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113 Daianny Cristine Silva* A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO PARA CONCEDER EFEITO ERGA OMNES AO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE thE BINDING ABRIDGEMENt AS A tOOL FOR thE GRANt ERGA OMNES EFFECt tO thE DIFFUSE CONtROL OF CONStItUtIONALItY EL PRECEDENtE vINCULANtE COMO hERRAMIENtA PARA LA CONCESIóN DEL EFECtO ERGA OMNES AL CONtROL DIFUSO DE CONStItUCIONALIDAD Resumo: O presente artigo versa sobre a súmula vinculante e sua relação com o controle difuso de constitucionalidade. Como instituto decor- rente do direito jurisprudencial, a súmula vinculante, regulamentada pela Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, foi criada com o intuito de dar mais celeridade à atividade jurisdicional, evitando a proliferação de demandas idênticas com disparidade de soluções, buscando-se a igualdade material entre os jurisdicionados. Con- tudo, existem veementes discussões acadêmicas acerca da natu- reza jurídica e da legitimidade para a criação da súmula vinculante. São apontadas diversas críticas ao instituto, principalmente no que tange à criação do direito pelos magistrados, alegando-se violação ao princípio da separação dos poderes e ausência de legitimidade democrática, porém, não há como interpretar o Direito sem conce- der ao texto legal certo grau de originalidade. Os enunciados vin- culativos mitigam o sistema do civil law adotado pelo Brasil, por serem decorrentes dos precedentes do common law norte-ameri- cano, como também a abrangência dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade. O objetivo deste artigo é demonstrar como a súmula vinculante amplia os efeitos do controle difuso de consti- tucionalidade, concedendo-lhe efeito erga omnes, e atribui uma es- pécie de poder normativo aos Tribunais, em especial ao Supremo * Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Graduada em Direito pela UFG. Assessora Administrativa do MP-GO.

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Daianny Cristine Silva*

A SÚMULA VINCULANTE COMO INSTRUMENTO PARACONCEDER EFEITO ERGA OMNES AO

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

thE BINDING ABRIDGEMENt AS A tOOL FOR thE GRANt ERGA

OMNES EFFECt tO thE DIFFUSE CONtROL OF CONStItUtIONALItY

EL PRECEDENtE vINCULANtE COMO hERRAMIENtA PARA LA CONCESIóN DEL EFECtO ERGA OMNES AL CONtROL DIFUSO DE

CONStItUCIONALIDAD

Resumo:

O presente artigo versa sobre a súmula vinculante e sua relação

com o controle difuso de constitucionalidade. Como instituto decor-

rente do direito jurisprudencial, a súmula vinculante, regulamentada

pela Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, foi criada com o

intuito de dar mais celeridade à atividade jurisdicional, evitando a

proliferação de demandas idênticas com disparidade de soluções,

buscando-se a igualdade material entre os jurisdicionados. Con-

tudo, existem veementes discussões acadêmicas acerca da natu-

reza jurídica e da legitimidade para a criação da súmula vinculante.

São apontadas diversas críticas ao instituto, principalmente no que

tange à criação do direito pelos magistrados, alegando-se violação

ao princípio da separação dos poderes e ausência de legitimidade

democrática, porém, não há como interpretar o Direito sem conce-

der ao texto legal certo grau de originalidade. Os enunciados vin-

culativos mitigam o sistema do civil law adotado pelo Brasil, por

serem decorrentes dos precedentes do common law norte-ameri-

cano, como também a abrangência dos efeitos do controle difuso

de constitucionalidade. O objetivo deste artigo é demonstrar como

a súmula vinculante amplia os efeitos do controle difuso de consti-

tucionalidade, concedendo-lhe efeito erga omnes, e atribui uma es-

pécie de poder normativo aos Tribunais, em especial ao Supremo

* Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Graduadaem Direito pela UFG. Assessora Administrativa do MP-GO.

Tribunal Federal brasileiro, órgão competente para criar, revisar e

cancelar os enunciados vinculantes.

Abstract:

This article deals with the binding abridgement and its relation to

the diffuse control of the constitutionality. As a judicial institute

resulting from the jurisprudencial rights, the binding abridgement,

approved by the Law number 11,427, in December, 19th, 2006,

was created with the intention of celering the jurisdictional acti-

vity, avoiding the proliferation of identical demands with a dispa-

rity of solutions, aiming at material equality among the

jurisdictionated ones. However, there are vehement academical

arguing on the judicial nature and legitimacy of the making of the

binding abridgement. There are various critiques to the institute,

mainly on the subject of creating the law by the magistrates, al-

leging violation to the power separation principle, and the ab-

sence of the democratic legitimacy. Nevertheless, there is no way

to interpret the Law without allowing the legal text a certain de-

gree of originality. The vinculative statements mitigate the civil

law system adopted in Brazil, because they are a result of the

precedent North-American common law, including the range of

the constitutional diffuse control effects. This article aims at de-

monstrating how the binding abridgement extends the constitu-

tional diffuse control effects, granting erga omnes effects and

attributing a kind of normative power to the Courts, specially, the

Brazilian Federal Supreme Court, the competent agency to

create, review and cancel the binding statements.

Resumen:

Este artículo trata sobre el precedente vinculante y su relación

con el control difuso de la constitucionalidad. Como instituto ba-

sado en el derecho de la jurisprudencia, el precedente vincu-

lante, regulado por la Ley n. 11.417, de 19 de diciembre de

2006, se creó con el fin de dar más velocidad a la actividad ju-

dicial, impedir la proliferación de demandas idénticas con solu-

ciones diferentes y buscar la igualdad material entre los

jurisdiccionales. Sin embargo, hay discusiones académicas ve-

hementes acerca de la naturaleza jurídica y la legitimidad de la

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creación de un precedente vinculante. El artículo destaca varias

críticas a la institución, especialmente en lo que se refiere a la

creación de la ley por los jueces, alegando violación del principio

de separación de poderes y falta de legitimidad democrática, sin

embargo, no hay manera de interpretar la ley sin proporcionar

al texto jurídico cierto grado de originalidad. Las declaraciones

vinculantes mitigan el sistema de civil law adoptado por Brasil,

que se deriva de los precedentes del common law de Estados

Unidos, así como el alcance de los efectos del control difuso de

la constitucionalidad. El propósito de este artículo es demostrar

cómo el precedente vinculante magnifica los efectos de control

difuso de la constitucionalidad, otorgándole efecto erga omnes,

y le da una especie de poder legislativo a los tribunales, en es-

pecial la Corte Suprema de Brasil, el organismo responsable por

crear, revisar y cancelar el precedente vinculante.

Palavras-chaves:

Súmula vinculante, controle difuso de constitucionalidade,

efeito erga omnes, poder normativo dos tribunais.

Keywords:

Binding abridgement, constitutional diffuse control, erga omneseffect, court’s normative power.

Palabras clave:

Precedente vinculante, control difuso de la constitucionalidad,

efecto erga omnes, poder normativo de la justicia.

