologia ao alcance dessas atividades fosse para assegurar competitividade com

as empresas congêneres de ponta, dos países mais avançados do mundo. O instituto da reserva de

mercado deu ao problema outra solução.

Com efeito, se um fator de produção está desempregado, o custo social do seu

emprego numa atividade nova será nulo. Noutros termos, a renda nacional poderá crescer, mesmo

que, para a empresa, o custo de produção, nas condições do emprego desse fator congênere, seja

superior nas empresas de ponta dos países mais avançados. O instituto da reserva de mercado foi a

solução para o problema da promoção do crescimento do produto social, não obstante o atraso

tecnológico.

Naquele tempo, as reservas retardatárias, no Brasil, eram as integrantes da chamada

indústria leve – suprida de bens não duráveis de consumo. Hoje, esse grupo de empresas é

constituído pelas supridoras dos grandes serviços de utilidade pública – Mas a solução do problema

continua a ser, no fundamental, a mesma, isto é, a criação de condições institucionais que

preservem as novas empresas de uma competição ruinosa com as empresas de ponta dos países

mais avançados.

A reserva de mercado continua a ser o instituto fundamental para assegurar proteção

contra uma competição ruinosa para nossas empresas. – Inclusive quando seja mister promover

maior integração de nossa economia, com o resto da economia mundial.

Como venho insistindo, a reserva de mercado – como uma chave – tanto pode fechar

as portas, como abri-las. Nossa reintegração na economia mundial deve resultar de uma operação

planificada. Nunca do desmantelamento dos instrumentos fundamentais de planejamento, entre os

quais vamos encontrar a reserva de mercado.

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Sumary

Accordingto the author the Brazilian industry must continue to be an object of oficial protection, while, it does not diaposeat conditions to face the competition of the indsties more advanced in technology.

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EU E ELE: MINHAS MEMÓRIASDE IGNACIO RANGEL José Rossini Campos do Couto Corrêa

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EU E ELE: MINHAS MEMÓRIAS DE IGNACIO RANGEL12

José Rossini Campos do Couto Corrêa*

I

Já havia começado a festa de cores e de luzes do alvorecer brasiliense. A móvel

manhã quente e derretida, varava as persianas do pequeno apartamento, avisando-me o horário dos

inflexíveis compromissos burocráticos. Acordar acordei, pois, mesmo estando em Pasárgada, não

sou amigo do Rei, sabendo novamente ser a República, por fora, bela viola; por dentro, pão

bolorento.

Não só acordei, como me pus de pé. Tanto quanto possível, rítmico, comecei a

marcha diária contra o relógio: pasta, escova, dentes; creme, lâmina, barba. Uma pausa: liguei a

televisão para ouvir, mais do que ver, o jornal político, não recordo se na Globo ou na Manchete,

coisa, aliás, desimportante, desde que os homens entrevistados nos dois canais são os mesmos, com

a sua linguagem trêfega, falando sobre o permanente baile de máscaras nacional - e de máscaras

feias – com uma desenvoltura de tríduo momesco.

Mais depressa, prossegui, disputando com o ponteiro dos segundos: água, sabonete,

toalha; cueca, calça, camisa. Quase pronto e pensando no trânsito, dispensei a fatia de pão e esqueci

o café quentinho. Estava de saída, a chave girando na porta, quando escutei o alarido do telefone.

Voltei para atendê-lo, carregando comigo, e sentindo-o mais pesado neste dia 27 de

janeiro de 1988, às fatais 7 horas e quarenta e cinco minutos, um morto querido – meu tio, a

completar seis anos do dia em que foi, tragicamente, esmagado em desastre automobilístico – cujo

nome aqui escrevo com saudade: Wilson do Couto Corrêa. Mal toquei o aparelho, aquela voz

inconfundível, trazendo o seu cortejo de surpresas, disparou:

– “Alô, Rossini, como vais? Quem está falando é Rangel. Eu estou aqui em Brasília...”

– Rangel!? Que surpresa agradável! – disse-lhe – esquecendo o habitual

Professor...

12 Texto inédito elaborado no trajeto Brasília-Recife, dias 13 de junho de 1988, 29 de outubro de 1991 e 25 de novembro de 1992, gentilmente cedido pelo autor para esse volume. * Vice-Reitor da American World University – AWU/USA. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Advogados-ABA. Membro da Academia Brasiliense de Letras, da Academia Brasileira de Ciências Teológicas e do Instituto Ibero-Americano de Direito Publico.

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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– “Vim” – ele continuou - “fazer uma conferência em um colóquio promovido pela Federação das Associações Comerciais do Brasil. Volto hoje mesmo, de tarde, às 15h.

– Sempre a trabalho – retruquei – invocando o nosso deus comum e

perguntando pelas novidades. – “Tu já tens o meu livro novo? Eu trouxe um para ti, que está comigo, aqui

no Hotel” – ...No Hotel Nacional? Não, ainda não tenho. Muito obrigado! Quais são as

novas? – “As novidades são muitas. A bem da verdade, algumas tristes. Perdi o meu

genro domingo... – Perdeu? Que pena... – “...E tive que parar um pouco e ficar, junto com Aliette, dando assistência

para a minha filha Liudmila...” – Que pena, Professor! – “Porém, no mais, tudo bem. Vai-se levando... Tenho trabalhado muito, em

companhia de uma moça formada em Direito e extraordinariamente dotada de competência, no BNDES.”

– O senhor está envolvido em algum projeto específico? Se está, que projeto é

este? – “É um trabalho de proposta de retificação do setor público no Brasil. Mal eu

digo de que velho decreto eu preciso, e ela, prontamente, o encontra”. – Sei, é uma espécie de banco legal. Prestes a responder com eficácia de

quando é e onde está a legislação de que o senhor necessita. – “É isto mesmo. É uma grande alegria para mim, saber que eu estou velho,

mas não estou largado. Vi este pessoal todo entrar no Banco. Muitos foram meus estagiários, que eu ajudei a formar, e hoje há gente ocupando altos postos, cargos de direção etc.”

– Que bom, Professor! É uma dimensão gratificante deste balanço de

trajetória. Mas a que horas o senhor vai estar no Hotel Nacional, nosso ponto de encontro de sempre, aqui em Brasília?

– “Creio que na metade do dia, quando vence a diária. É que eu vou viajar ás

15h e não tem sentido pagar outra...Então, eu deixo o Hotel.”

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– Claro. Olhe, eu vou para o serviço agora. Como não suspeitava que o senhor fosse estar aqui, não sei se vai ser possível a minha passagem no Hotel Nacional neste horário. De qualquer maneira, contudo, eu vou ao seu encontro no...

– “... No aeroporto? Bem, que lamentável, pois eu pensei que nós

pudéssemos, quem sabe, nos encontrar e ...” – ...Almoçar juntos? – “Sim. É isto mesmo!” – Pois bem: eu vou a seu encontro, de qualquer jeito, no Hotel Nacional, e

almoçamos juntos. – “Até mais, então, Rossini. Um abraço para ti.” – Até mais, Professor. Um grande abraço para o senhor. – “Ah, tem uma coisa: conheci o Jesus Gomes. Eu gostava muito dele, que

era um burguês diferente do burguês brasileiro, ao qual não basta desgostar do comunismo, pois ele tem de ser é anticomunista. E Jesus não era nenhuma coisa nem outra. Ele realmente merece uma pesquisa.”

