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LOU CARRIGAN BRIGITTE MONTFORT A TEIA DE ARANHA

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LOU CARRIGAN

BRIGITTE MONTFORT

A TEIA DE ARANHA

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CAPÍTULO PRIMEIRO O assassino encantador

— Mas como bem sabe, mister Pitzer, miss Montfort não

gosta que a perturbem quando está trabalhando em seu escritório — resistiu Peggy.

Charles Pitzer, chefe do Setor Nova Iorque da CIA, moveu afirmativamente a cabeça, dando razão à empregadinha de Brigitte.

— Sim, eu sei, Peggy. Entretanto, fique sabendo, por sua vez, que, se não se atrever a incomodá-la, invadirei imediatamente esse sacratíssimo escritório e...

— Não, não, não... Afinal de contas, miss Montfort é de muito bom gênio: vou lhe dizer que o senhor acaba de chegar.

— Assim está melhor. Ambos atravessaram o formidável apartamento, no

vigésimo sétimo andar do Crystal Building, em plena Quinta Avenida nova-iorquina, sobre o Central Park. Transposto o enorme living, tomaram por um amplo corredor adornado de magníficos quadros. E ali, muito apagado, chegou-lhes o rumor característico da máquina de escrever. Segundos depois, detinham-se diante de uma bonita e sólida porta. Peggy hesitou um instante, mas finalmente bateu com os nós dos dedos. Ouviram ainda durante um minuto as batidas nas teclas da máquina, depois soou a voz que ambos conheciam tão bem:

— Entre, Peggy. Esta entrou no escritório, que, como todo o apartamento,

possuía ar condicionado. A temperatura era primaveril.

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Sentada diante da mesa cheia de papéis, ainda com as mãos sobre o teclado na máquina, estava a mulher mais formosa do mundo: Brigitte Montfort, aliás “Baby”, a espiã nunca vencida. Seus maravilhosos olhos azuis fixaram-se expectantes na empregadinha. Sabia que, se esta a perturbava em seu trabalho, tinha que ser por algo tremendamente importante.

— Miss Montfort, acaba de chegar... — O tio Charlie? — interrompeu-a Brigitte. — Ele mesmo — assentiu Peggy, um tanto perplexa. — Que entre. E traga-nos café, sim? — Imediatamente, miss Montfort. Peggy retirou-se e Pitzer entrou. Brigitte levantou-se,

rodeou a mesa e foi ao encontro de seu chefe, com um doce sorriso nos lábios. Para surpresa de Pitzer, beijou-o em ambas as faces, o que o deixou atordoado. Depois, deixou-se cair numa poltrona, suspirando.

— Quase lhe agradeço por ter vindo interromper-me, tio Charlie... Sabe há quantas horas estou trabalhando em meu livro? Seguidas, naturalmente?

Primeiro, Pitzer teve que engolir em seco, pois a visão de sua espiã favorita em sutiã e calcinhas de um precioso tecido dourado, por baixo de um baby-doll transparente, deixava-o emocionado muito mais do que gostaria de deixar perceber...

— Não me ouviu? — Há?... — sobressaltou-se Pitzer. — Oh, sim! Mas

como posso saber... Cinco? — Nove horas. Pitzer ficou verdadeiramente assombrado. — Nove horas escrevendo a máquina? Que horror!

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— Estou arrasada. Quer me passar os cigarros, por favor?

Puser acendeu-lhe um, olhando-a intensamente. Brigitte expeliu a fumaça com grande satisfação mas, de súbito, seu olhar, fixando-se em seu chefe, tornou-se muito sério. Conhecia bem demais aquele homem que, já fazia tempo, a iniciara na espionagem. A noticia que ele me trazia não era boa. E nem simplesmente má, mas péssima.

— Mataram algum Johnny? — perguntou-me, quase num sussurro.

Ele assentiu com a cabeça. — Onde? — Em Roma. — Quando? — Há poucas horas. A notícia voou a Washington e, da

Central, veio a mim, para que a transmitisse a você, pois se considerou que me diria respeito de um modo especial, pessoal.

— Por quê? — Você esteve diversas vezes em Roma. Lembra-se

naturalmente do chefe de lá... — De Johnny-Roma? Sim, naturalmente. Foi ele a

vitima? — Não... ao contrário. — Como ao contrário? — Esse Johnny, chefe do Ponto Roma, assassinou pelas

costas um de seus homens e fugiu.... — Impossível! — quase gritou Brigitte, pondo-se de pé.

— Você não sabe o que está dizendo! Conheço Johnny-

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Roma há anos, desde aquela “Operação Estrela”, em que a CIA vendeu Número Um aos russos1... Não pode ser!

Charles Pitzer olhou-a afetuosamente. Sabia que a notícia não podia ser encarada de outro modo por sua querida espiã e dota-me fazê-la sofrer. Mas...

— Por que não pode ser? — murmurou. — Esse homem, afinal de contas, era somente um espião.

— Que quer dizer com isso? — “Baby” pareceu a ponto de agredir seu chefe, o que certa.-mente teria sido catastrófico para ele. — Que quer dizer com isso de que era somente um espião?

— Os espiões se compram e se vendem. Você o sabe melhor que ninguém. Não faz muito tempo, choveu em Istambul por isso... Lembra-se2?

Brigitte Montfort pareceu ter recebido um formidável impacto em pleno peito. Quase cambaleou... Deixou-se novamente cair na poltrona e esteve uns segundos mergulhada em sombrios pensamentos. Por fim, numa voz já natural, pediu:

— Quero conhecer agora mesmo os fatos, com todos os detalhes.

— Receio que não a possa informar a seu gosto, Brigitte... Sinto muito. Só lhe posso dizer que Johnny-Roma assassinou pelas costas um dos Johnnies que estavam às suas ordens e que fugiu, levando todo o material que tinha à sua disposição Refiro-me, naturalmente, a material de espionagem: Informações, localização de pessoal, códigos...

— Mas não pode ser. Por que haveria ele de fazer isso?

1 Ver novela intituladaa Operação Estrelas 2 Novela Pare, Olhe... e Morra!

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— A teoria mais razoável e eu diria que indiscutível é que o agente assassinado o surpreendeu em algum ato de traição, sendo por isso eliminado. Ao que parece, esse agente pôde feri-lo antes de morrer, embora se desconheça a gravidade do ferimento. Mas podemos ter noventa e cinco por cento de certeza de que Johnny-Roma, ferido, não pôde escapar de Roma, ainda. Acredita-se que esteja escondido em algum lugar da cidade, à espera de que o recolham aqueles que lhe pagaram a traição. A hipótese mais aceitável é de que tentarão levá-lo para o outro lado da Cortina de Ferro.

— É essa uma hipótese aceitável? Eu diria que, mais provavelmente, os russos o matarão, pois agora já não lhes vai servir de nada.

— Também é possível — admitiu Pitzer. Peggy entrou com o café, que serviu aos dois. Olhou-os

uns segundos, compreendeu que o assunto era sério e tornou a deixá-los sozinhos. Brigitte tomou seu café em silêncio. Durante mais de três minutos, não se pronunciou uma só palavra naquele escritório. Por fim, a melhor espiã de todos os tempos perguntou:

— Que estão fazendo nossos companheiros da Europa a respeito?

— Esperam instruções concretas. Enquanto isso, claro, foi dada ordem a todos os colaboradores para que notifiquem a possível localização de Johnny-Roma e o cerco foi organizado, de modo que pensamos não haver muita probabilidade de que ele possa abandonar Roma. Seria da maior conveniência encontrar esse homem o quanto antes, Brigitte.

— Que quer dizer exatamente?

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— Bem... Não se trata apenas de castigá-lo, o que é inevitável. Trata-se também de encontrá-lo vivo e obrigá-lo a confessar que trabalhos exatamente realizou para os russos, a quem conhece entre estes, que sistema utilizou para passar-lhes informações, que...

— Sim, sim, compreendo. Convém encontrá-lo o quanto antes... vivo, para... apertar-me os torniquetes.

— Isso. — E por que não o procuram intensamente, em vez de

aguardar instruções? Pitzer pigarreou. — A Central considerou que, como sempre, a morte de

um Johnny por assassinato ia merecer a máxima atenção de “Baby”. Além disso, há o fato de que já faz tempo que você conhece Johnny-Roma pessoalmente, encontrou-o várias vozes, teve-o trabalhando sob sua direção. Pensou que você talvez conheça alguns de seus costumes, ou amigos...

— Nunca dou muita intimidade aos Johnnies — cortou Brigitte. — Você bem sabe disso. Não por mim, mas por eles. Acho que os favoreço mais deste modo.

— Sim, eu sei. Entretanto, assim estão as coisas: na Central, pensou-se que você teria mais probabilidades que ninguém de encontrar Johnny-Roma. Talvez conheça alguma característica pessoal dele...

— Só lhe posso dizer que nunca me ocorreu pensar em Johnny-Roma como um traidor.

— Aí estão os fatos. Nada mais posso acrescentar. — Muito bem. A Central me manda ir a Roma? — Se a missão não lhe agrada, recuse-a... — murmurou

Pitzer. — É mau saber da morte de um companheiro. Ainda pior é inteirar-se de que foi assassinado por outro. Fiz ver à

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Central que, ultimamente, vimos abusando de você... Não no que concerne a suas condições físicas, que parecem inalteráveis, mas quanto ao seu moral.

— Olhe há com meu moral? — Você tem sido submetida a pressões excessivas, de

toda a espécie. Do ponto de vista emocional, talvez não lhe convenha este trabalho, Brigitte.

— Oh!... É uma grande delicadeza por parte da Central ter em conta essas coisas... Ou a Central está fora da jogada, tio Charlie?

— Bem, eu... — Compreendo: é coisa sua. — Sim. Em minha opinião, a busca. de Johnny-Roma

pode ser levada a termo sem que você participe. Creio que.. — Mas que é isso, tio Charlie? Está tentando convencer-

me de que não devo Ir a Roma? — Faço-o por seu bem. Eu... — Você sabe que irei a Roma. Sabe perfeitamente disso. — Fiz o que pude — suspirou Pitzer. Tirou um envelope do bolso e passou-o às mãos de

Brigitte, que o abriu, dele extraindo a passagem aérea em seu nome verdadeiro. O avião partia duas horas mais tarde.

— Não poderei usar meu verdadeiro aspecto — murmurou a espiã. — Johnny-Roma conhece-me perfeitamente. E se devo procurá-lo, não quero que ele possa me identificar antes que eu o localize. Mas resolverei isso por minha conta.

Alguma instrução especial? — Só uma: daremos aviso de que você vai chegar a

Fiumicino de avião, para que estejam à sua espera. A senha para o contato, se você está de acordo, será a dos cigarros.

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— Okay. Tanto faz. Pitzer indicou a passagem que Brigitte ainda tinha nas

mãos. — Se não perder esse avião, é possível que chegue a

tempo de ver o cadáver. — Eu jamais perdi um avião — disse ela, sombriamente. — Sei disso. Mas esta vez, francamente, preteriria que o

perdesse. — Que há com você, tio Charlie? — zombou Brigitte.

— Está se humanizando? — É possível... Não sei. Mas começo a me sentir

cansado. Cansado de mentiras, de confusões, de mortes... Cansado de mobilizar homens e mulheres que a qualquer momento podem perder a vida... Às vezes, penso que a espionagem Internacional tenha chegado a um ponto de... entendimento humano: espionamos, mas respeitamos vidas e idéias. Às vezes, parece que seja. assim. E súbito, torna a, aparecer a sua verdadeira face cruel. Estou... terrivelmente cansado, Brigitte.

— Por que não se aposenta? Já tem idade para isso, bem como méritos mais que suficientes para fazer jus a uma esplêndida pensão da CIA.

— Mas se me aposentasse, que espécie de cretino colocariam em Nova Iorque para dar... instruções a você? Façamos um trato: você se aposenta e eu também. Vou para a região dos lagos, fumar cachimbo e pescar. Você casa com Número Um, tem os quatro filhos que lhe profetizou a bruxa Mabanga e passa a viver tranqüila. Que tal?

Durante uns segundos, Brigitte esteve olhando sorridente para o velho espião que, sem dúvida alguma, amava como se fosse seu pai. Compreendia-o muito bem e agradecia-lhe

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aquela atitude pela primeira vez manifestada. Entretanto, moveu negativamente a cabeça.

— Não. Não, tio Charlie. Ele fez um gesto de assentimento, abatido. Terminou seu

café e dirigiu-se para a porta. — Até a volta, querida — murmurou. A espiã mais perigosa do mundo ficou sozinha,

pensativa. Olhou a passagem aérea que ainda tinha nas mãos e em seu belo rosto apareceu uma expressão de tristeza. De profunda tristeza. Na verdade, sentia vontade de chorar. Não só pela morte de Johnny, mas também pelo fato de que o assassinasse Johnny-Roma, um amigo, um companheiro, seu chefe local...

Era possível isso? A tão baixo nível, realmente, podia-se chegar na espionagem? Lembrou-Se de Johnny-Roma, como se ele estivesse ali mesmo, graças à sua memória fotográfica: alto, elegante, simpático, sorridente, louro, de inteligentes olhos claros... Era um rapaz encantador. Entre as outras muitas ocasiões em que tivera que recorrer a ele, lembrava-se particularmente da primeira vez, quando ele a pusera na rota para o primeiro encontro com Número Um. Só por isto, lembrava-se de Johnny-Roma com uma afeição especial. E agora, como outro espião qualquer, como qualquer outro agente secreto do mundo, tinha-se vendido... Se o tornasse a ver, talvez encontrasse ainda em seus olhos claros o olhar amável de bom rapaz metido em jogos nos quais se pode perder a vida...

De qualquer modo, por que se queixar? E por que se queixar justamente a CIA, a grande recordista em jogadas sujas? Como aquela mesma da “Operação Estrelas”... Por que se queixava a CIA, capaz de planejar as maiores

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torpezas, capaz de vender seu melhor homem, Número Um, para obter um êxito parcial?

Levantou-se bruscamente, foi até a mesa e, num pequeno pedaço de papel, escreveu a mão uma brevíssima mensagem, depois de agitar a preciosa campainha de prata.

Quando terminou de escrever, Peggy já estava diante dela, esperando.

— Envie este telegrama pelo telefone, Peggy. Urgente. Depois, prepare minha bagagem. Destino: Roma.

— Pois não, miss Montfort. Peggy saiu do escritório, diretamente para o telefone do

living. Desenganchou o aparelho, enquanto olhava o endereço do telegrama. Um endereço que não a surpreendeu, pois já havia anos que estava com “Baby” e tinha aprendido que, com ela, tudo tinha uma justificativa, sempre. Embora não o entendesse, sabia que aquele texto formava sentido e revestia-se de importância.

Este era o texto do telegrama urgente: CHARLOTTE MARTEL ROMA ALBERGO STEOMBOLI

BRIGITTE * * *

O homem devolveu o passaporte, desolado, pois se tivesse dependido dele o guardaria para sempre... junto com sua dona.

— Bem-vinda à Itália, signorina — sorriu, transformado em puro mel.

E quando a passageira se afastou, levantou os olhos para o céu, tomando-o por testemunha da injustiça que se cometia com ele: tinha que ficar ali, enquanto aquela belíssima ragazza de olhos azuis ia para longe, cada vez para mais longe de seu alcance... Sorte ingrata!

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A passageira dos olhos azuis saiu ao grande vestíbulo do aeroporto de Fiumicino e, sem hesitação, dirigiu-se para o toalete, onde ocupou um dos compartimentos. Fechou a porta, colocou a maletinha vermelha com diminutas flores azuis sobre a tampa do vaso sanitário, abriu-a e, ato contínuo, despiu-se, ficando somente de

subi e calcinhas. Virou o vestido pelo avesso, com o que ele se tornou de outra cor, e acrescentou-lhe uma espécie de Leio babado, sujeitando-o por meio de presilhas à borda da saia. Depois, olhando-se num espelho, colocou una pequenos e transparentes aros de plástico nas fossas nasais. Também colocou nos lados da boca umas almofadinhas de espuma. Finalmente, umas escuras lentes de contato cobriram suas maravilhosas pupilas cor do céu. Trocou de sapatos, pôs vários anéis em ambas as mãos e fez os negros cabelos desaparecerem sob uma peruca cor de cobre. Para completar o disfarce, óculos de sol.

Consultou seu relógio e dispôs-se a esperar. Quando calculou que no toalete não restaria mulher alguma das que a tinham visto entrar com seu verdadeiro aspecto, cobriu a maletinha com uma capa preta, perfeitamente ajustada.

Feito isto, saiu do compartimento e, segundos após, outra vez no grande vestíbulo, dirigiu-se a um dos carregadores. Em italiano perfeito, pediu-lhe que fosse buscar sua bagagem, entregando-lhe o talão e dizendo-lhe que o esperava fora.

Seis ou sete minutos mais tarde, o homem saia, empurrando seu carrinho, que continha as duas maletas. Viu-a e foi até ela, perguntando-lhe se desejava um táxi.

— Não, obrigada: estou esperando um amigo. A disfarçada passageira pagou os serviços do carregador e ali

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ficou, de pé, esperando durante alguns minutos. Depois, com visível impaciência, abriu a maletinha agora preta, sacou um maço de cigarros e dispôs-se a tirar um... Que desastrada! Não saiu um cigarro, mas vários, e, ao querer evitar que caíssem no chão, a única coisa que conseguiu foi que o maço escapasse de suas mãos, juncando o solo de cigarros.

Um rapaz que passava por ali se apressou a ajudá-la, sorrindo, e ela sorriu-lhe também, atrapalhada, agradecendo-lhe... Por fim, pôde acender um cigarro, enquanto o homem que a estivera olhando desde que ela deixara cair o maço começava a aproximar-se, contemplando-a expectante, com irreprimível curiosidade... e um certo desencanto.

Deteve-se diante da recém-chegada, quando esta já acendera o cigarro. E olhou-a atentamente, diretamente, enquanto ela, imperturbável, sustentava o olhar daquele atlético indivíduo.

— Eu lhe teria ajudado a recolher os cigarros — murmurou ele — mas esse rapaz se adiantou.

— Não tem importância — disse ela. — O importante é que já estou fumando.

O atleta assentiu com a cabeça, sorrindo, ainda entre espantado e desiludido.

— “Baby”? — perguntou. — Da CIA — acrescentou ela. — Temos carro, Johnny? — Lógico. E o tempo justo, se quer ver nosso

companheiro. Está num furgão, perto daqui, pronto para ser transferido a uma avioneta particular, que o levará a...

— Esses detalhes não me interessam. Vamos vê-lo.

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Johnny tomou uma das maletas em cada mão e pôs-se a caminhar para o estacionamento. Pouco depois, o carro estava em marcha. Deixaram Fiumicino par atrás, tomando a rodovia que levava a Roma. Cinco minutos mais tarde, viravam para a esquerda, percorrendo uma estrada secundária que, ao término de dois quilômetros, saia num caminho de terra. Detiveram-se junto a um furgão, ao lado do qual estavam três homens. Um deles trajava um macacão branco. Os outros dois estavam vestidos de maneira comum, como o Johnny do aeroporto. Fazia um calor terrível, mas tudo pareceu mudar, quando se colocaram à sombra do furgão, que por sua vez estava à sombra de uns pinheiros.

O homem do macacão branco contemplava com curiosidade a mulher recém-chegada. Os outros dois, em silêncio, estenderam-lhe a mão e, em seguida, dirigindo-se à parte traseira do veículo, abriram-na e afastaram-se. “Baby” entrou, sem ajuda de ninguém, mostrando suas belas pernas de pele dourada. Dentro havia uma grande caixa de madeira, com a palavra “frágil” em diversos lugares e flechas que indicavam a posição em que devia ser transportada. Conteúdo: televisores.

Mas não. Ali não havia televisores, certamente, mas um homem.

Um homem morto com dois balaços nas costas. Seu rosto estava rígido, mas uma das mãos da espiã internacional deslizou por ele, lenta, docemente, numa suave carícia que se repetiu várias vezes. Por fim, ela virou-se para os dois homens que lhe tinham estendido a mão e o do aeroporto, que estavam contemplando sombriamente, mudos, de pé diante da traseira do furgão.

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— Sabe-se alguma coisa de Johnny-Roma? — perguntou-lhes.

