A SUSTENTABILIDADE DA TRIBUTACAO E a FINALIDADE DO TRIBUTO Erico Hack1 RESUMO O Presente Artigo...

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A SUSTENTABILIDADE DA TRIBUTAÇÃO E A FINALIDADE DO TRIBUTO Érico Hack1 RESUMO O presente artigo pretende analisar o direito tributário sob o aspecto da sustentabilidade da tributação. Este conceito é visto como a qualidade de um sistema tributário de arrecadar os valores para a manutenção do Estado, realizar políticas extrafiscais e, ao mesmo tempo, não esgotar a riqueza tributada do contribuinte, de forma que seja evitadas tributações predatórias ou muito suaves, que acabam gerando distorções na economia e no Estado. A falta de sustentabilidade da tributação acaba gerando rupturas no sistema, geralmente prejudicando o contribuinte e reflexamente prejudicando a arrecadação do Estado. Identifica-se, como elemento de apoio para a tributação sustentável a finalidade do tributo, seja ela fiscal ou extrafiscal, e como sua observância e aplicação colaboram para a sustentabilidade do sistema tributário. Por fim são expostas as conclusões que também são sugestões para um sistema mais justo e sustentável. Palavras-chave: Direito Tributário, Sustentabilidade, Finalidade do Tributo, Extrafiscalidade, Fiscalidade. 1 Mestre e doutorando em Direito pela PUC-PR. Professor de Legislação Tributária da FATEC Internacional. Advogado e consultor em Curitiba. [email protected] 1 INTRODUÇÃO. O DIREITO TRIBUTÁRIO E A TRIBUTAÇÃO JUSTA A evolução do direito tributário tem levado os estudiosos desta matéria a novos campos de investigação. Tal situação tem sido motivada, a nosso ver, pela impossibilidade dos estudos até agora realizados sobre o assunto conduzirem a uma situação de boa aceitação da tributação em nosso país. Mesmo com todo o instrumental de princípios, limites e critérios estabelecidos e consagrados pela doutrina e jurisprudência para o direito tributário, notamos que há grande insatisfação com a carga tributária hoje existente. Grande parte da insatisfação da sociedade em geral deriva do fato dos serviços públicos prestados não corresponderem à carga tributária exigida. Ocorre, todavia, que até pouco tempo atrás os estudos de direito tributário limitavam-se a estudar a legislação tributária, verificando o que acontece entre o momento da edição da lei tributária e a extinção da obrigação tributária. Esta relação de correspondência entre o serviço público prestado e o tributo pago era uma preocupação da doutrina mais antiga, conforme narra Sousa (1975, p.98) ao estudar a causa da obrigação tributária:

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A SUSTENTABILIDADE DA TRIBUTACAO E a FINALIDADE DO TRIBUTO Erico Hack1 RESUMO O Presente Artigo Pretende Analisar o Direito Tributario Sob o Aspecto Da Sustentabilidade Da

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A SUSTENTABILIDADE DA TRIBUTAO E A FINALIDADE DO TRIBUTO rico Hack1 RESUMO O presente artigo pretende analisar o direito tributrio sob o aspecto da sustentabilidade da tributao. Este conceito visto como a qualidade de um sistema tributrio de arrecadar os valores para a manuteno do Estado, realizar polticas extrafiscais e, ao mesmo tempo, no esgotar a riqueza tributada do contribuinte, de forma que seja evitadas tributaes predatrias ou muito suaves, que acabam gerando distores na economia e no Estado. A falta de sustentabilidade da tributao acaba gerando rupturas no sistema, geralmente prejudicando o contribuinte e reflexamente prejudicando a arrecadao do Estado. Identifica-se, como elemento de apoio para a tributao sustentvel a finalidade do tributo, seja ela fiscal ou extrafiscal, e como sua observncia e aplicao colaboram para a sustentabilidade do sistema tributrio. Por fim so expostas as concluses que tambm so sugestes para um sistema mais justo e sustentvel. Palavras-chave: Direito Tributrio, Sustentabilidade, Finalidade do Tributo, Extrafiscalidade, Fiscalidade. 