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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI
24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
A subjetividade do fotojornalismo esportivo na cobertura do Campeonato
Paranaense de Futebol1
The subjectivity of sports photojournalism on the coverage of the State Soccer
Championship
Vivian Honorato
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Lauriano Benazzi3
Resumo: A subjetividade é um dos elementos que envolvem o fotojornalismo, da pauta
à edição. Considerando o poder da imagem e suas atribuições jornalísticas, o trabalho
parte de elementos teóricos e históricos da atividade e analisa as fotografias publicadas
pelos jornais Folha de Londrina e Gazeta do Povo oriundas do confronto que as equipes
do Londrina Esporte Clube e do Coritiba Futebol Clube fizeram na final do primeiro
turno do Campeonato Paranaense 20134, embate sucessivamente envolto em polêmicas
extra-campo, que tem como pano de fundo a rivalidade entre suas cidades e torcidas. A
análise da cobertura das duas publicações busca aferir se as opções decorrentes do
processo de edição são voltadas para os anseios de seus leitores-torcedores, bem como
sua relação com as teorias do espetáculo.
Palavras-chave: fotojornalismo; jornalismo esportivo; hiperespetáculo; edição
jornalística.
Abstract: The subjectivity is one of the elements that involve the photojournalism,
from the agenda to the edition. Considering the power of image and its journalistic
assignments, this paper work starts from theoretical and historical elements of the
activity and analyzes the photographs published by the newspaper Folha de Londrina
and Gazeta do Povo from the confrontation that the teams of Londrina Esporte Clube
and Coritiba Futebol Clube had at the end of the first round of the 2013 State Soccer
Championship, match successively wrapped in extra-field controversies, which has as
backdrop the rivalry between their cities and crowd. The analysis of the coverage of the
two publications seeks to gauge if the options arising from the editing process are
focused to the desires of their readers, fans, as well as its relation to theories of the
spectacle.
Keywords: photojournalism; sports journalism; hyper spectacle; journalistic editing.
1 Trabalho apresentado no GT 7- Fotografia, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e
Imagem – ENCOI. 2 Especialista em Fotografia - Práxis e Discurso Fotográfico pela Universidade Estadual de Londrina
(UEL). E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Fotografia - Práxis e Discurso Fotográfico (UEL), Mestre em Comunicação - ênfase em
Comunicação Visual (UEL) e aluno da disciplina isolada do Programa de Doutorado em Jornalismo da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. 4 A estrutura inicial do artigo, sob o título “A intencionalidade de comunicação no fotojornalismo
esportivo: análise das imagens da final do primeiro turno do Campeonato Paranaense 2013”, foi
apresentada à disciplina “O poder da imagem e seu uso pela mídia”, ministrada por Paulo Cesar Boni, do
Programa de Especialização Lato Sensu Fotografia, Práxis e Discurso Fotográfico, da UEL.
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Introdução
Em um processo de comunicação, cada indivíduo vê e percebe
diferenciadamente a realidade ao seu redor. Quando se trata do registro de eventos e
fatos, sejam cotidianos, ocasionais, previamente agendados ou de qualquer natureza, se
desdobrando em notícias, reportagens ou coberturas jornalísticas, o profissional do
jornalismo não está imune às interferências das suas experiências vividas, da bagagem
cultural, ou seja, dos valores sócio-culturais e político-ideológicos que consigo carrega,
para assim entender, interpretar e transmitir as informações que recebe.
Isso significa que cada pessoa tem uma forma única de compreender os
acontecimentos e criar suas opiniões em relação a eles. A filosofia trata tais aspectos
com a chancela da fenomonologia, que se alinha ao pensamento de Heidegger e de
outros pensadores do século XX, que cravam o rótulo da intensionalidade e o modo
individual como cada um percebe o mundo. Seu olhar sobre as coisas “é o ato pelo qual
o homem experiencia o mundo, percebendo, imaginando, julgando, amando, temendo”.
(ARANHA, 1993, p.304).
Não é diferente quando se trata da forma de captação e reprodução desse
universo. Assim como cada pessoa tem sua forma própria de enxergar esse simulacro
denominado realidade, cada profissional da comunicação tem sua forma de retratá-lo.