INTRODUÇÃO

A súmula vinculante foi instituída no ordenamento jurídicobrasileiro por meio da Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezem-bro de 2004, que acrescentou o artigo 103-A à Constituição Federal.

No texto constitucional foi estabelecida a necessidade deedição de uma lei para regulamentar o novo instituto.

A lei regulamentadora do artigo 103-A da CF apenas foi editada

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em 2006, Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, trazendo algu-mas inovações em relação às disposições constitucionais.

Originada da jurisprudência, a súmula vinculante é editadaa partir de decisões reiteradas no controle difuso de constitucionali-dade realizado pelo Supremo tribunal Federal, o que demonstra aaproximação entre esses dois institutos.

Instituto polêmico e complexo, a súmula vinculante ensejouinúmeras discussões doutrinárias acerca de sua natureza jurídica elegitimidade.

O principal objetivo deste artigo é estabelecer a relaçãoentre esse instituto e o controle difuso de constitucionalidade, de-monstrando que a edição da súmula vinculante amplia os efeitosdessa modalidade de controle.

SÚMULA VINCULANTE

Origem e breves considerações

há no direito brasileiro em vigor quatro espécies de súmu-las: súmula persuasiva, súmula impeditiva de recursos, súmula derepercussão geral e súmula vinculante.

A súmula persuasiva é aquela que traz interpretação suges-tiva da matéria abordada, indicando apenas o posicionamento paci-ficado do tribunal, não gerando qualquer obrigatoriedade deaplicação pelos magistrados nos casos concretos decididos poste-riormente à edição do verbete.

A Lei n. 11.276, de 07 de fevereiro de 2006, introduziu no or-denamento jurídico brasileiro a súmula impeditiva de recursos, acres-centando mais um requisito de admissibilidade ao recurso deapelação, qual seja, a sentença de primeira instância não estar emconformidade com súmula do Superior tribunal de Justiça ou do Su-premo tribunal Federal, de modo que, se a decisão estiver em conso-nância com a súmula, o recurso será obstado (LENZA, 2008, p. 510).

A súmula impeditiva de recurso prevista no artigo 557 doCódigo de Processo Civil permite que o próprio relator negue segui-mento ao recurso de apelação se a sentença recorrida estiver de

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acordo com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribu-nal, do Supremo tribunal Federal, ou de tribunal Superior (tAvA-RES, 2007, p. 27).

há discussão acerca de ser a súmula impeditiva de recursotambém uma forma de súmula vinculante. Indiretamente, essa sú-mula vincula as decisões judiciais, mas apenas no âmbito do recursode apelação, de forma que seu intuito é evitar a interposição de re-cursos protelatórios.

Ademais, a súmula impeditiva de recurso não obedece aosrequisitos previstos no artigo 103-A da Constituição Federal, logo, nãopode ser considerada vinculante em sentido estrito, uma vez que assúmulas a que o artigo 557 do CPC faz referência são persuasivas.

A Emenda Constitucional n. 45 acrescentou ao recurso ex-traordinário mais um requisito de admissibilidade ao adicionar o § 3ºao artigo 102 da Constituição Federal, qual seja, a repercussão geralda matéria tratada.

Por repercussão geral entende-se a relevância, além dosinteresses das partes, da questão discutida no âmbito econômico,político, social ou jurídico, artigo 543-A do Código de Processo Civil.

A análise da presença da repercussão geral é de compe-tência do Supremo tribunal Federal, de modo que se algum funda-mento jurídico for sumulado como de não repercussão geral, orecurso extraordinário sequer será conhecido, obstando a súmula aadmissão desse recurso.

A súmula de repercussão geral, que também é impeditivade recurso, foi disciplinada pela Lei n. 11.418, de 19 de dezembro de2006, que adicionou o artigo 543-A ao Código de Processo Civil, cujoalcance é que “uma vez firmada a tese de que o fundamento jurídiconão apresenta repercussão geral, nenhum recurso extraordinárioserá conhecido, devendo ser considerado automaticamente não ad-mitido” (LENZA, 2008, p. 510).

Por fim, a súmula vinculante, criada pela Emenda Constitu-cional n. 45 de 2004, de edição exclusiva do Supremo tribunal Fe-deral, é um enunciado que resume decisões reiteradas do PretórioExcelso sobre uma norma constitucional cuja interpretação seja con-trovertida e provoque multiplicação de processos, gerando grave in-segurança jurídica.

A súmula com efeitos vinculantes surgiu para evitar que

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demandas repetitivas chegassem ao conhecimento do StF, uma vezque, já havendo decisão reiterada sobre o tema, é desnecessáriomovimentar a máquina do judiciário para se chegar a uma conclusãoprevisível.

As decisões que o Supremo tribunal Federal usa como pa-râmetros para criar um enunciado vinculante são proferidas no con-trole difuso de constitucionalidade realizado por ele nas açõesoriginárias de sua competência, no recurso ordinário e no recursoextraordinário.

A súmula vinculante é originária do stare decisis norte-ame-ricano (tAvARES, 2006, p. 357), porquanto se trata de um institutoque concede efeito vinculativo aos precedentes judiciais.

Para André Ramos tavares (2007, p. 26), a aproximaçãoentre a súmula vinculante e o stare decisis norte-americano é devidoa semelhanças como a “preocupação exclusiva com casos concre-tos, e, a necessidade de fazer surgir, a partir de decisões concretas,uma diretriz a ser adotada em outros casos similares (um certo ‘pro-cesso de objetivação’ das decisões concretas)”, atuando a súmulavinculante como uma ligação entre o controle difuso e o concentradode constitucionalidade.

Requisitos para edição

A súmula vinculante não foi criada com o intuito de obrigaros demais órgãos do Poder Judiciário, bem como da administraçãopública, a seguir todo e qualquer posicionamento adotado pelo Su-premo tribunal Federal, mas apenas aqueles que obedeçam aos re-quisitos previstos no artigo 103-A da Constituição e se submetam aoprocedimento para a edição dos enunciados vinculativos.

Dessa forma, as súmulas vinculantes modificam a funçãodo StF, uma vez que, além de atuar como o guardião da Constitui-ção, o Pretório Excelso passará a editar enunciados genéricos e abs-ratos no exercício dessa função, figurando, assim, como umverdadeiro criador de normas jurídicas.

O artigo 103-A da CF/88 prevê, in verbis:

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Art. 103-A. O Supremo tribunal Federal poderá, de ofício ou porprovocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros,após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar sú-mula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeitovinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e àadministração pública direta e indireta, nas esferas federal, esta-dual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancela-mento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a efi-cácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvér-sia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administraçãopública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multi-plicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprova-ção, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada poraqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão que contrariar a súmula apli-cável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Su-premo tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o atoadministrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e deter-minará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da sú-mula, conforme o caso.

Depreende-se do texto constitucional que os requisitos paraa edição de súmulas vinculantes são: reiteradas decisões sobre ma-téria constitucional; controvérsia atual entre os órgãos do Judiciárioou entre esses e a administração pública; que esta controvérsia acar-rete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de proces-sos sobre questão idêntica; legitimidade para propor a edição,revisão e cancelamento do enunciado; e quórum de aprovação.