O que tinha ido esperá-la no aeroporto moveu negativamente a cabeça. Ela virou-se para olhar o Johnny morto, depois baixou a tampa da caixa. Saiu do furgão, Olhou para o homem do macacão branco e fez-lhe um sinal.

— Obrigada... — murmurou. — Pode prosseguir. O homem olhou o Johnny do aeroporto, este assentiu

com a cabeça e, segundos depois, o pequeno furgão se afastava, rumo a Fiumicino.

“Baby” sentou-se à sombra, sobre a relva, e acendeu outro cigarro. Ergueu o olhar para os três sombrios Johnnies e sorriu-lhes amavelmente, enquanto batia com a mão espalmada no solo, junto a ela. Os três sentaram-se e ela indicou-os um por um, começando pelo do aeroporto.

— Johnny I, Johnny II e Johnny III. O que vai no furgão é Johnny-Morto. O outro é Johnny-Roma. De acordo?

— De acordo. — Agora, contem-me tudo com o máximo de detalhes.

Fumem, se quiserem. Deixou o maço de cigarros no chão. Johnny I tirou um

cigarro e, depois de acendê-lo, murmurou entre pensativo e acabrunhado:

— Temo que o máximo de detalhes será bem pouco, “Baby”.

— Conte o que sabe. — Bem... A coisa é simples, na verdade. Nós estávamos

fora de Roma e, ao regressarmos, chamamos... Johnny-Roma para notificá-lo de que não havia novidades. Cada um de nós tinha Ido a um lugar diferente, para...

— Isso não Importa, Johnny.

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— Claro. Bem, chamamos Johnny-Roma pelo rádio e não tivemos resposta. Então telefonamos para seu apartamento. Tampouco houve resposta. De modo que nos reunimos os três — indicou seus dois companheiros e a si mesmo — e fomos ao apartamento de Johnny-Roma. Estava trancado, mas utilizamos uma gazua. Vimos... Johnny-Morto, estendido no chão, perto da. cozinha e virado para esta.

— Já estava morto? — Sim, sim. Calculamos que tinha morrido Da. noite

anterior. Junto a ele, no chão, estava sua pistola, disparada uma só vez. Pareceu-nos claríssimo que atirara para a cozinha, por isso entramos lá. Não havia ninguém. A janela estava aberta e, no peitoril, havia manchas de dedos ensangüentados. Olhamos pela janela. Dava para um pátio interno, dois andares mais abaixo. É um pátio abandonado, cheio de mato crescido, detritos... Um muro o separa da. rua traseira.

— Conheço bem o apartamento de Johnny-Roma. — Ah... Não havia ninguém no pátio, mas ele — indicou

um de seus companheiros — saltou e, em alguns arbustos rasteiros, viu manchas de sangue. Também as viu perto do muro. E na borda deste, como se alguém com a mão ensangüentada a tivesse agarrado, para saltar o muro. Concluímos que quem tinha assassinado Johnny-Morto escapara por ali, saltando de dois andares e escalando o muro, embora o tivesse atingido o tiro disparado por sua vitima. É evidente que o assassino está ferido.

— Perdão. Pelo que estou ouvindo, vocês não têm certeza absoluta de que o assassino seja Johnny-Roma, não é assim?

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— Bem... — Viram-no disparar contra nosso companheiro? — Não, não... — Essa não foi a conclusão que tirei quando me

informaram! Pelo que me disseram, parecia não haver a menor dúvida a respeito da culpabilidade de Johnny-Roma. E o que vocês me contam oferece uma ampla margem de dúvida... Ou não?

Os três homens olharam-na quase enfarruscados. — Nós não sabemos o que lhe disseram na Central, nem

temos nenhum interesse em que o homem que foi nosso chefe seja Incriminado — declarou Johnny II, enfático. — Entretanto, os fatos são os fatos e os dados que temos não podem ser interpretados de outra maneira.

“Baby” Olhou-o consternada. — Está bem... Está bem... Que dados concretos são

esses? — Vejamos o que pensaria você de tudo isto: nós três

estamos fora de Roma e, ao voltarmos, encontramos um companheiro morto pelas costas no apartamento de nosso chefe. Nosso chefe não está, nem responde nossos chamados pelo rádio de bolso. Tampouco estão em seu apartamento seus documentos pessoais, nem nenhuma espécie de material que sabemos lá existir. Tudo, começando por ele, desapareceu. E só resta nosso companheiro, morto no apartamento de Johnny-Roma. Que pensaria você?

— Não sei — murmurou “Baby”. — Não sabe? Bom, nós pensamos que Johnny-Roma

tinha uma visita em seu apartamento, quando chegou Johnny-Morto. Este, ao ver a visita de nosso chefe, deve ter

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compreendido que se encontrava em situação perigosa, em dado momento sentiu-se encurralado e correu para a cozinha, disposto a saltar pela janela... Não lhe deram tempo: meteram-lhe duas balas nas costas, uma cada um...

— Como sabem isso? — As duas balas eram diferentes. Por isso, e porque

Johnny-Roma pôde saltar a janela, apesar de ferido, pensamos que havia alguém com ele e que Johnny-Morto os surpreendeu.

— Compreendo. Mas talvez tenha sido a outra pessoa quem ficou ferida, não Johnny-Roma.

— Poderia ser assim — admitiu Johnny I. —Mas duvido.

— Por quê? — Se a outra pessoa tivesse ficado ferida, bastaria a

Johnny-Roma desfazer-se do cadáver de Johnny e continuar em seu apartamento, como se não soubesse de coisa alguma. Mas, se o ferido foi ele, compreendeu que nos teria que dar explicações. E se nós, sabendo-o ferido e não encontrando Johnny-Morto, começássemos a combinar os fatos, a situação poderia tornar-se má para ele. Portanto, já que tudo se tinha complicado, era melhor escapar tranqüilamente, levando todos os seus documentos, códigos etc. Com o que, além da vantagem que isso significaria para os russos, deixou-nos desorganizados, desmantelando nossa rede em Roma.

— Sabem vocês com certeza que ele se passou para os russos?

— Para quem mais se passaria? — Para qualquer outro serviço. Poderia ser, não? — Poderia ser. Mas... que diz você?

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— Realmente: o mais provável é que se tenha passada para os russos... se for verdade que nos traiu.

— Você ainda duvida? Agora é fácil de compreender a evasão de informações que durante meses e meses nos preocupou...

— Que evasão de informações? — Estávamos convencidos, faz tempo, de que os russos

tinham conhecimento de praticamente todas as nossas atividades... Refiro-me à rede de Roma. Sem dúvida alguma, isso significava uma evasão em nosso grupo, mas não o queríamos admitir. Agora, creio que a coisa está bem clara e já notificamos a Central neste sentido. Não lhe puseram ao corrente desse detalhe?

“Baby” parecia abatida pela evidente importância daquele último dado.

— Não passei pela Central — murmurou. — Pois devia ter-se informado melhor antes de vir

aqui... — Não lhe fale assim — interveio Johnny III. — Bem... Desculpe, “Baby”. Reconheço que me

excedi... — Não se preocupe. Johnny: eu merecia ouvir isso. — Desculpe-me, por favor — insistiu Johnny I. — Mas esse dado de evasão de informações já fazia

tempo que constava na Central, O próprio Johnny-Roma viu-se obrigado a comunicá-lo, pois não poderia aparentar que não se dava conta... E como sabemos que você sempre trabalha em base segura, pensei que dispusesse de todos os elementos...

— Apenas tive tempo de tomar o avião. E não se fala mais nisto. É natural que vocês estejam irritados. Afinal de

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contas, tendo em vista as circunstâncias, deve-se considerar que durante todo este tempo vocês três estiveram sob a mira dos russos.

— Foi justamente Isso o que pensamos. E não me parece coisa que sirva para alegrar ninguém.

— Claro. E seria conveniente que se ausentassem de Roma porque... Não?

Olhou um por um os Johnnies, que por sua vez a olharam como se ela acabasse de esbofeteá-los.

— Ausentar-nos de Roma? Nós? De maneira nenhuma! — protestou Johnny I.

— Olhe, eu os compreendo, Johnny: vocês querem encontrar Johnny-Roma e imagino que não será para felicitá-lo. Isso me parece muito humano. Mas se nossos inimigos conhecem vocês...

— Eles também a conhecem. — A mim? Oh, não! — Johnny-Roma a conhece e a indicará. Isso, se já não o

fez... Parece-me absurdo que os russos disponham de um “retrato” seu, feito de acordo com a descrição de Johnny-Roma?

— Se assim fosse, já me teriam vindo matar faz tempo. Os três ficaram silenciosos, olhando-a. Súbita, Johnny

III ergueu a mão. — Suponhamos que Johnny-Roma tenha estado se

reservando esta chance. Enquanto esteve ganhando dinheiro, não a delatou, pois isso poria toda a CIA em polvorosa. Mas agora que a situação se arruinou para ele, pode ser que dite seu “retrato” aos russos, para cobrar esses quinze milhões de rublos que eles oferecem por sua cabeça.

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Poderia ser seu serviço final aos soviéticos, depois se retiraria milionário de toda esta m... de espionagem.

— É uma boa teoria — assentiu “Baby”, estremecendo. — Entretanto, vim preparada. Vocês não repararam em meu disfarce?

— Não... — Pois isso me alegra — sorriu ela. — Contando com a

possível traição de Johnny-Roma, tomei um aspecto que ele absolutamente não conhece. Portanto, não corro perigo. Vocês, sim,

— Mas, se abandonarmos Roma, quem apoiará você quando necessitar de ajuda?

— Eu sempre tenho meus próprios recursos. — Que recursos? — São muito pessoais, Johnny. Estou pensando numa

coisa: se Johnny-Roma e seu cupincha russo eliminaram Johnny-Morto, por que fugiram pela janela da cozinha?

— Como? — os três ficaram pasmos. — Por que saltar pela janela da cozinha? São dois

andares. Altura suficiente para quebrar a cabeça ou, pelo menos, uma perna. Tinham a porta ao seu dispor, não é assim?

Os três Johnnies pestanejaram, atônitos. — Bem... Isso é verdade. Sem dúvida! Podiam ter feito

as coisas muito melhor: limpar o sangue, trocar de roupa, sair tranqüilamente... Inclusive poderiam ter levado o cadáver de Johnny. Tinham o campo livre, pois nós estávamos longe... Não entendo!

— Só há uma explicação — murmurou “Baby”. — Qual?

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— Johnny-Roma teve forçosamente que sair pela janela da cozinha.

— Por quê? — Talvez estivessem atirando contra ele. — Quem? — Não sei... Tudo pode ter acontecido de outro modo:

talvez Johnny-Roma e Johnny-Morto estivessem no apartamento do primeiro, quando chegaram outros homens que fizeram fogo contra ambos; mataram Johnny-Morto e Johnny-Roma pôde escapar...

— Deixando a porta trancada por dentro e levando todos os seus documentos? Pode fazer isso um homem que está escapando de uma agressão direta e imediata, a tiros?

— Talvez tenham sido os outros que fecharam a porta por dentro, apoderaram-se dos documentos e depois saíram também pela janela da cozinha.

— Por que teriam que correr esse risco, se podiam sair calmamente pela porta? Além disso, não lhes seria fácil encontrar o esconderijo onde Johnny-Roma guardava seus documentos... Não. Nós pensamos que as coisas aconteceram como lhe disse. E se Johnny-Roma, antes de escapar com os documentos, fechou a porta por dentro foi para que demorasse a encontrar Johnny-Morto.

Durante uns segundos, “Baby” olhou fixamente para Johnny I. Depois suspirou e assentiu com a cabeça. Os três espiões a olhavam com simpatia e Johnny II declarou:

— Nós também tentamos agarrar-nos a toda uma série de probabilidades, antes de admitir a única que não comportava objeções. O assunto é triste e odioso ao mesmo tempo mas, por enquanto, só podemos pensar da maneira que lhe foi exposta. Há outro detalhe que deve ser tomado

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em conta: por que Johnny-Roma não responde a nossos chamados pelo rádio de bolso?

— Pode não se encontrar em condições de responder. Está ferido...

— Um homem que saltou de dois andares não está, em condições de responder a um simples chamado pelo rádio, mesmo ferido? — replicou Johnny II.

Novamente “Baby” ficou silenciosa uns segundos. Par fim, disse:

— Está bem. Podem me facilitar alguma pista? — Nenhuma. Pensamos que se alguém pode encontrar

Johnny-Roma, esse alguém é você. — Tentarei. Mas Roma é muito grande... e os traidores

sabem esconder-se muito bem. No momento, irei alojar-me na cidade. Estarei no Albergo Stromboli, com, o nome de Charlotte Martel, francesa. Descansarei um pouco, depois irei dar uma olhadela ao apartamento de Johnny-Roma. Suponho que vocês tenham agido com discrição e que posso ir lá sem complicações...

— Sim, claro. — Bem. Outra coisa: gostaria igualmente de dar uma

olhadela ao apartamento de Johnny-Morto. Onde fica? — Em Monte Mano, acima da Cidade do Vaticano. No

número 23 da Via Labriola. Saberá encontrá-lo? — Saberei. Conheço bastante Roma. Naturalmente, Irei

sozinha. — Mas... — Se precisar de vocês, chamarei pelo rádio de bolso.

Mas enquanto isso, permaneçam escondidos e inativos: um Johnny morto já é o suficiente. E não se preocupem por mim. Faz tempo que aprendi a me cuidar.

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— Sabemos disso, mas... Bem, de acordo. Entretanto, se chegar a descobrir onde está John-ny-Roma, não cometa a loucura de ir buscá-lo sozinha. Prometido?

— Johnny-Roma não atiraria contra mim — afirmou “Baby”.

— Não? Bom, pois já matou, ou interveio na morte de um de nossos companheiros, com o qual esteve trabalhando por mais de dois anos. Há outro detalhe, além disso: se o encontrar, ele não estará só.

“Baby” mordeu os lábios. — Terei isso em conta. Agora, levem-me a Roma.

Saltarei no cruzamento Via Cristoforo Colombo-Via Marconi e tomarei um táxi para chegar ao Albergo Stromboli. Almoçarei, dormirei duas horas, depois irei examinar esses apartamentos. Não obstante, se enquanto isso souberem de alguma coisa, comuniquem-se imediatamente comigo. E imediatamente só significa imediatamente. Certo?

— Certo. Os quatro tomaram o carro e partiram para Roma.

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CAPITULO SEGUNDO O pobre Enrico Voltari

O Albergo Stromboli, situado na Via Panisperna, era de

segunda classe, quer dizer, um hotel onde normalmente nunca se teria hospedado a espiã de luxo da CIA. Mas em espionagem a palavra normalmente tem uma ampla gama de significados. Um deles era que o normal, dada a situação, aconselhava “Baby” a hospedar-se.

Sim, alguém havia reservado aposentos para mademoiselle Martel. Tais aposentos tinham o número 12. Um boy muito jovem, com cara de malandro simpático, acompanhou-a até lá, aceitou a gorjeta, piscou-Lhe um olho e deixou-a sozinha. Era um quarto pequeno e não havia banheira, apenas um chuveiro. Uma diminuta janela muito alta devia dar ao interior do edifício, a uma área interna. Outra janela, mais ampla, permitia ver, do quarto, a Via Panisperna e, ao longe, o Fórum Romano e um pedaço do Coliseu.

— Já é alguma coisa — murmurou “Baby”. Foi até a mesinha de cabeceira, onde, num copo com

água, havia uma rosa vermelha. Tomou-a, aspirou-a e sorriu. Tornou a deixá-la no copo, despiu-se completamente, tirando todos os componentes de seu disfarce, depois tomou um chuveiro frio.

— Deveria almoçar — dizia-se, enquanto se enxugava — mas a verdade é que não tenho o menor apetite.

Antes de acabar de enxugar-se, tomou urna súbita decisão. Tirou o radinho da pequena maleta e apertou o

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botão de chamada. Imediatamente, ouviu urna voz masculina:

— Alô. — Não — disse ela. — Não estou chamando vocês,

Johnny II. Quero falar com Johnny-Roma. Mantenham-se em silêncio... Está me ouvindo, Johnny-Roma? Quem fala. é “Baby”, acabo de chegar... Está me ouvindo?

Esperou uns segundos, mas, na hipótese de que, de seu esconderijo, Johnny-Roma a estivesse ouvindo, não parecia ter intenção de dialogar.

— Ouça bem: sou “Baby”, estou em Roma... Quero falar com você, Johnny-Roma. Nas condições que você estabelecer. Diga-me onde, quando o como quer que nos avistemos. Está me ouvindo, Johnny? Sou “Baby”.

Permaneceu em silêncio, à espera, tanto tempo, que por fim tornou a ouvir a voz de Johnny II, num sussurro.

— Já lhe disse que ele não responde, “Baby”. — Não se meta nisto! — Desculpe-me — pediu Johnny II, com tom pesaroso. — Desculpe-me você... — murmurou ela. — Sinto

muito. — Você não é a única pessoa a quem este assunto altera

os nervos — admitiu amavelmente Johnny II. — Não se preocupe, compreendo-a muito bem. E se me permite um pouco de chateação, ele não responderá.

— Sim, parece... Bem, vou descansar um pouco, depois irei ver seu apartamento. Adeus.

— Adeus, “Baby”. Fechou o radinho, estendeu-se completamente nua na

cama e acendeu um cigarro. Fazia um calor terrível em

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Roma. Espantoso. E naquele quarto não havia o menor vestígio de refrigeração...

— Vai ser um risco estúpido ir lá em pleno dia... — observou. — É muito possível que os “amigos” de Johnny-Roma estejam vigiando seu apartamento: é o único meio que têm para poder caçar os três Johnnies que restam, já que, obviamente, terão compreendido que eles não serão loucos a ponto de aparecer por seus domicílios habituais, sabendo que Johnny-Roma os terá delatado. Por outro lado, para que podem querer eliminar mais um Johnny? Seria absurdo comprometer-se em algo que não lhes trará nenhum beneficio, pois a traição foi descoberta. Mas... Sim. Johnny-Roma é inteligente... e me conhece bem. Sabe que a noticia do assassinato de um Johnny teve que ser enviada a “Baby” e que eu jamais perdôo isso. Já deve saber que estou em Roma. E é muito provável que queira ganhar esses quinze milhões de rublos... Admito isto como possível? Talvez. Pode ser que ele tenha ditado meu retrato a um desenhista do MVD e que este já tenha colocado vários homens perto do apartamento de Johnny-Roma para caçar-me... Será mesmo certo que Johnny tenha feito isto?

Gostaria de poder responder negativamente a si mesma. Porém, não fazia muito que, por dinheiro, agentes da CIA tinham-se transformado em traidores. Então, ela havia chorado... havia chovido sobre Istambul. Por que se aferrar à esperança de que Johnny-Roma fosse melhor que os outros Johnnies? Todos os espiões, exceto os privilegiados como ela, estão sempre submetidos às mesmas pressões: temor, angústia, salário escasso... A vida sempre pendente de um fio, por uns quantos dólares. Por que não admitir que Johnny-Roma, finalmente, cansara-se de um pagamento

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mesquinho e resolvera enriquecer, já que estava arriscando a vida em seu trabalho?

Um pensamento começou a latejar em sua mente: seria ela capaz de trair a dIA, a seus amigos? Por dinheiro, não, claro. Embora talvez isso não se constituísse em nenhum mérito, já que possuía fortuna.

Nos Estados Unidos, tinha meia dúzia de milhões de dólares. Outros tantos no Brasil. E o dobro em bancos da Suíça... Não. Por dinheiro, não. Possuía vários milhões, que fora reunindo em diversas aventuras de grande porte. Sua fortuna era tão grande, que já era tempo de ir pensando em fazer algo verdadeiramente útil e nobre com ela. Sim, talvez já tivesse chegado o momento. E se necessitasse de mais dinheiro, poderia pedi-lo. Era capaz de reunir numa semana algumas dezenas de milhões. Número Uru colocaria em suas mãos até o último centavo que tivesse. E outros muitos, inclusive reis, Presidentes, Ministros, amigos particulares... Não era para ela nenhum mérito deixar de cometer traição por dinheiro.

E Johnny-Roma? Tinha-o feito por dinheiro, realmente? A pergunta ficou sem resposta. Mas surgiu outra: por qual motivo ela trairia a CIA, a seus amigos, chegando ao extremo de matar um destes? Só encontrou uma resposta: evitar maiores males.

Era este o caso do simpático, do amável, do encantador Johnny-Roma?