Para que o jornalismo tenha esta película de credibilidade nominada imparcialidade,
entram em cena alguns de seus conceitos primários, que podem ser caracterizado
através da trindade do jornalismo, “informativo”, “interpretativo” e “opinativo”.
(MELO; ASSIS, 2010).
A subjetividade do fotojornalismo
Por sua fez, o fotojornalismo é, dentre as diversas faces do chamado
quarto poder, a que mais carrega a dualidade entre informar e opinar. É nele que estão a
antiga máxima de que “uma imagem vale mais que mil palavras”, e também a célebre
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frase de Robert Capa “Se suas fotos ainda não estão boas o suficiente, é porque você
ainda não está perto o suficiente” (CAPA, 2010). O distanciamento pode ser sinônimo
da imparcialidade. No entanto, paradoxalmente, a proximidade também pode ofuscar a
objetividade, pois carrega o anseio do fotojornalista em fazer o melhor clic, somando
não apenas os elementos-chave da fotografia jornalística, com a ênfase na informação
(BENAZZI, 2010), mas carregando elementos com menor grau de imparcialidade
(BAEZA, 2001), como aponta Stefania Bril (1992) ao tratar da fotografia enquanto
gênero jornalístico do jornal Folha de S. Paulo.
“A fotografia é indisciplinada, como já tinha observado Roland Barthes: não
se deixa fechar num compartimento estanque. Incoerente, porque é arte, no
sentido mais profundo da palavra. Livre. Então, mesmo nas páginas do
jornal, cativada, encaixada dentro do texto, diagramada, às vezes cortada, a
fotografia-notícia permanece ambígua: informativa e opinativa. Objetiva, ela
não inventa nada...; subjetiva, ela seleciona, recorta, isola, integra, angula,
sublinha, apaga. Apresenta a realidade através de dois olhares: o da
objetividade e o do fotógrafo (“Ao olhar do fotógrafo é preciso acrescentar o
olhar do editor da fotografia”. (BRIL, 1992, p.112).
Com a máquina fotográfica em mãos, o fotojornalista observa o cenário
e, antes de efetuar o clic, ele precisa perceber o ambiente e rapidamente decidir o
recorte mais relevante do acontecimento. Ele pode explorar todos os ângulos,
enquadramentos e técnicas fotográficas, mas em nenhum spot é possível se eximir da
responsabilidade da escolha. Como já dito, cada indivíduo vê o mundo com seu olhar
peculiar. O fotógrafo, além de reconhecer o mundo a partir de suas próprias percepções,
também retrata o mesmo se utilizando de sua visão única.
Alguns estudos buscam apontar que a intencionalidade5 é inerente ao
fotógrafo no momento do clic. Assim, o profissional da imagem faz a escolha da
realidade que lhe convém, seja ela positiva ou negativa. Diante desta condição, muitos
são os cuidados que precisam ser tomados em relação a produção fotográfica e,
principalmente, quanto à publicação de imagens. Na tentativa de traduzir para o leitor a
5 O termo “intencionalidade” empregado por Boni (2000) não tem relação com a intencionalidade que é
estudada no campo filosófico.
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sua visão da realidade, a ética jornalística não pode ser esquecida, ou, propositalmente,
deixada de lado (BONI, 2000, p.266).
Este embate ético pode, com maior clareza, ser tratado simplesmente
como a “subjetividade do fotojornalismo”. Se um pauteiro de um jornal pedir a quatro
diferentes fotógrafos para produzirem uma imagem de cunho ilustrativo (BUITONI,
2011, p.90) com a temática “água”, para ilustrar uma reportagem sobre a falta de água
na capital paulista, dificilmente os quatro pensarão no mesmo tipo de “água”. Talvez
um deles já conceba mentalmente um copo d´água, ao passo que outro pode pensar num
chuveiro com apenas algumas gotas de água caindo. Portanto, essa subjetividade já
nasce com o pensamento do “o quê fotografar?”, ampliando-se para a interna profusão
que agrega nesse pensar alguns dos elementos mais densos do lead jornalístico: “como
deve ser a fotografia?” e o “por quê da fotografia?”.