Como alguns dos requisitos são autoexplicativos, serão te-cidos breves comentários acerca do objeto da súmula vinculante,qual seja, a edição de enunciados acerca da validade, a interpretaçãoe a eficácia de normas determinadas.

todas as normas do ordenamento jurídico fundamentamsua validade na Constituição, de modo que devem adequar-se a estaformal e materialmente (SILvA, 2007, p. 216).

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A validade formal refere-se ao fato de que uma norma deveser criada por autoridades competentes através do procedimento pre-visto na Constituição. Já a validade material diz respeito à conformi-dade do conteúdo da norma jurídica com os preceitos constitucionais.

Dessa forma, a súmula vinculante poderá dispor acerca davalidade formal ou material de normas em relação ao texto constitucio-nal. Contudo, o enunciado vinculativo se preocupará em regulamentaracerca da validade material das normas, uma vez que as grandes con-trovérsias judiciais e administrativas situam-se nesse âmbito.

Antes de se tratar da interpretação é preciso fazer a distin-ção entre esta e a hermenêutica jurídica.

A interpretação tem caráter concreto, aplica ao caso emanálise as regras estabelecidas pela hermenêutica. Já a hermenêu-tica é abstrata, são enunciados constituídos sobre regras jurídicas,determinando seu alcance, validade, eficácia, origem e desenvolvi-mento, tem caráter teórico e constitui a base técnico-jurídica para ainterpretação (BAStOS, 1999, p. 21).

Para Sormani e Santander (2006, p.161), “a interpretaçãosomente será matéria constitucional se se basear em princípiosconstitucionais ou, então, se se referir a normas constitucionais”.Logo, a interpretação de normas infraconstitucionais que não depen-dam da análise de princípios expressos ou implícitos na Lei Maiornão poderá ser objeto para a criação de um enunciado vinculativopelo Supremo tribunal Federal, pois lhe faltaria o requisito de tratarde matéria constitucional.

Como um dos fins da súmula vinculante é a redução da in-segurança jurídica, em relação à interpretação, a edição dos enun-ciados deve ter o condão de pacificar um entendimento sobredeterminada norma, de forma que o StF demonstre a melhor inter-pretação a ser adotada para alcançar uma decisão mais justa.

A expressão “eficácia de normas determinadas” abrangedois aspectos: a eficácia social e a eficácia jurídica.

A eficácia social é a adequação de uma conduta efetiva com anorma, “refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e apli-cada”. É tecnicamente a efetividade da norma (SILvA, 2007, p. 65-66).

Já a eficácia jurídica é a possibilidade de uma norma alcan-çar o controle social pretendido, de produzir eficácia social. Essa efi-cácia designa a qualidade da norma de produzir, em maior ou menor

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grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relaçõese comportamentos que cogita (SILvA, 2007, p. 66).

É possível que uma norma tenha eficácia jurídica e nãotenha eficácia social, de modo que os enunciados vinculativos abor-darão principalmente a eficácia jurídica das normas, pois é sobreeste aspecto que existe mais insegurança jurídica, sendo um exem-plo saber se uma lei revogou ou não tacitamente outra, o que de fatoprovoca divergência na aplicação do direito ao caso concreto, afe-tando sobremaneira a isonomia entre os jurisdicionados, que se de-pararão com soluções diferentes para o mesmo problema jurídico.

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Considerações iniciais acerca do controle de constitucionalidade

O controle judicial de constitucionalidade pode ser difuso - mo-delo norte-americano, ou concentrado - modelo austríaco ou europeu.

Por controle difuso entende-se aquele que pode ser reali-zado por qualquer juiz ou tribunal, de modo que o reconhecimentoda inconstitucionalidade de um ato normativo implica em sua nãoaplicação ao caso em julgamento.

No sistema concentrado, o controle é exercido por um únicoórgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamentepara esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal.

O controle judicial de constitucionalidade pode ser exercido porvia incidental e por via principal, também denominada de ação direta.

Fala-se também em controle por via de ação e controle porvia de exceção. O primeiro supõe um processo intentado diretamentecontra o ato inconstitucional, visando a anulação deste. O segundo,por sua vez, caracteriza-se pelo fato de que o lesado, em vez de ata-car o ato diretamente, limita-se a se defender contra ele, buscandoo afastamento de sua aplicação (BIttENCOURt, 1997, p. 97).

No controle incidental a constitucionalidade de um ato nor-mativo é discutida dentro de um processo judicial como incidente,uma questão prejudicial que precisa ser solucionada antes do mérito,uma vez que o exame da constitucionalidade não é o objeto da ação.

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Impropriamente, também se denomina o controle incidentalde controle via de defesa, mas este tanto pode ser apresentado napetição inicial como na defesa técnica, ou seja, a questão constitucio-nal pode ser suscitada pelo autor ou pelo réu (tAvARES, 2006, p. 216).

Por sua vez, o controle principal discute, em um processoautônomo ou ação principal, a constitucionalidade do ato normativo,sendo este seu objeto. Nesse caso, a lei é questionada em abstrato,independentemente de um caso concreto em análise, pois “não secuida de tutela de direitos subjetivos, mas de preservação da har-monia do sistema jurídico, do qual deverá ser eliminada qualquernorma incompatível com a Constituição” (BARROSO, 2008, p. 50).

Adotam-se, no controle principal, ações próprias para a afe-rição da constitucionalidade das leis, instaurando-se um processoobjetivo, que tem como único fim a apreciação da constitucionalidadede um ato normativo.

Normalmente associa-se o controle incidental com o con-trole difuso de constitucionalidade, porém, é possível que a CorteConstitucional exerça o controle incidenter tantum, como ocorre nomodelo português (MENDES; COELhO e BRANCO, 2008, p. 1006),e no Brasil por meio da arguição de descumprimento de preceito fun-damental (BARROSO, 2008, p. 50). também não são sinônimos ocontrole por via principal e o controle concentrado.

No Brasil optou-se por um sistema misto de controle deconstitucionalidade, no qual coexistem institutos de controle difuso ede controle concentrado.

Do controle difuso de constitucionalidade

O controle difuso de constitucionalidade é realizado pelos juí-zes e tribunais na análise de um caso concreto. trata-se de atribuiçãoinerente ao desempenho normal da função jurisdicional, constituindoum poder-dever do magistrado o afastamento da aplicação do ato le-gislativo conflitante com a Constituição (BARROSO, 2008, p. 86).

Nessa espécie de controle todos os órgãos do Poder Judi-ciário congregam competência para efetuar o controle constitucionalincidental, ou seja, dentro do processo em que a legislação é invo-cada (ROSA, 2005, p. 104).

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Para Mauro Cappelletti o controle difuso de constitucionali-dade decorre da simples aplicação do preceito lex superior derogat

legi inferiori, porquanto quando duas normas de diversa força nor-mativa se contrastam, a prevalente será a norma hierarquicamentesuperior, no caso brasileiro a Constituição Federal prevalece sobrea norma que a contraria (CAPPELLEttI, 1992, p. 75-76).