– Sem dúvida... – “Vai trabalhar.” – Vou. Até mais.

Fui trabalhar e cheguei ao Ministério da Cultura e comecei a desatar os nós do

cotidiano. Do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas de Natureza Cultural, onde experimentei a

ventura de dirigir uma excelente equipe de trabalho no setor público, telefonei para uma convidada

minha, transferindo o nosso almoço para ensejo mais propício. Ela, gentil, compreendeu.

Em seguida, passei pela Secretaria Geral do MinC, comandada pelo maranhense

ilustre Joaquim Itapary e, rapidamente, conversei com Flávia Gomes de Galiza, neta de Jesus

Norberto Gomes, comunicando-lhe o juízo do grande economista brasileiro sobre a nossa proposta

de pesquisa, em torno das idéias sociais e políticas do seu avô.

Fascinada com o que Ignacio Rangel dissera a respeito de Jesus Gomes, Flávia

Galiza, boa amiga e parceira compenetrada de pesquisa, ficou vibrando. Tanto quanto, ou até mais

do que eu, ela estava interessada em resgatar a figura do industrial maranhense, preso em novembro

de 1935, na chamada Intentona Comunista.

Daí que logo houve a concordância com a minha proposta de almoçarmos os três:

Mestre Rangel, Flávia Galiza e eu. Decidida a documentar o encontro, a terceira convidada solicitou

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ao motorista da Secretaria Geral do MinC – e assim foi feito – que passasse em sua residência e

trouxesse a providencial máquina fotográfica.

No horário combinado para a saída, recebi saudável e repentino telefonema de minha

prima Sônia Corrêa, também dos quadros superiores do MinC, com a gentil convocação de que

almoçássemos juntos. Aplaquei-lhe os justos reclames, explicando que a motivação do

surpreendente almoço era Ignacio Rangel. Chamei-a. Aceito o convite, a pequena comitiva partiu.

No breve trajeto entre o Setor Bancário Norte e o Setor Hoteleiro Sul, realizei uma

dissertação sobre Ignacio Rangel, a economia, a política e a história do Brasil. Necessitado de um

paradigma, fui objetivo: trata-se de um economista mais original e, no mínimo, da mesma dimensão

do Ministro da Cultura, Celso Furtado.

Chegamos. Realizava-se ainda o colóquio, no auditório do Hotel Nacional. À beira

da piscina, o aguardamos. Sem demora, o evento foi encerrado. Fui buscá-lo à entrada do auditório,

de onde marchamos para a beira da piscina. No intervalo, foi inevitável a conversa sobre o seu

genro morto, neto de Demétrio Ribeiro, que integrou o primeiro Ministério da República, e os

cuidados dispensados à sua filha Liudmila e ao seu neto, em companhia de Dona Aliette. Vi olhos

marejados...

Feitas as apresentações e mal chegando a se acomodar à mesa, Ignacio Rangel

sugeriu, premido pelo horário, que fôssemos almoçar no aeroporto, onde evitaria contratempos,

como o de perder avião. Descida a sua pequena bagagem e fechada a conta no Hotel Nacional, em

animada conversa, logo tomamos a direção desejada.

Eu o provoquei, no caminho, sobre a sua produtiva atitude intelectual, com a alegria

de haver recebido, autografado, o livro Economia Brasileira Contemporânea. E o velho Rangel,

reagindo bem, discorreu a respeito de projetos de livros, reunindo textos esparsos e inéditos, e

confessou, em contrapartida, a necessidade de trabalhar em marcha mais vagarosa.

Fora o primeiro a entregar os originais – reportava-se a seu livro Economia: Milagre

e Anti-Milagre – para a coleção “Brasil: Os Anos do Autoritarismo”, editada por Jorge Zahar. A

marcha batida deste, e de outros afazeres literários, provocou grave crise cardíaca no Mestre dos

Mestres. Objeto de cirurgia cardíaca em São Paulo, o médico recomendou ao economista

maranhense prudência, em substituição à afoiteza que lhe é característica, uma vez desafiado pelo

trabalho criativo.

Provoquei o autor de Dualidade Básica da Economia Brasileira, a propósito da

necessidade da reedição da obra, tornada um clássico das ciências humanas no país. Passando

recibo ao meu desafio, com vivaz prosápia, o pensador da formação econômica brasileira foi

definitivo:

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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– “Não admito trocar uma vírgula daquele livro.” – Entendo. Mas o senhor pode reeditá-lo, o que é uma necessidade, com uma

introdução atualizadora. – “Esta é uma boa idéia. Rossini, o diabo é que eu tenho projetos mais

urgentes.” – A redação de sua autobiografia, por exemplo? Quando o senhor vai abrir o

seu baú de ossos? – “Talvez. Tenho dúvidas se se justifica a concentração de esforços, agora,

em uma autobiografia. O testamento vai ficando para depois...”

Chegamos. Conseguido um lugar no estacionamento, logo rumamos em direção ao

restaurante do aeroporto. Ao chegarmos no amplo ambiente, deparamos, ao centro, com Isabel e

Epitácio Cafeteira, a Primeira Dama e o Governador do Estado do Maranhão. Trocamos apenas

olhares, sobre a pouca discrição de áulicos e de ajudantes de ordens. Afinal, somos maranhenses

desobrigados da reverência e agradecidos pelo silêncio do transitório magistrado estadual.

Sentamos. Ignacio Rangel, à frente de Flávia Galiza, começou a recordar passagens

de Jesus Gomes, a sua ligação com os comunistas, a prisão política em 1935, o propalado ateísmo,

caracteres da mentalidade empresarial e todo um mundo de coisas interessantes à história das idéias

no Brasil. A facúndia do visitante, que não é habitual, determinou a decida de um facho de luz sobre

o nosso encontro.

Tempo houve, ainda, para o velho Rangel declarar que aquele almoço salvara a sua

vinda a Brasília, em razão da brevidade com que cada expositor fora forçado a discorrer no

colóquio, referente à crise nacional. Depois de considerar que não participaria mais de simpósios,

onde a possibilidade de argumentar não contasse com o tempo favorável, declinou nomes,

endereços e telefones de pessoas presas com Jesus Gomes em 1935, as quais, tanto quanto ele,

seriam depoentes abalizados a seu respeito. E confirmou, enfim, que muitos intelectuais de sua

geração maranhense – Franklin de Oliveira à frente - saíram do Maranhão para a aventura do Brasil,

com a ajuda material de Jesus Gomes.

Chegada a sobremesa, o viajante, voltando-se para mim, mergulhou em um mundo

de lembranças. A começar pela fresca recordação das solenidades comemorativas do centenário de

nascimento de seu pai, o Juiz e Professor Mourão Rangel. Os festejos transcorreram entre São Luís

e Imperatriz, sem o esquecimento do Rio de Janeiro, desaguando na divulgação do seu opúsculo,

intitulado Dr. Mourão Rangel, que constituiu uma memória de família das mais interessantes para

a reconstituição histórica da vida social e das idéias jurídicas e políticas no Brasil.