O fluxo de produção e filtros da informação
Até a fotografia chegar aos olhos do leitor e se tornar uma fonte real de
informação e produtora de interpretação, existe um processo de produção jornalística
que extrapola o clic fotográfico. O assunto passa por várias mãos até chegar ao
interlocutor, desde a elaboração da pauta, em que o pauteiro faz o levantamento das
principais informações e repassa para o repórter fotográfico, passando por sua
distribuição para diferentes fotógrafos da equipe – lembrando que cada um carrega os
seus referenciais culturais, ideológicos, técnicos e estéticos. Em relação aos pauteiros, é
importante ressaltar que, em sua maioria, são profissionais do jornalismo que não tem a
práxis cotidiana do fotojornalismo.
Já o fotojornalista, com a pauta em mãos, parte em busca da imagem. Ele
é quem vai até o local do acontecimento registrar o fato, ou busca cenários que
transmitam a realidade da informação em questão. Além destas peculiaridades, muitas
vezes a pauta não oferece opções ou boas condições de fotografia, o que se torna um
limitador no trabalho do fotógrafo. De volta à redação, outro aspecto é a escolha prévia
das fotografias que ira “descarregar” nos computadores da redação do jornal.
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Cabe então ao editor de fotografias a escolha das cenas mais relevantes
para serem publicadas, com a distinção em imagens para a capa e imagens para a
reportagem (nas páginas internas do jornal). Não é incomum a melhor das fotografias
ser reservada para a primeira página do veículo, mas por razões extras, considerando as
opções que o editor de capa tem, entre outros critérios de noticiabilidade, a melhor
imagem simplesmente não ser publicada. No momento dessas escolhas, o editor de
fotografias analisa aspectos que vão da estética, como o formato (horizontal ou vertical)
e o plano (aberto e fechado), ao grau de informação, considerando os personagens
presentes, o grau de detalhamento e o fato em si e questões auto-explicativas, como a
presença de elementos do lead na imagem (BENAZZI, 2010). É aí que entram a linha
editorial do veículo e, em determinados casos, o interesse por trás da notícia, como será
exposto na análise e conclusão deste artigo.
Com isso, a etapa de registro, do clic, é a que carrega todas as referências
culturais e jornalísticas, as visões informativa e estética, a técnica e o domínio do
equipamento, além da ação, posicionamento espacial e dinâmica do profissional na
arena em que o fato se passa ou em que um aconteceu incidente, é, sem dúvida, a mais
importante do processo gerativo. A subjetividade que a imagem vai carregar é intrínseca
à intenção do profissional da câmera, que faz um recorte limitado da realidade. Porém,
“ao olhar do fotógrafo é preciso acrescentar o olhar do editor da fotografia” (BRIL,
1992, p.112). A decisão “do que será publicado ou não, acaba sendo a etapa mais
importante do processo” (BONI, 2000, p.280). E assim, “os editores podem tanto
escolher imagens que rompem estereótipos, padrões, rotinas e convenções” (PHELAN,
1991, apud SOUSA, 2000, p.14), quanto suas “intencionalidades” se fundirem com
questões que alimentam o agendamento da notícia (SOUZA, 2010, p.7).
O poder da imagem
A imagem criada e publicada, por sua vez, carrega não apenas seu teor
informativo, seu poder de significar e produzir opinião. Ela se torna autônoma e
independente. A imagem jamais perderá seu significado, mesmo que a leitura seja
própria de cada indivíduo e de sua época.
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“Uma imagem não é isenta de significados, tampouco é inocente, ingênua ou
neutra; ao contrário, é plena ou potencialmente impregnada de sentidos. As
imagens, independente dos suportes ou veículos em que se encontram, devem
ser tomadas, reconhecidas e entendidas como entidades autônomas, ou seja,
como presenças significantes em si mesmas. Devem ser também vistas como
manifestações capazes de produzir sentido, independente de serem apoiadas
em ditos verbais (como nas legendas), explicações ou descrições que
aparecem nos suportes impressos ou digitais, como se fossem meras
ilustrações desses textos.” (CAMARGO, 2005, p. 15).