Talvez. — De qualquer modo — concluiu —, será melhor que

eu vã a seu apartamento de noite. Uma gatinha como eu tem mais probabilidades de escapar a uma cilada de noite que de

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dia. Sim: irei primeiro ao apartamento de Johnny-Morto. E quando escurecer, ao de Johnny-Roma.

Então, adormeceu. * * *

Despediu o táxi na Piazza del Eroi, junto à junção da Via Cipro com a Circonvalazione Trionfale. Subiu pelo Viale delle Medaglie d’oro e deteve-se ao extremo da Via Labriola, contemplando a rua com certa expectativa. Ninguém parecia interessado em sua pessoa. Apenas um ou outro homem a olhava com certo ar de troça. dado seu extravagante aspecto; naturalmente teria desmaiado de emoção, se a pudesse ver tal qual era, sem aquele disfarce de francesa feia e grotesca, com aquela peruca cor de chocolate, os sapatões de grosso salto quadrado...

Quase cinco minutos mais tarde, depois de ter dado duas voltas contemplando as vitrinas, detinha-se diante do número 23. Meteu-se no portal sem hesitar e sorriu ao ver o grande pátio ao fundo, para o qual dava uma galeria suspensa com uma ampla escada de velhas pedras gastas, que era preciso subir para chegar aos apartamentos. Era um edifício muitíssimo parecido com outros que conhecera anos atrás, numa de suas viagens a Roma, quando realmente começara a falar italiano3...

A esquerda, estavam as caixas para a correspondência. Olhou-as, indecisa. Não sabia que nome Johnny-Morto utilizava em Roma. Como, então, encontrar seu apartamento? Repassou os nomes escritos lá onde só havia um: Nando Tornazzi. Representante.

Ideal para acertar.

3 Ver UM CASO ITALIANO

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Subiu a escadaria, procurou a porta 4 e deteve-se, olhando para ambos os lados. Havia uma calma terrível no ambiente e uma grande mancha de sol caía no pátio pelo retângulo descoberto do edifício. Roma, sufocada pelo calor, parecia dormir a sesta. Tinha cruzado o Tibre pela ponte Vittorio Eminanuele e vira o rio completamente seco: só um tênue fio de água corria junto a uma das margens; o resto parecia um deserto de terra seca, gretada. Terrível.

Meteu na fechadura a gazua que trazia preparada, girou-a duas vezes para a esquerda, outras tantas para a direita... dique. Empurrou a porta, entrou e tornou a fechar. Silêncio absoluto... e uma escuridão também quase absoluta.

Somente no fundo, um pouco de claridade solar, que devia provir de alguma janela aberta. Era um apartamento grande, sem dúvida desmantelado. Um daqueles onde se amontoam velhas e numerosas famílias italianas. De muito longe, como aprisionado pelo calor, chegou-lhe o choro de uma criança, em seguida a voz irritada de uma mulher, a mãe certamente...

Em menos de dois minutos, os olhos da maia audaz espiã do mundo tinham-se adaptado à penumbra. Já distinguia os grandes e vemos móveis. Poltronas, cadeiras, uma mesa... Por onde começar a busca? E o que buscava, afinal?

Resolveu começar pelo quarto do fundo, aquele onde se via a luz solar.

Sem fazer o menor ruído, dirigiu-se para lá e parou no umbral. Através da porta aberta, viu os pés da cama, à sua direita. A esquerda, a janela, com as venezianas fechadas. Mas pelos interstícios filtrava-se aquela claridade que permitia uma visão satisfatória.

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Deu um passo para dentro... e, justamente então, dois sentidos ao mesmo tempo levaram-lhe o brusco alarma ao cérebro: seu finíssimo ouvido e, simultaneamente, aquele sexto sentido que tantas e tantas vezes lhe havia salvado a vida... Ouviu o suspiro humano no mesmo momento em que soube que alguém estava ali, naquele quarto.

Como já se lançara para frente e já não se poderia deter antes de encontrar-se dentro do quarto, seguiu seu impulso, mas atirando-se de bruços no chão.

Plop. Plop. As duas balas passaram por cima de seu corpo. Também ouviu a abafada exclamação de desapontamento e susto, o ruído de pés e, com a cabeça voltada para trás da porta. divisou aos clarões avermelhados dos dois tiros o rosto de um homem.

Caiu, apoiando ambas as mãos no chão, e compreendeu que uma fração de segundo perdida podia custar-lhe a vida. Assim, mal suas mãos tocaram o solo, sua perna direita ergueu-se com energia, Impulsionando-a como para dar unia. cambalhota. Sentiu o impacto no salto do sapato, tornou a ouvir a exclamação do homem e, em seguida, o forte ruído de um objeto muito sólido ao cair no assoalho: a pistola. Tinha conseguido seu propósito, seu desesperado intento de desarmar o desconhecido!

Ouviu-o deslocar-se velozmente para onde tinha caído a pistola, mas então ela já se punha de pé. Viu a sombra e, sem hesitar um instante, lançou-se sobre ela, de prancha. Seus braços rodearam a cintura do homem, seu rosto chocou-se contra largas e robustas costas... e os dois caíram no chão, sem que “Baby” se permitisse ceder o mínimo naquele abraço de vida ou morte.

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O homem caiu de bruços, com ela por cima, porém girou imediatamente, esmagando-a com seu peso, fazendo-lhe a cabeça bater dolorosa-mente no chão. Num milésimo de segundo, viu milhões de luzinhas de todas as cores. Percebeu que havia soltado o homem, quando ouviu o ofegar deste muito acima dela. As luzinhas coloridas extinguiram-se de imediato e viu, em Seu lugar, a forma de um grande pé, sobre seu rosto. Conseguiu esquivar a patada na cara, mas o enorme pé desceu sobre seu seio direito com tal força, que a deixou sem fôlego, como se uma lança acabasse de atravessá-la de lado a lado. E o homem dispunha-se a repetir o golpe brutal.

Com a fria lucidez da espiã treinada, habituada a arriscar a vida a qualquer momento, “Baby” compreendeu que, se não se movesse imediatamente, perderia aquela luta. Assim, a despeito da dor que sentia no peito, rolou para a esquerda...

O pesado pé do homem ressoou contra o assoalho. Mas, ao mesmo tempo, já que havia pisado mais abaixo

do que calculara, ele pendeu para frente, cambaleou, bracejou... Diante dele, ainda transida de dor, ergueu-se “Baby” e sua mão direita lançou o primeiro golpe de caratê, na horizontal.

Ouviu-se o estalar de um osso e a abafada exclamação de dor do homem, que foi precipitado para trás, caiu de costas sobre a cama e desta deslizou para o chão, lançando-se em busca da pistola.

A visão era agora, para ambos, praticamente perfeita. Tanto que “Baby” viu a mão do homem já empunhando

a arma e começando a virar-se para ela, enquanto ele se punha de joelhos, girando...

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Plop. A bala partiu para cravar-se na parede, quando já a espiã

internacional tinha agarrado o pulso do desconhecido, que após errar o alvo deu um puxão, tentando soltar-se. Mas aquela mãozinha delicada e linda era de aço quando convinha e ele falhou em seu intento, enquanto “Baby” lançava outro golpe de caratê, agora na vertical... O homem como que intuiu o que ia ocorrer, pois ladeou a cabeça, de modo que recebeu violentíssimo impacto no ombro esquerdo.

Mas tampouco esta vez gritou de dor, emitindo apenas um queixume. Devia ser um profissionaL Como ela mesma, aquele homem sabia que ia morrer... ou sobreviver, mas em silêncio. Sempre em silêncio.

Era um homem muito forte, de modo que resistiu ao golpe com galhardia e seus joelhos deixaram o chão, pois começava a levantar-se... Foi uma coincidência de movimentos. Foi o destino. Foi o azar.

Ao mesmo tempo em que ele se erguia, “‘Baby” lançava outro golpe, ainda mais forte que o anterior. A aresta de sua mão atingiu o desconhecido entre as sobrancelhas, com um estalido terrível.

E o homem tombou, fulminado, de bruços, abandonandO a pistola munida de silenciador... abandonando a própria vida.

“Baby” apressou-se a recolher a arma e dar dois passos para trás. Ficou, arquejante, contemplando o inimigo caído. Sentia o rosto frio e a terrível dor no seio continuava, impedindo-a de respirar livremente. Deu-se conta de que suas pernas tremiam. Virou a cabeça, viu a cama e deixou-se cair nela, em decúbito dorsal, olhos muito acertos.

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Ouviu seu próprio arquei ar e novamente, distante, o choro da mesma criança. A mãe começou a gritar, num veloz italiano local, irritadíssima. A criança chorou mais forte mas, súbito, deixou de ouvir-se.

Silêncio. Silêncio absoluto. Lentamente, a respiração de “Baby” foi se

regularizando, a dor no seio esquerdo foi cedendo, o calor voltou a seu rosto... Esteve ainda uns minutos estendida. Depois, sentou-se e colocou bem a peruca, ao mesmo tempo em que, levantando-se, ouviu um leve rangido sob seu pé. Compreendeu que acabava de esmagar uma de suas lentes de contato, que havia perdido.

— Não importa — murmurou. Foi até a janela, abriu um pouco mais as venezianas e

piscou, ofuscada. Depois, ajoelhou-se junto ao homem, virou-o e contemplou seu rosto enérgico, viril. Era alto, largo de ombros, de mãos enormes, poderosas. Em muitas ocasiões tinha vencido inimigos mais fortes que aquele, porém, ao vê-lo disse uma vez mais para si mesma que só podia ser sorte. Pura, sorte. Aquele homem era um atleta e, sem dúvida, fora bem treinado para a luta. Pura sorte. E, talvez, seu terceiro Dan de judô, sua faixa preta de caratê, seu nunca descuidado treinamento.

Foi colocando no chão o que encontrou nos bolsos do homem: isqueiro... sem microcâmara, lenço, cigarros Italianos, moedas, as chaves de um carro, uma carteira... Abriu esta, ignorou as cédulas e tirou o cartão de motorista de sua vítima: chamava-se Enrico Voltari, tinha trinta e oito anos, nascera em Formello, província de Roma; domicilio: Viale delle Belle Arti, 40, Villa Borghese, Roma.

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E então? Que fazia ali o pobre Enrico Voltari? A resposta,

aparentemente, só podia ser uma: tinha ido buscar alguma coisa. Tinha ido buscar alguma coisa no apartamento de Johnny-Morto. Ou estivera esperando alguém ali, para matá-lo? Nesse caso, a quem? A Johnny-Morto, não, claro. A ela? A “Baby”? Por quanto tempo ali estivera aquele homem, esperando? Haveria outro, ou outros, no apartamento de Johnny-Roma, talvez a esperando? Ou a quem? A Johnny I, Johnny II, Johnny III...?

Sentou-se na beira da cama e esteve uns segundos pensativa, olhando para todos os lados. Por que não seria válida a primeira idéia, a de que aquele homem viera em busca de alguma coisa? Tal como ela, afinal de contas. Claro, tinha sido mau para ele coincidirem ali os dois. Johnny-Roma tinha desaparecido dois dias atrás e só agora mandavam alguém ao apartamento de Johnny-Morto, talvez à procura de alguma pista que este tivesse deixado demonstrando a culpabilidade de Johnny-Roma?

Foi apanhar sua maletinha, tirou o rádio e fez a. chamada. Teve que repeti-la, pois ninguém respondia. Por fim, um tanto timidamente, ouviu a voz de Johnny II:

— Alô. — Que há? — resmungou “Baby”. — Não ouviu minha

chamada anterior? — Sim, mas... Bom, pareceu-me que você insistia em

comunicar-se com Johnny-Roma e não quis incomodá-la interferindo.

— Ah... Compreendo. Mas estou chamando vocês. Tomem o carro, venham até aqui, mas um apenas suba ao

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apartamento de Johnny-Morto. Os outros que fiquem à espera.

— Okay! Encontrou alguma coisa? — Sim: um homem por enquanto. — Um homem? — quase gritou Johnny II. — E tive que matá-lo... Enquanto vocês vêm, revistarei

um pouco isto aqui. Talvez ele tenha vindo em busca de alguma coisa e seja eu quem a encontre.

Houve um breve silêncio antes que Johnny II sussurrasse:

— Vamos imediatamente. Tome cuidado. * * *

Foi Johnny I quem entrou no apartamento de Johnny-Morto. “Baby” fechou a porta atrás dele e indicou o quarto. Johnny foi até lá, agachou-se junto do desconhecido e observou-o durante uns segundos, impressionado. Quando ergueu o olhar, “Baby” estava à sua frente, com um caderninho na mão.

— Como o matou? — perguntou o agente. — Com um golpe. Johnny passou a língua pelos lábios. Depois, olhou os

objetos espalhados pelo chão, perto do cadáver de Enrico Voltari, e seu olhar fixou-se no cartão de motorista. Tomou-o, leu-o e olhou vivamente para “Baby”.

— Com isto podemos começar a...! — Cada coisa a seu tempo — sorriu ela. — Este homem

veio aqui em busca de algo que, possivelmente, será mais importante que ele mesmo, para nós pelo menos. Veja O que encontrei escondido sob umas tábuas do fundo do armário de Johnny-Morto... É muito provável que seja

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justamente isto o que ele — indicou o cadáver — veio buscar.

Estendeu-me o caderninho. Johnny ergueu-se, tomou-o e aproximou-se da janela, para dispor de mais luz. Tão logo o abriu, lançou uma exclamação, ao ver anotados nele alguns códigos do Ponto Roma. Depois, números e letras que nada significavam para ele, ao que parecia, pois franziu a testa. E, finalmente, examinou uma das pequenas fotos que havia entre as páginas. Pareceu sobressaltar-se.

— Aqui está Johnny-Roma — murmurou. — Sim, eu o conheço. Quem é a mulher? — Não sei... Além disso, não a posso ver bem: a foto é

tão pequena... — A outra foto é uma ampliação parcial dessa.

Examine-a. Johnny assentiu, mas esteve ainda uns segundos olhando

a primeira fotografia. Nela via-se Johnny-Roma diante da porta de um night-club chamado L’Amore, segundo constava na marquise. A foto era escura... Quer dizer, o ambiente era escuro, pois estava chuviscando: a foto era perfeita. Não omitia um só detalhe. Via-se a marquise, o anúncio do programa de variedades do night-club, o alto porteiro uniformizado a um lado, dois pares saindo do local para um táxi que esperava com as portas abertas. Havia mais carros estacionados perto e em dois deles entravam outras pessoas. Johnny-Roma, o traidor, aparecia um pouco afastado da porta do night-club e estendia a mão à mulher pela qual “Baby” perguntara. Era impossível ver se ele ou a mulher tinham qualquer coisa na. mão. Parecia que apenas se cumprimentavam, de maneira normal. O razoável era pensar que

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Johnny-Roma ali estivera esperando a mulher, que... tinha saído do night-club?

Johnny I indicou um dos carros estacionados diante do clube noturno.

— Este é o carro de Johnny-Roma — murmurou. Passou a foto, para examinar a ampliação, e moveu negativamente a cabeça. — Não, não conheço a mulher, sinto muito.

— Tem certeza? — Absoluta. Podemos perguntar a nossos companheiros.

Talvez algum deles tenha visto nosso chefe com ela. “Baby” tomou a foto, na qual viam-se apenas os rostos

de Johnny-Roma e da mulher, ampliados mais que o suficiente para permitir uma fácil identificação. Pareceu-lhe que Johnny-Roma sorria entre amável e malicioso. A jovem também sorria, mas sem malícia. Era muito bonita: alta, cabelos louros, corpo esbelto, elegante... Não devia ter mais de vinte e cinco anos.

— Se alguma vez a viram, não a terão esquecido — murmurou. — É bonita. E possui um inegável charme...

— Realmente — concordou Johnny. — Parece-me que a atitude de ambos não é a de pessoas que acabam de conhecer-se.

— Tem razão. Quem quer que seja essa garota, ela e Johnny-Roma já se conheciam. Suponhamos que ela trabalha... ou trabalhava nesse night-club e que Johnny-Roma a conheceu lá. Seria normal: não creio que vocês sejam de pedra...

— Não somos. Sua teoria é válida, claro: ela pode ter sido uma... conquista de Johnny-Roma. Não me estranharia.

— Que quer dizer?

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— Quero dizer que ele tinha uma tremenda facilidade em conquistar mulheres... — resmungou Johnny I. — Olhava-as, sorria-lhes e... estavam no papo.

— Era dado a conquistas, então? Johnny olhou-a, assombrado. — Nada disso! — exclamou, quase divertido. — Eram

elas que o perseguiam! E neste caso, parece que ele... aceitou a perseguição. Afinal, a garota valia a pena.

“Baby” assentiu com a cabeça, olhando o belo rosto da loura.

— Johnny-Roma freqüentava o clube que aparece aqui? — Que eu saiba, não. Nós trabalhávamos juntos mas, no

tocante à vida particular, cada um levava a sua. — Naturalmente. Bem... Teremos que começar por esse

night-club chamado L’Amore. Está chovendo na foto, portanto devemos pensar que foi feita na primavera.

— Por que não no Inverno? — Porque Johnny-Roma não está de sobretudo, nem

capa. Tampouco a garota. Primavera. portanto. Não? — Sim — sorriu Johnny. — Primavera. Se você está de

acordo, eu mesmo me ocuparei das investigações nesse clube.

— Muito bem. Johnny II e Johnny III deverão encarregar-se de retirar este homem daqui.

— Direi isso a eles agora, no carro. Também lhes perguntarei se sabem algo a respeito desta garota — guardou as fotos — e, se assim for, comunicarei a você pelo rádio. Se dentro de cinco minutos não lhe disser nada, é que não a conhecem.

— Perfeito. Diga-me: esses são os códigos do Ponto Roma?

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— São. E há outra coisa que não compreendo. Ao que parece, Johnny-Morto tinha seu próprio código para... para não sei quê — concluiu, perplexo.

— Talvez fosse ele o traidor — deslizou “Baby”. — Ora, vamos, já discutimos isso e...! — Está bem. Então, teremos que pensar que Johnny-

Roma está com seus “amigos” e sugeriu-lhes que, já que Johnny-Morto parecia suspeitar dele a ponto de surpreendê-lo em seu apartamento com um desses “amigos”, seria possível que tivesse algum dado sobre suas suspeitas escondido aqui... E por isso, este homem — tornou a indicar o cadáver — veio buscar o caderninho... justamente quando também eu chegava. Ou muito pouco antes.

— Perigosa coincidência... — murmurou Johnny. — Esta hipótese me convence mais que a outra. Parece ser a verdadeira. A prova são estas fotos. Johnny-Morto, para obtê-las, devia ter-se dedicado a seguir os passos... particulares de Johnny-Roma, não lhe parece?

— Evidentemente, O que significaria que já, há tempo, suspeitava dele.

— E possivelmente com razão... Não é difícil teorizar tendo estas fotos. A loura e bonita jovem bem poderia ser o elemento de ligação

entre Johnny-Roma e os... Outros. E talvez fosse ela quem estava com ele no apartamento, quando chegou Johnny-Morto. Embora isso me surpreendesse bastante nele; era muito cauto; muito... circunspeto. Não o posso considerar desses que cometem semelhantes erros. Se tinha assuntos com a loura, ou eram absolutamente particulares, ou os resolveria longe de seu apartamento. Este clube é uru bom lugar: penumbra, ambiente discreto, recantos..

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— Você o conhece? — L’Amore? Claro! — Pois veja se, partindo de lá, com a foto, localiza essa

jovem. Tem o aspecto de conhecer bem o que é um clube noturno. Quanto a este homem, Enrico Voltari, talvez tenha sido ele quem esteve com Johnny-Roma em seu apartamento, quando chegou Johnny-Morto.

— Talvez. A propósito, temos o endereço deste homem. Seria conveniente ver o que há por lá, não?

— Claro. Mas não se pode fazer tudo ao mesmo tempo. Vá ao night-club e que os outros dois removam o cadáver. Desnecessárias instruções a este respeito, creio?

— Completamente. De qualquer modo, terão que esperar até a noite. Mas não se preocupe por isso — sorriu crispadamente. — Estamos acostumados a remover cadáveres clandestinamente. Que vai fazer você, enquanto nos ocupamos destas coisas?

— Irei ao apartamento de Johnny-Roma. Mas depois de anoitecer, também.

