A Teoria da Relatividade, a experiência de Pound-Rebka e o GPS · pela notável Teoria...

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Jorge Costa Soares Orientador: Prof. Doutor Miguel Costa Dep artamentode Física, Faculdade de Ciências , Universid ad e do Porto Maio de 2008 Seminário de Física A Teoria da Relatividade, a experiência de Pound-Rebka e o GPS

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Jorge Costa Soares

Orientador: Prof. Doutor Miguel Costa

Departamento de Física, Faculdade de Ciências , Universidade do PortoMaio de 2008

Seminário de Física

A Teoria da Relatividade, a experiência de

Pound-Rebka e o GPS

 

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer a algumas pessoas sem as quais a feitura deste seminário

jamais teria sido possível.

Ao Professor Doutor Miguel Sousa da Costa pelo apoio, extraordinária paciência e

notável dedicação demonstradas durante toda a feitura deste trabalho.

À minha orientadora de estágio pedagógico, a Dra. Teresa Paula Costa, pelos válidos

ensinamentos transmitidos que, em cada dia, me tornam melhor professor.

Às minhas colegas de estágio pedagógico pela amizade, apoio prestado e dedicação

empreendida, em prol do nosso bem, como grupo de trabalho, durante todo este ano lectivo.

À minha família e amigos pelo carinho, motivação e paciência revelada nos momentos

mais difíceis da caminhada que culminou com o término deste trabalho de seminário.

À Filipa, minha namorada, por todo o amor, carinho e incrível compreensão

demonstrada, para comigo, nas alturas mais difíceis e conturbadas deste meu percurso.

À Dra. Judite de Almeida, por toda a imensa Física e, em particular, por toda a

Relatividade que me ensinou.

A todos os membros do IFIMUP, sem excepção, pelo vasto apoio prestado e úteis

esclarecimentos.

A todos os elementos da Tuna de Ciências do Porto, por me terem sabido aceitar,

ouvir e compreender, nos nossos incontáveis ensaios e actuações, sempre que o meu cansaço

falou demasiadamente alto.

A todos aqueles que, de uma maneira ou outra, me ajudaram e cujos nomes não

figuram nesta página.

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O Seminário de Física

O Seminário de Física, tal como sucede com o seu homónimo de Química, tem o

intuito de fornecer ao professor estagiário a oportunidade de aprofundar o seu conhecimento

numa dada área, geralmente com ênfase bastante superior àquela que é dada ao longo do

percurso académico do mesmo. Daqui adveio a ideia associada à escolha do tema que levou à

realização deste trabalho, com vista a conseguir ensinar mais e melhor Física, de um modo

consciente e devidamente fundamentado num conhecimento sólido, da base até ao topo, tal

como convém e é, sem dúvida, uma das imagens de marca do Departamento de Física da

Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

Devo acrescentar que a Teoria da Relatividade é, sem a menor dúvida, algo deveras

fundamental, nos dias de hoje, nesta era digital, na qual o GPS desempenha um papel de

monta dado que, além de ser abordado no currículo normal do ensino secundário, faz já parte

do quotidiano e da cultura geral de imensas pessoas. Porém, de pouco serve a cultura geral

sem saber o que está por trás da tecnologia, o que faz trabalhar tudo o que esta encerra; sem

reconhecer e, minimamente, compreender toda a Ciência que soube criar tal tecnologia para a

dar a um mundo que a desejou acolher.

Posto isto, cabe aos cientistas e, nomeadamente, aos Físicos, estarem sempre alertas e

informados acerca do mundo e de tudo quanto nele se passa, em termos científicos e não só.

Não que se pretenda criar alguém que saiba tudo, pois isso não passaria de um sonho louco e

impraticável. Apenas devemos tentar, de um modo humilde e consciente das nossas

limitações, saber o máximo que pudermos acerca de tudo quanto desejarmos, sempre

dispostos a aprender visto que, tal como Einstein disse, um dia: O fenómeno mais

incompreensível do mundo é que ele seja compreensível.

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Índice

1. Introdução histórica ............................................................................................................... 1

2. Introdução teórica ................................................................................................................. 3

2.1. As transformações de Galileu e a Mecânica Clássica ................................................... 3

2.2. As transformações de Galileu e a Teoria Electromagnética ......................................... 5

2.3. A experiência de Michelson-Morley ............................................................................. 7

2.4. Os Postulados de Einstein ............................................................................................. 9

2.5. Simultaneidade ............................................................................................................ 10

2.6. Alguns efeitos relativistas ........................................................................................... 12

2.6.1. O efeito da dilatação do tempo .......................................................................... 12

2.6.2 O efeito da contracção do espaço ....................................................................... 13

2.7. As transformações de Lorentz ..................................................................................... 15

2.8. A transformação da velocidade ................................................................................... 17

3. A experiência de Pound-Rebka e o desvio gravitacional .................................................... 19

4. O Sistema de Posicionamento Global (GPS) e a Teoria da Relatividade ........................... 22

4.1. Um caso simples em que a Teoria da Relatividade Geral é desprezável .................... 26

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1. Introdução histórica Quando analisamos toda a história da Ciência e, de modo particular, toda a história da Física,

podemos facilmente constatar o enorme progresso que nesta tem ocorrido, nas últimas

décadas, tanto em termos teóricos como em termos tecnológicos, ou não fosse a tecnologia

uma filha, por vezes pródiga, da Ciência.