Persichetti (2006, p.184) defende que o fotojornalismo atual perdeu sua
característica engajada e ideológica e segue uma estética do espetáculo, que busca a
supervalorização de um acontecimento em detrimento da retratação simples e real, com
aproximação do jornalismo com a estética publicitária ou cinematográfica, como
também apontam Baeza (2001), Buitoni (2011, p.90) e Benazzi (2010b), retomando seu
aspecto meramente ilustrativo, como as fotografias do início da imprensa (SOUSA,
2000). Em contraste com esse artificialismo que visa tornar as páginas das publicações
noticiosas mais atraentes, está o sensacionalismo, que “utiliza todos os recursos da
linguagem disponíveis para a fusão do público com a história relatada” (ANGRIMANI,
1995, p.108), nuance que pode ser associada ao hiper-espetáculo. Para Juremir Machado
da Silva, que se apóia na Tese 4 de Guy Debord, “o espetáculo era um dispositivo de
controle por meio da sedução”. Já esse “simulacro” do real que, em alguns casos, é
apresentado pelas páginas dos jornais, não se trata apenas um conjunto de imagens “mas
uma relação social entre pessoas mediada por imagens” (SILVA, 2007).
Unindo a ideia de poder de comunicação da imagem e sua
espetacularização, o muro analítico que se tem à frente esta nas imagens chocantes (ou
espetaculares), que é um dos vértices que move a produção fotográfica contemporânea.
Em capítulo sobre essas influências fenomenológicas, ligadas aos simulacros
professados por Baudrillard passando pela pós-modernidade de Lipovetsky e pela
sociedade do espetáculo de Debord, e chegando aos bukers de Eugênio Trivinho e ao
hiperespetáculo de Juremir Machado da Silva, na dissertação Fotojornalismo:
taxonomias e classificação de imagens jornalísticas, são analisados os reflexos desse
novo jornalismo na sociedade.
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Essa espetacularização, ao mesmo tempo em que gera um consumo
desenfreado de imagens, até mesmo em razão da hiperexposição ao seu
poder, potencializa a influência sobre o homem. É um ciclo vicioso, efeito
dominó ao qual o indivíduo está atado. (BENAZZI, 2010b, p.6)
Seja na fotografia de cunho social, nas páginas de política ou policial, a
ênfase espetacular e sensacional que visa aproximar o leitor – seja veladamente, de
forma invisível ou latente –, é um agente participante desse processo e esta presente em
todas as frações do jornalismo impresso diário. Também está presente nas fotografias
voltadas ao jornalismo esportivo, que carregam consigo a emoção presente no fanatismo
e quase religião de legiões de torcedores.
Jornalismo esportivo e a fotografia
Em Fotojornalismo em assessoria de imprensa: o instante decisivo a
serviço da plasticidade do movimento nos esportes (HONORATO, 2011), realizou-se
um levantamento histórico sobre a cobertura jornalística esportiva no Brasil, que
ganhou destaque principalmente através do futebol. Foi na época do “futebol arte”, de
jogadores como Pelé e Garrincha, da poesia literária de cronistas esportivos como
Nelson Rodrigues e de uma Seleção Brasileira de Futebol quase que imbatível, que a
magia desse esporte bretão se disseminou. E com o passar do tempo, o jornalismo se
apropriou das mais diversas formas de cobertura para levar ao público notícias sobre
essa paixão nacional que ajudou a consolidar.
Na primeira metade do século XX alguns veículos de comunicação
tentaram vencer o preconceito contra a dedicação de espaço ao esporte nas publicações.
Alguns mais ousados surgiram exclusivamente em função dos acontecimentos
esportivos. Em um apontamento histórico das primeiras publicações esportivas no país
verifica-se o jornal Fanfulha, que surgiu na década de 1910, e foi crucial na fundação
do Palestra Itália, que se transformou em Palmeiras anos mais tarde, seguido pelo
Jornal dos Sports, na década de 1930, e a Revista do Esporte, entre o final dos anos 50 e
início dos anos 60.
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A revista Placar foi a primeira publicação esportiva impressa no Brasil
destinada apenas ao futebol, que ao contrário das críticas, resistiu as dificuldades dos
anos 60 e se tornou uma das maiores revistas esportivas em atividade no Brasil. Coelho
(2003) classifica o final da década de 1960 como o período de ascensão da imprensa
esportiva brasileira. “A partir da segunda metade dos anos 60, com cadernos esportivos
mais presentes e de maior volume, o Brasil entrou na lista dos países com imprensa
esportiva de larga extensão.” (COELHO, 2003 p.10).