1 Mestre e doutorando em Direito pela PUC-PR. Professor de Legislao Tributria da FATEC Internacional. Advogado e consultor em Curitiba. [email protected] 1 INTRODUO. O DIREITO TRIBUTRIO E A TRIBUTAO JUSTA A evoluo do direito tributrio tem levado os estudiosos desta matria a novos campos de investigao. Tal situao tem sido motivada, a nosso ver, pela impossibilidade dos estudos at agora realizados sobre o assunto conduzirem a uma situao de boa aceitao da tributao em nosso pas. Mesmo com todo o instrumental de princpios, limites e critrios estabelecidos e consagrados pela doutrina e jurisprudncia para o direito tributrio, notamos que h grande insatisfao com a carga tributria hoje existente. Grande parte da insatisfao da sociedade em geral deriva do fato dos servios pblicos prestados no corresponderem carga tributria exigida. Ocorre, todavia, que at pouco tempo atrs os estudos de direito tributrio limitavam-se a estudar a legislao tributria, verificando o que acontece entre o momento da edio da lei tributria e a extino da obrigao tributria. Esta relao de correspondncia entre o servio pblico prestado e o tributo pago era uma preocupao da doutrina mais antiga, conforme narra Sousa (1975, p.98) ao estudar a causa da obrigao tributria: Qual seja a causa da obrigao assunto muito discutido em doutrina. Os autores mais antigos sustentavam que a prestao dos servios pblicos pelo Estado aos indivduos: dessa forma, o tributo seria uma espcie de contrato, no qual o indivduo paga uma certa soma de dinheiro em troca de servios que o Estado lhe presta. Adam Smith (1983, p.247/248), em um dos primeiros estudos sistematizados sobre tributao, coloca assim a mxima da eqidade, que pode ser entendida como um antecedente ao moderno princpio da capacidade contributiva: I. Os sditos de cada Estado devem contribuir o mximo possvel para a manuteno do Governo, em proporo a suas respectivas capacidades, isto , em proporo ao rendimento de que cada um desfruta, sob a proteo do Estado. As despesas de governo, em relao aos indivduos de uma grande nao, so como as despesas de administrao em relao aos rendeiros associados de uma grande propriedade, os quais so obrigados a contribuir em proporo aos respectivos interesses que tm na propriedade. Este carter quase contratual da tributao, em que se determinava que os tributos deveriam ser pagos em troca do servio pblico, foi sistematicamente abandonado pela doutrina. Tal abandono foi necessrio como forma de decretar a autonomia do direito tributrio e constituir para este ramo um sistema de princpios e regras prprias que impedissem que cincias extra jurdicas afetassem a obrigao tributria. Na evoluo do direito tributrio, atingiu-se ento o estado atual, em que a fonte primria do direito tributrio a lei, e o exame da sua validade se d conforme informa Sousa (1975, p.99):3 Dado que a causa da obrigao tributria a lei, o exame da sua existncia se processa em trs planos sucessivos: (1) No plano constitucional: para verificar se a lei que criou o tributo vlida em face da Constituio, ou seja, no inconstitucional; (2) No plano legislativo: para verificar se a lei que est sendo aplicada exatamente a que corresponde hiptese, e, inversamente, se a hiptese que ocorreu exatamente a prevista na lei aplicvel; (3) No plano administrativo: para verificar se a atividade administrativa do lanamento (cap. V) foi exercida exatamente de acordo com a lei aplicvel. Ou seja, a anlise da validade da tributao se d atravs dos trs planos acima descritos. Nota-se que a anlise apenas quanto a validade da lei (constitucionalidade), conformidade da sua aplicao aos fatos nela previstos e a conformidade dos atos da Administrao Pblica ao que determina a lei para a cobrana do tributo. Nesta anlise, excluise qualquer elemento de correspondncia do tributo ao servio pblico correspondente. Em um ambiente em que os tributos eram criados por veculos normativos indevidos, eram cobrados acima do que dispunha a lei e tinha a atuao da Administrao em violao a ela, os planos acima expostos eram absolutamente necessrios. Nota-se que tais planos correspondem apenas ao princpio da legalidade: impe-se que a lei instituidora deve ser vlida, a