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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O principal evento em Imperatriz, foi a inauguração do retrato do Juiz e Professor no

Grupo Escolar Mourão Rangel. Neste, em época pretérita, funcionou uma escola particular, fundada

por Mourão Rangel, o velho, que nela, em companhia de sua esposa, educava os seus e os filhos de

terceiros, em um serviço público para a vitória do direito à educação sobre os privilégios da

barbárie. A despeito da nova e moderna construção, Ignacio Rangel identificou a localidade, logo

acusando a lembrança em seu discurso.

Como um sopro, regressou à memória ignaciana o dia 7 de setembro de 1922,

episódio de há muito esmaecido. Aos oito anos, no Dia da Pátria, de acordo com ensinamento de

véspera, feito por sua mãe, o menino declamou longo poema – um hino ao trabalho – na solenidade

municipal. A rememória não ficou subordinada ao sucesso, estendendo-se a texto poético, de plano

reconstruído e de declamado, verso por verso.

Tomado por violenta emoção, concluída a sua palavra, o filho varão do

homenageado foi conduzido às pressas para um hospital, pois não passava bem. Chegando ao Rio

de Janeiro, relatou os acontecimentos ao escritor Antônio de Oliveira, o qual garantiu ser de autoria

do poeta português João de Deus, o hino ao trabalho declamado pelo menino Rangel, no longínquo

7 de setembro de 1922. A. de O. é lusófilo. Como se não bastasse, o velho Rangel, com a

metralhadora da memória ligada, começou a declamar João de Deus:

“MISÉRIA

Era já noite cerrada, Diz o filho: "Oh minha mãe,

Debaixo d'aquella arcada Passava-se a noite bem!"

A cega, que todo o dia Tinha levado a anadar, A taes palavras do guia

Sentiu-se reanimar.

Mas saltam dois cães de gado, Que eram como dois leões: Tinha-os à porta o morgado Para o guardar dos ladrões.

Tornam os pobres à estrada, E aonde haviam de ir dar?

Ao palácio da tapada Onde el-rei ia caçar.

À ceguinha meia morta

Torna o filho: "Oh minha mãe,

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Ali no vão de uma porta Passava-se a noite bem!"

- Se os cães deixarem... (diz ella,

A triste n'um riso amargo), Com effeito a sentinela:

- "Quem vem lá?... Passe de largo!"

Então ceguinha e filhinho, Vendo a sua esperança vã, Deitaram-se no caminho Até romper a manhã!...”

“BOAS NOITES

Estava uma lavadeira a lavar numa ribeira

Quando chega um caçador: - Boas tardes, lavadeira! - Boas tardes, caçador!

- Sumiu-se a perdigueira Ali naquela ladeira;

Não me fazeis o favor De me dizer se a brejeira

Passou aqui a ribeira? - Olhai que, dessa maneira,

Até um dia, senhor, Perdereis a caçadeira,

Que ainda é perda maior. - Que importa, lavadeira! Aqui na minha algibeira Trago dobrado valor... Assim eu fora senhor De levar a vida inteira Só a ver o meu amor

Lavar roupa na ribeira! - Talvez que fosse melhor...

Ver coser a costureira! Vir de ladeira em ladeira Apanhar esta canseira,

E tudo só por amor De ver uma lavadeira

Lavar roupa na ribeira... É escusado, senhor!

- Boas noites... lavadeira! - Boas noites... caçador!”

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“A ENJEITADINHA

— De que choras tu, anjinho? "Tenho fome e tenho frio!" — E só por este caminho

Como a ave que caiu Ainda implume do ninho!...

A tua mãe já não vive?

"Nunca a vi em minha vida; Andei sempre assim perdida,

E mãe por certo não tive!" — És mais feliz do que eu, Que tive mãe e... morreu!”

Provoquei Ignacio Rangel, cobrando detalhes do texto do poema. Ele, não se fazendo

de rogado, declamou verso a verso a extensa peça literária, por suposto, de João de Deus, provando

que a havia recomposto de um fôlego e fixado para sempre, como se tivesse acabado de lê-la.

Estava vagando no ar a chamada para a ponte aérea Brasília-Rio de Janeiro.

Divididas democraticamente as despesas, partimos em direção ao setor de embarque.

Conseguimos ainda, a caminho, parar, no intuito da feitura da reportagem fotográfica do nosso

encontro. Depois, foram passos rápidos, abraços, beijos e despedidas. Ignacio Rangel desceu a

rampa de embarque, deixando em todos, com a sua passagem, o doce vestígio de uma presença,

para sempre, repleta de inefável encantamento.

II

O mês era o de junho ou de julho, a cidade, o Recife, e 1991, o ano. Em um

restaurante da Avenida Boa Viagem, entre outros, eu aguardava Francisco Sales Gaudêncio e

Manoel Marcos Maciel Formiga, os quais, retidos em Itamaracá, tardaram, mas chegaram.

Almoçamos sem que Roberto Viana, Secretário de Governo, aparecesse, pois este só despontaria

em meados da tarde, antecedendo em poucos minutos o escritor e historiador Armando Souto

Maior.

Inteligente, porém, fugaz, o nosso encontro ficou prejudicado pela urgência de

Marcos Formiga em chegar ao Aeroporto dos Guararapes, de onde viajaria com destino a Brasília.

Foi possível, entretanto, por sobre jogos de espírito e reflexões substantivas, a passagem do fio de

espada pelo lamento da frustração do título de cidadania, que Brejo de Areia prometera a Armando

Souto Maior, mas suspendera, em seguida, em virtude de pequenas refregas políticas municipais.

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Só? Não. Roberto Viana foi explícito, ao recusar a oferta de Sales Gaudêncio e de

Marcos Formiga, para que fosse painelista privilegiado no seminário “Teoria e Política no

Pensamento de Celso Furtado”, em processo de organização pelos dois, em consórcio do Governo

da Paraíba com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Motivei Viana sutilmente, sob a observação de que a desimportância por ele atribuída à economia

de Celso Furtado, era, à sua maneira, valiosa, podendo, ao ser comunicada, tonificar e entusiasmar

os debates no colóquio.

– “Desde que seja colocada de forma respeitosa” – ponderaram os dois paraibanos - . E acrescentaram: “Não queremos um seminário tedioso, feito de pura louvação de Celso Furtado”.

– “Eu não escondo o temor” – argumentou o convidado – “de ser muito

contundente. Sobretudo com Arraes como coordenador do painel.”

Sales e Formiga foram afirmativos:

“Com Miguel ou sem Miguel, você não pode deixar de participar. É o lançamento do seu nome no Brasil.”

Eu já havia conversado com Marcos Formiga, cobrando a feitura do convite a

Ignacio Rangel, por seu relevo pessoal, relacionamento com o homenageado e forte presença no

contexto dos dois primeiros desempenhos de Celso Furtado: o da fantasia organizada e o da fantasia

desfeita. Responde-me Formiga de que não agendara o nome do economista maranhense, de sua

admiração, motivado por informes advindos de Cristovam Buarque, de que a velhice o alcançara, de

forma irremediável e comprometedora. Rebatendo-as, demonstrei serem malévolas, ressalvadas a

fonte, as infundadas notícias, levando Formiga telefone e endereços anotados, bem como o

compromisso de convidar para o evento o lúcido e vigoroso Rangel.