— Olhe — Johnny I hesitou, inquieto. — Sei muito bem que você não é fácil de caçar, mas... O que quero dizer é que seria mais prudente que não aparecesse por lá. Poderia dar-se o caso de...

— Deixe de preocupações a meu respeito — sorriu “Baby”. — Já lhe disse que tenho meus próprios recursos.

Johnny olhou o robusto homem liquidado com um golpe e acabou por assentir, sombrio.

— Sim, parece. Bem: vamos? — Eu sairei dentro de uns minutos... Por que me olha

assim?

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— Acho-a um tanto... esquisita. Não sei... São os olhos! Diabo, seria capaz de jurar que...

— Sim — tornou a sorrir “Baby”. — Agora tenho um de cada cor: para vários gostos, não é?

Johnny tomou-a por um braço, aproximou-a fiam da luz e esteve uns segundos olhando de um a outro olho.

— Gosto muito mais do azul... — sorriu. — Muitíssimo mais.

— Eu também — concordou ela, rindo. — Adeus, Johnny.

Ele saiu do quarto e logo em seguida ouviu-se o som da porta do apartamento ao ser fechada, “Baby” ficou diante da janela, pensativa. Depois, utilizando um papel, recolheu do chão os restos da lente de contato pulverizada, pulverizou também a outra e, dirigindo-se ao banheiro, atirou os restos no vaso sanitário. Colocou outro par de microlentes, da mesma cor, pôs em ordem sua maletinha e fixou o olhar no armário de Johnny-Morto, onde havia encontrado o caderninho entre cujas páginas estavam as duas fotos. Foi até o homem morto, recolheu suas coisas e meteu-as num de seus bolsos, exceto o cartão de motorista, que introduziu no decote.

Finalmente, olhou o homem. Deste, seu olhar passou ao armário, do armário voltou ao homem...

— Amiguinho — murmurou —, que espécie de teia de aranha estão vocês tecendo? Porque eu apostaria as pestanas que você não veio aqui tão tardiamente buscar alguma coisa, mas deixar alguma coisa. E pergunto-me que outra coisa podia você deixar aqui senão o caderninho. Okay?

Saiu do apartamento, certificando-se de que ninguém a via. Ainda fazia muito calor e não tinha vontade de ir à rua.

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Mas abandonou a casa, olhou para ambos os lados e pôs-se a andar para a Piazza del Eroi. Passou muito perto do carro dentro do qual os três Johnnies estavam trocando Impressões. Johnny I captou seu olhar, mostrou as fotos e moveu negativamente a cabeça: nem Johnny II nem Johnny II conheciam a jovem loura.

Ela assentiu com um gesto e continuou seu caminho, Chegou à praça e colocou-se na esquina com a Via Cipro. Passaram alguns táxis enquanto ali esteve, mas não chamou nenhum até quase dez minutos mais tarde. Subindo ao veículo, tirou do decote o cartão de motorista do infeliz Enrico Voltari e deixou-o cair junto ao meio-fio, dissimuladamente.

Fechou a porta, deu o endereço ao chofer e recostou-se no assento, fechando os olhos.

Que espécie de teia de aranha estavam tecendo... e quem a tecia?

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CAPITULO TERCEIRO

Um conto infantil Já de noite, “Baby” dirigiu-se ao baixo e bonito edifício

onde Johnny-Roma tinha seu apartamento. Durante a espera, tinha-se dedicado a dar umas voltas pelos arredores, admitindo a perigosa possibilidade de que tivessem transformado o apartamento numa ratoeira para ela e os Johnnies. Mas já desde o primeiro momento teve a Impressão de que não era assim.

Podia equivocar-se, decerto, mas sua longa experiência em espionagem “garantia-me” que não havia nenhuma cilada ali. Assim, poucos minutos depois de anoitecer, lamentando o tempo perdido em sua cautelosa espera, subiu à morada de Johnny-Roma.

Não viu ninguém na escada, nem foi vista, quando abriu a porta com uma de suas gazuas, sem a mínima dificuldade. Entrou, fechou novamente, acendeu a pequena lanterna-caneta e deu uma volta pelo apartamento, fechando hermeticamente todas as janelas, certificando-se de que por nenhum lado escaparia o menor ralo de luz. Tranqüilizada a este respeito, acionou o interruptor.

À claridade das lâmpadas, tal como verificara com sua diminuta lanterna, o apartamento estava em completa ordem. Simplesmente, parecia que seu morador se tivesse ausentado por alguns minutos, horas, ou talvez uns dias. Tudo bem colocado, tudo limpo. Tudo normal...

Exceto os vestígios de umas manchas de sangue no chão do living. Pela explicação dos Johnnies, compreendeu que naquele ponto havia caldo Johnny-Morto, com dois balaços

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nas costas. E o fato de que o chão se tivesse manchado com seu sangue indicava que, ou não havia tombado de bruços, coisa surpreendente quanto se é baleado por trás, ou então que, depois de cair, ele tivera forças para virar-se, de modo que suas costas ensangüentadas entraram em contato com o assoalho. Evidentemente, não havia morrido no ato, já que tivera tempo de sacar sua arma e disparar um só tiro, que constava ter atingido Johnny-Roma.

Agora, a pergunta era a seguinte: se Johnny-Morto desconfiava de Johnny-Roma e sabia ou suspeitava que estivesse com uma ou várias pessoas que o haviam subornado, como pudera cometer a imprudência de entrar ali, sozinho e sem ter sua pistola na mão? Havia, além dessa, outra pergunta: como era possível que um só homem, que já estava praticamente morto, pudesse pôr seu assassino em fuga para a cozinha, estando este acompanhado, pelo menos, de uma pessoa? Se já o haviam atingido duas vezes, mortalmente, por que fugir para a cozinha? Para esquivar as balas, esperar que Johnny-Morto deixasse de fazer fogo e voltar em seguida ao interior do apartamento para recolher os códigos, informes e todo o material de Johnny-Roma?

Talvez. Foi à cozinha e examinou o caixilho da janela. Estava

bem claro que os Johnnies tinham removido as marcas de sangue ali encontradas, mas também ali restavam pequenos vestígios. Depois de refletir uns segundos, apagou a luz da cozinha, fechou a porta e abriu a janela, de modo que ninguém que eventualmente estivesse no pátio de baixo poderia ver luz. Lançou uma breve olhadela ao pátio, calculando as possibilidades do salto. Claro, não era de modo algum impossível, mas pensou que não acharia graça

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nenhuma em ter que saltar por ali estando ferida. Ou talvez justamente a iminência de ser alcançada por mas alguns balaços a impeliria ao salto sem pensar nas conseqüências.

Não obstante, Johnny-Roma estivera armado. Podia muito bem ter feito frente a Johnny-Morto, no caso de haver este conservado forças para continuar lutando. E o outro personagem? Podia ter acabado de liquidar Johnny-Morto, com o que o perigo teria sido eliminado. Feito isto, teria sido fácil regressar ao apartamento, recolher o que quer que fosse, sair pela porta, sem nenhum risco de quebrar a cabeça num salto para o pátio... e trancar a porta por fora. Fácil.

Fechou a janela da cozinha, abriu a porta e voltou ao living.

Então? Podia ser que ainda estivesse ali, naquele apartamento,

alguma pista interessante? Meia hora mais tarde, tinha a resposta: não. Não restava

ali nada que lhe pudesse servir de alguma coisa. Naturalmente, encontrara o esconderijo onde Johnny-Roma escondia todo o seu material de chefe da espionagem da CIA em Roma: estava sob o fundo falso de uma velha arca, atualmente exercendo simples função decorativa. Por cima do fundo falso, havia revistas, livros, garrafas vazias, sapatos fora de uso.. Um esconderijo pitoresco.

Tornou a deixar tudo exatamente como havia encontrado, sentou-se no sofá e acendeu um cigarro. Consultou seu relógio: nove e quarenta minutos da noite.

* * * A chamada, às dez e vinte, interrompeu suas reflexões,

que a tinham deixado completamente desconcertada. Sem dúvida alguma, convencera-se de que alguém estava

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tecendo uma teia de aranha, a qual, com toda a probabilidade, tinha muito mais envergadura que uma simples traição por parte de Johnny-Roma. Traição que cada vez lhe parecia mais duvidosa, ou, pelo menos, mais incompreensível. Muitos dos dados que estivera comparando durante aqueles quarenta minutos não encaixavam.

Admitiu a chamada pelo radinho de bolso: — Alô. — Johnny I, “Baby”. — Conseguiu alguma coisa? — Consegui. Demorei tanto, porque o clube L’Amore só

abre às dez. Tomei uns drinques, puxando conversa com um dos garçons do balcão, e não tive mais remédio senão mostrar-me a foto da garota... Claro, ocultei o rosto de Johnny-Roma com o polegar.

— Ah, menos mal. Que averiguou? — Custou-me a elevada quantia de vinte mil liras —

disse festivamente Johnny, que parecia entusiasmado. — Espero que isso não estoure a verba da CIA —

comentou, também festivamente, “Baby”. — Estou ouvindo..

— A loura reside no número 114 da Via Giovanni Lanza. É cantora e usa o nome de Carla. Mas seu nome verdadeiro, segundo o garçom, é Greta Walshof.

— Alemã? — Parece. — Bem... Isso pode não significar nada. Que mais? — Esteve nada menos que três meses atuando no clube.

Parece que canta muita bem. Trabalhou lá de fevereiro a

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maio. Depois, consta que tinha outros contratos, pelo que se retirou.

— Saiu de Roma? — O garçom não sabe isso. Mas pensa que não, que ela

continua na cidade, atuando em outro night-club. Creio que não perderíamos nada a procurando no endereço que me deram.

— Sem dúvida. Embora, se está trabalhando em Roma, já deva ter saído para seu clube, suponho. De qualquer modo, iremos lá. Pode vir apanhar-me com o carro?

— Irei buscar o meu. Os outros dois ficaram com o que utilizamos em grupo. E parece que não estão encontrando facilidade em retirar de lá esse Enrico Voltari, pois ainda não chamaram... Ou chamaram e eu não ouvi.

— Não. Eles não chamaram. Mas não os apressaremos, naturalmente. Vá buscar seu carro e passe para apanhar-me. Não há perigo por aqui.

— Estimo saber. Mmmm... — Que é? Algo mais? — perguntou “Baby”. — Bom... Sondei um pouco o garçom, digamos, a

respeito da... acessibilidade de Carla, ou seja Greta Wolshof. Respondeu-me que era uma garota bastante séria. Claro, talvez isso fosse devido ao fato de já ter seu caso e não precisasse procurar ninguém no local depois de terminar suas atuações.

— Seu caso? — Sim, O garçom me disse que desde que ela começou

a trabalhar lá, vez por outra aparecia alguém para buscá-la. Esse alguém ocupava uma mesa, tomando um trago; ou então a esperava à saída.

— Tem idéia de quem pudesse ser esse fulano?

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— Ouça a descrição do garçom, textualmente, se minha memória não falha: um bacanaço alto e louro, com um sorriso de campeão de tênis, simpático como uma nota de cem milhões de liras e que, de início, quase tinha que afastar a tapa as outras garotas do clube, até que elas vieram a saber que ele ia lá para esperar Carla... Que lhe parece?

— Que era Johnny-Roma... Não? — Também pensei isso, claro. — Nesse caso, ele conhecia Cana antes que ela

começasse a atuar em L’Amore. — Exato. — Bem, venha buscar-me o quanto antes e iremos dar

uma olhadela ao número 114 da Via Giovanni Lanza. * * *

A primeira surpresa que tiveram foi constatar que, no edifício onde tinha seu domicílio, a bonita loura utilizava seu verdadeiro nome, escrito na caixa da correspondência, sob o número do apartamento: Greta Wolshof.

— São quase onze horas... — murmurou Johnny. — Não é provável que esteja em casa,.

— Melhor. Assim, daremos uma busca em seu covil. Mas subiremos pela escada, evitando o elevador. Veja se há alguém no vestíbulo.

Johnny I entrou neste e viu, a um lado, a cabina do porteiro, mas estava vazia. As onze da noite, podia considerar-se normal sua ausência, sobretudo tendo em conta que aquele não era um lugar onde pudessem surgir contratempos. A ampla avenida bem iluminada, o vestíbulo cheio de luz, muita gente passando... A grande porta de vidro ele encontrara aberta.

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Voltou para junto de “Baby”, que estava olhando o interior da caixa metálica, através das três aberturas verticais.

— Não há ninguém. — Vamos subir, então... Parece que ela tem

correspondência... — Quer que eu abra a caixa? — Não, por ora. Subamos. Quando chegaram diante da porta do apartamento de

Greta Wolshof, tiveram a segunda surpresa: estava aberta. Ajustada, mas sem trancar.

Entraram, fecharam a porta e acenderam a luz. Parecia não haver ninguém ali e tudo estava numa ordem admirável. Era um apartamento pequeno, mas bonito, elegante. Bons quadros, bons móveis, formosos tapetes, que evidentemente não eram retirados durante o verão... Um canto do living, sobretudo, era encantador, com sua mesinha redonda, sua lâmpada vermelha, o hi-fi ao lado...

— Um ninho delicioso, não? — perguntou Johnny. “Baby” assentiu com a cabeça. Estava olhando com

grande atenção algumas fotos emolduradas que pendiam da parede. Em algumas delas, via-se a bonita loura chamada Greta Wolshof, em indumentária profissional, mostrando muito o corpo, mas sempre, ao critério da espiã, conservando a dignidade, a seriedade. Duas lotos chamaram especialmente sua atenção: numa delas, Greta Wolshof aparecia com um menino. Usava traje de passeio, muito discreto, impecável. Aquela formosa jovem começava a tornar-se simpática à espiã internacional. O menino era um lourinho encantador, de uns seis anos, que sorria alegremente, de mãos dadas com Greta. Na outra foto, o

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mesmo menino, mas talvez com dois anos mais. O tempo passa. A primeira foto tinha sido feita numa rua qualquer. Não seria fácil identificar aquela rua... A segunda sAnha como fundo um edifício grande, de altas torres pontiagudas, pensou “Baby”, um colégio, um pensionato caro.

— Acha que pode ser filho dela? Virou-se para Johnny e deu de ombros. — É o mais provável — admitiu. — Não creio que isso

tenha nada de estranho. — É um lindo menino — a voz de Johnny soou tensa. — Sim, com efeito. Continuemos olhando. Foi a própria “Baby” quem teve a terceira surpresa, a

pior de todas. Ficou como cravada no limiar da porta do quarto, contemplando a mulher loura que jazia na cama, cruzando-a em diagonal, com os braços e a cabeça pendendo para fora; os cabelos cor de ouro chegavam ao chão. Sua camisola de dormir era tão transparente, que ela parecia nua.

— Johnny — chamou com voz neutra. Este chegou a toda a pressa do outro quarto, seguiu a direção do olhar de “Baby” e estremeceu. Mas em seguida entrou, ajoelhou-se junto á cabeça pendente da mulher e pôs a mão num lado de seu pescoço. Retirou-a em seguida, ao sentir o frio marmóreo da fina pele.

— Está morta — disse com voz rouca. “Baby” aproximou-se, sem fazer o menor ruído com seus sapatos de salto quadrado. Parecia uma quarentona despretensiosa, com seus olhos escuros, sua peruca cor de chocolate, seu feio vestido... Esteve uns segundos contemplando a formosa loura morta, olhos fixos nas marcas muito visíveis que tinha na garganta escultural. Eram marcas de dedos... Grandes,

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sólidos, poderosos dedos que ali tinham exercido uma pressão implacável, até aniquilar aquela jovem vida, Os olhos de Greta Wolshof sobressaiam de um modo terrível e estavam impressionantemente vidrados.

— Não... — murmurou Johnny. — Isto não...! “Baby” olhou inexpressivamente. Viu o rosto alterado

de seu companheiro, sua palidez, a crispação nas comissuras da boca.

— A que se refere? —. indagou. — Isto ele não pode ter feito... Não é possível! — Ele? Johnny-Roma? — Sim, ele. Olhe bem esta jovem... Está praticamente

nua. É fácil compreender que ela e Johnny-Roma tinham... relações muito íntimas. Se ela deixou alguém entrar no apartamento estando vestida assim, não podia ser senão Johnny-Roma... E se já estava com ela, tinha também que ser ele, para que ela se mostrasse despida assim...

— Isso forma sentido — murmurou “Baby”. — O que não forma sentido é que Johnny-Roma a tenha

estrangulado. — Não? Mas se ela estava envolvida em...! — Espere, Johnny. Calma... Nenhum de vocês três

conhecia esta mulher. Certo? — Certo, mas... — Então, por que matá-la? Por que Johnny-Roma a

mataria, se vocês não podiam chegar até ela, pois não a conheciam?

— Bem... Não sei... Talvez ele tenha pensado que, se a tivéssemos visto alguma vez, naturalmente a procuraríamos... É possível que tenha vindo aqui, depois de ferido, e talvez tenha compreendido que, estando

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descoberto, ela e quem o pagava já não o consideravam útil... Não sei... Mas o que é Indiscutível é que esta mulher estava relacionada com a traição de Johnny-Roma. Por Deus... quem senão ele pode tê-la assassinado? Talvez ela lhe tenha dito algo que o fez compreender que não ia receber ajuda, que o matariam para que não dissesse o que sabe. Assustou-se, ou indignou-se, matou-a...

— Parece provável. Em cujo caso, Johnny-Roma deve estar agora transformado em fera encurralada por nós e pelos... outros. Nós queremos encontrá-lo para que nos diga o que exatamente esteve fazendo, a favor de quem, e o que sabe dessas pessoas. Sinceramente, não gostaria de estar na pele de Johnny-Roma. Deve sentir-se como um rato numa cloaca sem saída. E se esta ferido, seu estado de humor não deve ser nada bom...

— Escute: que estamos fazendo aqui? — sobressaltou-se Johnny I. — Se ela era do grupo que comprou Johnny-Roma, esse grupo já deve saber que ele a matou...

“Baby” assentiu com a cabeça. Ajoelhou-se por sua vez junto a Greta Wolshof e colocou dois dedos em sua garganta. Esteve assim uns segundos, depois franziu a testa. Tentou mover uni braço da mulher, mas estava tão rígido, que teve dificuldade em seu intento. Levantou-se.

— Quanto faz exatamente que aconteceu tudo? Refiro-me ao momento em que devem ter assassinado Johnny-Morto.

— Nós encontramos seu cadáver há — Johnny I consultou seu relógio — quarenta e sete horas e meia.

— Suponhamos que há cinqüenta horas Johnny-Roma escapou ferido. Suponhamos que tenha vindo aqui. Okay?

— Que está tentando dizer, “‘Baby”?

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— Considera Johnny-Roma um idiota? — Não! — Então, por que esperaria aqui, neste apartamento, até

a manhã de hoje, se não ignorava que seus novos amos iam eliminá-lo? Por que ficaria aqui até esta manhã, sempre correndo o risco de que o viessem matar tranqüilamente?

— Mas... como sabe você que ele esteve aqui até esta manhã?

— Se admitirmos que ele estrangulou Greta, assim há de ser. Ela morreu há menos de doze horas. Isto não forma sentido, Johnny.

— Como não forma sentido? As coisas não podem estar mais claras!

— Mais confusas, diria eu. Se queriam matar Johnny-Roma, podiam ter feito isso durante o tempo em que ele esteve aqui. A própria Greta podia fazê-lo de várias maneiras. Ou acha você que não?

— Sim, claro... — Se queriam matá-lo, podiam fazer isto com toda a

comodidade. E se não o mataram, foi porque não pretendiam semelhante coisa. Então, devemos pensar que ele não teve motivos para estrangular Greta.

— Está me dizendo que não foi Johnny-Roma quem matou esta mulher?

— Exatamente. — Então... quem foi? — Não sei. Um homem, está claro... Um homem muito

forte. Um homem, talvez como Enrico Voltari, meu amiguinho do apartamento de Johnny-Morto. Mas não foi Johnny-Roma. Não teria sentido... Não lhe parece?

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— Olhe... Se quer que lhe seja sincero, não estou entendendo nada. Que pretende dizer-me, exatamente?

— Que estão tecendo uma enorme teia de aranha ao nosso redor.

— Uma teia de aranha? — Sim. Somos... as inofensivas moscas. A cada passo

que damos, mais e mais nos enredamos nessa teia, sentimo-nos cada vez mais apertados por seus fios... E enquanto isso, a aranha que tece a teia deve estar esfregando as mãos de satisfação... Que tem você? Sente-se mal?