incidncia deve se dar de acordo com o que a lei dispe e a cobrana tambm deve se observar a lei. Aparentemente o ambiente em que tais planos foram apontados no observava sequer a legalidade, um dos princpios mais fundamentais e comuns da tributao atual. Assim, realmente eram necessrios esforos doutrinrios de maneira que se estabelecesse como comum a tributao observando o princpio da legalidade. Tais esforos surtiram efeito, de forma que hoje em dia, no se admite mais a tributao sem a observncia dos planos decorrentes da legalidade colocados por Rubens Gomes de Sousa. Hoje se pode apontar, com certa segurana, que um tributo exigido fora de tais planos ser prontamente repudiado pelo Poder Judicirio. O que notamos, todavia, que os entes instituidores de tributos passaram a observar os planos de legalidade exigidos pela doutrina a jurisprudncia, de maneira que hoje raramente encontramos grandes ofensas legalidade (ainda que estas ainda existam). Pode-se dizer que a tributao, na mdia, observa os planos decorrentes da legalidade, no podendo ser objeto de contestao com base neste princpio. Mesmo com a tributao aparentemente conforme aos planos impostos pela legalidade, nota-se ainda uma grande insatisfao com os tributos, que tem aumentado com o tempo. Quanto mais temos a observncia da legalidade, menos temos satisfao com a tributao. Adverte-se que a insatisfao no se d pela observncia da legalidade; ela se d apesar dela. Tal dilema aponta para o direito tributrio um novo caminho para estudos: quais critrios e princpios devem ser observados para que a tributao seja mais aceita pelo contribuinte? Conforme verificamos, a legalidade sozinha no tem sido suficiente para que4 tenhamos um grau satisfatrio de justia e aceitao do tributo pelo contribuinte. Observe-se que a legalidade no pode nem deve ser abandonada. O que se procura so critrios que a ela se somam como forma de obter uma tributao que corresponda aos anseios sociais. A sociedade, alis, d a indicao de onde buscar tais critrios: a contraprestao em servios pblicos do Estado. A grande reclamao que se verifica hoje no diretamente vinculada a carga tributria nominal, mas sim ao valor desta relacionado com o servio pblico prestado. Este apontado como ineficiente, levando o contribuinte a pagar servios de sade, educao e segurana para particulares, quando os mesmos deveriam ser custeados pelo Estado com o dinheiro arrecadado pelos tributos. Temos ento um horizonte que pede que a tributao considere o gasto pblico, de forma a compatibilizar a cobrana com o gasto e a contraprestao respectiva. No se prega, entretanto, o retorno puro e simples da doutrina antiga, encarando a causa da obrigao tributria como uma relao contratual em que o contribuinte paga o tributo contra a prestao de servios. Todavia, tal doutrina pode dar certa inspirao aos caminhos a serem tomados, trazendo critrios da finalidade do tributo e destinao do valor arrecadado para o campo da aferio de validade da exao. Neste artigo, procuramos investigar quais os elementos para uma tributao sustentvel. Primeiramente, ser necessria breve exposio sobre o que entendemos por tributao sustentvel. Em vista disto, verificaremos de que forma a finalidade da tributao pode ser utilizada como forma de conduzir a tributao sustentabilidade desejada. 2 A TRIBUTAO SUSTENTVEL Para a anlise aqui proposta, cumpre definir o que seja uma tributao sustentvel. Quando tratamos de sustentabilidade, temos em mente um sistema que visa a realizao das atividades do presente de maneira racional, a fim de que no impossibilitem que as mesmas atividades continuem sendo realizadas no futuro. Neste processo, a sustentabilidade tambm impe a realizao de tais atividades de maneira a preservar valores e bens caros sociedade, de forma que as atividades sejam realizadas e tais valores e bens sejam preservados para o futuro. A idia de desenvolvimento sustentvel bastante divulgada nas questes ligadas ao meio ambiente. Neste campo, tem-se a necessidade de preservao do meio ambiente para a conservao da vida na Terra desta e das