A SOCIEDADE CONTRA O ESTADO PIERRE CLASTRES
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UFBA- Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Direito
Discente: Jéssica Alves de Carvalho
Docente: Sara da Nova Quadros Côrtes
Disciplina: História do Direito
Data de Entrega: 04 de novembro de 2010
Bibliografia: CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Editora Cosac Fairy
Resenha do Texto “A sociedade contra o Estado”, de Pierre Clastres
Pierre Clastres, grande antropólogo francês, inicia o texto “A sociedade contra o
Estado” afirmando a existência de sociedades que, até os dias atuais, conseguiram subsistir
sem a presença da figura do Estado. Devido a essa “falta”, deu-se espaço para uma visão
evolucionista e etnocêntrica, em que a sociedade humana teria se desenvolvido em estágios
sucessivos e obrigatórios, seguindo uma trajetória unilinear e ascendente. Essa visão
apregoava o primitivismo das sociedades não-estatais, como se estas estivessem em um
patamar de evolução anterior e com o decorrer dos tempos, elas iriam alcançar a
“civilização”, saindo de uma situação de promiscuidade e desestruturação social para atingir
um nível de organização, que só viria ocorrer, a partir do momento em que a figura estatal
aparecesse.
Esse discurso evolucionista serviu para legitimar a dominação, durante o período do
Colonialismo, das sociedades européias sobre as comunidades primitivas, ditas, “pouco
desenvolvidas”, cujo objetivo maior com essa prática seria levar a civilização e a salvação
para tais povos.
Vale ressaltar que a expressão própria da Antropologia para designar este esquema de
evolução da História é denominada “História Teórica ou Conjectural”, a qual, como já fora
dito anteriormente, todos os povos passariam pelo mesmo caminho em etapas uniformes, em
um contínuo avanço para a “perfeição”, ainda que uns atravessassem essas etapas mais
vagarosamente que outros.
A crítica ao etnocentrismo e ao evolucionismo fica bem clara quando Pierre Clastres
demonstra a inexistência de hierarquia entre as técnicas utilizadas por diferentes povos, já que
cada um desenvolve seus equipamentos de acordo com as necessidades que lhe são exigidas,
ou seja, conforme as demandas do meio e as particularidades de cada sociedade. E, nesse
aspecto, as sociedades denominadas “primitivas” não apresentaram nenhuma incapacidade
tecnológica para suprirem tais necessidades, não podendo ser feita uma comparação, muito
menos uma hierarquização entre os avanços técnicos obtidos, por exemplo, pela Revolução
Industrial e pelos instrumentos utilizados por sociedades selvagens (escusando-se, nesta
colocação, o sentido pejorativo do termo), já que cada qual se encontrava em realidades
totalmente díspares, necessitando, assim, de equipamentos variados.
Há um trecho do texto em que Clastres explicita como as sociedades culturalmente
distintas das que seguiam o modelo europeu de organização eram analisadas como se
houvesse alguma deficiência em sua estrutura: “as sociedades arcaicas são determinadas de
maneira negativa, sob o critério de falta: sociedades sem Estado, sociedades sem escrita,
sociedades sem história.” (CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, pág.: 133) Sob
essa perspectiva, ele fala sobre o fato de muitas sociedades possuírem uma economia de
subsistência, em que não havia excedentes de produção, impossibilitando, assim, a existência
de trocas comerciais, de mercado. Contudo, Clastres afirma que a economia de subsistência
não nos deve remeter à idéia de miserabilidade ou de incapacidade produtiva e, sim, à vontade
de restringir a atividade agrícola para a satisfação das demandas da população. Para
corroborar tal argumento, o autor ainda satiriza a questão de os indígenas passarem momentos
de ociosidade durante muitas horas do seu dia, demonstrando que tempo lhes sobrava, caso
eles quisessem aumentar sua produção.