Recuando um pouco mais no tempo e contemplando os últimos séculos, somos forçados a

falar das duas revoluções científicas ocorridas aquando do início do século passado: a

revolução quântica, empreendida por Max Planck, e a revolução relativista, levada a cabo por

Albert Einstein. Em boa verdade, tais revoluções são a base de toda a Física Moderna,

designação que abrange os campos da Física cujo desenvolvimento apenas ocorreu após o ano

de 1900. Estamos, portanto, perante uma nova abordagem, em termos de ideias-base,

linguagem e formalismos, comparativamente com aquela que ocorria antes do século XX. De

facto, até ao início do século XX, todas as evidências apontavam para que, quaisquer que

fossem os resultados experimentais, tais resultados poderiam ser correctamente explicados

pela Mecânica de Newton, pela Teoria Electromagnética de Maxwell, pela Termodinâmica ou

pela Teoria Cinética dos Gases.

Newton agrupou, numa teoria mecânica bastante simples, as conclusões das experiências

(mecânicas) de Galileu e a interpretação kepleriana das observações astronómicas de Tycho

Brahe. No final do séc. XIX tal teoria encontrava-se bastante desenvolvida e fornecia, com

sucesso, a interpretação correcta de todos os fenómenos mecânicos, conhecidos até então,

servindo de base à Teoria Cinética dos Gases, a qual tinha removido muitos mistérios da face

da Termodinâmica. Como veremos posteriormente, a Mecânica de Newton é excelente para

descrever, com elevada correcção, toda uma vasta gama de fenómenos, gama essa associada a

velocidades, v, muito baixas, ou seja, velocidades cujo valor é muito inferior ao da velocidade

da luz no vazio, 2,99792458. 10  m. s . O limite de validade da Mecânica newtoniana

é, portanto, o limite das baixas velocidades (v << c).

Por outro lado, uma enorme variedade de fenómenos, inerentes aos campos eléctrico e

magnético, bem como a ambos em uníssono, foi descoberta até meados do séc. XIX. Todos

esses fenómenos, a cuja investigação se encontram ligados os nomes de grandes cientistas

como Volta, Coulomb, Ampère, Lenz, Oersted, Biot, Savart e Faraday, foram compilados

pela notável Teoria Electromagnética de Maxwell, no ano de 1864, fornecendo esta uma

explicação para a propagação da luz, em harmonia com o que já há muito tempo se conhecia

do campo da óptica. Nessa teoria residia algo importantíssimo: a luz era uma onda

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electromagnética. Porém, face à visão da época, completamente apoiada em fundamentos

mecânicos (newtonianos), não se podia conceber tal perturbação sem que esta se propagasse

num meio característico - o éter - dotado de certas particularidades estranhas e exóticas, visto

que não possuiria massa (pois sabia-se já que a luz se propagava no vazio) mas teria

propriedades elásticas para suster as vibrações inerentes à ideia de onda e movimento

ondulatório.

Apesar das inúmeras dificuldades, o conceito de éter era muito mais atraente, então, do que a

ideia de existirem perturbações (ondas electromagnéticas) a propagarem-se sem existir

qualquer meio de propagação. Deste modo e admitindo a existência do dito éter, as

perturbações propagar-se-iam a uma velocidade fixa, relativamente a tal meio de suporte, à

semelhança do que sucede às ondas sonoras ao propagarem-se no ar. Julgava-se que as

experiências efectuadas com luz iriam permitir detectar o movimento absoluto de um corpo

num referencial absoluto: o referencial do éter. Contudo, tais espectativas caíram por terra,

pelo ano de 1887, aquando da realização da notável experiência de Michelson-Morley. Essa

experiência tentava medir a velocidade (absoluta) da Terra, relativamente ao referencial

(absoluto) do éter, e fracassou, jamais sendo obtido qualquer resultado que se coadunasse

com a existência de tal meio e inerente referencial. Em resposta a este fracasso mas ainda

considerando a existência do éter e tentando reter, ao máximo, as teorias físicas existentes na

altura, Lorentz, Fritzgerald e Poincaré propuseram várias hipóteses, respeitantes ao que

poderia ocorrer a corpos que se deslocassem através do éter: a hipótese da contracção dos

corpos rígidos e a hipótese do abrandamento dos relógios. A descrição dos efeitos associados

a tais hipóteses foi condensada, em algumas fórmulas simples, vulgarmente denominadas por

transformações de Lorentz. Todos os aparatos experimentais, construídos com o intuito de

medir movimentações, relativamente ao éter, estavam sujeites a esses mesmos efeitos, que

neutralizavam quaisquer resultados esperados. Apesar de esta teoria ser consistente com as

observações, possuía o tremendo defeito de jamais poder ser verificada, experimentalmente.