futuras geraes. Todavia, comum que o desenvolvimento econmico esbarre na preservao do meio ambiente, pois, em muitos casos, o desenvolvimento econmico pede sacrifcios do meio ambiente para que possa ocorrer. Ento, de um lado tm-se os anseios do desenvolvimento econmico, necessrio evoluo da humanidade, e de outro lado, tem-se a necessidade de preservar o meio ambiente. O conflito poderia ser resolvido pela excluso de um ou outro, ou seja, a preservao total do meio ambiente com prejuzo do desenvolvimento econmico ou vice-versa.5 O problema que tanto o desenvolvimento econmico e a preservao do meio ambiente so necessrios preservao e avano da humanidade; o sacrifcio de um em detrimento do outro pode ter conseqncias graves. Desta forma, verifica-se a existncia de um impasse sobre o assunto. Como forma de resolver tal problema, recorre-se ao conceito de sustentabilidade, mais especificamente, de desenvolvimento sustentvel. Este permite o desenvolvimento econmico atravs de prticas de preservao do meio ambiente, permitindo que ambos os valores possam coexistir. A sustentabilidade, ento, traduz-se em prticas que permitem que o desenvolvimento e a preservao do meio ambiente aconteam no presente e continuem no futuro, no havendo um esgotamento nem de um, nem de outro. A tributao sustentvel, ento, deve buscar o mesmo equilbrio visto no desenvolvimento sustentvel. O conflito existente na questo tributria se d, de um lado, pela necessidade do Estado de obter recursos para suas atividades e, de outro lado, na capacidade contributiva do contribuinte. Se privilegiarmos o contribuinte, reduzindo a tributao, corre-se o risco do Estado ficar sem os recursos necessrios s suas atividades; todavia se privilegiarmos a tributao temos o risco de impedir o desenvolvimento econmico pela excessiva absoro de recursos do contribuinte. Desde logo se verifica que a tributao sustentvel traz um elemento de controle dos gastos do governo e o acompanhamento do contribuinte, de maneira que se encontre o ponto de equilbrio ideal, permitindo ao contribuinte recursos suficientes para sua necessidade e seu desenvolvimento e possibilitando ao Estado os recursos para suas atividades. A tributao que no observe a sustentabilidade acaba por funcionar no presente, mas torna-se invivel no futuro. O excesso de absoro de recursos do contribuinte pelo Estado deriva na sua estagnao econmica e no seu empobrecimento. Como a tributao incide sobre o patrimnio, a riqueza do contribuinte, fica claro que o excesso da tributao ocasiona prejuzo ela mesma, uma vez que o contribuinte empobrecido contribuir menos ao Fisco. No curto prazo, portanto, um aumento de incidncia tributria pode causar um aumento de arrecadao; no longo prazo, todavia, o aumento excessivo pode causar a diminuio do montante arrecadado, prejudicando o Estado. Da mesma maneira, o inverso prejudicial: a diminuio excessiva da tributao no primeiro momento beneficia o contribuinte, permitindo-lhe o aumento de sua disponibilidade financeira. Todavia, se a situao persiste por longo tempo, corre-se o risco de privar o Estado de recursos necessrios a investimentos em infra-estrutura, necessrios ao desenvolvimento econmico. O contribuinte ento no poder crescer pela falta de investimentos estatais, acabando por diminuir sua disponibilidade e seu crescimento. Demonstra-se, portanto, que o equilbrio na tributao imprescindvel para o Estado e seu desenvolvimento. A sustentabilidade na tributao est, portanto, em atingir o equilbrio entre a obteno dos recursos necessrio ao Estado e a preservao e aumento de riqueza do contribuinte, aumentando sua capacidade contributiva. Este equilbrio no s preserva a situao6 no curto prazo como permite a sua manuteno ao longo do tempo, de forma que o Estado possa arrecadar o suficiente e o contribuinte se desenvolver por longo perodo de tempo. A realidade atual tem demonstrado que estamos em uma situao de desequilbrio, em que o contribuinte tem sido sacrificado em demasia. Tal sacrifcio se d pela alta incidncia do tributo sobre sua riqueza, ou seja, pela alta