Johnny I estava um tanto pálido. — Mal? — murmurou. — Sinto-me pessimamente!

Você diz que estão nos... manejando, que estamos fazendo o que outros querem que façamos, que tudo é... uma armadilha?

— Claro. — E nessa armadilha Johnny-Roma não intervém? — Ah, isso sim, naturalmente, O que não sei é se

intervém na qualidade de aranha colaboradora, ou, como nós, é uma pobre mosca que prendeu as asas na teia de aranha. Só há um meio de saber: encontrá-lo. E eu o encontrarei antes de vinte e quatro horas.

— Como? — Ignoro. — Mas... — Será melhor sairmos daqui. Vou para o meu hotel,

descansar e pensar. Reúna-se com nossos dois companheiros e ajude-nos a tirar aquele cadáver do apartamento de Johnny-Morto. Na mulher — indicou-a — não toquem. Que a encontrem e que a Polícia italiana trabalhe.

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— Talvez fosse mais prudente removê-la... — Não. Eu não quero mais complicações. Isto não é

assunto nosso. Vamos. Ajude os outros e, quando se tiverem desembaraçado de Enrico Voltari, investiguem a seu respeito no endereço que constava do cartão de motorista. Lembra-se?

— Mmm... Creio que era o número 40 do Viale delle Belle Arti.

— Exato. Tem toda a noite e as primeiras horas da manhã para apresentar-me um relatório completo do que conseguiram averiguar sobre Enrico Voltari, ou quem morava com ele nesse endereço. Não se apressem, mas não deixem escapar nenhum detalhe.

— De acordo. Saíram do quarto. Antes de abandonar o apartamento,

“Baby” tirou da parede uma das fotografias de Greta Wolshof com o menino, sacou-a da moldura e guardou-a na maletinha.

À saída do edifício, deteve-se em seco, voltou sobre seus passas e parou diante da caixa de correspondência.

— Abro-a? — perguntou Johnny. — Não. Eu me encarrego disto. Vigie, para que ninguém

me veja da rua. Não tardou nem quinze segundos a forçar a simplíssima

fechadura da caixa. Tirou o único envelope que havia dentro, tornou a fechar e foi reunir-se com Johnny.

— Vamos. Pouco depois, estavam ambos sentados no carro de

Johnny, o qual contemplava avidamente o envelope que Brigitte segurava entre os dedos, indecisa, O endereço estava bem claro: Greta Wolshof — 114, Via Giovanni

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Lanza — Roma. E o carimbo indicava que a carta fora enviada da mesma Roma. Sem remetente.

— Diabo... — resmungou Johnny. — Não vai abri-la? — Vou. Rasgou o envelope e tirou algo que deixou os dois

absolutamente estupefatos. Era um conto. Um conto para crianças. O famosíssimo “Os Três Porquinhos e o Lobo Mau”.

— Mas-mas... que... que é isto? — tartamudeou Johnny. — Um conto infantil — sorriu “Baby”, espantada. — Isso sei eu! Mas que diabo significa? — Que eu fique sempre com este meu atual aspecto de

solteirona, se compreendo... — murmurou ela. — Bom, talvez Greta o tenha encomendado para o menino que aparece nas fotos. É uma tolice, não?

— Das maiores que já ouvi — resmungou Johnny. — Sim... Deixe-me perto de meu hotel, Johnny.

Enquanto vocês fazem seu trabalho, examinarei detidamente este conto. Se nele houver algo que valha a pena saber, encontrarei e porei vocês ao corrente pelo rádio de bolso.

— Okay. * * *

Na recepção do hotel, mademoiselle Charlotte Martel tinha um recado. Um envelope, que o encarregado lhe estendeu, olhando com curiosidade a deselegante e feiosa turista, ao mesmo tempo em que lhe entregava a chave de seu, quarto.

— Obrigada... — sorriu ela. — Quem o trouxe? — Um homem. Um ancião. — Um ancião?

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— Calculo que teria setenta anos, pelo menos. Curvado, cabelos completamente brancos, vista curta... Disse para quem era e retirou-se. Não parecia muito... muito... como diria eu?... muito apresentável.

Mademoiselle Martel pestanejou. — Não deu seu nome, nem acrescentou mais nenhuma

palavra? — Não. — Bem... Mais uma vez, obrigada. Subiu ao quarto, acendeu um cigarro, sentou-se na beira

da cama e examinou o envelope. Neste estava escrito apenas o nome de Charlotte Martel. Nada mais. Abriu-o e desdobrou a folha que continha. O recado estava escrito em russo:

No número 40 do Viale delle Belle Arti reside um alemão chamado Walter Lieben Taderhaus. É uma bonita vila, com piscina e quadra de tênis, rodeada por um gradil alto muito desagradável. Não parece ser fácil entrar lá sem risco. Consta que herr Walter Lieben Taderhaus se dedica à importação de aparelhos eletrodomésticos fabricados na Alemanha Ocidental. Enrico Voltari era seu chofer.

Rosto impassível, mademoiselle Martel tomou seu isqueiro, foi ao pequeno quarto de banho, queimou o recado e deixou as cinzas caírem no vaso sanitário, puxando em seguida a válvula de descarga. Voltou a sentar-se na beira da cama e tomou em suas mãos o conto “Os Três Porquinhos e o Lobo Mau”. Abriu-o e franziu a testa, numa clara expressão de surpresa e desconfiança. Na contracapa,

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estava aderido um papel gomado, com o preço do exemplar, o nome e endereço da livraria onde fora adquirido. Olhou depois o que estava escrito na primeira página do livrinho, com letra grande e clara, em italiano:

À minha adorada baby com admiração e carinho. Johnny

A internacional espiã ficou petrificada durante meio

minuto, pelo menos, lendo aquela simples, pueril frase. Evidentemente, o conto dos três porquinhos e do lobo mau tinha sido enviado a Greta Wolshof por alguém que a estimava e a chamava de baby: bebê... Muito normal, até aqui. Mas quem poderia enviar a uma formosa mulher como Greta Wolshof um conto infantil... com admiração e carinho?

Ainda perplexa, Brigitte começou a passar as páginas do conto. E súbito, na primeira página em que apareciam juntos os três assustados porquinhos e o lobo mau com intenção de comê-los, seus dedos ficaram imóveis, como crispados. Seus olhos fixaram-se nos três porquinhos, sobre cada um dos quais estava escrito à mão: $250.000. A cifra estava perfeitamente legível nas redondas panças dos três bichinhos.

— E o conto foi enviado por alguém que se chama Johnny... — murmurou “Baby”. — Que coincidência!

Naturalmente, a possibilidade de que aquele Johnny fosse um dos agentes da CIA não poderia ser desdenhada. Por que não? Mas havia uma pergunta que flutuava no ar: que Johnny tinha sido, se realmente se tratava de um da CIA, o que enviara o conto a Greta Wolshof. Johnny-

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Roma? Ou Johnny-Morto, já que este, a julgar pelas fotos que fizera, sabia da existência de Greta Wolshof?

Escondeu o conto no duplo fundo da maletinha, despiu-se, tirou todos os incômodos postiços que compunham seu disfarce e tomou um chuveiro frio. Quase sem se enxugar, saiu do minúsculo banheiro e foi direto para a cama. Colocou a pistolinha de coronha de madrepérola sob o travesseiro, deitou-se... Só então se deu conta de que tinha apetite.

— Querida — disse para si mesma, sorrindo —, você terá que esperar a manhã para comer alguma coisa. Bonne nutt, ma pietite !

Efetivamente. Três segundos depois, adormeceu.

* * * — Bom-dia — saudou em impecável italiano,

sorridente. — Têm o conto intitulado “Os Três Porquinhos e o Lobo Mau”?

O homem que estava atrás do balcão olhou-a amavelmente, colocou bem os óculos sobre os olhos ainda com sinais de sono e assentiu com a cabeça.

— Creio que sim, signorina. Vou ver. Dirigiu-se a uma das estantes da livraria e esteve

procurando uns segundos. Retirou o delgado volume, voltou ao seu posto atrás do balcão e apresentou-o a madrugadora freguesa.

— É este o que deseja? Mademoiselle Charlotte Martel tomou o livrinho, olhou-

o e assentiu com um gesto. Era idêntico ao que alguém chamado Johnny tinha enviado a Greta Wolshof. Abriu-o e,

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na contracapa, viu o mesmo selo, com o preço e o endereço da livraria, que ficava no Trastevere, o velho bairro romano.

— Sim, é este. Mil liras? — Exato. Embrulho-o para presente? — Não. Levo-o assim mesmo. Mmm... Este conto se

vende muito? O homem, meio calvo, gorducho e rosado, pestanejou,

algo perplexo. — É um dos chamados contos eternos. Vão-se

vendendo... Entretanto, é curioso: já não me resta nenhum. Este é o último exemplar.

— Certamente vendeu mais alguns estes dias. — Sim... Curioso, na verdade. Vendi seis há dois dias. — Seis? Pois é uma grande coincidência que seis

pessoas queiram no mesmo dia o mesmo conto... — Não, não... Não foram seis pessoas. Foi uma só

pessoa. Um menino... Sim, um menino. Veio aqui, perguntou-me se tinha o conto, disse-lhe que sim e... pediu-me seis exemplares. Não é assombroso? Seis exemplares, nada menos.

— É muito curioso, com efeito. Quando foi isso? — Anteontem, parece-me... Sim, anteontem. — Conhecia esse menino? — Não... Não o tinha visto nunca. Francamente, quando

ele se apresentou com dez mil liras nas mãos, intriguei-me um pouco. Como sabe, esses garotos costumam furtar dinheiro de suas mamães para gastá-los em tolices, pequenos vícios... Alguns começam a fumar aos oito anos, não acha isso ruim?

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— Acho terrível — acentuou mademoiselle Martel. — Francamente lamentável. Além do que, dizem que os meninos que fumam urinam na cama.

O livreiro olhou com reforçada amabilidade a simpática freguesa. Pena que se vestisse tão mal...

— Sim... — riu ele. — Dizem. Claro que só para assustar os meninos, naturalmente.

— Naturalmente — riu também ela. — Mas qualquer mentira é boa para impedir que os meninos fumem. Eu nunca fumei em menina, mas em troca roubava maçãs. É melhor que fumar, não acha?

— Eu também roubava maçãs! — exclamou o livreiro, encantado. — Era muito divertido, reconheço.

— Um menino ou menina que não tenha roubado maçãs, ou uvas, ou pêras, não sabe o que é divertir-se — afirmou a deselegante freguesa.

— São coisas assim que depois nos fazem recordar a infância como uma época feliz. Disse que se surpreendeu ao ver o menino com tanto dinheiro?

— Sim, de fato... Mas quando me disse que queria comprar seis exemplares do conto, tranqüilizei-me. Julguei que seriam para um presente, ou para um colégio... Algo assim.

— E não conhecia esse menino. — Não. — Bem... Poderia dar-me um envelope, papel e

emprestar-me um lápis? — Com muito gosto! Pouco depois, mademoiselle Martel escrevia:

Ponte de Santo Angelo, hoje, às nove da noite. Ou amanhã, ou depois, à mesma hora.

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Roma, 26-8-71 Bambina

Dobrou a folha, meteu-a no envelope, fechou-o e

estendeu-o ao livreiro, sorrindo amistosamente. — O menino que veio comprar os seis livrinhos voltará

aqui, talvez hoje mesmo, ou amanhã, ou depois... Perguntará se alguém esteve procurando por ele. Então, deverá entregar-lhe este envelope. Posso contar com isso, signore?

O homem olhou-a. Olhou o envelope. Olhou as cinqüenta mil liras que estavam junto a este. Piscou rapidamente.

— Claro que sim, signorina. — Obrigada. O senhor é muito gentil. Ficarei

telefonando, para saber se o menino veio. — Pergunte pelo Rossano. Sou eu... — sorriu. — Às

suas ordens. — Obrigada. Saiu da livraria, foi até onde havia deixado o carrinho

“Fiat 500” alugado aquela manhã e sentou-se atrás do volante. Examinou o conto, mas, naturalmente, não encontrou nada escrito nas barrigas dos três porquinhos. Guardou também aquele exemplar no fundo duplo da male-tinha, tirou uma planta de Roma e procurou o Viaje delle Belle Arti. Efetivamente, ficava em Villa Borghese, quase junto ao Zoológico. Deixou de lado a planta, tirou a peruca, as lentes de contato, os aros de plástico das narinas, as almofadinhas de espuma do interior da boca o vestido... Em três minutos, a malajambrada mademoiselle Charlotte Martel transformou-se numa elegantíssima jovem de

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maravilhosos olhos azuis, longos e ondulados cabelos pretos, deliciosos lábios sorridentes... Um modelo minissaia absolutamente estival completou a fantástica metamorfose. Quem tivesse visto Charlotte Martel entrar naquele carrinho e observasse depois a transformação nela operada, certamente teria tomado o primeiro táxi para fazer-se levar ao manicômio: teria acabado de ver algo absolutamente absurdo.

— Vamos lá — disse para si mesma a deliciosa garota dos olhos mais belos do mundo.

* * * Deteve o carrinho um tanto longe do número 40 do

Viale delle Belle Arti, saltou e acabou de aproximar-se a pé. Efetivamente, era uma formosa vila, das muitas que existem naquele bairro. E tinha uma... inquietante particularidade: o altíssimo gradil, terminado em pontiagudas lanças de ferro.

Esteve uns minutos contemplando-o, detidamente, pensativa, até que notou a presença de alguém à, sua esquerda... Virou-se com velocidade controlada e seus olhos cravaram-se nos de um ancião de cabelos completamente brancos, que a contemplava através de seus óculos espessos. Era muito curvado e parecia ter pelo menos setenta anos.

— Uma esmolinha, bela signorina... — pediu ele, em italiano, com voz lamurienta.

— É feio pedir esmola — disse ela. — Sou um pobre velho, signorina... Não tenho ninguém

no mundo que queira me recolher e cuidar de mim... Que outra coisa posso fazer? Gostaria de trabalhar, mas ninguém me aceita... Não me dá uma esmolinha?

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A linda garota de maravilhosos olhos azuis sorriu, abriu a maletinha vermelha adornada de minúsculas flores azuis, e tirou uma cédula de dez mil liras.

— Um conselho, vovô — sorriu. — Não as gaste com mulheres.

— Pobre de mim, que mais posso querer com mulheres... Sim, já tive um amor, faz tempo, muito, muito tempo... mas hoje...

— Certamente ela agora está muito velha — sorriu novamente a garota.

— Pelo contrário! Cada dia está mais jovem e formosa... É exasperante. Em troca, eu, como vê... estou feito uma ruína. Não reparou que esta nota é de dez mil liras?

— Claro que reparei. — Deus lhe pague! E a Virgem. E todos os Santos,

signorina... gostaria de poder retribuir... Posso? — Por ora, não. Mas... quem sabe? Fez meia-volta, regressando para onde tinha deixado o

carro, entrou neste e deu partida. Segundos depois, detinha-o diante do duplo portão de grades de ferro da vila que pertencia ao tal Walter Lieben Taderhaus. Já não havia nem sinal do velho mendigo.

Saiu do carro, puxou a corrente da campainha e voltou ao volante. Poucos segundos após, um homem apareceu atrás das grades e ficou olhando o veículo com o cenho carregado. “Baby” debruçou-se por sobre a porta.

— Abra! — quase exigiu. — Que deseja? — resmungou o porteiro. — Abra imediatamente, se não quer que herr Lieben a

enxote a pontapés dentro de alguns minutos!

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O homem hesitou, mas finalmente abriu. Claro, esperava que a visitante parasse junto a ele, uma vez transposto o portão, para dar-lhe uma explicação qualquer, mas o carrinho passou a seu lado a toda a velocidade da primeira marcha, direto para a casa, enfiando pela alameda. O porteiro ainda estava estupefato e já o “Fiat 500” se detinha diante da escadaria de entrada. Fechou o portão e pôs-se a correr para lá, ao mesmo tempo em que, de casa, saía outro homem, de calças pretas e jaleco de listas pretas e amarelas. Se havia alguém no mundo que parecesse um mordomo, era aquele homem, que se apressou a descer a escadaria, chegando junto a Brigitte, quando esta acabava de sair do carro.

— Posso saber quem é e o que deseja? — grasnou asperamente ele.

— Aqui mora o senhor Lieben, não é assim? — É... Mas... — O importador de eletrodomésticos da Alemanha? — Sim, sim... — Bem. Diga-lhe que uma representante da firma

“Informações Gerais da Itália” quer vê-lo. Foi-nos pedida uma informação comercial sobre ele e consideramos de vital importância uma entrevista de caráter pessoal. Um informe particular, compreende?

O homem compreendeu vagamente e, ainda com o cenho carregado, esteve-a contemplando una segundos. Por fim, pareceu chegar à conclusão de que não era de sua competência recebê-la, ou deixar de fazê-lo.

— Espere um momento... — murmurou. — Verei se o senhor Lieben está em casa.

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Fez meia-volta, subiu a escada e desapareceu no interior da casa. Reapareceu três minutos depois e, de cima, fez sinal a Brigitte, que acendera um cigarro,

— Entre, por favor. Conduziu-a a um grande salão, magnificamente

mobiliado e decorado, como convinha àquela esplêndida vila. Ao fundo, havia uma ampla janela, através da qual via-se a quadra de tênis.

Mais além, entre o arvoredo, as pontas de lança do alto gradil.

— Tenha a bondade de aguardar um minuto: o senhor Lieben descerá em seguida.

— Obrigada. O mordomo saiu, fechando atrás de si as duas folhas da

grande porta. “Baby” aproximou-se de uma mesinha baixa, esmagou o cigarro contra um cinzeiro e olhou a seu redor, especialmente para os quadros... Mas nem sequer teve tempo de pensar na conveniência de dar uma espiada atrás deles. A dupla porta se abriu e entrou um homenzinho miúdo, gorducho, calvo, de olhos astutos. Usava um robe de chambre, sobre o pijama, e tinha cara de sono. Olhou-a curioso, expectante, piscando, enquanto se aproximava dela.

— Bom-dia! — saudou vivamente Brigitte. — O senhor é Walter Lieben Taderhaus?

— Sim, com efeito... Bom-dia. Perdoe que a receba assim, mas pareceu-me ser algo tão urgente... Estava dormindo.

— Oh! — lamentou ela. — Sinto muitíssimo! — Não tem importância — sorriu o gorducho

personagem, cujo sotaque alemão era inconfundível. — Não quer sentar-se?

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— Obrigada. Sentaram-se os dois. Herr Lieben, sem o poder evitar,

olhou com admiração para as pernas de sua visitante. Não havia dúvida de que o dia começava bem para ele.

— As suas ordens, signorina... signorina... — De Santi. Nina De Santi. Trabalho para a firma

“Informações Gerais da Itália”... Certamente a conhece, senhor Lieben.

— Não... Creio que não. — Oh, isso me surpreende! É a organização de maior

prestigio no país, para informações comerciais. O senhor compreende: quando alguém que está disposto a realizar um negócio de grande envergadura quer ter certeza de onde põe os pés, recorre a nós.

Herr Lieben refletiu uns segundos. — Quer dizer que pediram informações comerciais

sobre minha pessoa à, sua... agência, signorina? — Exatamente. Entendo que o senhor é alemão. — Sim... Alemão. — Possui propriedades na Alemanha? — Possuo. — Refiro-me a propriedades particulares. — Sim, sim, particulares. — E também sede comercial? — Evidentemente. — Pode dar-me os endereços? — Com que objeto? — Já lhe disse que precisamos de uma informação

comercial sobre o senhor. Não é nada desonroso, absolutamente; em todo caso, reflete uma certa ignorância

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de nosso cliente a respeito de sua firma, O senhor faria o mesmo, como bom comerciante.

— Sim, certamente faria o mesmo. — É normal este procedimento. Compreendo que seja

um tanto incômodo virem à, nossa casa fazer-nos perguntas, mas peço-lhe considerar que estou apenas realizando meu trabalho.

— Eu sei. — Bem... Espero que o senhor não tenha inconveniente

em responder a minhas perguntas sobre a organização de sua empresa, volume de negócios, fontes de referência, avais... O senhor me entende.

— Entendo — sorriu amavelmente Lieben Taderhaus. — E vou facilitar extraordinariamente seu trabalho, signorina De Santi: dirija-se ao Banco da Itália, à matriz de Roma, justamente. Lá lhe darão quantos informes comerciais necessite sobre minha firma.