Assim foi feito. Sucede que o seminário ficou de ser realizado em João Pessoa, em 8

e 9 de agosto, e o painelista maranhense, de texto concluído, chegou a pensar em remetê-lo por via

postal, considerando a ausência da chegada da passagem aérea e da confirmação da reserva do

hotel, quase que à antevéspera do simpósio. Soube do imbróglio por meio da competente socióloga

Maureli Costa, sua amiga e biógrafa no Maranhão e testemunha do seu relativo desapontamento

flagrado em contacto telefônico.

Comuniquei-me, de imediato, com Sales, em João Pessoa, e esse, com Formiga, em

Brasília, e a demanda foi resolvida. Manifestava Rangel interesse em reencontrar-me, trazendo do

Rio de Janeiro o meu endereço de residência e também o telefone do trabalho, e antecipando, em

contrapartida, o telefone do seu sobrinho, em cujo domicílio ficaria no Recife, ao regressar de João

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Pessoa. Fiz-lhe chegar ao conhecimento que estaria na capital paraibana, por intermédio da zelosa

fonte que, desde o Maranhão, garantira a sua presença ali...

Viajei na madrugada do dia 8 de agosto. Ao desembarcar, em companhia de

Armando Mendes e de Milton Santos, logo identifiquei no aeroporto Sales e Formiga, à procura de

Aspásia Camargo. Constatada a ausência da entrevistadora de José Américo, que chegaria em vôo

matinal, partimos em vagaroso e confortável ônibus, para o Tambaú Tropical Hotel. Ao chegarmos

em Tambaú, Sales e Formiga, bêbados de cansaço, avisaram que, às 8h da manhã, no Espaço

Cultural José Lins do Rego, começaria a solenidade oficial.

Ficou combinado que a saída do ônibus seria, sem mínimo retardo possível, às

7h30min. Como ninguém queria perder a abertura do seminário, a solução foi dormirmos.

Antecipando-se ao horário combinado, Sales, da portaria, contatou painelistas, homenageado e

convidados, pedindo a todos brevidade no café, pois o Governador Ronaldo da Cunha Lima seria de

uma pontualidade britânica, quanto ao cumprimento do cronograma. O motivo da rigidez era

Ulysses Guimarães, a quem o poeta Cunha Lima acompanharia a Campina Grande, onde uma

agenda numerosa deveria ser satisfeita.

Encontrei na portaria Sales Gaudêncio, Milton Santos e Fernando Cardoso Pedrão.

Estávamos nos primeiros momentos da conversa quando, elegante, cadenciado e de pasta executiva

à mão, sorrindo, apareceu no corredor Ignacio Rangel. Foi fraterno e afetuoso o nosso reencontro.

Mal terminamos o abraço, Pedrão e Santos, em uníssono, festejaram-no:

– “Chegou o Mestre dos Mestres!”

Fomos descendo a rampa do Tambaú Tropical Hotel em direção ao ônibus. À luz do

dia, o grupo foi ganhando corpo: Celso Furtado, Rosa Freire D’Aguiar, Hélio Jaguaribe, Paulo

Bonavides e Armando Mendes. Ao conjunto viriam a juntar-se ainda, entre outros, Armando Souto

Maior, Clóvis Cavalcanti, Luciano Coutinho, Aspásia Camargo e Maria da Conceição Tavares. O

também paraibano Paulo Bonavides, próximo à sua esposa, exultou com a chegada do

homenageado – um lorde inglês vagando nos trópicos - buscando confraternizar:

– “Celso, parabéns!”

A resposta foi glacial. Virando-se levemente, o paraibano Celso Furtado, cujos

setent’anos recebiam tardia, mas bela homenagem de sua terra natal, perguntou:

– “Pedrão onde você está?”.

E Pedrão, retraído:

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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– “Eu estou na Universidade da minha terra, a Bahia, como coordenador do Mestrado em Economia”.

– “Bom”...

Quase metediço, Milton Santos, figura sempre simpática, convocou o economista

baiano para uma resposta mais enfática:

– “Diga assim, conterrâneo, com ar no peito e muito orgulho: eu estou na Universidade!”.

Santos sentenciou:

E Pedrão, nada expansivo:

– “E dá para ter orgulho...?” – “Um dia melhora, rapaz!”

Sorrindo em face da tragédia, para esconder, decerto, a tristeza, entramos no ônibus e

partimos. Sentado em poltrona contígua à minha, como ficaríamos, aliás, todo o seminário, o velho

Rangel foi conversando. Avisou–me que tivera problema de saúde, que não os cardíacos, estando

em processo de recuperação de um acidente cerebral sofrido em São Paulo. Explicou-me ainda que,

evitando viajar só, por causa dos problemas de saúde, trouxera consigo Dona Aliette Martins

Rangel, sua esposa, a qual tinha todo um programa de família a cumprir, substituindo-o nas visitas

aos parentes Souzas, Guedelhas, Mourões e Rangéis da Paraíba.

Desembarcamos. A caminho do teatro do seminário, que estava repleto, Pedrão

juntou-se a nós e, galhofeiro, passou a mão sobre o ombro do pensador maranhense, comentando

para mim:

– “Este homem é perigoso e engana a muita gente com essa voz mansa. Já agitou muito: como agitou! Quando passava na Bahia era para não deixar nada, não deixar ninguém em pé: criticava todo mundo!”

E o Mestre dos Mestres:

– “E tu continuas o mesmo de sempre, combinando capoeira, retórica baiana e dialética de Hegel.”

Gargalhamos...

A solenidade começou pontualmente. O homenageado foi introduzido no recinto sob

aplausos e a cerimônia transcorreu com grande relevo. O Governador Ronaldo Cunha Lima e o

Secretário de Governo Gleryston Holanda de Lucena, casado, este, com uma sobrinha de José

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Américo de Almeida, retiraram-se, cumprimentando-me da passagem. Marcos Formiga discursou

na abertura, assim como Sales Gaudêncio, emocionado, o faria no encerramento do colóquio

antológico, vivido em estilo elogiável, sem ser suntuoso, como sequer São Paulo realiza no

momento de crise nacional.

Quinta-feira, 8; sexta-feira, 9: dois dias de um agosto inscrito em definitivo na

cultura paraibana. Estudantes, professores, intelectuais, painelistas e homenageado desfilaram as

suas dúvidas, inquietações, problemas e dificuldades, valendo-se o evento da riqueza dos

testemunhos de Celso Furtado. Surgiu a idéia da criação, à maneira isebiana, do Instituto Superior

de Estudos Paraibanos – ISEP – a ser dirigido, segundo convite do Governador Cunha Lima, pelo

notável economista paraibano. Admitida a aceitação, o Governador formulou qualquer coisa como:

– “Eu era sabedor de que esta excelsa figura não se furtaria, sem nenhuma intenção de trocadilho.”

A participação de Ignacio Rangel, elevada e corajosa, foi constituída por um

confronto do seu, com o pensamento de Celso Furtado, na década de 50. A audição da platéia ficou

um pouco prejudicada, em razão do microfone utilizado para a leitura do texto ser de lapela.

Contudo, a dicção ignaciana, não chegando a ter a ressonância cavernosa da voz de Miguel Arraes,

não foi elemento impeditivo dos aplausos que recebeu.

Tomado por um constante espírito crítico, a postura do velho Rangel foi de

insatisfação com a precária síntese conseguida, ponderando:

– “Rossini, eu estou preocupado. Como as pessoas estão pensando mal o Brasil! E gente de responsabilidade! Vou solicitar quinze minutos a Arraes, para desfazer estes equívocos e virar a mesa”.