tributao por ele experimentada sobre sua renda, consumo e patrimnio, mas tambm pela ausncia de servios pblicos correspondentes, levando o contribuinte a arcar com os custos dos mesmos. Ou seja, o contribuinte paga o tributo e mais servios que deveriam ser pagos pelo Estado, de forma que acaba pagando duas vezes pela mesma coisa. Conforme j visto acima, pronuncia-se uma crise no direito tributrio, que no consegue responder ao desequilbrio. Trata-se de uma falta de sustentabilidade da tributao que j mostra conseqncias graves ao contribuinte e para o Estado (mais para o primeiro que para o segundo). A longo prazo, as conseqncias podem ser ainda maiores. Como forma de responder esta questo, necessria a procura de critrios jurdicos que possam incorporar-se a anlise da tributao de maneira a restaurar e manter o equilbrio e sustentabilidade. A seguir, ser exposto como a tributao sustentvel necessita observar a finalidade da tributao para atingir seus objetivos. 3 TRIBUTAO SUSTENTVEL E FINALIDADE DO TRIBUTO Feitas as digresses acima, deve-se agora ingressar na anlise do tema central deste trabalho. Para tanto, analisaremos as finalidades dos tributos atualmente reconhecidas. Depois, verificaremos como a finalidade elemento essencial a uma tributao sustentvel. 3.1 FINALIDADE FISCAL E EXTRAFISCAL DO TRIBUTO Duas finalidades so classicamente identificadas para a tributao: a finalidade fiscal e a extrafiscal. Na finalidade fiscal, tem-se o tributo como instrumento arrecadador de receitas para a manuteno geral do Estado. Esta finalidade est geralmente identificada com os impostos, pois so cobrados da coletividade e no o produto da sua arrecadao no tem destino certo (o que, para os impostos, vedado pela Constituio Federal art. 167, IV). J na finalidade extrafiscal, deseja-se do tributo efeito diferente da mera arrecadao de recursos. Dele deseja-se que financie uma determinada atividade, ou que sua cobrana (ou iseno) estimule ou desestimule determinadas atividades. Verifica-se que as finalidades acabam impondo critrios distintos para a determinao do valor cobrado e da forma de incidncia.7 Na finalidade fiscal geralmente observa-se a capacidade contributiva, de forma que o nus da manuteno do Estado seja repartido igualitariamente entre todos. Ou seja, tal tributo incide de forma a recolher do maior nmero possvel de cidados o maior valor que cada um pode dar. Para se atingir tal intento surgem critrios para o dimensionamento da tributao, como a progressividade das alquotas em razo da base de clculo e a seletividade. Por outro lado surgem tambm limites para a tributao, como a preservao no mnimo vital e a vedao do confisco, que impedem que a tributao incida de maneira demasiadamente onerosa de forma a destruir o patrimnio ou prejudicar a subsistncia do contribuinte. Na finalidade extrafiscal, o critrio distinto. Como tal finalidade pretende financiar determinada atividade ou pretende estimular ou desestimular condutas, o valor do tributo deve ser adequado a estas finalidades. Ou seja, se o tributo se destinar a financiamento de uma atividade, seu valor deve ser suficiente para permitir uma arrecadao suficiente para tal fim. Da mesma forma, se um tributo tem a finalidade de desestimular determinada conduta, o valor cobrado deve ser o suficiente para que tal efeito seja obtido. Nota-se que a finalidade fiscal possui disciplina extensa sobre a capacidade contributiva e suas conseqncias. Todavia foca-se to somente na capacidade econmica do contribuinte, sem preocupao com a despesa que tal arrecadao sustenta. No h atualmente vinculao entre a despesa e a arrecadao, de forma que, do ponto de vista tributrio, a despesa praticamente no possui qualquer conseqncia jurdica. J quanto finalidade extrafiscal, inexistem parmetros certos para a mensurao. Mesmo tendo que atender a uma finalidade ou atingir um objetivo pela sua cobrana, tal finalidade tem sido usada para justificar aumentos tributrios. Ou seja, sob a justificativa de uma necessidade extrafiscal acaba-se criando e alterando tributos de forma a aumentar a arrecadao. Mascara-se, portanto, a fiscalidade com a extrafiscalidade, desvirtuando esta ltima. A determinao de que determinado tributo extrafiscal acaba permitindo que os critrios da capacidade contributiva sejam desrespeitados, instituindo-se tributos sem levar em considerao a capacidade econmica do sujeito e muito menos as finalidades que o tributo extrafiscal deseja atingir. 