— Ah... Bom, de qualquer modo, eu pensei que uma entrevista pessoal sempre seria mais conveniente.

— Por que motivo? — O fato de que uma pessoa seja investigada

economicamente pode dar o que pensar a outras. Peça-lhe compreender que minha iniciativa de vir aqui diretamente deve-se a... digamos. uma consideração especial para com o investigado. Às vezes, estes se sentem melindrados pelo fato de pedirmos informações sobre eles a outras pessoas e preferem facilitá-las pessoalmente. Por isso...

— Noto que é muito delicada, signorina De Santi. Claro, agradeço seu tato e o de sua agência, mas em meu caso asseguro-lhe que não haverá inconveniente em que se dirija com todas as suas perguntas ao Banco da Itália.

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— Muito bem. Se o senhor prefere assim... Seu negócio consiste em eletrodomésticos, não?

— Sim. — De que marca? — Já lhe disse, signorina De Santi, que faça todas as

suas perguntas aos meus banqueiros na Itália. Brigitte pestanejou. Levantou-se, sorrindo como se

estivesse perturbada. — Espero não o ter incomodado, senhor Lieben. A

norma de minha firma e... — Não me incomodou — Lieben Taderhaus tinha-se

levantado também e estendeu-lhe a mão gorducha, mole e cálida. — Mas eu também tenho minhas normas, compreenda.

— Sim, compreendo. Na verdade — Brigitte sorriu deliciosamente — o senhor foi muito amável. Lamento deveras tê-lo acordado.

— Aproveitarei para atender a meus negócios com uma hora de antecipação. Creio mesmo que deveria agradecer-lhe isto. Acompanho-a.

Ambos sorrindo como encantados de que no mundo se pudesse encontrar ainda gente simpática e amável, dirigiram-se para a porta do salão. Lieben Taderhaus abriu-a e fez um sinal ao mordomo, indicando a porta da casa.

— Oh, agora que penso... — disse Brigitte. — Tem chofer, senhor Lieben? Por um instante, só um brevíssimo instante, brilhou uma

centelha de alarma nos olhos do alemão. Uma centelha de alarma e de vigilância extrema para com a signorina De Santi. Tão breve, que seria necessária toda a vasta experiência de agente “Baby” para captá-la.

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— Sim... Naturalmente tenho chofer. — Talvez vá pensar que abuso de sua amabilidade,

mas... não poderia vê-lo? — Ao meu chofer? — Sim, sim... É que tenho um carrinho pequeno e

velho... Não sei corno pude chegar até aqui. Receio que enguice novamente e decerto o seu chofer deve entender de mecânica o suficiente para dizer-me se é preferível que leve o carro para a oficina, ou se o posso utilizar hoje. Tenho tantas coisas para resolver esta manhã!

— Compreendo. Mas sinto muito... Meu chofer não está em casa. Saiu ontem para cumprir uns encargos e ainda não voltou. Receio que tenha sofrido algum acidente e já avisei a Polícia.

— Oh, é lamentável... Espero que seus tenores sejam infundados. Bem, adeus, senhor Lieben. Muito grata por sua gentileza.

— Estimei conhecê-la, signorina De Santi. Telefonarei ao banco para que a atendam devida-mente.

— Mais uma vez, obrigada. Adeus. Saiu da casa, meteu-se no carinho e, segundos depois,

abandonava a vila. Mas não foi muito longe... Apenas oitenta metros mais além, deteve o “Fiat 500”, parou o motor, saltou e levantou o capô, com ar preocupado.

A ratoeira estava pronta. Se Lieben Taderhaus tinha algo a ver com aquilo, o

menos que faria seria mandar alguém atrás dela, em cujo caso não tardaria muito a sair um carro da vila, para a seguir. Depois, havia uma segunda faceta: se Johnny-Roma era um traidor e estava lá, com o que se confirmaria a intervenção de Lieben no assunto, saberia imediatamente

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que “Baby” estivera na vila quando o alemão lhe descrevesse a signorina NIna De Santi; em cujo caso, sairiam também atrás dela e, então, com muito piores Intenções, pois compreenderiam que estava na pista deles. Era muito risco, certamente, mas o risco, em espionagem, é sempre inevitável...

Seis minutos mais tarde, nenhum carro havia saído da vila, com o que “‘Baby” teve que se debater entre duas dúvidas, cada qual pior. Primeira, aquilo significava que não tinha pista alguma, que Johnny-Roma não estava lá, nem Como amigo, nem como inimigo. Segunda, que Lieben podia ter muito a ver com o assunto, mas que era extraordinariamente astuto, a ponto de compreender que qualquer reação sua ante a visita da signorina De Santi iria delatá-lo...

— Pelo menos, posso ajudá-la agora — disse uma voz quebrada.

Virou-se e sorriu para o curvado ancião de cabelos brancos e olhos muito míopes.

— Ainda por aqui, vovô? — Como vê, esta é minha zona: gente de dinheiro,

compreende? — Ah... Você é um sem-vergonha, não? — Só o suficiente, signorina... Ajudo-a? Lembro-me

bem que é uma pessoa generosa. — Obrigada — riu ela. — Mas não espere outras dez

mil liras. Além disso, já. resolvi sozinha a avaria. Ciao! — Ciao — pareceu desiludir-se o ancião. Segundos depois, a mais perigosa espiã do mundo se

afastava em seu carrinho alugado.

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E alguns minutos mais tarde, num lugar propício, voltava a transformar-se, com seus truques de caracterização, na faia e esquisitona mademoiselle Charlotte Martel. Depois, procurou um estacionamento, lá deixou seu carro e afastou-se a pé.

* * * Johnny I entrou no pequeno e modesta restaurante onde

se serviam típicas comidas italianas a preços módicos, olhou para todos os lados, viu-a sentada a uma mesa de canto e foi instalar-se do outro lado desta, com expressão Indecisa.

— Olá — sorriu Charlotte Martel. — Desculpe-me que o tenha feito vir aqui, Johnny, mas tinha um apetite espantoso.

O agente da CIA pareceu agora um pouco alarmado. — Respondeu desta mesa ao meu chamado pelo rádio? — Não. Meu rádio tem um zumbido especial, que

minhas orelhas captam de imediato. Fui ao toalete e falei com você de lá. Depois, voltei à mesa. Fazia tempo que não comia tão delicioso spaghetti! É que engorda, sabe? Embora — franziu a testa diga-se atualmente que não é verdade, que as massas não engordam. Quer almoçar comigo?

— Nossos companheiros estão à nossa espera no carro. Creio que ficariam assustados, se eu demorasse muito.

— Ah, sim... Maravilhoso spaghetti! Veremos agora que tal está a carne. E com bom vinho italiano... Mamma mia!

Johnny sorriu, divertido. — Parece que você está de bom humor. — Tenho meus motivos: muito logo, verei Johnny-

Roma.

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— Quê? — quase gritou Johnny I. — Como conseguiu...?

— Ssssttt... Vai chamar a atenção, Johnny. Calma... Eu lhe disse que sempre tenho meus próprios recursos.

— Mas está certa de que vai ver Johnny-Roma? — Quase completamente ....... Esta carne está um

pouquinho dura, mas enfim não podemos exigir que tudo seja perfeito. E pelo preço não poderia esperar que me servissem chateaubriand, não é mesmo?

— Você, ao que parece, está acostumada ao melhor. — Estou. E, como se costuma dizer, só o melhor é

bom... Por isso, sempre considerei absurdo e perigoso utilizar espiões de segunda ou terceira categoria. É um risco e uma contrariedade, sempre. Deveríamos ter apenas uns poucos espiões no mundo, mas todos de primeiríssima classe.

— Pelo visto, você se inclui nessa primeiríssima categoria.

— E não está de acordo? — Não sei. Mas a julgar pelo que Johnny-Roma nos

contava a seu respeito, não há dúvida de que sim. Diga-me uma coisa: se pensa que só o melhor é bom, por que não se hospedou num hotel de luxo e está agora comendo num restaurante mambembe?

— Porque é bom conhecer o mundo que nos rodeia, Johnny, não apenas o nosso mundo. Isso provoca... como diria eu... uma espécie de cegueira moral.

Johnny I pestanejou, olhando com renovado interesse para aquela extraordinária mulher. Sim, cada vez lhe parecia mais extraordinária... Era da categoria dos privilegiados da vida. Percebia-se isto nela... Olhou a carne,

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certamente algo dura, o pão sobre a toalha não demasiado limpa, o prato de spaghetti já havia a um lado, tirando a estética da mesa. E a marca do vinho vulgar, comum. Um vinho de duzentas liras a garrafa...

— Em que categoria de espiões você me classifica, “Baby”? — perguntou.

Ela olhou-o amavelmente. Serviu-se mais vinho, tomou um pequeno gole sem que sua expressão satisfeita se alterasse o mínimo, apesar do forte travo de acidez, e disse:

— Fiz você vir porque quero dizer-lhe pessoalmente que desapareça de cena. Você e os outros dois Johnnies.

Johnny I mordeu os lábios. — Significa isso que nos considera de segunda

categoria...? Ou de terceira? — Não seja encrenqueiro, Johnny. São meus planos, eis

tudo. — Nem sequer me perguntou por Walter Lieben

Taderhaus, assunto em que eu imaginava poder prestar-lhe alguma colaboração.

— Já, sei o suficiente a respeito desse cavalheiro. — Como? — empalideceu Johnny. — Estive falando com ele esta manhã. O espião sobressaltou-se, atrapalhou-se e, finalmente,

olhou-a com olhos arregalados, ainda mais pálido que antes. — Mas podiam tê-la assassinado, podiam...! — Herr Lieben não tem nada a ver com o assunto. Seu

chofer, sim, naturalmente. Herr Lieben informou a Polícia de seu desaparecimento; suponho que logo encontrarão o carro e o levarão à vila. Mas — sorriu com ar de troça — espero que nunca encontrem o cadáver do chofer Enrico Voltari, não é?

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— Hem? Oh... Oh.... sim, sim! Não se preocupe: jamais será encontrado o cadáver.

— Tudo decorreu bem? Nenhuma dificuldade? — Absolutamente nenhuma. — Okay. Adeus, Johnny. Beijos para os três. — Mas... não pode prescindir assim de nós... — Por que não? — Não pode ficar sozinha em Roma, enfrentando um

assunto de traição! É um risco absurdo o que está disposta a correr!

— Insisto em que tenho meus próprios recursos. Muito em breve, me entrevistarei com Johnny-Roma, resolverei este assunto por bem, ou por mal, e voltarei para casa. Isso é tudo. Quanto a vocês, sumam. Seria uma boa idéia que tomassem a rota de Paris. É a mais segura.

— Quer dizer que devemos voltar a Washington? “Baby” terminou de mastigar o bocado de carne, tomou

mais um pequeno gole de vinho e enxugou os lábios com o guardanapo de duvidosa brancura.

— Essas são minhas ordens — disse inexpressivamente. — Mas... — Johnny; já mataram um de vocês em Roma. Há outro

que talvez tenha que morrer. São dois. Para mim, são muito Johnnies mortos. Entende?

Johnny I passou a língua pelos lábios. Assentiu com a cabeça, levantou-se, hesitou...

— Adeus, “Baby”... — Boa viagem. E tomem muito cuidado. Ele abandonou o restaurante e “Baby” terminou seu

almoço. Pagou a conta, foi lavar as mãos e, quando atravessava o local para a porta, deteve-se diante de uma

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mesa, contemplando o jornal em cuja primeira página via-se a fotografia de Greta Wolshof, na cama de seu quarto... Tinham-na encontrado. Começou a ler, sem tocar no jornal, até que ouviu a voz junto a ela.

— Um crime passional, sem dúvida. Virou-se e olhou com indiferença para o garçom que lhe

servira o almoço. Ele contemplava a fotografia com expressão maliciosa.

— Acha que sim? — perguntou, por cortesia. — Claro! Os detalhes não falham... Era uma garota

dessas que trabalham em casas noturnas, compreende, não? Encontraram-na quase nua, estrangulada... Era muito bonita e atraente. Um crime passional, digo-lhe eu. Ela mesma procurou o seu triste fim, não é?

— É... Ela mesma o procurou — disse “Baby”. Saiu do restaurante. O pior tinha sido o vinho. Fatal. Chegando à rua, seu olhar pousou no homem que estava

à direita, na mesma calçada, aparentemente absorvido na contemplação da vitrina de uma sapataria. Aquele homem, tinha a certeza, crispara-se ligeiramente, quando ela apareceu.

Mas, como quem não tem a menor preocupação, Charlotte Martel dirigiu-se para onde havia deixado o carrinho, bastante longe dali. Nem uma só vez virou a cabeça, nem recorreu a nenhum truque para certificar-se de que estava sendo seguida. Não obstante, quando finalmente se meteu no “Fiat 500”, sabia que aquele homem estava atrás dela.

Ligou o motor, olhando pelo retrovisor após orientá-lo convenientemente. E um sorriso frio brincou nos lábios mal maquilados de mademoiselle Martel, quando viu o homem

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da vitrina entrando no carro que, também em marcha lenta, a estivera seguindo... Ou se julgavam muito espertos, ou acreditavam que ela era uma perfeita idiota, O que não encaixava, pois era duvidoso que aqueles homens ignorassem que estavam seguindo nem mais nem menos que a agente “Baby”, da CIA, a espiã mais mortífera do mundo, a espiã jamais vencida.

Arrancou, mais uma vez ajeitou o retrovisor e pôde ver muito bem o carro que a tinha seguido, trazendo agora, além do motorista, o homem da vitrina.

Okay. Vinte minutos mais tarde, detinha o carrinho perto do

Abergo Stromboli, saltava imediatamente e entra no hotel. — Algum recado para mim? — perguntou na recepção. O homem olhou para o compartimento número 12, ao

apanhar a chave. — Não, signorina, nenhum. — Obrigada. Subiu ao seu quarto, certificou-se de que a porta ficava

bem fechada por dentro e depois apoiou contra ela uma cadeira, de tal modo, que esta cairia inevitavelmente ao ser aberta a porta. Aproximou-se da janela e, efetivamente, viu lá embaixo o carro que a tinha seguido.

Impossível, ajustou as venezianas, tirou todos os seus disfarces e estendeu-se na cama. Três segundos mais tarde, estava adormecida.

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CAPITULO QUARTO

Os três porquinhos Despertou às cinco e meia em ponto. Tomou um

chuveiro, vestiu-se, recolocou todos os postiços que constituíam seu disfarce, contemplou-se criticamente no espelho e franziu a testa.

— A próxima vez — murmurou — utilizarei um disfarce de loura bonita.

Apanhou a maletinha, olhou através das venezianas e sorriu, ao ver o carro ainda no mesmo lugar. Por cima da porta, ao lado do volante, aparecia um antebraço e, na mão, via-se um cigarro fumegante.

— Colegas, assim é nossa profissão: muito aborrecida às vezes. Entretanto — tornou a sorrir — eu dormi uma sesta deliciosa.

Saiu do quarto e pouco depois deixava o hotel, metendo—se em seu carrinho. Nem sequer se deu ao trabalho de olhar pelo retrovisor. Durante mais de uma hora, esteve dando voltas pela cidade, admirando suas belezas artísticas. Até atirou uma moeda à Fonte de Trevi, como de uso, formulando um desejo:

— Que não deixem de me seguir. Pelas sete e meia, estava tomando sorvete de café na

Praça de Espanha, enquanto contemplava amavelmente a multidão que enchia a grande escada. Já começava a refrescar um pouco, mas muitos romanos circulavam não em mangas de camisa, mas em camiseta. O sorvete de café estava bom.

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As oito, já anoitecendo, pagou a despesa, incluindo uma gorjeta que deixou atônito o garçom. Perguntou pelo toalete e foi até lá. Em menos de um minuto, a feiosa Charlotte Martel tinha-se transformado na belíssima Brigitte Montfort e a maletinha encapada de preto era agora vermelha com pequenas flores azuis. Saiu do toalete dez minutos mais tarde e atravessou o terraço do café, conseguindo não ser vista pelo garçom que a tinha servido.

Sem hesitar, cruzou a esplanada, passando junto do carro dentro do qual estavam os dois homens que a seguiam. Só dois. Bom, Era a última prova. Se a seguissem, aquele assunto já não tinham segreda para ela.

Chegou ao seu carro, meteu-se dentro, partiu... e ao olhar pelo retrovisor, viu o carro dos dois atrás dela. Uma expressão dura apareceu em seu rosto, mas logo foi substituída por outra de intenso pesar.

— Preferia ter-me enganado — sussurrou. As nove menos quinze, atravessava a. Ponte de Santo

Angelo, desviava-se para a Via della Conciliazione, procurava um lugar para deixar o carrinho e saltava. Regressou a pé em direção à ponte. Já era noite. Seu relógio, que colocara pontualmente na hora de Roma, marcava nove horas menos seis minutos, quando se deteve no extremo da Via della Conciliazione, virando-se para contemplar, ao fundo, a Praça de São Pedro, iluminada, com o Vaticano destacando-se majestosamente.

Claro, o carro dos dois homens a seguia. As nove menos dois minutos, entrava na Ponte Santo

Angelo. Caminhou uns passos e deteve-se. Debruçou-se para olhar o leito do Tibre, completamente seco. Parecia

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puro deserto, com a terra gretada... Por um lado, um tênue fio de água deslizava silenciosamente.

As nove em ponto, apareceu um menino na extremidade oposta da ponte. Devia ter oito ou dez anos. Era miúdo, de grande olhos escuros,

Ondulados cabelos pretos; o clássico, bonito garoto italiano. Seu aspecto não era exatamente próspero, mas usava um grande relógio de pulso, que vinha consultando. Brigitte viu-o chegar e sorriu, quando ele parou diante dela.

— Pode me dizer as horas, signorina? — pediu o menino. — Parece que o meu relógio parou.

— Nove horas em ponto — disse ela. — Ah... Obrigado. É que tenho que encontrar aqui uma

bambina justamente a esta hora. Brigitte sentiu-se impressionada, espantada. Era horrível

ter que utilizar aquele garoto. Claro, o pobrezinho não sabia no que estava se metendo e era de esperar que Johnny tivesse pensando no modo de tirá-la incólume daquilo.

— Tomara — sorriu com esforço — que seja uma bambina muito bonita.

— Foi isso que me disse o meu amigo. — Suponho que o seu amigo se chame Johnny. O menino a contemplava com os olhos muito abertos. — Sim, sim... E eu me chamo Giovanni, mas todos me

chamam Nino. — Compreendo. — Meu amigo Johnny queria vir, mas está doente.

Tenho que dizer à bambina que me acompanhe: ele está esperando.

— Foi você quem comprou seis exemplares do conto “Os Três Porquinhos e o Lobo Mau”?

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— Fui. — Pois eu sou a bambina... Espero ser de seu agrado.

Você está me achando bonita? O garoto assentiu com a cabeça, absolutamente

maravilhado. Já o estava desde que tinha visto a bela signorina de olhos azuis. Em seus ouvidos, soavam ainda as fatigadas palavras do seu amigo: “Você logo a reconhecerá, Nino: é a mais formosa signorina do mundo”... E era verdade. Era absolutamente verdade?

— Como é, ficou sem fala? — sorriu Brigitte. — Bom, vamos ver o nosso amigo Johnny. Dê-me a

mão. Tomou-o pela mão e foram para onde tinha deixado o

carrinho. Já ambos dentro dele, ligou o motor e olhou o menino.

— Para onde vamos? — perguntou-lhe. — Para o Trastevere... Eu irei lhe dizendo. — Ótimo. O carro partiu. Ela olhou pelo retrovisor. Claro: atrás

vinha o dos dois homens. * * *

— Pare... — disse Nino. — É aqui. Brigitte freou e olhou para onde o garoto indicava. Era

uma oficina de conserto de bicicletas e motocicletas. Estava fechada, não se via ninguém.

— De quem é a oficina, Nino? — Do meu pai. Meu pai é muito amigo de Johnny. — Seu pai também está ai? — Não, não... Nós moramos perto, não na oficina. — Mas Johnny está ai, não?

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— Está. Nos fundos há um quarto onde o meu pai guarda coisas que não servem, mas que podem servir alguma vez. Johnny está lá. Ele me disse para lhe dizer que não entre sem bater na porta.

— Compreendo. Mas isso se refere à porta do quarto dele. A da oficina está aberta?