A fotografia caminhou junto com o texto e passou a ocupar um volume
considerável no segmento de revista esportiva. O espaço chega a se igualar, quando não,
a superar o tamanho reservado ao texto. No esporte, o valor representativo da imagem é
sobremaneira maior que o da palavra escrita, pois a diversidade de movimentos e
emoções transmitidas pelo ficam contidas na fotografia. Até em publicações como os
jornais, onde a cultura da “foto única” se aplica, como exposto acima, vide processo de
edição, de seleção das imagens, é possível apontar que esse espectro visual ocupa
considerável espaço.
Na cobertura esportiva a imagem apresenta características típicas. A ação
é o ponto central da retratação do evento esportivo. Relembrando a definição proposta
por Henri Cartier-Bresson, o instante decisivo se dá à cena de ação, o momento chave
que resume todo o significado do acontecimento. “O tema não consiste em coletar fatos,
pois em si mesmos os fatos não oferecem interesse. O importante é escolher entre eles;
captar o fato verdadeiro em relação à realidade profunda.” (BRESSON, ano, p.20). O
esporte é sinônimo de ação constante, portanto, cheio de momentos considerados como
decisivos. Fotografar esses momentos exige atenção, esforço e sensibilidade do
fotógrafo.
Campeonato Paranaense de Futebol: regionalismo e divergências
A exemplo de outros estados ou países, no futebol paranaense existe uma
grande rivalidade entre seus participantes, com uma divisão mais acirrada entre os times
da capital, que disputam as séries A e B no cenário nacional, e os times do interior, que
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normalmente têm o campeonato estadual como principal competição da temporada.
Com 58 anos de atividade, o Londrina Esporte Clube (LEC), pode ser considerado a
principal equipe do interior do estado e teve seu período de glória no início dos anos
1980, quando conquistou, sucessivos títulos, jogando em pé de igualdade com a elite do
futebol nacional, então com estrelas como Zico, Sócrates, Emerson Leão, entre outros.
A paixão do torcedor não evitou o declínio nas décadas seguintes, com a
mescla entre desempenhos medianos no campeonato estadual com sucessivos
rebaixamentos nas divisões do campeonato nacional, até ficar de fora de vez deste e ser
rebaixamento até mesmo no futebol paranaense. Inúmeras foram as parcerias até se
chegar à gestão atual, comandada pelo empresário Sérgio Malucelli, que conseguiu
reerguer a equipe, campeã do Paraná em 2014 e com acesso à série C do Campeonato
Brasileiro em 2015.
Com a força esportiva que voltou a ser, somada a uma eficiente estratégia
de marketing, a equipe resgatou a paixão do torcedor. Não obstante, esta paixão se cruza
com os regionalismos e acirra a rivalidade com as equipes da capital Curitiba, euforia
que extrapola as arquibancadas e contamina as quatro linhas. Os confrontos entre o
Londrina Esporte Clube e o Coritiba Foot Ball Club são um exemplo disso, com
histórico de partidas polemicas. Em 2012, pelo campeonato paranaense, os dois times
protagonizaram um jogo conturbado e cheio de reclamações por parte do LEC. Já neste
ano, quando a equipe venceu o Coritiba por 2x0, em casa, num dos jogos decisivos da
primeira fase, garantindo a classificação para a etapa seguinte, houve briga entre as
torcidas no estádio local e, na volta à capital, os torcedores derrotados, fizeram um
‘arrastão”, furtando e destruindo uma conveniência em Londrina. O furor coritibano já
tinha sido demonstrado em outras ocasiões, como na destruição do estádio Couto
Pereira, quando o time foi rebaixado para a série B do Brasileiro, em 2009. Já o
Londrina, em recente disputa pela série D do mesmo campeonato, foi coadjuvante de
episódios envolvendo o rival Brasil de Pelotas. A briga extrapolou as páginas esportivas
e foi para as páginas policiais, com o goleiro da equipe gaúcha sendo detido pela
polícia, ainda no gramado, por agredir outros profissionais durante briga no campo.
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Londrina X Coritiba 2013
Para contrapor a cobertura fotojornalística, que agrega a subjetividade do
fotógrafo e processo de edição jornalística, com a euforia do torcedor (que também é o
público-alvo das publicações), associado às características da espetacularização da
notícia, o trabalho tem como recorte analítico as fotografias publicadas pelos jornais
Folha de Londrina e Gazeta do Povo, na cobertura da final do primeiro turno do
campeonato paranaense de 2013, sendo possível identificar características diferenciadas
nas duas publicações. Londrina e Coritiba se enfrentaram em um jogo disputado e cheio
de reclamações contra a arbitragem, em derby que os norte paranaenses levaram a pior.