O modelo difuso de controle de constitucionalidade surgiuefetivamente nos Estados Unidos da América, em 1803, no julga-mento pela Suprema Corte do caso Marbury versus Madison, queem síntese “deixou assentado o princípio da supremacia da Consti-tuição, da subordinação a ela de todos os Poderes estatais e da com-petência do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidaros atos que lhe contravenham” (BARROSO, 2008, p. 10).

Lênio Luiz Streck (2004, p. 456) ressalta a autoridade docontrole incidental afirmando que “o controle difuso de constitucio-nalidade [...] retira do órgão de cúpula do Poder Judiciário o mono-pólio do controle de constitucionalidade, servindo de importantemecanismo de acesso à justiça e, consequentemente à jurisdiçãoconstitucional”.

É inerente à ideia de controle difuso o fato de que a questãoconstitucional seja suscitada em um caso concreto, como um inci-dente que será apreciado antes do julgamento do mérito.

Para Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gonet(2008, p. 1066):

A característica fundamental do controle concreto ou incidental denormas parece ser o seu desenvolvimento inicial no curso de umprocesso, no qual a questão constitucional configura ‘antecedentelógico e necessário à declaração judicial que há de versar sobrea existência ou inexistência de relação jurídica.

A inconstitucionalidade de determinado ato normativo podeser questionada por qualquer interessado, ou pode ser apreciada deofício pelo juiz. Dessa forma, tem legitimidade para suscitar a incons-titucionalidade de uma lei o autor, o réu, o Ministério Público, tantoquando atua como parte, como também como custos legis, os ter-ceiros que intervieram legitimamente no processo e o juiz ou tribunalde ofício.

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No controle difuso é possível questionar a constitucionali-dade de leis federais, estaduais, distritais e municipais, inclusive asanteriores à Constituição Federal, uma vez que o controle incidentalde normas realiza-se em face da Constituição sob cujo império foieditada a lei ou o ato normativo, diferentemente do que ocorre nocontrole abstrato, cujo parâmetro de controle é a Constituição vigente(MENDES; COELhO; BRANCO, 2008, p. 1075).

A inconstitucionalidade da lei suscitada em um caso con-creto pode ser apreciada tanto por juízes monocráticos, quanto portribunais. Para a declaração incidental de inconstitucionalidade, ostribunais sujeitam-se à cláusula de reserva de plenário (full bench),estabelecida no artigo 97 da CF, e ao procedimento específico pre-vistos nos artigos 480 a 482 do Código de Processo Civil.

A principal diferença entre o controle exercido pelo juiz sin-gular e aquele realizado pelo tribunal reside no fato de que o juiz nãodeclara a inconstitucionalidade do ato normativo, apenas deixa deaplicá-lo. Já o tribunal pode declarar a inconstitucionalidade da leiem apreço, exigindo-se para isso a instauração de incidente de in-constitucionalidade e o voto da maioria absoluta dos membros doórgão Especial, onde exista, ou do Plenário, conforme disposto noartigo 97 da Constituição Federal (StRECK, 2004, p. 457).

Quando é admitido o incidente de inconstitucionalidade, sus-pende-se o julgamento do processo no órgão fracionário e enviam-se os autos para o pronunciamento pelo órgão Especial ou Plenárioacerca da constitucionalidade do ato normativo questionado, ato de-nominado de remessa per saltum ao full bench (ocorre a cisão dacompetência, a questão constitucional é remetida para análise peloplenário) (StRECK, 2004, p. 464-465).

Contudo, a turma ou câmara competente para o julgamentodo processo poderá, desde logo, apreciar a questão constitucionalse ela já tiver sido decidida pelo tribunal a que pertença ou pelo Su-premo tribunal Federal, conforme determinação dada pelo artigo481, parágrafo único do Código de Processo Civil, com redação dadapela Lei n. 9.756 de 17 de dezembro de 1998. Nesse caso, é dis-pensada a suscitação de incidente de inconstitucionalidade.

A dispensabilidade da apreciação da constitucionalidade peloPleno do tribunal, quando existir decisão do StF pela inconstitucio-nalidade do ato normativo, é uma antecipação do efeito vinculante

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nos julgados em matéria de controle incidental proferidos pela Su-prema Corte. A decisão de inconstitucionalidade do StF, mesmo sema concessão de efeito erga omnes pelo Senado, já é suficiente parafundamentar a resolução de casos concretos posteriores. tal fato apro-xima os efeitos das decisões proferidas no controle abstrato e no con-trole concreto de normas, o que denota a miscigenação entre as duasespécies de controle (MENDES; COELhO; BRANCO, 2008, p. 1084).

É importante destacar que, conforme determinação do artigo482 do Código de Processo Civil, com redação acrescida pelo artigo29 da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, no controle difusorealizado pelos tribunais admite-se a participação do Ministério Público,das pessoas jurídicas responsáveis pela edição do ato normativo edos legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade. Épossível também a participação de amicus curiae, ou seja, órgãos ouentidades que manifestem interesse acerca da questão constitucionaldiscutida, porém, para sua admissão é necessário a autorização dorelator do processo por meio de despacho irrecorrível.

O controle difuso possui efeito inter partes, ou seja, sua efi-cácia subjetiva alcança apenas aqueles que fizeram parte do pro-cesso, não afeta terceiros, conforme disposição do artigo 472 doCódigo de Processo Civil, in verbis:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais édada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causasrelativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no pro-cesso, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sen-tença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Os efeitos do controle difuso somente são ampliados atodos, erga omnes, no caso de declaração de inconstitucionalidadepelo StF com a posterior suspensão da execução da lei pelo SenadoFederal, hipótese que será analisada mais adiante.

Quanto à eficácia objetiva, a decisão pela inconstitucionali-dade da lei no controle difuso não faz coisa julgada, porquanto trata-se de questão prejudicial ao mérito, não estando contida no pedidoque compõe a parte dispositiva da sentença, de maneira que apenasesta se submete à imutabilidade.

No que tange à eficácia temporal, as decisões no controle

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difuso de constitucionalidade têm efeito ex tunc, ou seja, retroativo,uma vez que uma lei inconstitucional é uma lei nula, seu vício aacompanha desde sua origem, de maneira que, por meio da teoriada nulidade, a lei inconstitucional não é passível de gerar efeitos.

Regina Maria Macedo Nery Ferrari (1999, p. 144) ressalvaque a decisão de inconstitucionalidade proferida incidenter tantum

“opera retroativamente em relação ao caso que lhe deu motivo, só emrelação a este, destruindo os efeitos produzidos pela lei inconstitucionalnos limites da litis principal, que proporcionou incidentalmente o exameda inconstitucionalidade”. Portanto, a lei inconstitucional será tida comose nunca houvesse existido relativamente à lide.