— Está sim. — Bom. Você conhece bem o Trastevere, Nino? — Conheço muito bem. Foi aqui que nasci. — Ótimo. Agora você vai se retirar... Mas não para sua

casa, compreende? Vai sair do carro calmamente, entrar por aquela rua — indicou-a — e depois correr. Não pare por coisa nenhuma no mundo, ouviu? E tem que correr de um modo que, se alguém que não conhece bem o Trastevere quiser seguir você, não o possa mais encontrar. Entendido?

— Entendido — sorriu o menino. Brigitte engoliu em seco. — Pois não, vá... Adeus, Nino. Deu-lhe um beijo e o garoto saiu do carro. Viu-o correr

para a rua indicada e desaparecer nela... Virou-se no assento, mas não conseguiu ver o outro carro. Não importava. Saltou, deixando o carrinho aberto, a chave na ignição.

Foi à oficina, empurrou a grande porta, entrou e ajustou-a atrás dela. Tirou da maletinha a lanterna-caneta, acendeu-a e descreveu um rápido arco com a luz. Apagou-a em seguida e, sem hesitação nem tropeços, chegou à porta dos fundos. Colocou-se a um lado, bateu com os nós dos dedos e murmurou:

— Johnny, acenda a luz e não se mova. Está me ouvindo?

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Não houve resposta. Mas três segundos depois uma barra de luz apareceu par baixo da porta. Brigitte afastou-se agilmente desta, agachando-. se junto a Várias motocicletas que esperavam a vez para ser consertadas. Deixou a maletinha a um lado, empunhou a pequena pistola e seus olhos fixaram-se na porta da oficina... que não tardou nem meio minuto a abrir-se. Recortadas contra a luz da rua, distinguiu perfeitamente as silhuetas dos dois homens. Ambos entraram e fecharam a porta. Suas pisadas cautelosas chegaram-lhe ao apurado ouvido tão nitidamente como se fossem conhonaços. Além disso, continuava vendo seus vultos. E, em dado momento, ambos já muito perto da porta sob a qual se via a luz, distinguiu, à muito leve claridade desta, o brilho das pistolas que empunhavam.

Ergueu-se, estirando o braço direito. E com uma frieza capaz de fazer parar o coração de qualquer pessoa alheia à espionagem, comprimiu duas vezes o gatilho de sua pistolinha.

Plop... Plop. Na escura oficina soaram claramente os dois gemidos de

morte e os baques de dois corpos contra o chão de cimento. A luz desapareceu de sob a porta.

Silêncio absoluto. Escuridão absoluta. Três minutos depois, acendeu a pequena lanterna e um

círculo amarelo caiu sobre o rosto de um dos homens. Um rosto crispado, com um pequeno orifício escuro no parietal direito. A luz deslocou-se, iluminando o rosto do outro homem. Quase o mesmo em tudo, só que o orifício da bala aparecia no parietal esquerdo.

A luz da lanterna se apagou.

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Segundos depois, soaram leves batidas na porta. — Johnny: tudo bem. Vou entrar. Empurrou a porta,

entrou, tornou a fechá-la. A luz se acendeu e Brigitte piscou uns segundos, girando rapidamente sobre si mesma, até distinguir o homem que jazia num velho catre, mal envolto num lençol... Pôde ainda ver o débil gesto com que ele deixava pender a mão, na qual havia uma pistola. Sentou-se na beira do catre e sua mão passou docemente pela face do abatido Johnny, em cuja testa, rosto, pescoço brilhava o suor copioso. Tinha o peito vendado. Muito mal, mas vendado.

— Quem lhe fez este curativo? — sorriu Brigitte. Um sorriso alegre apareceu nos olhos claros do louro,

atlético, simpático Johnny-Roma. — Tinha certeza de que você viria... Por isso mandei o

conto ao apartamento de Greta. Compreendeu tudo? — No princípio, não. Agora, sim, já compreendi tudo. E

os outros cinco contos? — Mandei-os a quatro colaboradores, para que se

pusessem a salvo, e um à Central. Espero que lá tenham compreendido... Que aconteceu aí fora?

— Dois colegas passaram todo o dia me seguindo. Não tive mais remédio senão matá-los, pois estavam não só atrás de você, mas também de mim. Duas cajadadas: dois coelhos.

Johnny-Roma soltou uma risada, que terminou numa careta de dor.

— Pobres-diabos! Deviam estar loucos para seguir você. — Isso não me incomodou, só quando compreendi que

nos queriam matar a ambos. Agora que já tinham encontrado você, eu não lhes servia para nada.

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— Mas se esses homens a seguiram, isso significa que eles o disseram.

— Sem dúvida. — Onde estão agora? — Despachei-os para a Central, via Paris, pode ser que

tenham partido e cheguem lá com a maior cara de inocentes que se limitaram a cumprir minhas ordens. E pode ser que continuem em Roma. Logo saberemos.

— Os sujos... — Sim... — murmurou Brigitte, tristemente. — Utilizar

o conto dos três porquinhos foi muito adequado. Eu devia ter compreendido a verdade quando o encontrei, mas estava perplexa. Você tem certeza de que cada um deles cobrou duzentos e cinqüenta mil dólares para trair a CIA?

— Tenho. Nosso companheiro me contou antes que o matassem... Dois deles o balearam, pelas costas... Foi horrível.

— Como aconteceu exatamente? — Eu estava em meu apartamento, preparando-me para

ir buscar Greta... Você a viu? Como está ela? — Eles me disseram que não a conheciam —Brigitte

esquivou a resposta. — Que não a conheciam?! Mas se a mostrei a eles uma

vez... E sabiam muito bem que tenciono me casar com ela. Bem sei que é uma vedete de night-club, mas isso não importa.

— Claro — murmurou Brigitte. É uma excelente pessoa, “Baby”. Tem um filho num

pensionato suíço. Há mais de quatro anos ficou viúva. A família do marido deu um jeito para escamotear a fortuna deste, de modo que ela e o filho ficaram praticamente sem

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nada. Ela sabe cantar... Estudou canto, pois tem uma linda voz. E pensou que o melhor modo de ganhar dinheiro para dar ao filho uma boa educação seria cantando. Conheço o menino... — sorriu. — É encantador, inteligente. E ela é maravilhosa, acredite, “Baby”. O fato de que cante em um night-club...

— Vamos, vamos, Johnny, não diga mais tolices. Sei muito bem distinguir as pessoas de qualidade, seja qual for sua ocupação. É melhor continuarmos com o outro assunto. Que se passou exatamente? Você dizia que atiraram em Johnny-Morto pelas costas...

— Esse é seu nome, agora? Johnny-Morto? — Ocorre-lhe outro melhor? — Não, não... Está certo. Johnny-Morto... Ele chegou

quando eu me preparava para sair. Entrou muito agitado, suando... Disse-me que eles não estavam onde eu os tinha enviado, mas em Roma, em companhia de dois homens, num bar. Tinha-os visto e ouvido e um dos homens dizia-lhes que por duzentos e cinqüenta mil dólares eles se tinham comprometido a servi-lo até que os transferissem a outro ponto. Parece que queriam mais dinheiro... Não sei muito bem como tudo aconteceu, pois foi muito rápido, mas, evidentemente, os outros ‘três viram Johnny-Morto e saíram atrás dele. E nem ele nem eu tivemos tempo de nada... Enquanto eu escutava Johnny-Morto, eles chegaram, abriram a porta com uma gazua e entraram no apartamento, surpreendendo-nos. Johnny-Morto e eu corremos para a cozinha, mas os três atiraram. Fui atingido nas costas e cai no chão. Mas pude levantar-me em seguida e saltar pela janela da cozinha. Depois...

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— Já sei. E não importa como você chegou até aqui. Eles me disseram que tinham encontrado Johnny-Morto caído no living, já sem vida, e que ele tinha disparado uma vez, pelo que você devia estar ferido. Tudo mentira, claro. Foram eles que prepararam a cena, para convencer a CIA de que o traidor era você. Compreenderam que eu seria enviada e pensaram que o melhor modo de encontrá-lo seria deixar que eu me movesse em Roma à minha vontade...

Brigitte explicou rapidamente o ocorrido de.-de que chegara à Cidade Eterna, omitindo unicamente a morte de Greta Wolshof.

— Esses traidores venderão você aos russos... — murmurou Johnny-Roma. — A partir deste momento, saberão como você é, conhecerão seu aspecto...

— Tomei minhas precauções a respeito — declarou Brigitte. — E não as abandonei, especialmente desde que tive que matar Enrico Voltari. Não era lógico que ele estivesse no apartamento de Johnny-Morto. Pensei primeiro que tinha ido buscar alguma coisa, mas depois compreendi que tinham tido tempo de sobra para fazer isso. O que ele fez foi deixar um falso caderninho como se pertencesse a Johnny-Morto. Dentro estavam fotos de você e Greta, que eles deviam ter conseguido desde que os três se venderam. Você estava sob vigilância e foi fotografado sempre que falou com alguém que lhes chamasse a atenção, pois queriam conhecer seus colaboradores. Por isso, tinham essas fotos. E quando souberam que eu havia chegado, fizeram com que eu encontrasse Greta, pois, partindo dela, talvez pudessem encontrar você.

— Não a molestaram?

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— Bem — Brigitte passou a língua pelos lábios —, em minha opinião, Enrico Voltari era um homem... nervoso. Assustava-se facilmente. Devem ter-lhe dito que podia colocar com toda a calma o caderninho falso no apartamento de Johnny-Morto, acreditando que eu iria primeiro ao seu. Mas mudei de idéia e fui primeiro ao apartamento dele. Enrico Voltari assustou-se e só lhe ocorreu disparar contra mim. Talvez nem sequer soubesse quem eu era... Claro, eles não queriam matar-me até que tivesse encontrado você, compreendi em seguida. Mas o nervosismo de Enrico... De qualquer modo, graças a ele, consegui a pista desse alemão, Walter Lieben Taderhaus... Ouviu falar dele?

— Nunca. — Pois é um agente inimigo. Compreendi isto quando

mencionei seu chofer. Mas é muito esperto... Muitíssimo. Não fez nada, no momento. Depois, vi Johnny I e disse-lhe que não tardaria a entrevistar-me com você. A partir desse momento, dois homens começaram a seguir-me: esses que estão ai fora. Compreendi que se me seguiam estando disfarçada, sabiam quem eu era apesar de não ter usado disfarce quando fui à vila de Lieben. Tampouco se perturbaram quando tirei o disfarce, já que também me conheciam sob meu verdadeiro aspecto, pois Lieben me teria descrito. Quer dizer, Lieben disse aos três porquinhos como eu realmente era e eles lhe disseram que aspecto tinha Charlotte Martel. Assim já não pude ter dúvidas de nenhuma espécie. E somando a isto o fato de parecer-me estranho o que ocorrera no seu apartamento, bem como seu silêncio quando eu o chamava pelo rádio...

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— A você teria respondido. Mas tive que sair de meu apartamento a toda pressa, sem rádio, sem armas, sem nada... Eles devem ter ficado com tudo: meu rádio, meus documentos... Tudo! Esta pistola eu consegui com um amigo, o dono desta oficina... E Nino? — sorriu bruscamente.

— Ainda deve estar correndo por ai — sorriu também Brigitte. — É um garoto muito vivo. Mas talvez você não o devesse meter nisto, Johnny.

— Oh, eu sabia que com você ele estava a salvo, de um ou de outro modo. Ocupou-se também de Greta?

— Já lhe disse que Enrico Voltari era muito nervoso. Certamente foi vê-la junto com esses dois aí de fora. Esses dois eram profissionais, mas ele só servia para pequenas coisas...

— Que está dizendo? — perguntou Johnny. — Suponho que devem ter batido na porta do

apartamento quando ela estava dormindo. Também suponho que lhe disseram que vinham com você, ferido... Por isso ela abriu. Fizeram-lhe perguntas, ela se negou a respondê-las, quis gritar... As coisas devem ter acontecido deste modo, mais ou menos...

— Que... que coisas? Brigitte baixou o olhar e o rosto de Johnny-Roma

desfigurou-se. — Não... Não, meu Deus... Ela, não! Diga-me que a ela

não! — Sinto muito... — a voz de Brigitte era quase

suplicante. — Na verdade, já tudo tinha acontecido quando ontem cheguei a Roma, Johnny. Gomo evitá-lo, se nem sequer estava aqui? Eles queriam saber a todo custo onde

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você se escondia, tinham forçosamente que procurá-la... Depois, morta ela, tiveram que tecer toda esta teia de aranha, com dois objetivos: caçar você antes que se pudesse pôr em contato com alguém da CIA, era o primeiro. O segundo era caçar-me também, depois que o tivesse encontrado, pois sabiam que, confiando em mim, de qualquer modo você conseguiria o contato comigo. Não compreende? Eles querem nos agarrar. Você terá que delatar os colaboradores que só você conhece, antes que o silenciem. Quanto a mim, posso dizer-lhes tantas coisas sobre a espionagem mundial... Depois me venderiam por quinze milhões de rublos e logo se retirariam da espionagem. Compreende, Johnny? Eu vim aqui à sua procura, pensando que era a aranha e, tanto quanto você, sou apenas uma mosca que se enredou na teia tecida por outros. Ambos estamos presos a ela, no momento. Compreende?

— Eles mataram Greta... — tremeu a voz de Johnny-Roma. — Mataram minha Greta...

— Temos que sair daqui, Johnny. Eu o porei a salvo e me ocuparei desses três traidores. E, em especial, de Walter Lieben Taderhaus: ele é a aranha mestra.

— Como... como morreu Greta? — Eu o ajudarei a... — Solte-me! Quero saber como ela morreu! — Estrangulada. — Por Deus... Isto não é justo... Nós somos espiões, mas

Greta não era mais que... que uma mulher, uma mãe, uma pessoa encantadora... E eu a amava tanto! Pensava retirar-me quando cumprisse meu contrato em Ponto Roma, casar-

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me com ela... E o menino? E o menino? Que será dele agora?

— Temos que sair daqui — quase gemeu Brigitte. — Eu os matarei! Matarei os três, como animais... como

porcos que são! Sim, eu os farei em pedaços...! — Calma. Eu mesma me ocuparei disso, Johnny, já

disse... Você pode levantar-se? Os claros olhos de Johnny-Roma Cravaram-me nos de

“Baby”. Já não eram simpáticos, nem alegres. Pareciam pontas metálicas, frias, em seu rosto crispado, abatido.

— Tenho que me levantar... — sussurrou. — Ainda que seja a última coisa que faça na vida, irei com você!

— Muito bem. Mas diretamente ao mais próximo de nossos médicos. Não ao de Roma, claro. Qual o que está mais perto?

— Não quero médicos. Ajude-me. Brigitte passou um braço pelos ombros de Johnny-Roma

e ajudou-o a sentar-se na cama, depois a sair desta. Ele vestia apenas umas calças e estava descalço. Decerto, não parecia um homem em condições ótimas para empreender uma vingança de tipo pessoal.

E assim estavam os dois, meio abraçados, “Baby” amparando-o, quando a porta se abriu de repente e apareceu Johnny I no limiar, pistola na mão. Afastou-se para um lado, dando passagem a Johnny II e Johnny III, igualmente armados, rostos tensos, dispostos a apertar o gatilho ao menor sinal de perigo. Brigitte e Johnny-Roma não tiveram tempo de nada: Johnny II adiantou-se rapidamente, apoderou-se de suas armas, que estavam ambas sobre o catre, e tornou a afastar-se, sempre sem deixar de cobri-los com a pistola.

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Ninguém disse nada, no momento. Olharam-se. Por fim, a espiã internacional sorriu friamente e murmurou:

— Oh... Aqui temos os três porquinhos, Johnny. Que lhe parece?

* * * Johnny I moveu a mão armada para a porta. — Em marcha — disse asperamente. — Irão a certo

lugar... mas conosco. Vá buscar o carro e estacione-o diante da porta da oficina.

Johnny III saiu rapidamente. Ficaram apenas dois traidores diante deles, mas em indiscutível superioridade de condições. Se Brigitte soltasse Johnny-Roma, este cairia no chão, com toda a certeza. Quanto a ela, era pouco provável que conseguisse algo mais que desarmar ou vencer um deles: o outro atiraria sem hesitar, matando-a. Afinal de contas, os russos davam os quinze milhões de rublos por “Baby”, viva ou morta.

— Vamos ver Lieben Taderhaus? — perguntou ela. — Você sabe tudo: adivinhe. É muito esperta, não? É

diabolicamente esperta! Mas isso já não tem importância. — E vocês são uns porcos... — arquejou Johnny-Roma.

— Os mais sujos dos porcos! Johnny I apertou as pálpebras e avançou

ameaçadoramente um passo, mas Brigitte mudou de posição, de modo a proteger com seu corpo o ferido. Johnny I hesitou, mas acabou por mostrar-se prudente e sensato. Eles estavam dominando a situação.

— Ainda podem salvar-se, Johnny — disse-lhe Brigitte, serenamente. — Ainda estão em tempo. Esqueçam seus propósitos, venham conosco, ajudem-nos...

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— Esquecerá a CIA que matamos um companheiro? — perguntou Johnny II. — E o que é mais importante: você esquecerá?

— Garanto-lhe. Mataram um, mas podem salvar outro. Garanto-lhes sua sobrevivência. Guardem essas pistolas, ajudem-me e saiamos daqui. Na Central, podem dar todos os dados sobre os agentes que conheçam e...

— Está perdendo seu tempo, “Baby” — cortou Johnny I.— Sabemos muito bem que jamais seriamos perdoados. Por outro lado, não precisamos disso: terminaremos este assunto de modo que ninguém duvidará de nós. Chegamos a tempo e tudo nos sairá bem.

— Estão enganados. Johnny-Roma já enviou a noticia da traição de vocês à Central. O conto dos três porquinhos e do lobo mau... Terá chegado lá possivelmente esta mesma tarde. Já não poderão enganar ninguém. Só eu posso lhes conseguir o perdão.

Os dois traidores empalideceram. Johnny II ia dizer alguma coisa, mas naquele momento soou um leve assobio.

— Aí está... — disse Johnny I.— Vocês dois levem os cadáveres de Onikov e Seminof para o carro; coloquem-nos no porta-malas. Depois voltem aqui.

— Não se descuide — disse Johnny II. — Os dois são muito perigosos.

Saiu e Johnny I afastou-se ainda mais, cobrindo sempre com sua pistola qualquer possível intento de reação por parte de “Baby”, que o contemplava fixamente.

— Reflita, Johnny — insistiu ela. — Já não poderão sair desta teia de aranha sem minha ajuda. Escondam-se onde se esconderem, a CIA os encontrará, você bem sabe.

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— Cale-se. É melhor que pense em você mesma, “Baby”: já chegou ao fim de seu caminho. Você está acabada, compreende? E não me diga outra vez que tem seus próprios recursos!

— Claro que tenho. Se estou falando tanto, é mais por você que por mim mesma, ou por Johnny. Não posso esquecer que, durante muito tempo, vocês foram três companheiros me....

— Cale-se de uma vez! Brigitte não disse mais nada. Pouco depois,

reapareceram Johnny II e Johnny III. — Tudo está pronto disse este. — Podemos ir. Johnny I olhou para Brigitte e para o sombrio Johnny-

Roma. — Sugiro-lhes que aceitem a situação: saiam, metam-se

na parte traseira do carro e não façam nenhuma tolice. Do contrário, perderão a oportunidade de viver mais algumas horas ou alguns dias. Entendem?

Brigitte começou a caminhar, ajudando Johnny-Roma. Johnny I apanhou sua maletinha e colocou-se atrás deles. Fora, separados, pistola sempre na mão, esperavam os outros dois traidores.

Pouco depois, os cinco estavam acomodados no carro, Brigitte e Johnny-Roma sempre sob a ameaça das armas. Johnny III empunhava o volante.

— Arranque — murmurou Johnny I. * * *

O carro entrou na vila e deteve-se diante da escadaria. O mordomo desceu rapidamente, trazendo na mão um revólver. Olhou com ar de troça para Brigitte, mas não disse

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nada. Limitou-se a indicar a escada. Depois, o guarda do portão chegou a toda pressa e ele lhe disse:

— Vigie bem. E será melhor que tenha à mão a metralhadora.