E foi. O mito negou três vezes ao Mestre o tempo requisitado. Formiga explicou ao

velho populista que, a qualquer instante, o Governador Cunha Lima chegaria, trazendo consigo o

Deputado Ulysses Guimarães, para a solenidade de encerramento do seminário, determinando a

recusa da concessão da palavra a Ignacio Rangel. Lamentando a frustração do seu propósito,

sentando-se de novo junto a mim, o sábio maranhense deixou escapar a frase.

– “Afinal, quem é que é, Rossini, este Ulysses Guimarães de quem eles tanto falam!?”

Findo o painel, coordenado mais por Formiga do que pelo mito, Arraes dirigiu-se a

Rangel, a quem auxiliei a levantar-se, e o festejou, entre sorrisos, abraçando-o:

– “Salve, grande Mestre!”

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Concluído o simpósio, houve a ruidosa entrega de certificados, com estudantes

querendo que o economista maranhense autografasse os pequenos atestados de participação ali

recebidos. O pedido foi aceito, sob a estudantil condição de que os requisitantes também assinassem

o certificado do mestre brasileiro. Partimos para o Tambaú Tropical Hotel, onde recusei, cansado do

seleto encontro no Palácio do Governo na noite passada, convite para jantar. Fiquei plantado à

beira da churrascaria, degustando uma boa conversa com Manoel Marcos Maciel Formiga e com

Guido Gaioso Castelo Branco.

Armando Souto Maior, com o estilo inteligente e cortante de sempre, apareceu em

companhia da esposa e amigas, em busca de um lugar para jantar. Não obtendo sucesso, deixou

conosco uma pérola:

– “Esta Maria da Conceição Tavares é doutora na arte de repetir as coisas mais batidas, como se fossem novidades.”

Fiquei, de minha parte, recordando o sorriso de plena satisfação de Hélio Jaguaribe,

quando, no jantar palaciano oferecido pelo casal Cunha Lima, Sales Gaudêncio mo apresentou

como um seu constante leitor. Falei-lhe, em abono do testemunho salesiano, do seu conceito de

colonial-fascismo e da utilização que dele fizera, ao longo da gesta da resistência democrática à

ditadura militar. O velho Jaguararibe confidenciou ao pequeno grupo que o cercava, que a sua

morte civil chegou a ser decretada pelos coloniais-fascistas, em demonstração perversa de que o seu

conceito era uma realidade.

No sábado pela manhã, findo o café, comecei a providenciar o regresso. A minha

expectativa era, como sói acontecer, que fosse possível chegar ao Recife vindo, ou com o carro da

Casa Civil ou com o carro da Fundação Casa de José Américo. O excesso de demanda prejudicou a

pretensão esboçada, levando a que eu aguardasse em vão, automóvel oficial pernambucano nunca

chegado, cuja tarefa consistia em transportar o velho Rangel e a sua esposa à cidade maurícia.

A solução encontrada foi a de fretarmos um táxi, e descermos juntos para o Recife.

Tratou-se de uma viagem maravilhosa. O motorista, atencioso, parou, permitindo ao interessante

casal descansar um pouco, matar a sede e tomar café. Rangel e eu fomos os mais silenciosos, pois

as mulheres falaram a contentos, Dona Aliette, particularmente, a qual estava com o brilho da verve

feliz e diligente.

Apontei, entre léguas de cana de açúcar, o burgo de Goiana aos Rangéis, dizendo-

lhes que era o berço da gente de Manuel Corrêa de Andrade. E, mais à frente, indiquei a entrada de

Itamaracá e discorri sobre o significado de Igarassu. Ignacio, que me declamara em João Pessoa

vigoroso fragmento de um dos poemas de amor, de sua lavra, ditado pelas musas da juventude,

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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entusiasmando-se, resgatou versos de Gregório de Mattos, de ácida critica aos poderes de uma certa

Igaraçu:

“Se trata a Deus por tu, e chamam a El-Rei por vós

como chamaremos nós ao Juiz de Igaraçú?

Tu, e vós, e vós, e tu”.

E logo em seguida, para não perder o fio da meada, prestigiando a lira gregoriana e

recordando que o poeta nascera em Salvador, mas terminara a vida no Recife, Ignacio Rangel,

revelando a sua íntima conexão com a poesia, declamou com voz de cristal resoluto, vencendo o

cansaço do tempo, ao resgatar o sentido crítico do canto contraposto à corrupção reinante no

aparelho judicial do Estado:

“Senhor Doutor: muito bem-vinda seja A essa mofina, e mísera cidade Sua justiça agora, e eqüidade,

E Letras, com que a todos causam inveja.

Seja muito bem-vindo: porque veja O maior desbarate, e iniqüidade,

Que se tem feito em uma, e outra idade Desde que há tribunais, e quem os reja.

Que há de suceder nestas Montanhas

Com um Ministro em Leis tão pouco visto, Como previsto em trampas, e maranhas?

É Ministro do império, mero, e misto, Tão Pilatos no corpo, e nas entranhas,

Que solta um Barrabás, e prende um Cristo”.

Desfilaram na conversa figuras como Domar Campos, Guerreiro Ramos, Ewaldo

Corrêa Lima e Jesus Soares Pereira, sem o esquecimento de Rômulo Almeida. Perguntei a Dona

Aliette, e o fiz sem reticências, qual fora o relacionamento do casal com os maranhenses da década

de 30, cujo cenário de carreira predileto foi o Rio de Janeiro.

A resposta foi objetiva. Nunca tiveram relacionamento com o poeta, novelista e

jornalista Odylo Costa, filho; consideravam-se amigos fraternos do ensaísta Antônio de Oliveira;

mantinham relacionamento cordial com o crítico Oswaldino Marques; tinham afinidades eletivas

profundas com o ensaísta Franklin de Oliveira; apostavam na quente simpatia humana do poeta

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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Manoel Caetano Bandeira de Melo; sempre condenaram as mágicas estatísticas de Jessé Montello,

flagradas por Ignacio Rangel desde o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-BNDE,

onde o habilidoso matemático não ficou; que, finalmente, ela, em particular, nunca gostara da figura

do fecundo escritor Josué Montello.

Por quê? Dona Aliette, que mencionou a recente polêmica travada entre Oswaldino

Marques e Josué Montello, nos jornais de Brasília, preferiu colocar à mesa episódio imediato, no

qual a sua filha, encontrando o romancista maranhense em uma festa, foi apresentada a Josué

Montello, que, sabendo-a filha de Ignacio Rangel, no ato, disparou:

– “Minha filha, se o seu Pai não tivesse se metido com esse negócio das esquerdas, ele poderia ter sido muita coisa neste país.”

Confessou-me Dona Aliette:

– “Não gostei.”

Dona Aliette, segura de si, garantiu-me que, da competência e da probidade do seu

marido, de boa-fé, ninguém duvidava no Brasil. Sequer os adversários ideológicos. Sentenciou

ainda que sua obra, de fôlego e duradoura, não precisa do amparo artificial e sempre transitório dos

espaços de poder, para sobreviver. Tomando a palavra, Ignacio Rangel relatou-me que remeteu

carta ao Presidente José Sarney, explicando umas coisas e sugerindo outras tantas, para a economia

do seu quatriênio administrativo, sem que recebesse resposta. Perguntou –me se eu sabia a razão da

tamanha desatenção. Disse-lhe que não. Ele prometeu publicar o documento. Palavras ao vento, eu

redefini o curso da conversa.