3.2 A OFENSA S FINALIDADES E O REFLEXO NA SUSTENTABILIDADE DA TRIBUTAO O mau trato das finalidades na aplicao da tributao acaba por gerar uma situao contrria sustentabilidade desejada. Por exemplo: o excesso de despesa pblica geral acaba gerando uma presso sobre a finalidade fiscal, para que a arrecadao aumente a fim de satisfazer a despesa. Deve-se reconhecer que, na finalidade fiscal, o tributo destina-se manuteno geral do Estado. Logo, se esta aumenta, em tese, deveria aumentar a arrecadao proporcionalmente. Esta idia trazida por NEUMARK (1974, P. 85) no princpio da suficincia8 dos ingressos tributrio, em que se determina que o sistema tributrio deve atender s despesas pblicas. Tal autor adverte, entretanto, que por despesa pblica deve-se entender aquilo que considerado necessrio e razovel: ...el principio de suficincia de los ingresos tributarios exige que la totalidad del sistema fiscal de um pais, bajo el supuesto de um racional equilibrio financiero vertical, se estruture cuantitativa y cualitativamente de manera tal que los ingresos tributarios permitan em todo nivel poltico la cobertura duradera de los gastos que este haya de financiar tributariamente. Desta forma, um aumento de despesa derivado de mau uso do dinheiro pblico e financiamento de despesas inteis ou desnecessrias no podem justificar o respectivo aumento do tributo. No observar a qualidade da despesa pblica e sua equivalncia com a receita ofende finalidade fiscal do tributo. Tal inobservncia pe em risco a sustentabilidade da tributao. Primeiramente que o excesso de onerosidade do tributo acaba por levar o contribuinte informalidade, reduzindo, portanto, a base de clculo e a arrecadao como um todo. E, em segundo lugar, a inobservncia do gasto pe em risco a legitimidade da imposio tributria, levando o contribuinte a mais facilmente sonegar, sabendo que o mesmo ser mal gasto. O mesmo destino tem o tributo que se pretenda extrafiscal, mas que acabe desvirtuando-se desta finalidade. Como j dito anteriormente, o tributo existe para arrecadar valores para determinada finalidade ou para que sua cobrana cumpra determinado objetivo. Se o tributo cobrado e no faz nem um coisa, nem outra, tem-se um desvio de finalidade que no pode ser aceito. Existem tributos que so justificados, to somente, pela finalidade extrafiscal que devem alcanar. Em outras hipteses, um tributo que geralmente presta-se a arrecadao de recursos para o Estado tem elementos de sua hiptese de incidncia alterados sob a justificativa de um incentivo ou desestmulo. Em ambas as hipteses, pode haver um aumento de tributos sob a justificativa extrafiscal. Ou seja, uma alquota de um tributo que seria considerada confiscatria normalmente pode ser justificada por uma finalidade extrafiscal. O mesmo ocorre com as exaes que so inteiramente justificadas por tal finalidade, ou seja, cobranas que s existem para ela. A diminuio arbitrria justificada por motivos extrafiscais tambm danosa, uma vez que pode levar a concorrncia desleal e diferenas indevidas entre contribuintes que deveriam contribuir igualmente. Assim, impe-se sobre a extrafiscalidade um controle das finalidades, sob pena de se mascarar um aumento de tributos sob a justificativa da extrafiscalidade. Assim, para a extrafiscalidade ser vlida e poder ser aplicada, deve-se aferir de modo claro se a alterao tributria ou o tributo justificados pela extrafiscalidade tem possibilidade de atender finalidade justificadora. E, depois de implementada a alterao ou tributo, deve-se constantemente analisar se a finalidade justificadora vem sendo atingida.9 O que se verifica no Brasil, atualmente, um aumento de carga tributria relacionado ao aumento