Em relação às partes, o efeito retroativo da decisão de in-constitucionalidade destitui qualquer carga de eficácia jurídica da lei,inclusive alcançando os atos pretéritos praticados tendo-a como base(MORAES, 2005, p. 641).

tem-se admitido a limitação dos efeitos da declaração deinconstitucionalidade in concreto, de maneira que quando a segu-rança jurídica e o princípio da proporcionalidade forem ameaçadospoderá ser concedido efeito ex nunc, pro futuro, à decisão, aplicando-se o disposto no artigo 27 da Lei n. 9.868, de 1999.

Ademais, o StF já se manifestou em relação ao assunto, ad-mitindo a aplicação do artigo 27 da Lei n. 9.868/1999 no controle difusode constitucionalidade, ao julgar o RE 197.917, a Reclamação n. 2.391e o hC 82.959 (MENDES; COELhO e BRANCO, 2008, p. 1099-1100).

Já quanto a terceiros, a declaração de inconstitucionalidadeno controle difuso opera efeito ex nunc, não retroativo, no caso decontrole incidental realizado pelo Supremo tribunal Federal. Porém,para que uma decisão derivada de um recurso extraordinário alcancepessoas alheias à lide, é necessária a suspensão da lei pelo SenadoFederal nos moldes do artigo 52, inciso X da CF. O papel do Senadoserá objeto de estudo no próximo tópico.

Suspensão da lei pelo Senado Federal no controle difuso reali-zado pelo STF

Declarada a inconstitucionalidade de um ato normativo emsede de recurso extraordinário pelo Supremo tribunal Federal, desde

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que tal decisão seja definitiva e deliberada pela maioria absoluta dopleno (artigo 97 da CF), o Senado será comunicado, logo após o trân-sito em julgado, para que suspenda, por meio de resolução, a execu-ção da lei, conforme disposto no artigo 52, inciso X, da Constituição.

A resolução do Senado para suspender a lei declarada in-constitucional pelo StF é uma forma criada pelo constituinte paraconceder efeito erga omnes ao controle difuso. Porém, discute-sesobre os efeitos e a natureza dessa resolução, bem como o carátervinculado ou discricionário do ato praticado pelo Senado.

Para alguns doutrinadores1, a resolução do Senado apenastorna pública a decisão do StF, levando-a ao conhecimento de todosos cidadãos, ou seja, trata-se de simples ato para conceder publici-dade àquela decisão.

Para essa corrente doutrinária, a própria decisão do StF éoponível contra todos, de maneira que a suspensão da lei pelo Se-nado apenas conferirá publicidade ao que já foi decidido pela Su-prema Corte.

Já para outros2, o Senado, ao editar a resolução suspen-dendo a lei inconstitucional, pratica ato político que confere efeitogeral à decisão do StF, ampliando os efeitos subjetivos desta. Essaé a tese que prevalece, porquanto o próprio StF já decidiu nessesentido no MS 16.512, relatado pelo Ministro Oswaldo trigueiro(MENDES; COELhO e BRANCO, 2008, p. 1079).

Cumpre lembrar que o ato suspensivo do Senado se limitaà hipótese de declaração de inconstitucionalidade de lei, de maneiraque quando for declarada a inconstitucionalidade parcial sem redu-ção de texto, ou quando se proceder a interpretação conforme aConstituição, não cabe qualquer intervenção daquela Casa Legisla-tiva, uma vez que o texto legal permanece intacto, restando incabívela suspensão da execução da lei (StRECK, 2004, p. 481-482).

Além disso, a suspensão pelo Senado pode abranger atosnormativos federais, estaduais, distritais e municipais que foram de-clarados inconstitucionais pelo StF, de modo incidental, no controledifuso de constitucionalidade (LENZA, 2008, p. 150).

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1 Entre eles: Carlos Alberto Lúcio Bittencourt e Gilmar Ferreira Mendes.2Entre eles: Paulo Brossard, Josaphat Marinho, Alfredo Buzaid, themístocles Bran-dão Cavalcanti, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Celso Ribeiro Bastos.

Quanto à eficácia temporal da suspensão da lei pelo Se-nado, questiona-se se a declaração de inconstitucionalidade operaefeitos ex tunc ou ex nunc.

Para Lênio Luiz Streck (2004, p. 480-481), os efeitos da de-cisão suspensiva do Senado têm efeitos ex nunc, pois existe umanotável diferença entre a retirada da eficácia da lei, que ocorre nocontrole concentrado, e a suspensão da lei em sede de controle di-fuso de constitucionalidade.

A lei sem eficácia é nula, como se nunca tivesse existido, nãogera qualquer efeito. Porém, somente mediante controle abstrato deconstitucionalidade é possível retirar a eficácia de uma lei. Caso se ad-mitisse efeito ex tunc à suspensão da lei pelo Senado, o controle difusoe o concentrado teriam efeitos equiparados, o que não justificaria a in-clusão deste último no sistema constitucional brasileiro a partir de 1965,porquanto somente o controle incidental bastaria para afastar as leisque desobedecessem a Carta Maior (StRECK, 2004, p. 408-481).

Suspender a execução de uma lei, por sua vez, é como re-vogá-la, devendo ser respeitadas as situações anteriores definitiva-mente constituídas, porquanto a lei fica suspensa à espera daretirada de sua eficácia (StRECK, 2004, p. 408-481). Desse modo,a lei suspensa deixa de obrigar, perdendo assim sua executoriedade.

Nesse momento, cabe indagar se o Senado Federal estáobrigado a suspender a lei declarada inconstitucional pelo StF.

tal questão é respondida negativamente, uma vez que aoSenado compete analisar a conveniência e oportunidade para prati-car o ato de suspensão, mesmo porque não há sanção nem prazopara ele se manifestar. Porém, optando o Senado por suspender aexecução da lei, não poderá restringir ou ampliar a decisão tomadapelo StF (MENDES; COELhO e BRANCO, 2008, p. 1081).

A exigência da atuação do Senado para conceder eficáciageral à declaração de inconstitucionalidade pelo StF no controle di-fuso perdeu parte de seu significado com a ampliação dos institutosde controle abstrato de normas, uma vez que por meio desse con-trole é possível que liminarmente o StF suspenda, com efeito erga

omnes, a eficácia do ato normativo impugnado (MENDES; COELhO;BRANCO, 2008, p. 1082).

Conclui-se que o instituto da suspensão da lei pelo SenadoFederal permanece disposto na Constituição por questões históricas,

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pois existe no sistema brasileiro desde a Constituição de 1934.Ademais, institutos como a súmula vinculante, como será

analisado mais adiante, mitigam o papel do Senado no controle di-fuso, pois é concedido efeito erga omnes e vinculante às decisões doStF sem a necessidade de qualquer ato daquela Casa Legislativa.

O PODER NORMATIVO DOS TRIBUNAIS

A notável tendência dos tribunais inferiores seguirem os posi-cionamentos dos tribunais superiores faz com que os precedentes judi-ciais, depois de certo tempo, sejam considerados direito vigente, o que“é útil à uniformidade e à continuidade da jurisprudência, e, ao mesmotempo, sobretudo, à segurança jurídica” (SIFUENtES, 2005, p. 130).