Os jogadores do Londrina reclamaram de dois pênaltis não marcados, com o contra
coritibano do segundo lance resultando em gol da vitória do Coritiba. O triunfo
classificaria o Londrina para a fase final do campeonato e houve confusão no campo. Os
jogadores se exaltaram com o arbitro da partida e foi necessária a intervenção policial.
Um jogador do LEC foi expulso e o jogo terminou Coritiba 1x0 Londrina.
Figura 1: Página do caderno de esportes da Folha de Londrina, de 04/03/2013
Fonte: Folha de Londrina
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Muitas foram as manifestações nos dias seguintes. A diretoria do
Londrina Esporte Clube e representantes do poder público cobraram um
posicionamento da Federação Paranaense de Futebol (FPF). Em suas edições de 4 de
março de 2013, os jornais das duas cidades deram grande espaço para os fatos que
envolveram o jogo. A Folha de Londrina, em seu suplemento esportivo publicou três
páginas sobre o partida. Já a Gazeta do Povo dedicou duas páginas em seu caderno de
esportes.
Entre os apontamentos imediatos, a Folha de Londrina não escondeu sua
opinião em relação ao resultado da partida. A primeira matéria (figura 1) traz a chamada
“Na mão grande de novo”, fazendo uma alusão ao resultado do confronto no ano
anterior. A matéria afirma categoricamente que o LEC foi prejudicado pela arbitragem.
Na foto, o mascote do Londrina, um tubarão azul gigante, aparece em primeiro plano
faz um característico sinal de “roubo” com as mãos, alusão que “passaram a mão” e que
houve algum “gatuno”. Em segundo plano visivelmente alterado está o técnico da
equipe, Cláudio Tencati, imagem que traduz exatamente o teor da matéria.
A segunda matéria (figura 2), na página seguinte do jornal, é em relação
às cobranças feitas à Federação Paranaense de Futebol (FPF) e seu posicionamento
quanto a arbitragem da partida. Duas fotos foram publicadas, a primeira e maior mostra
o árbitro, Felipe Gomes, deixando o campo sob escolta policial. A segunda, menor e
colocada no intertítulo da matéria (figura 3), traz em destaque, Sérgio Malucelli, gestor
do clube, sendo contido por um policial militar enquanto protesta. A imagem deixa
claro o momento da confusão e a revolta contra a arbitragem.
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Figura 2: Página do caderno de esportes da Folha de Londrina, de 04/03/2013
Fonte: Folha de Londrina
Figura 3: Página do caderno de esportes da Folha de Londrina, de 04/03/2013
Fonte: Folha de Londrina
Na terceira, e última matéria (Figura 4), o foco foi no rendimento do
Londrina e sua continuidade no campeonato. Para ilustrar, a Folha de Londrina optou
por uma foto do jogo. A Imagem mostra o jogador Wéverton deixando dois jogadores
do Coritiba para trás e correndo em direção à bola. Ao fundo a torcida do time da casa,
que lotou o estádio no dia. É uma foto que, subjetivamente, transmite uma suposta
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superioridade do Londrina, e dá esperanças ao torcedor, já que o título propõe um
segundo turno tão bom quanto o primeiro.
Figura 4: Página do caderno de esportes da Folha de Londrina, de 04/03/2013
Fonte: Folha de Londrina
Por sua vez, a Gazeta do Povo dedicou duas páginas para tratar do
assunto. Na primeira página (figura 5) de seu caderno de esporte foi veiculado uma
imagem do momento da comemoração do gol do Coritiba e o início da confusão em
campo. A foto mostra em primeiro plano, desfocados, os jogadores do Londrina
reclamando junto ao árbitro e no segundo plano, em foco, os jogadores do Coritiba
comemorando o gol junto ao técnico. É uma imagem que traduz os dois lados, apesar de
estarem praticamente na mesma posição, formando um círculo, fica claro a diferença de
ânimos. O título traz a versão das duas equipes, “Alegria e Revolta”. Apenas o detalhe
do foco estar na comemoração dos jogadores do Coritiba demonstra certa parcialidade
do jornal da capital.