Chegamos ao Recife. À noite, fui buscá-los no Engenho do Meio, onde o casal estava

hospedado com um sobrinho, para que, juntos, tomássemos café em minha residência na Praia do

Setúbal. Roberto Viana esteve presente. Esse amigo fraterno felicitou Ignacio Rangel, afirmando

que o estudara em Oxford, sob elogio dos seus mestres, louvando-o pela densa originalidade do seu

pensamento. Daí a pouco, o Secretário de Governo de Joaquim Francisco de Freitas Cavalcanti

confessou, sem rebuços, que, estivera ausente, poupando o seminário de um possível espetáculo

nada construtivo, com um confronto estéril com Maria da Conceição Tavares, a qual, em Londres,

lançara um sapato no rosto de um estudante, seu amigo, que dela ousara discordar.

Os Rangéis testemunharam a favor da boa figura humana existente na economista

portuguesa. Em seguida, o prato servido foi Celso Furtado, a quem Roberto Viana considerou

melhor escritor do que economista. O velho Rangel, cauteloso, mas sincero, admitiu que muito do

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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atribuído por ele à rubrica celsiana, em termos de construção original, procede do pensamento de

Raúl Prebisch, economista da Argentina, muito prestigiado no ciclo cepalino. O mérito cerebral do

ensaísta paraibano foi, de toda maneira, resguardado.

Comentei com o pensador maranhense que Hélio Jaguaribe, em Alternativas do

Brasil, utilizou o seu esquema sobre as quatro dualidades, sonegando, entretanto, a referência

original. O economista foi lacônico:

– “Isto costuma acontecer...”

Terminado o café com muita prosa, quase madrugada, fui deixá-los, conversando da

Praia do Setúbal ao Engenho do Meio. Antes de partirem com destino a São Luís, os Rangéis,

movidos a cortesia, ligaram para agradecer, sem necessidade. Mantivemos posteriores contatos

telefônicos, com os dois já no Maranhão, no qual lhes passei endereços e tudo mais, de José Márcio

Rego, editor da Bienal.

Soube que o casal ilustre esteve com Anna Raphaela, minha filha, que entregou rosas

em nome do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, para a Dona Aliette. E mais: que Phaela a

nada faltou, do programa lítero-recreativo cumprido pelo homenageado Ignacio Rangel. De onde

Anna Raphaela ter protestado contra a decisão do pensador maranhense, comunicada à Academia

Maranhense de Letras, de escrever a sua autobiografia (o testamento pelo qual muito pelejei):

– “Não é uma boa idéia, vovô Rangel. Se tu fores escrever um livro contando a tua vida, desde ratinho até agora, vai ficar deste tamanhão. E um livrão grande assim ninguém vai ler”.

Disse-me Ignacio Rangel: estive com Anna Raphaela, tua filha, aqui em São Luís.

Ela está maravilhosa e é a inteligência em pessoa. Aliette e eu ficamos impressionados com a

extraordinária capacidade dela, que conversa como gente grande. Parabéns!

Fiquei prosa. Muito prosa. Prosa e verso, lembrando da menina que, com menos de

um ano e meio, cantava toda a música “Carinhoso”, de Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana) e de

João de Barro (Carlos Alberto Ferreira Braga):

“Meu coração, não sei por que Bate feliz quando te vê

E os meus olhos ficam sorrindo E pelas ruas vão te seguindo

Mas mesmo assim Foges de mim

Ah se tu soubesses como sou tão carinhosa

E o muito, muito que te quero

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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E como é sincero o meu amor Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem

Vem sentir o calor dos lábios meus a procura dos teus Vem matar essa paixão que me devora o coração

E só assim então serei feliz Bem feliz

Ah se tu soubesses como sou tão carinhosa

E o muito, muito que te quero E como é sincero o meu amor

Eu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vem Vem sentir o calor dos lábios meus a procura dos teus

Vem matar essa paixão que me devora o coração E só assim então serei feliz

Bem feliz”

Articulado com o economista e professor Carlos Osório, trouxe Ignacio Rangel ao

Recife, convidado pela Secretaria de Planejamento do Estado de Pernambuco, para proferir a

palestra “Privatização no Brasil: avaliação e perspectivas.” Consciente do conteúdo polêmico da

onda liberal em ascensão no mundo, Mestre Rangel, defensor de distinta privatização para a

realidade brasileira, observou-me:

– “Arranjaste-me um tema difícil. Não podia ser mais complicado!”

Fui buscá-lo no Aeroporto das Guararapes, onde estavam familiares, com destaque

para dois sobrinhos engenheiros, filhos de Sólon Sylvio e de Evandro Lucas de Mourão Rangel,

respectivamente. E também Carlos Osório. O velho Mestre dispensou o hotel, e, seguindo

recomendações de Dona Aliette, que, por exceção, o deixou viajar sozinho, ficou hospedado

comigo;

Conversamos à vontade. Percorrendo as livrarias, trocamos idéias, conferimos quem

tinha o quê, em matéria de bibliofilia, e, não satisfeitos, fomos à Livraria Brandão, conhecida como

o sebo mais careiro do mundo, onde adquirimos alguns volumes, inclusive o seu A Questão

Agrária, publicado aqui no Recife, nos antigos tempos do Instituto de Planejamento de

Pernambuco-CONDEPE, com o qual lhe presenteei.

A conferência, realizada na sede da Secretaria de Planejamento, situada no Bairro do

Recife, foi um sucesso. Concorrido e qualificado público o aguardava no recinto, enquanto Mestre

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Rangel respondia a perguntas para programa de rádio e a entrevista para a televisão, posando para

fotógrafos dos jornais recifenses.

A explanação da temática foi meridiana, facilitada pelo concurso de duplos

microfones, os quais tornaram audível aquela voz desgastada pela vida irrequieta e pelos problemas

de saúde dela decorrentes. Antecipando-a, houve emocionada saudação de Carlos Osório,

substitutiva da placa e do diploma que o atual Instituto de Planejamento de Pernambuco-

CONDEPE, não pôde conceder–lhe, por não ser da tradição do organismo homenagem desta

natureza.

Saber, lição de vida e humildade não faltaram à aula magna do conferencista,

aplaudida ao final, sobretudo quando revelou que, findo o Governo Juscelino Kubitschek, o

construtor de Brasília o convidou para um almoço reservado, indagando-lhe, em seguida, frente à

crise econômica enfrentada por Jânio Quadros:

– “Doutor Ignacio Rangel, onde foi que nós erramos? Diga –me!”

E puseram-se os dois a discutir e rediscutir a economia brasileira.

Crítico da privatização patrocinada pelo Governo Fernando Collor, todavia, defensor

do recurso em si mesmo, com diversa óptica, Mestre Rangel não aprofundou a sua discordância,

como gostaria, muito embora eu o deixasse à vontade, por minha causa. Sabendo-me Assessor

Especial do Governador Joaquim Francisco de Freitas Cavalcante, e havendo tomado conhecimento

de processo pernambucano de privatização, similar ao do Governo Federal, mas temendo, de

maneira generosa, por minha posição, ficou com algumas reservas mentais, só depois, em círculo

restrito, confessadas.