Dessa forma, é importante conhecer a criação do Direitopelos juízes para que se entenda melhor o enquadramento da sú-mula vinculante nesse contexto.

Portanto, neste tópico será feita uma análise dos limites daatividade criativa dos magistrados, como também de suas diferençasem relação à atividade do Poder Legislativo, pois como bem acentuaCappelletti (1993, p. 25) em sua obra Juízes Legisladores?, a dis-cussão não se verte mais sobre a alternativa criatividade/não criati-vidade, mas sobre a sua forma, limites e legitimidade.

A criatividade jurisdicional é acentuada nos casos em que ojuiz deve decidir por meio da analogia ou da equidade, ou seja,quando há lacunas na lei, uma vez que, por meio do princípio da in-declinabilidade da jurisdição, é vedado ao juiz deixar de julgar a lidealegando lacuna ou obscuridade da lei, de maneira que nessas hipó-teses deve constituir uma norma para o caso concreto em análise.

Mônica Sifuentes (2005, p. 30) afirma que a investigaçãoque se impõe ao juiz na presença de uma lacuna da lei é bastantesemelhante à que incumbe ao legislador. Consistindo a diferençaprincipal no fato de que este estabelece regras gerais, enquantoaquele deve descobrir a norma aplicada ao caso concreto.

Ademais, o legislador, ao estabelecer um número indefi-nido de situações jurídicas, age livremente; já o juiz, que deve decidirdeterminado caso, não pode tomar decisões arbitrárias, devendo

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embasá-las em elementos objetivos.Questão polêmica surge quando a atividade criativa jurisdi-

cional transcende os limites das lacunas, ou seja, o magistrado de-senvolve um direito extra legem, mas de acordo com os princípios doordenamento jurídico (SIFUENtES, 2005, p. 134). Nesse contexto sefaz necessária a distinção da atividade criativa judicial da legislativa.

Cappelletti (1993, p. 74), ao ser questionado se a criativi-dade jurisdicional transforma o juiz em legislador, reponde com umenfático não, afirmando que há diferenças essenciais entre o pro-cesso legislativo e o jurisdicional de criação do Direito.

Afirma o ilustre doutrinador anteriormente mencionado quea atividade criativa judicial sofre limitações substanciais e proces-suais, de modo que o que verdadeiramente a distingue da atividadelegislativa são os limites processuais a ela impostos.

O juiz, assim como o legislador, se depara com limitaçõessubstanciais. O primeiro está vinculado à lei e aos precedentes. Jáo segundo tem seu poder de criação limitado pela Constituição epelas decisões da justiça constitucional (SIFUENtES, 2005, p. 136).

Dessa forma, o legislador é limitado substancialmente commenos frequência do que o magistrado, porquanto os precedentese as leis ordinárias que balizam a função jurisdicional são mais de-talhados e em maior quantidade do que as normas constitucionais edecisões da justiça constitucional. “A criatividade do legislador podeser, em suma, quantitativamente, mas não qualitativamente diversada do juiz. [...] Ambos constituem processos de criação do direito”(CAPPELLEttI, 1993, p. 27).

Já em relação às limitações processuais, Cappelletti (1993,p. 75) esclarece que:

O que faz o juiz ser juiz e um tribunal um tribunal, não é a sua faltade criatividade (e assim a sua passividade no plano substancial),mas sim (a sua passividade no plano processual, vale dizer) a) aconexão da sua atividade decisória com os ‘cases and controver-

sies’, e por isso, com as partes de tais casos concretos, e b) a ati-tude de imparcialidade do juiz, que não deve ser chamado paradecidir in re sua, deve assegurar o direito das partes a serem ou-vidas (‘fair hearing’), [...] e deve ter, de sua vez, grau suficiente deindependência em relação às pressões externas e especialmenteàquelas provenientes dos ‘poderes políticos’

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Assim, impõe-se ao juiz uma atitude processual de passivi-dade (não pode iniciar um processo de ofício), imparcialidade, neu-tralidade e distanciamento das partes, de forma que está impedidode decidir uma controvérsia em que tenha interesse.

Feita a diferenciação entre a criação legislativa e judiciáriae suas limitações processuais e substanciais, passa-se à análise dopoder normativo dos tribunais propriamente dita e de sua relaçãocom a edição de súmulas vinculantes pelo StF.

Os atos jurisdicionais podem ser classificados em normati-vos e não normativos. A normatividade é a capacidade de um ato ju-risdicional extrapolar as fronteiras do caso julgado, projetando-se noordenamento jurídico com os atributos de generalidade e abstração(SIFUENtES, 2005, p. 301).

Entende-se por ato normativo da função jurisdicional um atotípico e exclusivo do Poder Judiciário, “que se situa em uma zonacinzenta da distribuição funcional entre os poderes do Estado, dadoo seu caráter de obrigatoriedade e generalidade, que o aproxima doconteúdo material da lei” (SIFUENtES, 2005, p. 275).

São exemplos de atos normativos judiciais no direito brasi-leiro a uniformização de jurisprudência expressa em súmulas e enun-ciados, as decisões proferidas em controle de constitucionalidade ea sentença normativa da Justiça do trabalho.

Segundo Castanheira Neves (apud SIFUENtES, 2005, p.276), são características do ato jurisdicional normativo:

1) O órgão emitente é um tribunal.2) Esse órgão judicial é chamado a tratar do conflito de jurispru-dência por meio de uma atividade jurisdicional – ponderação e de-cisão jurídica de um caso concreto; ou é chamado a declarar, emsede de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato nor-mativo federal, a desconformidade parcial ou total das normas ju-rídicas em relação às normas e princípios constitucionais.3) Esse órgão acaba por ultrapassar o caráter escrito dessa ativi-dade, ao prescrever uma norma jurídica destinada não mais à so-lução daquele caso concreto, mas a uma aplicação geral e futura.

NesSe sentido, a súmula vinculante enquadra-se no con-ceito de ato normativo da função jurisdicional, pois extrapola os limi-tes dos casos que a embasaram, uma vez que é obrigatória não

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apenas no âmbito dos juízes e tribunais, mas também é oponível àadministração pública.

Portanto, são atos normativos as decisões judiciais que con-ferem uniformidade à jurisprudência, enquadrando a súmula vincu-lante como sendo a essência do direito que se tira de certaquantidade de casos com idêntica controvérsia e que passa a orien-tar as decisões futuras dos juízes e tribunais.

A obrigatoriedade da súmula vinculante caracteriza-se, pois,por ser uma “norma de caráter geral e abstrata que obriga a todos,em favor da segurança jurídica que o ordenamento deve e precisaproporcionar aos que convivem no grupo social, como o fazem asnormas de caráter geral positivadas pela função legislativa” (SI-FUENtES, 2005, p. 279).

Do estudo do presente tópico conclui-se que a súmula vin-culante é o mais importante dos atos normativos da função jurisdi-cional, porquanto é derivada do controle difuso de constitucionalidaderealizado pelo StF e reveste-se de obrigatoriedade, generalidade eabstração.