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Figura 5: Página do caderno de esportes da Gazeta do Povo, de 04/03/2013
Fonte: Gazeta do Povo
Na segunda imagem, na página três (figura 6), a publicação deu ênfase às
confusões fora do estádio. As torcidas entraram em conflito e a polícia precisou atuar. A
imagem escolhida para essa página confunde até certo ponto, pois a matéria afirma que
a polícia deu escolta para os ônibus com torcedores do Coritiba, mas a foto mostra um
policial apontando a arma para torcedores do CFC nos ônibus.
Observando os dois veículos é possível perceber que a Folha de Londrina
foi parcial na publicação. Ela não escondeu sua opinião em relação aos fatos. As
imagens escolhidas não deixam dúvidas quanto ao posicionamento do jornal.
Intencionalmente as fotografias informam a versão do LEC. Quanto a Gazeta do Povo,
nota-se a tentativa da imparcialidade quando o jornal publica uma imagem que mostra o
lado das duas equipes. Mas a segunda imagem sugere certa parcialidade pró Coritiba,
pois apesar da matéria dizer o contrário, a imagem mostra os torcedores sendo
intimidados por um policial armado. Como visto anteriormente, a imagem tem seu
poder autônomo de significado, a leitura dessa imagem acontece de forma dissociada ao
texto.
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Figura 6: Página do caderno de esportes da Gazeta do Povo, de 04/03/2013
Fonte: Gazeta do Povo
Considerações finais
As fotografias publicadas por dois dos principais jornais do Paraná, na
cobertura de um evento esportivo que mexe com os ânimos do torcedor, demonstram
que bairrismos e que a rivalidade entre equipes e torcida vai além do campo de futebol.
Agente ativo deste o processo comunicacional de via dupla (imprensa e leitor) que é a
espetacularização da notícia, o jornalismo impresso sai da caixa estanque da
imparcialidade e tende a “comprar as dores” de seu público. O processo de edição no
fotojornaismo, resulta, na análise, na escolha das imagens que serão a vitrine do
produto, contracenando com o texto impresso das reportagens e com a força semântica e
visual das manchetes. Tal processo é cruel ao extrair, de forma precisa e quase
cirúrgica, às vezes de forma silenciosa e invisível, a notícia da redoma da
imparcialidade. Com o sem número de fotografias que os profissionais podem produzir
nos dias atuais, fruto da tecnologia digital, é certo que havia centenas de imagens que
poderiam ilustrar as reportagens, sequenciadas em mais de uma página pelos veículos.
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No entanto, com os veículo tendo seu bairrismos e focado em seu público, a escolha da
edição foi por fotografias de grande impacto visual, alimentando ainda mais rivalidade,
como expuseram Rosa e Manfré (2007), cujo veredicto é de que a imprensa alimenta a
ira das torcidas.
Não de forma plástica (artificial) – uma vez que o fotojornalismo
esportivo é que mais carrega as nuances dos flagrantes, do spot-news e do instante
decisivo –, mas sim com o viés do sensacional, da atração que puxa o leitor-torcedor
para a leitura (este também ator principal dessa dança que mescla notícia e espetáculo),
as fotografias jornalísticas podem ser vistas como um simulacro que alimenta é a
alimentado pelo hiperespetáculo. Através desta discussão proposta, com análise e
comparação das publicações de dois veículos distintos, trazendo à superfície o
específico recorte do embate entre duas importantes equipes de futebol e as angústias,
euforia e fúria de suas torcidas, dirigentes e atletas, é possível observar a subjetividade
do fotojornalismo, que vai do fotógrafo, que é o profissional que carrega a adrenalina do
fato quando o fato está acontecendo, à equipe de edição, cujo tempero dado à
publicação pode considerar aspectos que vão além da simples difusão da notícia. Em
outras palavras, a fotografia jornalística enquadra-se em mais de um âmbito da tríade de
gêneros do jornalismo. Vai além da informação e carrega consigo os elementos da
interpretação e da opinião. Eis a sua subjetividade, imagem que não apenas informa,
mas que carrega significados e também pode ser visceral quando atende à vontade do
editor ou visa os anseios de seus leitores-torcedores.
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