“Quando, na sociedade primitiva, o econômico se deixa identificar como campo
autônomo e definido, quando a atividade de produção se transforma em trabalho alienado,
contabilizado e imposto por aqueles que vão tirar proveito dos frutos desse trabalho, é sinal de
que a sociedade não é mais primitiva, tornou-se uma sociedade dividida em dominantes e
dominados, em senhores e súditos, parou de exorcizar aquilo que está destinado a matá-la: o
poder e o respeito ao poder.” (CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, pág.: 138) A
partir desse trecho, pode-se perceber que quando as sociedades primitivas, que primavam pelo
seu tempo de desocupação e ociosidade, passam a ser coagidas pelo “poder político”, estas
não mais produzem para satisfazer suas necessidades próprias, mas sim para acumularem
excedentes, a fim de se realizarem trocas comerciais. Deste modo, nota-se a ascensão de
grupos dominadores que monopolizam o poder e a submissão de grupos mais fracos,
esfacelando-se, assim, o sistema comunitário que se havia anteriormente.
Para Clastres, a marca que diferencia os dois tipos de sociedade é a presença ou
ausência da figura estatal, podendo subdividir-se, então, em sociedades primitivas ou sem
Estado; e sociedades com Estado.
O aparecimento do Estado é que se constitui como a verdadeira revolução na História
da humanidade, e não a revolução neolítica (em que o homem deixou de ser nômade para
fixar-se em um único local, deixou de ser caçador e coletor para ser agricultor e houve uma
dispersão demográfica), já que esta, de acordo com Pierre Clastres, não levou a uma grande
mudança na natureza da antiga organização social. Esse pensamento é ratificado pelo trecho:
“Somente uma convulsão estrutural, abissal, pode transformar, destruindo-a como tal, a
sociedade primitiva: aquilo que faz surgir em seu seio, ou do exterior, aquilo cuja ausência
mesma define essa sociedade, a autoridade da hierarquia, a relação de poder, a dominação dos
homens, o Estado.” (CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, pág.: 141)
Para Clastres, a modificação das relações de produção levaria por si só à instauração
de um órgão competente para exercer o poder, pois, uma vez instaurado o modelo mercantil
como forma de economia, haveria o surgimento de classes dominadoras e dominadas, o que,
consecutivamente, também causaria o aparecimento do Estado. Comprova-se tal afirmação a
partir do trecho: “Para que haja o aparecimento do Estado, é necessário, pois, que exista antes
a divisão da sociedade em classes sociais antagônicas, ligadas entre si por relação de
exploração.” (CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, pág.: 142)
É importante dizer que as tribos primitivas se constituíam como verdadeiras
“sociedades contra o Estado”, porque elas possuíam mecanismos culturais que evitavam o
surgimento de figuras de comando. Desta maneira, elas não “evoluiriam” para a estatização
porque a sua dinâmica cultural buscava impedir a formação de um grupo de uma classe
dominante e outra submissa.
Entretanto, não se pode afirmar que não havia a figura do chefe nas sociedades tribais.
Muito pelo contrário, os chefes estavam presentes nas comunidades primitivas, só que a eles
não era conferido poder algum, a sua palavra não tinha “força de lei”. Esses chefes não
detinham meios de coerção algum, podendo-se afirmar então que não era da chefia primitiva
que se pôde deduzir o aparelho estatal em geral.
Clastres mostra que aos chefes era atribuída a função de resolver os litígios que
poderiam surgir entre os indivíduos ou entre as famílias das comunidades.
E como os chefes eram escolhidos? Eles eram designados por conta da suas
habilidades, como oratória, suas qualidades como caçadores e guerreiros, ou seja, por sua
superioridade técnica e não pela sua superioridade política, estando o chefe a serviço da
sociedade. Caso o chefe tente ganhar poder, a própria comunidade o reprime, para proteger-se
de possível surgimento do Estado.
A partir da análise feita do texto de Pierre Clastres, conclui-se que, apesar de o
discurso etnocêntrico europeu ser o mais difundido, a presença do Estado trouxe consigo
muitos malefícios também para a vida em comunidade, já que havendo a existência da figura
do Estado, pressupõe-se que exista relação de dominação social entre grupos humanos, o que
pode gerar exploração, miséria e, consequentemente, a luta de classes. Pode-se afirmar, deste
modo, que as sociedades primitivas mantinham maior qualidade de vida para os seus
componentes (que tinham todas as suas necessidades fundamentais sanadas, valorizando a
igualdade entre os indivíduos) que as sociedades estatizadas.
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