DIFERENCIAÇÃO ENTRE EFEITO VINCULANTE E ERGA

OMNES NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Em direção à conclusão deste artigo é indispensável a dife-renciação ente efeito vinculante e erga omnes do controle de cons-titucionalidade.

Por eficácia erga omnes entende-se a eficácia geral e abs-trata de uma decisão, que será oponível a todos. É a chamada forçade lei das decisões judiciais em sede de controle de constitucionali-dade (MENDES, 2005, p. 360). A eficácia erga omnes é uma oposi-ção à chamada eficácia inter partes, que alcança a maioria dasdecisões judiciais.

Portanto, efeito erga omnes significa para todos, contratodos. “Refere-se à lei, direito ou decisão que é oponível a todos, quetem efeito contra todos ou a todos obriga” (ZIBORDI, online).

Declarada a inconstitucionalidade de uma lei, é retirada sua efi-cácia geral e abstrata, de modo que a decisão atinge todos os potenciais

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destinatários da norma, incluindo os órgãos do Poder Judiciário e, in-clusive o próprio Supremo tribunal Federal (SOUZA, 2007, p. 209-210).

Em relação à súmula vinculante, sua eficácia geral está de-monstrada pelo fato de que todos estão obrigados a aplicá-la emcasos idênticos, sob pena de reclamação ao StF.

Ademais, o próprio StF está submetido à orientação doenunciado vinculativo por ele editado, porém, a Corte pode, por meiode revisão ou cancelamento do enunciado, alterar seu posiciona-mento antes consolidado. Ou seja, a modificação de uma decisãocom eficácia erga omnes, no caso a súmula vinculante, depende deum procedimento formal para ter legitimidade.

O efeito vinculante, por sua vez, significa um acréscimo àeficácia erga omnes e consiste na obrigatoriedade de a administra-ção pública e os órgãos do Judiciário submeterem-se à decisão pro-ferida no controle de constitucionalidade.

Em regra, o efeito vinculante é atribuído ao controle abstratode normas, porém, com a instituição da súmula vinculante ao orde-namento jurídico brasileiro, tal efeito foi conferido ao controle difusode constitucionalidade, uma vez que os enunciados derivados deuma série de casos concretos com idêntica controvérsia vinculam adecisão das demais instâncias judiciais e da administração pública,de maneira que, inobservado o enunciado, cabe reclamação ao StF.

Feita essa breve diferenciação passa-se ao estudo da sú-mula vinculante como um mecanismo de concessão de eficácia erga

omnes ao controle difuso de constitucionalidade.

A CONCESSÃO DE EFEITO ERGA OMNES AO CONTROLE DI-FUSO DE CONSTITUCIONALIDADE POR MEIO DA EDIÇÃO DESÚMULA VINCULANTE

O fenômeno de concessão de efeito erga omnes ao controledifuso de constitucionalidade é conhecido doutrinariamente como “abs-trativização dos efeitos do controle concreto de constitucionalidade”,de maneira que se concede eficácia geral, contra todos, a uma decla-ração de inconstitucionalidade que atingia somente as partes.

A abstrativização do controle difuso é uma tendência observada

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no cotidiano dos tribunais e recentemente incorporada no ordena-mento jurídico brasileiro por meio da Emenda Constitucional n.45/2004, que instituiu a súmula vinculante.

Os enunciados vinculativos, derivados de reiterados julgamen-tos de casos concretos, “passam a ganhar força de observância obri-gatória daqueles mesmos efeitos por todas as pessoas, sendo defesoa qualquer juiz ou tribunal decidir de forma divergente” (JUCÁ, online).

Ademais, a lei é oponível a todos, quando declarada incons-titucional a todos aproveita, mesmo quando se trata de declaraçãoocorrida em controle difuso de constitucionalidade. É fato inconteste,portanto, que o julgamento de inconstitucionalidade pelo Plenário doSupremo tribunal Federal, ainda que em caso concreto e incidental,tem efeito erga omnes (ZIBORDI, online).

O enunciado vinculativo confere eficácia geral e vinculanteàs decisões proferidas pelo Supremo tribunal Federal sem afetar di-retamente a vigência de leis declaradas inconstitucionais no processode controle incidental. Porém, o plano de validade da norma restaráprofundamente abalado pelo instituto (MENDES; COELhO;BRANCO, 2008, p. 1089).

Desse modo, a suspensão pelo Senado da execução da leideclarada inconstitucional pelo StF perderá ainda mais sua utilidade,pois a súmula vinculante concede efeito erga omnes ao controle di-fuso sem a necessidade de qualquer ato daquela Casa Legislativa,de maneira que, caso comunicado, o Senado não edite resoluçãosuspendendo a lei, seu ato não impedirá que a decisão da SupremaCorte se revista de eficácia geral.

Nesse sentido, a suspensão da execução da lei pelo Se-nado tem como objetivo conferir publicidade à decisão do StF, umavez que a eficácia geral das decisões acerca da inconstitucionalidadede uma lei não pode ficar ao livre arbítrio daquela Casa Legislativaeditar ou não uma resolução.

Um dos precedentes da concessão de efeito erga omnes

ao controle difuso de constitucionalidade foi o hC 82.959/SP, que ad-mitiu a progressão de regime nos crimes hediondos mesmo antesda alteração legislativa implementada pela Lei n. 11.464 de 28 demarço de 2007. Acerca do tema, ressalta Sabrina Silva de SouzaJucá (online):

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No hC n. 82.959/SP, o Pretório Excelso analisou, através do casoconcreto, a própria constitucionalidade da vedação de progressãode regime prisional para crimes hediondos. Apesar de tratar-se decontrole incidental, o entendimento adotado foi o de a decisão teriaefeito erga omnes porque tratou do julgamento da constituciona-lidade da própria lei para se chegar ao caso concreto. vale res-saltar que, a despeito da aparente abstrativização do controleconcreto, o então Juiz de Direito da vara de Execuções Penaisda Comarca de Rio Branco/AC, Dr. Marcelo Coelho de Carvalho,monocraticamente, negou a aplicação do efeito extensivo da de-cisão do referido habeas corpus aos pedidos de progressão deregime prisional interpostos pela Defensoria Pública daquela Co-marca, indeferindo todos os pleitos fundamentados naquela deci-são e sustentando a permanência da vedação à progressãopleiteada. Ocorre que, fundamentada na decisão prolatada no hCn. 82.959/SP, a Defensoria Pública do Estado do Acre interpôs aReclamação n. 4335/AC, através da qual requereu o reconheci-mento do efeito erga omnes do hC citado em benefício de seuspatrocinados. No julgamento da reclamação, o Ministro GilmarMendes sustentou que o direito de progressão do regime prisionalse estende a todos, e não somente para o paciente do habeas

corpus em exame, no que foi seguido pelo Ministro Eros Grau.Foram contrários a esse entendimento os Ministros SepúlvedaPertence e Joaquim Barbosa. Apesar de já ter se operado a perdado objeto desta reclamação, face à edição da lei n. 11.464/07, quepassou a permitir a progressão do regime de cumprimento dapena mesmo para condenados por crimes hediondos, o acompa-nhamento do deslinde da questão tem grande relevo doutrinário,justamente por gravitar em torno da debatida tendência de abs-trativização do controle concreto.