Retruquei-o, ponderando ser do conhecimento do Senhor Governador a minha

fidelidade às causas do humanismo, da democracia e do progresso social, não devendo ambos, ele e

eu, explicações menores ao entorno conservador do bloco de poder pernambucano.

À noite fomos em companhia de um grupo seleto para um restaurante de massas. Na

tratoria, chopes e uísques antecederam os pratos principais. Mestre Rangel, livre da cuidadosa

vigilância de Dona Aliette, navegou em céu de brigadeiro, comendo de tudo um pouco. Na saída, os

seus sobrinhos recomendaram-no a mim:

– “Todo cuidado é pouco, Rossini. Ele é o patrimônio da nossa família.”

E assim foi feito. Nada obstante, na manhã seguinte, bastante cedo, o grande

economista estava lívido, e, com a palidez da angústia, prontamente sugeriu:

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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– “Vamos telefonar para Carlos Osório. Considero melhor cancelar o compromisso de logo mais na Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, pois o meu estado de saúde não me permitiu dormir e não me deixará trocar idéias”.

Convidei-o para uma caminhada quase à beira do mar de Nossa Senhora da Piedade.

Quando do retorno, a aerofogia estava vencida. Ao término do café, havendo chegado a boa figura

humana que é Carlos Osório, dialogamos um pouco, quase um vintém de prosa, e rumamos para o

Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, onde a elite do

professorado aguardava o economista maranhense.

Foi uma manhã iluminada. Ignacio Rangel revelou a razão por que ficou conhecido

como o Mestre dos Mestres. Do quadro teórico à formação social, e, nesta, da estrutura à

conjuntura, o pensador maranhense, com o fio de espada da dialética, esclareceu fundamentos e

circunstâncias, limites e possibilidades, desvãos e perspectivas. E sustentou o debate: respondeu a

inquéritos e alimentou polêmicas. De tudo, ficou a sensação de que ali houve uma festa do espírito.

Quando quase todos já tinham partido, escutei-o mergulhado nas águas profundas do

passado, a revelar a conexão íntima do homem com o mistério. Estava Ignacio Rangel em Barra do

Corda, em 1º de janeiro de 1930, com o pai e seu irmão caçula, nascido em 14 de abril de 1928. Era

Dirceu Carmelo de Mourão Rangel, portanto, infante ainda, voltando do banho de rio e chegando

em casa para o descanso comum. Fechada a porta da frente, não perceberam os dois que o menino

escapuliu pela saída dos fundos, ao encontro repentino do rio e da morte. O retorno do restante da

família foi para o sepultamento de Dirceu Carmelo, a criança desventurada. E ficaram ambos, o pai

e ele, carregando na alma o mortal sentimento de culpa. O pai, retirando dele o peso do cadáver,

chamando para si a responsabilidade pela tragédia; e ele, desculpando o pai e sentindo-se, ainda ali,

o responsável pela frustração de todo um projeto existencial. Vi-o lívido e compreendi o sentido

trágico da vida, pois um morto, já volátil, nunca pára de pesar e constitui uma dor eterna.

Desde Barra do Corda que o Juiz de Direito Mourão Rangel lutara, segundo o seu

filho, a favor da Revolução de 30, pregando-a em campanha jornalística e defendendo-a de armas

em punho, como comandante de um destacamento cívico favorável à sua vigorosa sustentação. A

chegada do 3 de outubro, porém, significou a surpreendente colocação, naquele vendaval de

estremecimentos, do magistrado revolucionário em disponibilidade. Estudante de Medicina no Rio

de Janeiro, Ignacio Rangel retornou a São Luís, retirando da família o gravame de ter de sustentá-lo

na antiga Capital Federal. Em viagem de navio para o Maranhão, recebeu proposta de uma rica

senhora, sua conterrânea, muito direta e objetiva:

– “Case-se com a minha filha e diga-me onde quer concluir os estudos de Medicina, se em Paris; em Londres ou em Nova York.”

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Resistindo ao pai, que desejava vê-lo matriculado na Faculdade de Direito do

Maranhão, o jovem Rangel foi estudar Agronomia, em tentativa de curso improvisada no

Maranhão. Nada obstante, o jurista Mourão Rangel o admoestou:

– “Tu criticas os professores da Faculdade de Direito, com o seu saber velho e desatualizado. Não poderás negar, porém, que estes mestres conhecem em profundidade a fundo a sua ciência. Quanto aos professores da Faculdade de Agronomia, logo vais descobrir que conheces mais Agronomia do que eles têm para te ensinar.”

Realizado o vaticínio paterno, o jovem Rangel foi para a Faculdade de Direito,

começada no Maranhão - para alegria de Dr. Mourão Rangel, bem como de sua esposa Maria do

Carmo - concluída no Rio de Janeiro, entre faltas e segundas chamadas, sob a determinação de sua

esposa, Dona Aliette Martins Rangel, que é mais do que a sombra protetora, por ser presença

explícita em sua laboriosa vida de economista original, com desenvolvidos senso de lógica jurídica

e gosto pela Filosofia do Direito.

Na antiga Capital Federal, de que o velho Rangel tornar-se-ia ainda Cidadão

Honorário – o bacharel noviço, que aos quinze anos passava a limpo, em máquina de escrever, as

sentenças do pai magistrado, aprendendo pavloveanamente a fumar datilografando, a datilografar

fumando, não experimentou nenhuma dedicação exclusiva às atividades jurídicas. Não se fizera o

médico do seu desejo primeiro e não fora o engenheiro do sonho materno básico. O interesse

agronômico, fruto de acidente de percurso, passara, como passariam, de resto, o cigarro e a máquina

de escrever. Por recomendação médica, escrita, só à mão.

A tradução e a política estavam no caminho profissional do jovem Rangel, que

preparava o seu terremoto clandestino, aplicando-se em Economia e buscando conhecer, histórica e

sociologicamente, o Brasil. Militante do Partido Comunista do Brasil-PCB, à força pessoal,

exigente e discrepante de pensar com as próprias idéias, por reclamar, primeiro, tê-las e segundo,

manejá-las, Ignacio Rangel apresentou tese sobre a questão agrária, em congresso de sua

agremiação política, despertando a atenção de Luiz Carlos Prestes, que solicitou ao polêmico

camarada:

– “Professor Ignacio Rangel, não deixe este congresso sem conversar comigo, pois tenho particular interesse em debater as idéias ora apresentadas”.

Aceita a sedutora provocação, esbarrando no círculo de ferro de Diógenes de Arruda

Câmara e sequazes, os quais cercavam o Cavaleiro da Esperança, isolando-o de todos, o pensador

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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maranhense procurou seguidamente, sempre em vão, Luiz Carlos Prestes. Até que escutou a

negativa raivosa e autoritária do pernambucano Arruda Câmara:

– “Camarada Rangel, para as nossas necessidades teóricas, o Comandante Prestes nos basta!”