Ninguém ajudou Brigitte e Johnny-Roma a subir a escadaria. Por fim, chegaram ao salão já seu conhecido e ela deixou Johnny-Roma, muito pálido, deitado no sofá. As bandagens que rodeavam seu torso tinham-se manchado de sangue e ele parecia a ponto de desmaiar de um momento para outro. Como se estivesse sozinha ali, Brigitte foi ao bar, a um canto, apanhou uma garrafa de conhaque e voltou para junto do ferido.

— Beba um pouco, Johnny... — disse docemente. — O álcool lhe fará bem.

Johnny-Roma tomou um gole e a cor voltou ao seu rosto. Crispou a mão esquerda num braço da espiã.

— Não se preocupe por mim, “Baby”... — murmurou. — Mate-os. Que não escape nenhum... Mate-os!

— Está tudo previsto, tranqüilize-se. Se não houver acordo, todos eles morrerão...

— Ah, signorina De Santi! — ouviu atrás dela uma voz amável, festiva, com forte sotaque alemão. — É um grande prazer tornar a vê-la, asseguro-lhe!

Brigitte virou-se, lentamente. Seu olhar azul pousou na simpática e rechonchuda figura de Walter Lieben Taderhaus, que, esta vez, estava impecavelmente vestido. Ele captou seu olhar e ampliou o sorriso.

— Como vê, as situações diferem umas das outras: esta manhã me encontrou na cama, agora terei que sair para uma reunião elegante.

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— Isso não me surpreende muito — replicou amavelmente Brigitte. — Em espionagem, tudo é possível.

Lieben Taderhaus pareceu congelar seu sorriso. — Tudo, não. Por exemplo, não posso crer que tenha

previsto esta situação. Ora, vamos, não queira ser tão esperta, não pretenda... deslumbrar-me com sua inteligência. Não existem fenômenos, signorina De Santi. Só espiões. Espiões vulgares, comuns, uns com mais sorte que outros... mas todos, sempre, com um preço.

— Eu não tenho preço. — Não? — Experimente comprar-me. — Oh, não, não... Parece-me que não entendeu a

situação: o que vamos fazer com sua preciosa pessoa é justamente o contrário: vendê-la. E em Moscou se encarregarão de convencê-la de que não vale tanto quanto pensa.

— Todas as vezes que eu for a Moscou, herr Lieben, será por minha própria vontade.

— Duvido. Entretanto, é bom ter em conta o que dizem os outros... Afirma que previu a situação? De acordo: também eu. E vou demonstrá-lo com um simples gesto que, estou certo, saberá interpretar perfeitamente.

Foi até a estante, afastou um bloco que simulava livros, meteu a mão no espaço tornado vazio e girou-a para um lado. Tornou a colocar os livros em seu lugar e virou-se sorridente para Brigitte e Johnny-Roma.

— Bem... Com este simples gesto, garanto-lhe que podemos dedicar-nos placidamente a conversar. Embora não creia que haja muita coisa a ser dita entre nós. Dentro

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de umas horas, juntamente com seu amigo, partirá para Moscou. É tudo.

— E estes três traidores? — perguntou “Baby”. — Daremos um jeito para que possam continuar... — Oh, não. Ele — indicou Johnny-Roma — enviou um

informe à Central da CIA explicando sua traição. — Bem... Isto torna um pouco difícil certa parte do

assunto, não é? — Digamos que, pelo menos, estes três já não lhe serão

mais úteis. — É verdade. Mas não importa. Há muitas redes de

espionagem em toda a Europa e... — Mais teias de aranha? — Como diz? — Teias de aranha — sorriu ironicamente Brigitte. —

Teias de aranha de agentes traidores de seus respectivos serviços e que, dirigidos pelo senhor, estão praticamente colocando toda a espionagem européia nas mãos dos russos. Não é assim?

Lieben Taderhaus pestanejou, assombrado. — É inteligente, signorina De Santi. Sim, com efeito,

tenho a satisfação de haver conseguido para o MVD muitas pequenas teias de aranha de traidores... que compõem a maior armadilha jamais formada num continente. Asseguro-lhe que não foi fácil, nem barato. Mas atualmente, graças a mim, o MVD dispõe de muitíssimas informações por canais não habituais, isto é, de difícil localização. Sim, disse muito bem: praticamente, tudo quanto ocorre entre os serviços secretos na Europa é de conhecimento da Rússia.

— Devem estar muito satisfeitos com o senhor.

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— Claro! Uma... teia de aranha como a que consegui formar há muitos anos não existia em serviço de espionagem algum. Uma teia tão vasta. e bem tecida, que até a própria “Baby” nela se enredou. Isto, sem dúvida, lhe dará uma idéia de sua envergadura. Toda a Europa é uma imensa tela de aranha!

— Como espiã que sou, dou-lhe os parabéns, herr Lieben.

— Obrigado — ele consultou seu relógio. —Bom, terá que me perdoar, mas não posso de maneira nenhuma faltar a essa reunião. Ficarão na adega até que os venham buscar para levá-los a Moscou. Assim sendo, adeus!

— Se sai desta casa, herr Lieben, é um homem morto. — Não diga! E quem poderá matar-me? — Há vários homens meus no jardim. — Sabe muito bem que isso é impossível... — riu o

alemão. — Ou será que não compreendeu o que fiz antes? Se alguém tivesse tentado entrar em minha vila, a estas horas estaríamos sentindo cheiro de carne queimada, não acha?

— Sim, herr Lieben, mas meus inimigos não são comuns esta vez. Sua teia de aranha é pouca coisa para nós.

Walter Lieben Taderhaus olhou-a com irônica indulgência. Deu de ombros e dirigiu-se para a porta, fazendo um sinal ao mordomo. Tinha. apenas dado dois passos, porém, quando a porta-janela que abria para o jardim estourou com grande fragor de vidros partidos e em seguida ouviu-se uma voz máscula, profunda, fria:

— Estão cercados: permaneçam em seus lugares e deixem cair as armas.

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A ponta de uma metralhadora, a que o mordomo entregara ao porteiro, apareceu por um lado. Só a ponta. Durante um momento, a inesperada situação não mudou, como se fosse eternizar-se. Mas súbito surgiu um homem, com a metralhadora na mão direita e uma imponente automática com silenciador na esquerda.

Seu aspecto enganou a todos, mas só o mordomo pagou as conseqüências... Ao ver aquele ancião de cabelos brancos e além disso míope, julgou fácil ganhar a partida, apontando rapidamente seu revólver para ele...

Plop. A bala disparada pelo curvado ancião míope atingiu-o

no meio da testa, atirando-o de costas aos pés de Walter Lieben. Seu revólver resvalou e, saltando sobre ele, “Baby” empunhou-o. Não disse nada. Apenas olhou friamente para o alemão e apontou. Tampouco o ancião disse nada, mas seus olhos, negríssimos através das grossas lentes, estavam cravados nos três Johnnies. Com um brusco movimento de cabeça, ele se libertou dos óculos, que caíram no chão. Já não estava curvado e sua estatura surpreendeu todos os presentes, menos “Baby”, naturalmente, que perguntou:

— Atiramos todos ao mesmo tempo, para ver o que acontece?

O primeiro a deixar cair sua arma foi Johnny III. Em seguida, os outros dois. Lieben estava branco como leite. O agora gigantesco ancião afastou as pistolas a pontapés e seus olhos pareceram varar o dono da vila,

— Venha cá — disse em alemão. Atirou a metralhadora às mãos de “Baby”, que por sua

vez a colocou nas mãos de Johnny-Roma, o qual parecia ressuscitado, olhos chamejantes e fixos em seus traidores

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companheiros, que, muito pálidos, iam retrocedendo para a parede...

— Disse-lhe para vir aqui — insistiu o ancião. Lieben obedeceu, hesitante, trêmulo. O ancião revistou-o

rapidamente, mas não encontrou arma alguma. Depois, sem mais explicações, agarrou-o pelas lapelas com uma de suas enormes mãos bronzeadas, quase o ergueu no ar e golpeou-o com a outra no estômago. Lieben emitiu um gemido rouco e perdeu os sentidos, ficando pendente da mão do gigante, até que este abriu os dedos, deixando-o cair. O ancião olhou para Brigitte.

— Continuo com ele? — perguntou. — Suponho que lhe interessa uma lista dos traidores.

— Sim, querido. Ela sentou-se numa poltrona, depois de recuperar sua

male’tinha. Abriu-a a acendeu um cigarro. Enquanto isso, o ancião tinha metido o gargalo da garrafa de conhaque na garganta de Walter Lieben, obrigando-o a beber até voltar a si. Tornou a levantá-lo, segurando-o novamente pelas lapelas, e encaixou-lhe o punho livre na boca e no nariz, com um impacto mais controlado que o anterior. Mas não tanto quanto conviria ao alemão, de cujo rosto rubicundo espirrou o sangue... Ele abriu a boca com desespero, quis dizer alguma coisa, mas, agora com a mão aberta, o gigante de cabelos brancos tornou a golpeá-lo... Os três Johnnies, os porquinhos, estavam aterrados diante daquela poderosa máquina de destruição, que trazia a morte nos olhos negros.

— Mas, querido — disse “Baby”, expelindo fumaça pelo nariz —, poupe-o uns segundos, ou não poderá dizer nada... Talvez ele queira conversar agora. Não é verdade, herr Lieben?

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Este disse que sim com a cabeça. O gigantesco ancião atirou-o a uma poltrona, mais morto que vivo. “Baby” levantou-se e foi até lá,

— Tem uma lista, herr Lieben? — perguntou amavelmente.

O alemão assentiu. — Onde? Walter Lieben não respondeu agora. Estava resistindo.

Ela franziu a testa e, sem se perturbar, apagou o cigarro no dorso da mão dele, que deu um grito e pôs-se de pé. “Baby” empurrou-o delicadamente, pousando um dedo sobre sua testa, sem se manchar de sangue.

— Onde? — repetiu. — Te-tenho... todos os dados num... num dos livros da

estante... — Dê-me esse livro. Ajude-o, querido, sim? O ancião agarrou Lieben e levou-o até a estante como se

fosse um boneco. E quando ele tirou um dos livros, tomou-lhe, soltando-o então. Enquanto Lieben tornava a cair, foi colocar o livro nas mãos de Brigitte, que o abriu, folheou, olhou as notas à contraluz e, após alguns segundos, assentiu com a cabeça.

— Um código simplíssimo mas eficaz, herr Lieben. Obrigada. Segundo entendo, aqui está a lista completa dos traidores pertencentes aos diversos serviços de espionagem na Europa. Alguma vez lhe disse que não gosto dos traidores? Creio que não. E tampouco lhe disse que não gosto das pessoas como o senhor. Levante-se.

Vacilando, cambaleando, Walter Lieben Taderhaus levantou-se. Ficou dando guinadas de um lado para outro, como se suas pernas fossem de borracha.

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— Se não ficar quieto, herr Lieben, não o matarei com o primeiro tiro, em cujo caso, sua agonia será mais longa.

Ao ouvir isto, o alemão ficou imóvel e seus olhos fixaram-se em “Baby”, aterrados. Viu-a muito perto dele, apontando-lhe sua pistolinha, olhando-o friamente. Quis gritar, pedir clemência...

Plop. A bala cravou-se em sua testa, empurrando-o para trás,

contra a estante, de onde escorregou para o chão, ficando de bruços, imóvel para sempre.

Os três johnnies, em pânico, viram chegada sua hora. Se “Baby” matava com aquela frieza um simples inimigo, que faria com traidores como eles?

O ancião viu-os correr para a porta-janela aberta e, embora pudesse usar sua pistola, olhou para “Baby”, expectante. Mas esta, que podia também ter disparado ao menos uma vez contra os fugitivos, preferiu precipitar-se para Johnny-Roma, que se dispunha a descarregar a metralhadora contra as costas daqueles três homens que o tinham traído, assassinado um companheiro e causado a morte de Greta... Ela teve o tempo justo de arrebatar-lhe a metralhadora.

— Não, Johnny! — gritou. — Espere! — Dê-me isso! — implorou Johnny-Roma. — Deixe

que eu...! Mas Brigitte já corria para a porta-janela e saía ao

jardim. Viu os três já alcançando o gradil. Podia liquidá-los pelas costas, mas chamou:

— Voltem, Johnnies! Não se aproximem do gradil! VOLTEM!

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Não lhe fizeram o menor caso e ela, regressando ao salão, correu para a estante, afastou o bloco de livros simulados atrás do qual Walter Lieben tinha metido a mão. Seus olhos fixaram o que havia ali dentro.

— Não sei como funciona isto... De qualquer modo, dispunha-se a apertar um dos botões

daquele painel, quando fora brilhou uma luz lívida e intensa, ao mesmo tempo em que soavam gritos terríveis, cortados de chofre.

O ancião colocou-se a seu lado. — Você não teve tempo — murmurou. — Eles mesmos

se meteram na teia de aranha... elétrica. Não deviam saber de sua existência — adiantou a mão e apertou todos os botões, cortando assim a corrente do eletrificado gradil que rodeava a vila. — Vamos embora.

— Estão mortos os três? — perguntou Johnny-Roma. O ancião olhou-o. — Há uma rede de alta voltagem protegendo o gradil.

Desconfiei disso e pude saltá-lo sem perigo. Mas eles... estavam demasiado apressados.

— Isto me alegra — murmurou Johnny-Roma. O ancião foi até ele, ergueu-o nos braços sem aparente

esforço e tirou-o da casa, depositando-o no assento traseiro do carro dos Johnnies. Voltou ao interior, encontrando “Baby” ainda no mesmo lugar, muito pálida.

— Vamos — disse-lhe. — Isto aqui não tardará a ficar cheio de policiais italianos, Brigitte.

Tomou-a por um braço, fazendo-a sair, descer a escada e sentar-se junto ao volante, do qual se encarregou. Fez a volta e dirigiu-se para a saída. De passagem, viram o porteiro estendido de bruços perto de uns arbustos. Mais

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além, distinguiam-se perfeitamente os corpos contorcidos dos três porquinhos. O ancião deteve o carro, abriu o portão, regressou ao volante e abandonaram a vila quando já os primeiros curiosos começavam a juntar-se diante do gradil. A pouca distância dali, ele deteve o carro junto a outro, preto, grande e possante. Ajudou Johnny-Roma a passar a ele e ocupou o assento do volante. “Baby” chegou em seguida, tornando a sentar-se a seu lado. O grande carro partiu.

— Você se arriscou demais... — murmurou o gigante de cabelos brancos. — Devia ter-me deixado intervir diretamente, junto com você, desde o princípio.

“Baby” não respondeu. — Encontrou minha rosa vermelha? — perguntou ele. — Sim... Obrigada. — Que faço com o documento de Enrico Voltari?

Precisa dele, acaso? — Não. Ele meteu a mão esquerda num bolso interno, sacou o

cartão de motorista de Voltari, que tinha apanhado na véspera junto ao meio-fio, e atirou-o por cima da porta.

— Se tem alguma coisa no hotel onde lhe reservei acomodação e quer que eu vá buscar... — ofereceu-se.

— Não. Irei eu. Não há problemas lá. — Bem. Você sabe que tenho muitos amigos em Roma.

Posso me encarregar, se quiser, de que o seu menino — indicou, por cima do ombro, Johnny-Roma, atrás — seja colocado a caminho de Washington.

— Sim, está bem... Agradeço-lhe. Mas leve-me antes ao Trastevere, onde deixei o carro. Quero voltar ao Albergo Stromboli como Charlotte Martel e deixá-lo normalmente

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amanhã cedo. Tome, Johnny... — virou-se. — O livro de Walter Lieben. O código é muito simples. Leve-o à Central, para que decifrem tudo, e diga lá que passem aos serviços amigos a lista dos traidores comprados por Lieben para trabalhar a favor dos russos. Tem alguma dúvida?

— Não — murmurou Johnny. — Você volta diretamente para casa? — perguntou o

ancião a ‘Baby”. — Pelo primeiro avião da manhã. Não se falou mais durante o trajeto até onde ela deixara

seu carro, aberto e com a chave na ignição. Tudo continuava Igual. “Baby” saltou, sorriu a Johnny e rodeou o carro até a porta junto ao volante. Sem uma palavra, debruçou-se por sobre a porta e beijou o ancião nos lábios. Depois, entrou em seu carro e afastou-se.

— É uma grande mulher, não está de acordo? — exclamou Johnny-Roma.

O ancião ligou a primeira e arrancou, sem responder. De trás, Johnny olhava-o, intrigado. Pelo retrovisor, via a expressão severa do homem ao volante, cujos lábios duros estavam hermeticamente cerrados. Pareciam um corte numa rocha.

— Não creio que exista outra mulher como ela no mundo — continuou Johnny-Roma. — É impossível. Se arranjássemos um detector de...

— Não pode ficar calado? — cortou secamente o ancião. Johnny mordeu os lábios. Depois esteve para replicar

não menos asperamente, mas lembrou-se de que o outro havia recebido um beijo nos lábios, nada menos que da agente “Baby”.

— Ouça, quem é você? — perguntou.

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— Um. Johnny-Roma abriu a boca, entre sobressaltado e

assombrado. Já não disse mais nada. Mergulhou numa espécie de torpor, enquanto o carro atravessava Roma. Nem por um instante lhe ocorreu que algo ruim pudesse acontecer-lhe a partir daquele momento.

* * * — Um telegrama, signorina — o encarregado da

recepção entregou-o junto com a chave. — Obrigada, parto amanhã... Por favor, pode mandar

preparar minha conta? Já em seu quarto, examinou apreensiva o telegrama.

Abriu-o, por fim. Era este o conteúdo: RECEBEMOS CONTO TRÊS PORQUINHOS DE JOHNNY-ROMA PONTO VOCÊ ENREDADA TEIA ARANHA PONTO SAIA IMEDIATAMENTE DE ROMA PONTO BOA SORTE CAVANAGH

Queimou o telegrama e, segundos depois, redigia outro

nos seguintes termos: PORQUINHOS DEVORADOS PELO LOBO PONTO ARANHA MORTA PONTO TEIA DESTRUÍDA PONTO JOHNNY-ROMA A CAMINHO PONTO SIGO AMANHÃ PONTO BEIJOS CHARLOTTE

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MULHERES

— Pedi um táxi para levá-la, signorina — explicou o boy —, mas o signore disse que é seu amigo, despediu o táxi...

— Sim, está bem — aceitou mademoiselle Martel. Aproximou-se do vestíbulo do Albergo Strompoli e o

formidável atleta dos cabelos cor de cobre e dos olhos negríssimos levantou-se. Já não tinha a menor semelhança com o ancião. Pelo contrário, era um soberbo exemplar masculino, que mantinha estupefatos todos os empregados e hóspedes do hotel presentes.

A feiosa e esquisitona Charlotte Marte! deteve-se diante dele e sorriu umidamente.

— Alô, querido — murmurou. — Pareceu-me que poderia levá-la ao aeroporto —

murmurou também ele. — O que você quiser. — O que eu quiser? — resmungou Número Um. — Sim. O que você quiser. — Pois não é exatamente isso o que eu quero. — Que quer você? — Levá-la para a “Vila Tartaruga”. Pode passar uns dias

lá. Sei como se sente, mas a vida continua. Você não tem culpa de que sempre existam traidores. Nem eu. Nenhum de nós dois. Eles receberam o que mereciam e absolutamente não acho que isso deva constituir motivo de infelicidade para você. Se se deixar abater pela maldade que a rodeia, nunca será feliz. Você é toda amor, Brigitte... Para todos. Não lhe parece que também eu mereço um pouco?

— Mais que ninguém.

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— Então... vamos para a “Vila Tartaruga”? Só uns três, quatro dias...?

— Já lhe disse que o que você quiser. Número Um levou-a a seu carro, certamente propriedade

de um de seus muitos amigos de Roma; pagou sua conta; certificou-se de que sua bagagem era colocada no porta-malas e, finalmente, sentou-se ao volante. Brigitte olhou-o e ele atraiu-a a si, beijando-a longamente nos lábios.

— E é feia, a danada! — comentou o boy com o encarregado da recepção, ambos olhando. — Que terá essa francesa de especial para conquistar um homem semelhante?

— Para isso, basta-lhe ser mulher, ora essa... E você tome cuidado, Pierino. Qualquer uma delas é capaz de metê-lo numa teia de aranha da qual você não sairá nunca!

A seguir:

Quando um trem noturno atravessa a fronteira, na Europa Central, tudo pode acontecer...

A ESCOLA DA MORTE

(C) 1971 – LOU CARRIGAN 400929/ 411207