Nesse diapasão, a súmula vinculante ocupa, no sistema jurídicobrasileiro, uma posição de conceito abstrato e geral derivado do controledifuso de constitucionalidade. Assim, é mitigada a premissa de que o con-trole difuso de constitucionalidade produz efeitos apenas inter partes.

Em lição crítica à eficácia geral da decisão do controle difusode constitucionalidade, Lênio Streck (2004, p. 511) afirma que as sú-mulas vinculantes se transformam de normas individuais válidas paracada caso concreto em normas gerais de eficácia erga omnes, setornando, assim, um poder sem freios e contrapesos.

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É certo que o instituto da súmula vinculante gera grande po-lêmica entre os juristas. Contudo, em uma ponderação de interessesquanto aos direitos constitucionalmente garantidos, deve prevalecero tratamento isonômico aos jurisdicionados.

Não atende aos ditames de justiça julgar casos análogos deforma diferente, uma vez que a mesma situação jurídica deve ensejara mesma solução no caso concreto. Desse modo, se evita o grandenúmero de recursos embasados na divergência jurisprudencial.

Dessa forma, a súmula vinculante se enquadra como im-portante mecanismo de igualdade material entre os jurisdicionadose de celeridade processual, porquanto, estando os juízes obrigadosa decidir a lide nos moldes do enunciado do StF, se evitam recursosmeramente procrastinatórios, conferindo aos litigantes o bem da vidaem menor lapso temporal.

Os conceitos jurídicos antes considerados absolutos, comoexemplos o de direito público e direito privado, o princípio da sepa-ração de poderes e a diferença entre os sistemas do civil law e docommon law, já não encontram espaço no atual estágio de evoluçãodo Direito, uma vez que, para se garantir o efetivo acesso à jurisdi-ção, bem como uma prestação jurisdicional célere e adequada(justa), faz-se necessário que o ordenamento jurídico esteja abertoa modificações, pois, ao contrário, não suportaria a quantidade dedemandas levadas à apreciação judicial.

Conclui-se que a súmula vinculante é um instituto criadopara suprir as lacunas legislativas, pois não é razoável exigir que olegislador preveja todas as situações e interpretações jurídicas emnormas positivadas, de modo que a jurisprudência deve cumprir seupapel na criação do Direito, disciplinando situações concretas a elasubmetidas.

Nesse sentido, para atender aos anseios sociais em relaçãoà prestação jurisdicional, é indispensável que se conceda eficáciageral e vinculante ao controle difuso de constitucionalidade, por-quanto não pode a Corte Constitucional se ocupar de decisões sobrea mesma matéria quando existe súmula vinculante justamente paraevitar a proliferação de demandas repetitivas.

A súmula vinculante, como ato normativo da função jurisdi-cional, se reveste de generalidade e abstração, concedendo ao con-trole difuso de constitucionalidade efeito erga omnes em um

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processo de abstrativização do controle concreto de normas.Além disso, já não se adéqua à necessidade brasileira a

suspensão pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional,mas a disposição do artigo 52 X da CF se mantém apenas por ra-zões históricas, de forma que a eficácia geral das decisões do StFindepende de qualquer ato de outro poder, mesmo em se tratandode controle difuso.

Em derradeiros colóquios, firma-se a súmula vinculante comoum instituto legítimo de concessão de eficácia erga omnes ao controledifuso de constitucionalidade. Apesar de seriamente criticado e deba-tido, tal instituto, desde que não seja desvirtuado pelo órgão compe-tente para sua edição, confere inovações positivas ao controleincidenter tantum de normas, viabilizando o acesso mais célere à ju-risdição e resguardando a igualdade material entre os jurisdicionados.

CONCLUSÃO

A súmula vinculante surgiu para desconstituir algumas pre-missas antes sustentadas como verdadeiras no ordenamento jurídicobrasileiro, sendo neste artigo analisada a concessão de eficácia erga

omnes ao controle difuso de constitucionalidade por meio da ediçãode um enunciado vinculativo.

Nesse diapasão, foi estudado em linhas passadas o podernormativo dos tribunais e sua limitação e legitimidade, restando de-monstrado que o ato normativo dos magistrados diferencia-se ape-nas quanto à quantidade em relação aos atos do Poder Legislativo,porquanto este poder, por ter tipicamente a função de legislar, editamaior número de normas do que o Judiciário.

Ademais, o Poder Judiciário tem legitimidade para editaratos gerais, sendo exemplos as súmulas vinculantes, pois não maissubsiste no atual ordenamento jurídico a separação clássica entreos poderes como sustentada por Monstesquieu.

Portanto, a súmula vinculante é um ato normativo do Supremo

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tribunal Federal de observância obrigatória para as demais esferasdo Judiciário e da administração pública, de maneira que, caso nãoseja observado o disposto em um enunciado vinculativo, é possívelingressar com reclamação à Corte Constitucional.

O controle difuso de constitucionalidade, como antes alinha-vado, é caracterizado por ser suscitado incidentalmente no curso deum processo como questão prejudicial ao mérito, não sendo, por isso,objeto da demanda em apreço. tal controle, em regra, vincula apenasas partes litigantes, ou seja, gera efeitos apenas inter partes.

Com a instituição da súmula vinculante, o controle difusorealizado pelo StF passa a ter efeitos próximos aos do controle abs-trato de normas, porquanto o enunciado decorrente de reiteradas de-cisões no controle incidenter tantum, obrigam o Judiciário e aadministração pública, de forma que a decisão que era apenas inter

partes passa a ter eficácia erga omnes.Dessa forma, a suspensão da execução da lei pelo Senado

Federal, quando o StF declara sua inconstitucionalidade no controledifuso, perdeu a razão de existir, uma vez que a súmula vinculantedispensa tal procedimento para ampliar os efeitos do controle inci-dental de constitucionalidade.

Ademais, o papel do Senado há muito tempo sofre severascríticas, pois não se pode deixar a decisão de suspensão ou não dalei declarada inconstitucional ao livre arbítrio dessa Casa Legislativa,uma vez que não se teria como evitar suas decisões políticas.

Conclui-se que a concessão de efeito geral e vinculante aocontrole difuso de constitucionalidade por meio da edição de enun-ciados vinculativos mostra-se uma medida adequada para a celeri-dade processual e combate aos recursos meramenteprocrastinatórios, garantindo a igualdade material entre os jurisdicio-nados. Porém, deve-se ressaltar que o instituto se legitima em suaslimitações constitucionais e legais, devendo o StF ater-se a elas,senão o seu desvirtuamento pode comprometer gravemente a se-gurança jurídica e credibilidade da Corte Constitucional.

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