do nmero e do valor das contribuies (principalmente sociais e interventivas). Estes so tributos que se justificam to somente pela finalidade que deve alcanar. Logo, o controle desta vital para a prpria validade do tributo. O desrespeito extrafiscalidade acaba por minar a tributao sustentvel, pois novamente tem-se uma conduo do contribuinte informalidade e a perda de legitimidade do tributo. Exemplo clssico entre ns o da CPMF, que foi instituda para atender sade e hoje nota-se que tal finalidade no sofreu qualquer melhora sensvel. O contribuinte lembra da finalidade do tributo, e reclama de pagar e no ver o resultado prometido. Para tal contribuinte, o tributo ilegtimo, pois no h a pertinncia devida entre a finalidade que justificou o tributo e a realidade atual da sade pblica. Assim, a falta de respeito pelas finalidades dos tributos elemento que contraria uma idia de tributao sustentvel. O constante desvirtuamento delas leva a um estado de insatisfao e beligerncia do contribuinte, que no legitima o sistema tributrio existente. A curto prazo, os aumentos de arrecadao so positivos para o Fisco, mas esta forma de tributao, a longo prazo, causa prejuzos para a economia e para o desenvolvimento. Havendo tais prejuzos, surgiro prejuzos para a tributao, que se reduzir em razo da diminuio da economia. 3.3 A OBSERVNCIA DAS FINALIDADES PARA A SUSTENTABILIDADE Ao iniciar a anlise sobre como as finalidades devem ser observadas para a busca de uma tributao sustentvel, deve-se, inicialmente, destacar que inexiste uma tributao puramente fiscal ou puramente extrafiscal. Um tributo que tenha a inteno de ser extrafiscal, de qualquer forma arrecadar valores aos cofres pblicos, pois inerente ao conceito de tributo tal situao. Ou seja, ele ter a justificativa, a inteno de ser extrafiscal, mas ter um efeito fiscal, que se trata da transferncia de dinheiro do sujeito passivo aos cofres pblicos2 . Uma medida que busque uma finalidade e que no trate de prestao pecuniria conforme definido pelo conceito de tributo est fora do campo da tributao extrafiscal, tratando-se de atividade administrativa de interveno no domnio econmico. Da mesma maneira, o tributo que se pretenda fiscal ter efeitos extrafiscais, ou seja, 2 Vejamos a hiptese de um tributo extrafiscal que tenha o objetivo de, com sua cobrana, desestimular determinada atividade. Caso este tributo arrecade zero, ele estar cumprindo plenamente com o desestmulo que pretende, pois ningum estar praticando a conduta sujeita ao tributo. Mesmo neste caso, visualizamos efeito fiscal potencial com a incidncia do tributo, pois caso algum contribuinte deseje praticar a conduta assim mesmo, haver o pagamento do tributo aos cofres pblicos. Uma atividade estatal que desestimule determinada conduta e que no seja realizada atravs da cobrana de tributo est fora do estudo do Direito Tributrio, sendo regulamentada apenas pelo Direito Administrativo.10 podem levar o contribuinte adoo de comportamentos diferentes em razo apenas da sua incidncia. Tais comportamentos do contribuinte, no caso da tributao que se pretende fiscal, no so desejados pelo sujeito ativo. Ou seja, o sujeito ativo pretende apenas arrecadar valores para a manuteno do Estado. Os efeitos extrafiscais observados so colaterais e, muitas vezes, imprevisveis. Tal situao j visualizada pela doutrina. Bem observa Costa (2005, p.X): A induo a certo comportamento pode no ter sido desejada pelo legislador ou sequer prevista por ele. o que ocorre quando um determinado ente tributante institui impostos excessivos, o que leva empreendimentos novos a se dirigirem para o territrio de outros entes tributantes.. Aqui o autor demonstra que os tributos tm efeitos fiscais e extrafiscais, pois um tributo institudo inicialmente para arrecadar valores, acaba por causar efeitos diversos da inteno inicial. Becker (1963, p.545), em seu Teoria Geral do Direito Tributrio, identificava a mudana na tributao de um sistema predominantemente fiscal para uma adoo maior da extrafiscalidade como forma de interveno do Estado na economia. Este