Ignacio Rangel, defendendo o direito de pensar, rompeu com o Partido Comunista do

Brasil-PCB. E partiu, sem que tivesse acesso a Luiz Carlos Prestes, o qual tinha manifestado

indisfarçável interesse em conhecer os fundamentos da tese crítica sobre a questão agrária

brasileira, construída sob a perspectiva singular do jovem militante, que argüira os dois grandes

equívocos de 1935. Eram: um, internacional, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas-URSS,

de que se estava em perante a crise geral do capitalismo, a qual o sepultaria, eterna e

definitivamente, para a história; e o outro, nacional, de que o processo de industrialização brasileira

só seria possível, se e somente, se aqui houvesse, como produto acabado, uma reforma agrária que o

sustentasse.

Na semana seguinte ao seu rompimento com o Partido Comunista do Brasil-PCB, em

evidente sinal de que os seus caminhos políticos tinham vigilantes seguidores, recebeu Ignacio

Rangel o convite para integrar a Assessoria Econômica do Presidente da República, Marechal

Eurico Gaspar Dutra. Convite feito, convite aceito? Não. Convite recusado. Defendendo-se pela

razão e pelo equilíbrio, o economista em ascensão não foi presa fácil do chamamento técnico do

bloco de poder estabelecido, que poderia querê-lo como troféu da Guerra Fria, já desembarcada no

Brasil, e sequer permitiu que o segmento político que o abrigara pudesse tê-lo como um agente

trêfego, mudando de visão de mundo a troco de tudo e a troco de nada. Depois de muita

ponderação, a Assessoria Econômica do Presidente da República foi aceita, já vigente a segunda

Era Vargas, distanciada das práticas policialescas do Estado Novo, reinantes desde 10 de novembro

de 1937. Frente a frente, argumentou o Presidente Vargas:

– “Dr. Rangel, eu conheço o seu curriculum. Eu preciso de homens que tenham coragem de dizer que eu estou errado”.

Este universo, chamado Ignacio de Mourão Rangel, é o homem em estado de

ebulição. Avançar, avançar e avançar são os seus três propósitos na vida. Esteve aqui ainda

agorinha, folheando com prazer o seu texto da década de 50, para o encontro de Garanhuns, e

plantando confidências no chão de nosso convívio:

– “Quem, a meu ver, não avançou nada, foi Hélio Jaguaribe”.

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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Estava aqui e viajou para São Luís do Maranhão, onde o aguardava a solenidade de

posse na Academia Maranhense de Letras, em sucessão ao historiador teatral e defensor do

patrimônio histórico e artístico brasileiro, José Jansen. Despachei o seguinte telegrama para o

acadêmico Ignacio Rangel:

– “Afazeres extraordinários relacionados viagem, Governador a Portugal, impedem-me comparecer grande festa inteligência maranhense. Em espírito, estou presente na sua posse Casa Antônio Lobo, justíssimo reconhecimento a quem projetou o Maranhão no Brasil. Seu de sempre, JOSÉ ROSSINI CAMPOS DO COUTO CORRÊA”.

Uma semana passada, estávamos juntos, Ignacio Rangel, Maureli Costa, Pedro

Braga, Raimundo Palhano e eu, lançando no Maranhão, no auditório do Serviço da Imprensa e

Obras Gráficas do Estado - SIOGE, o livro Um Fio de Prosa Autobiográfica com Ignacio

Rangel, ensejo em que aquela pesquisadora e socióloga autografou a pioneira e premiada

monografia, intitulada A Marcha dos Revoltosos (Passagem da Coluna Prestes pelo Maranhão),

bafejada pelas citações de Anita Leocádia Prestes, em ensaio também laureado, de revisão histórica

do significado da Coluna Prestes para o Brasil.

Despedimos-nos. Por ora são cartas, telefonemas, projetos e saudades de Ignacio

Rangel, que será para sempre uma presença pulsante e ardente na lembrança dos que tiveram, como

eu, o privilégio do seu confiante convívio, ora breve e fragmentariamente retratado, sob o clarão

que irradia: relâmpago, vulcão, fogueira, aurora, luz do sol ao meio dia, ao som do mar e sob o céu

profundo. Sempre fulgurante. Sempre esplendente. Ponto.

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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PERFIL DE IGNACIO RANGEL

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Coleção Ignacio Rangel A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL

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PERFIL DE IGNACIO RANGEL

Ignacio Rangel no Maranhão, quando da entrevista para o volume 1 da coleção criada em sua homenagem

Ignacio de Mourão Rangel nasceu a 20 de fevereiro de 1914, em Mirador, no

Maranhão e faleceu em 04 de março de 1994, no Rio de Janeiro.

Nos anos 30 faz breves incursões nas faculdades de Medicina, no Rio de Janeiro e

Agronomia, na capital do Maranhão. Cursou Direito na Faculdade de São Luís, concluído no Rio de

Janeiro. De forma autodidata, estuda, com rigor, História e Economia. Participa em Santiago, Chile,

dos primeiros cursos de formação de técnico em desenvolvimento econômico, organizado pela

Comissão Econômica para a América Latina-CEPAL. Desde meados dos anos 60 ministrou cursos

em várias faculdades e Universidades do país.

Atuou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-BNDE, hoje BNDES, na

Comissão Econômica para a América Latina-CEPAL, no Instituto Superior de Estudos Brasileiros-

ISEB, no Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política-IBESP, nas Assessorias de Vargas

e Goulart, no Plano de Metas de Juscelino, no Clube dos Economistas, no Conselho Regional de

Economia do Rio de Janeiro, no Instituto de Economistas do Rio de Janeiro-IERJ e por último na

Academia Maranhense de Letras.

Foi colaborador regular do jornal Folha de São Paulo, dentre outros.

Entre suas principais publicações estão: A Dualidade Básica da Economia Brasileira

(ISEB, 1957); El Desarollo Economico en Brasil (CEPAL, 1954); Introdução ao Estudo de

Desenvolvimento Econômico Brasileiro (Livraria Progresso de Salvador-BA,1957);

Desenvolvimento e Projeto (BNDE, 1957); Elementos de Economia do projetamento (UFBA,

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A SINGULARIDADE DO PENSAMENTO DE IGNACIO RANGEL Coleção Ignacio Rangel

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1959); Visão do Desenvolvimento e da Economia Brasileira: Programa e Política – O Programa de

Metas Econômicas do Governo (BNDE, 1959); Recursos Ociosos na Economia Nacional (ISEB,

1960); Apontamento para o Segundo Plano de Metas (CONDEPE, 1961); A Questão Agrária

Brasileira (Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República, 1961); A Inflação

Brasileira (Tempo Brasileiro, 1963); Recursos Ociosos e Política Econômica (HICITEC, 1979);

Ciclo, Tecnologia e Crescimento (Civilização, 1982); Economia: Milagre e Anti-Milagre (Zahar,

1985); Economia Brasileira Contemporânea (Editora Bienal, 1987).

Possui trabalhos publicados em periódicos como Digesto Econômico, Cadernos do

Nosso Tempo, Desenvolvimento e Conjuntura, Revista do BNDE, Revista da Civilização Brasileira,

Estudos CEBRAP, Revista Agrária, Ensaios FEE e Revista de Economia Política, e contribuição

em coletâneas organizadas pelo ISEB, a UFMG, a Editora dos Encontros com a Civilização

Brasileira e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Recentemente a Editora Contraponto publicou Obras Reunidas de Ignacio Rangel

em dois volumes, coligindo boa parte da sua produção intelectual, cuja proficuidade de trabalhos

esparsos e ainda inéditos já demanda um terceiro volume.

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