A Sociedade Líquida

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    A Sociedade Líquida

    Zygmunt Bauman

    “É nesse sentido que pós-modernidade é, para mim, modernidade semilusões !i"erentemente da sociedade moderna anterior, a que eu c#amo demodernidade sólida, que tam$ém esta%a sempre a desmontar a realidade#erdada, a de agora n&o o "a' com uma perspecti%a de longa dura(&o, coma inten(&o de torn)-la mel#or e no%amente sólida *udo est) agora semprea ser permanentemente desmontado, mas sem perspecti%a de nen#umaperman+ncia *udo é tempor)rio É por isso que sugeri a met)"ora daliquide' para caracteri'ar o estado da sociedade moderna, que, como oslíquidos, se caracteri'a por uma incapacidade de manter a "orma ossasinstitui(ões, quadros de re"er+ncia, estilos de %ida, cren(as e con%ic(ões

    mudam antes que ten#am tempo de se solidi.car em costumes, #)$itos e%erdades auto-e%identes É %erdade que a %ida moderna "oi desde o iníciodesenrai'adora e derretia os sólidos e pro"ana%a os sagrados, como os

     /o%ens 0ar1 e 2ngels notaram 0as, enquanto no passado isso se "a'ia paraser no%amente reenrai'ado, agora as coisas todas - empregos,relacionamentos, 3no4-#o4s etc- tendem a permanecer em 5u1o, %ol)teis,desreguladas, 5e1í%eis6

    “a época da modernidade sólida, quem entrasse como aprendi' nas")$ricas da 7enault ou 8ord iria com toda pro$a$ilidade ter ali uma longa

    carreira e se aposentar após 9: ou 9; anos 2 isso "a' uma di"eren(a incrí%el emtodos os aspectos da %ida #umana6

    “2m Liquid Love ?Amor Líquido@, eu e1ploro o impacto dessa situa(&o nasrela(ões #umanas, quando o indi%íduo se %+ diante de um dilema terrí%elde um lado, ele precisa dos outros como do ar que respira, mas, ao mesmotempo, ele tem medo de desen%ol%er relacionamentos mais pro"undos, queo imo$ili'em num mundo em permanente mo%imento6

    “ma das características do que eu c#amo de modernidade sólida é a deque as maiores amea(as para a e1ist+ncia #umana eram muito mais ó$%iasCs perigos eram reais, palp)%eis e n&o #a%ia muito mistério so$re o que"a'er para neutrali')-los ou, ao menos, ali%i)-los 2ra, por e1emplo, ó$%ioque alimento -e só alimento- era o remédio para a "ome Cs riscos de #o/es&o de outra ordem, n&o se podendo sentir ou tocar em muitos deles,apesar de estarmos todos e1postos, em algum grau, a suas conseqD+ncias&o podemos, por e1emplo, c#eirar, ou%ir, %er ou tocar as condi(õesclim)ticas que gradati%amente, mas sem trégua, est&o se deteriorando Cmesmo acontece com os ní%eis de radia(&o e polui(&o, a diminui(&o das

    matérias-primas e "ontes de energia n&o-reno%)%eis e os processos deglo$ali'a(&o sem controle político ou ético que solapam as $ases de nossa

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    e1ist+ncia e so$recarregam a %ida dos indi%íduos com um grau de incerte'ae ansiedade sem precedentes É nesse ponto que a sociologia tem um papelimportante a desempen#ar6

    “!i"erentemente dos perigos antigos, os riscos que en%ol%em a condi(&o

    #umana no mundo das depend+ncias glo$ais podem n&o só dei1ar de sernotados, mas tam$ém minimi'ados, mesmo quando notados !o mesmomodo, as a(ões necess)rias para e1terminar ou limitar os riscos podem serdes%iadas das %erdadeiras "ontes do perigo e canali'adas para al%oserrados Euando a comple1idade da situa(&o é descartada, .ca ")cil apontarpara aquilo que est) mais F m&o como sendo causa das incerte'as eansiedades modernas6

    “Ge/a, por e1emplo, o caso das mani"esta(ões contra imigrantes queocorrem pela 2uropa Gistos como o inimigo pró1imo, eles s&o apontadoscomo os culpados pelas "rustra(ões da sociedade, como aqueles que põemo$st)culo aos pro/etos de %ida dos demais cidad&os A no(&o de solicitantede asilo adquire, nesse quadro, uma conota(&o negati%a, ao mesmo tempoem que as leis que regem a imigra(&o e naturali'a(&o se tornam maisrestriti%as, e a promessa de constru(&o de centros de deten(&o paraestrangeiros con"ere %antagens eleitorais a plata"ormas políticas6

    “Hara con"rontar sua condi(&o e1istencial e en"rentar seus desa.os, a#umanidade precisa se colocar acima dos dados da e1peri+ncia a que temacesso enquanto indi%íduos Cu se/a, a percep(&o indi%idual, para serampliada, necessita da assist+ncia de intérpretes munidos com dados n&o

    amplamente disponí%eis F e1peri+ncia indi%idual 2 a sociologia, enquantoparte integrante desse processo interpretati%o -um processo em andamentoe permanentemente inconclusi%o-, constitui um empen#o constante paraampliar os #ori'ontes cogniti%os dos indi%íduos e uma %o' potencialmentepoderosa nesse di)logo sem .m com a condi(&o #umana6

    Em muitas partes de sua obra o senhor soa nostálgico, às vezes até mesmo

    do que chama de “modernidade sólida", quando a humanidade

    aparentemente era menos ansiosa e tinha uma vida mais estável e segura.

    oncorda com essa interpreta!o#

    “2u n&o diria isso &o acredito que #a/a um progresso linear no que di'respeito F "elicidade #umana Hodemos di'er que, como um p+ndulo, nosmo%emos de tempos mais "eli'es para tempos menos "eli'es e de menos"eli'es para mais "eli'es

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    destruir a criati%idade #umana, as #a$ilidades #umanas, mas construía a%ida #umana, que podia ser plane/ada *anto os tra$al#adores como osdonos de ")$rica sa$iam muito $em que eles iriam se encontrar no%amenteaman#&, depois de aman#&, no ano seguinte, pois os dois lados dependiamum do outro Bem, nada disso e1iste #o/e !i.cilmente um outro tipo de

    stalinismo %oltar), e o pesadelo de #o/e n&o é mais a $ota dos soldadosesmagando as "aces #umanas *emos outros pesadelos C c#&o onde pisopode, de repente, se a$rir como num terremoto, sem que #a/a nada no queme segurar A maioria das pessoas n&o pode plane/ar seu "uturo por muitotempo adiante Cs acad+micos s&o ainda umas das poucas pessoas que t+messa possi$ilidade a maioria dos empregos podemos ser demitidos semuma pala%ra de alerta Goc+ c#ama isso de nostalgiaJ &o sei

    A quest&o é que, como /) disse antes, apro1imando-me dos meus K: anos,n&o mais acredito que possa e1istir algo como uma sociedade per"eita A

    %ida é como um len(ol muito curto quando se co$re o nari', os pés .cam"rios, e, quando se co$rem os pés, o nari' .ca gelado 0as insisto em que asociedade que o$sessi%amente se %+ como n&o sendo su.cientemente $oaé a nica de.ni(&o que posso dar de uma $oa sociedade6

    0aria Lcia =arcia Hallares-Bur3e é pro"essora aposentada da SH e pesquisadora associadado

    Mentro de 2studos Latino-Americanos da ni%ersidade de Mam$ridge N7eino nidoO É autorade As 0uitas

    8aces da