autor aponta que todos os tributos teriam ambas as finalidades presentes: Neste ponto germinal da metamorfose jurdica dos tributos, a transfigurao que ocorre , em sntese, a seguinte: na construo jurdica de todos e cada tributo, nunca mais estar ausente o finalismo extrafiscal, nem ser esquecido o fiscal. Ambos coexistiro sempre agora de um modo consciente e desejado na construo jurdica de cada tributo; apenas haver maior ou menor prevalncia neste ou naquele sentido, a fim de melhor estabelecer o equilbrio econmico-social do oramento cclico. Neste trecho, Becker j apontava o que aqui se quer indicar. Ambas as finalidades coexistiro, mas de modo consciente e desejado. Ou seja, a instituio de tributos deve observar tanto os efeitos fiscais quanto os extrafiscais que sua aplicao ir gerar. Desta forma, tanto invivel a criao de um tributo que se pretende fiscal que no observe seus efeitos extrafiscais, como invivel o oposto. A partir do momento em que se pense, na aplicao e criao dos tributos em ambos os aspectos, teremos uma tributao sustentvel, que alcanar suas finalidades desejadas e no prejudicar o contribuinte e as riquezas sobre as quais incidem os tributos. A anlise conjunta dos efeitos e finalidades do tributo surte uma tributao sustentvel, j que nunca haver um excesso na cobrana, e tampouco haver falta de recursos para o Estado. 4 CONCLUSO Pelo acima exposto, conclui-se que, para que tenhamos uma tributao sustentvel, devemos observar os seguintes pontos: 1. necessria na instituio e cobrana dos tributos a observncia da finalidade que ele pretende atender (fiscal ou extrafiscal).11 2. Deve-se adotar a premissa que em todos os tributos coexistem a fiscalidade e a extrafiscalidade, reconhecendo-se que todos os tributos arrecadam dinheiro para os cofres pblicos (situao inerente ao prprio conceito de tributo) e todos os tributos, quando cobrados, causam algum efeito extrafiscal, mesmo que no previsto ou desejado. 3. Nos tributos ditos extrafiscais, h a necessidade de controle do efeito extrafiscal que desejam alcanar. Tal controle deve, antes da criao do tributo, verificar se este o instrumento mais adequado ao efeito que se deseja. Depois da criao do tributo, deve-se analisar se a sua incidncia tem atingido o efeito desejado. A inobservncia destes controles invalida o tributo, pois esta exao pode se tornar mera fonte de arrecadao sob a justificativa da extrafiscalidade. 4. Nos tributos ditos fiscais, devem-se controlar os gastos pblicos, mesmo que gerais, sustentados por eles. O fiscalismo tem ligao com a despesa estatal, devendo o tributo prover recursos suficientes para as despesas do Estado. Todavia, as despesas devem ser justas e necessrias. 5. Ainda nos tributos fiscais, necessrio observar os efeitos extrafiscais decorrentes de sua incidncia, visando evitar que um tributo que tem mero objetivo de arrecadar acabe por prejudicar a economia e o desenvolvimento. 6. Em qualquer das hipteses, a inobservncia de tais preceitos contraria a busca por uma tributao sustentvel, pois leva a um excesso de cobrana do contribuinte (o que diminui a riqueza e, portanto, a arrecadao) e uma perda de legitimidade da cobrana (pela falta de coerncia e atendimento das necessidades da sociedade que devem ser financiadas pelos tributos). REFERNCIAS BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributrio. So Paulo: Saraiva, 1963. COSTA, Alcides Jorge. Prefcio a SCHOUERI, Luis Eduardo. Normas tributrias indutoras e interveno econmica. So Paulo: Forense, 2005. HACK, rico. Contribuio de interveno no domnio econmico: destinao do produto arrecadado e finalidade como requisitos de validade. Curitiba: 2005, Pontifcia Universidade Catlica do Paran, Dissertao (Mestrado). NEUMARK, Fritz. Principios de la imposicion. Trad. Jos Zamit Ferrer. Madrid: Instituto de Estdios Fiscales, 1974. SMITH, Adam. Riqueza das naes: investigao sobre sua natureza e suas causas. Trad. Luiz Joo Barana. So Paulo: Abril Cultural, 1983. Vol. II. SOUSA, Rubens Gomes de. Compndio de legislao tributria. So Paulo: Resenha Tributria, 1975.