Os físicos de finais do século XIX encontravam-se instalados em ideias rígidas, supostamente

seguras e providas, tal como defendiam, de um carácter universal e inabalável, sendo plena a

sua abrangência. Altivamente, acreditavam que o Universo estava quase todo explicado,

faltando somente resolver certas questões de pormenor, no que dizia respeito aos valores de

algumas constantes, para se atingir a plenitude do conhecimento. O papel das gerações

vindouras seria, meramente, o de medir a próxima casa decimal. Tomavam modelos físicos

como a própria essência da Natureza, esquecendo-se que esta é infinitamente mais rica e sábia

que o mais correcto dos modelos elaborados pelo Homem. Foi isto o que ocorreu com a teoria

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Fig. 1 – Referencial cartesiano aplicado no estudo de um sistema mecânico simples.

de Newton que, conseguindo explicar uma larguíssima gama de fenómenos, alcançou um

patamar dotado de um carácter absoluto. Mesmo quando se tornou cada vez mais claro, em

finais do século XIX, que algo muito fundamental estava errado na teoria newtoniana, toda a

comunidade científica denotava tremenda relutância em efectuar mudanças basilares, por

vezes necessárias ao correcto curso da Ciência. Em vez de operarem tais mudanças preferiram

modificar outros aspectos e parâmetros, numa tentativa desesperada (e frustrada) para salvar,

intacto, todo um notável legado com mais de 200 anos de idade.

Todavia, uma vasta série de desenvolvimentos, tanto experimentais como teóricos, fez com

que fosse necessário rever, a fundo, as ideias vigentes, tanto no que se prende com o espaço-

tempo absolutos (no caso da Teoria da Relatividade) como no que diz respeito à continuidade

da matéria (no caso das teorias quânticas), fazendo com que toda essa fútil segurança caísse

por terra e levando a comunidade científica a tomar consciência da ínfima porção do Universo

que, efectivamente, conhecia.

2. Introdução teórica

2.1. As transformações de Galileu e a Mecânica Clássica Em Física Clássica pode-se indicar, perfeitamente, o estado de um sistema mecânico, para

qualquer instante de tempo t0, construindo um sistema de eixos coordenados e fornecendo

informação acerca dos valores das coordenadas e do momento linear, , das várias partes do

sistema naquele instante, t0. Muitas vezes, porém, pode-se tornar necessário fornecer tais

informações relativamente a um novo sistema de eixos coordenados, que efectue translação

relativamente ao primeiro. Há, todavia, que saber como se

transforma a descrição do sistema, feita em relação ao primeiro

sistema de eixos coordenados, para o caso do novo sistema de

eixos coordenados, bem como o que sucede às equações que

regem o comportamento do sistema quando se efectua tal

transformação.

Tomemos o sistema mecânico mais simples possível, ou seja,

uma partícula de massa m actuada por uma força . Se

utilizarmos coordenadas cartesianas para efectuar a descrição

do que ocorre no sistema, em função do tempo, teremos a situação patente na fig. 1. Usemos,

para descrever a partícula neste referencial, a notação (x, y, z, t), a qual indica que, num dado

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Fig. 2 – Referenciais cartesianos executando movimento rectilíneo e uniforme.

instante t, a partícula toma x, y e z como coordenadas espaciais. Admitindo que conhecemos

então, de acordo com as leis de Newton, vem:

                                                   

onde Fx, Fy e Fz são as três componentes do vector . Este conjunto de equações diferenciais

governam o movimento do sistema e apenas são válidas caso o referencial seja inercial.

Consideremos, agora, o problema de como descrever o sistema, do ponto de vista de um novo

referencial, no qual as coordenadas espaciais da partícula são x’, y’ e z’, sendo as origens de

ambos os referenciais coicidentes para 0 e executando o novo referencial translação,

relativamente ao primeiro, a uma velocidade uniforme, , paralela ao eixo dos xx (fig. 2). Se

nos interrogarmos sobre qual será a relação entre (x, y, z, t) e (x’, y’, z’, t’), parece óbvio que:

As quatro equações anteriores são conhecidas como as transformações de Galileu (aplicadas,

apenas, ao caso em que não ocorre rotação

do sistema) e constituem a resposta da Física

Clássica acerca de como se transforma a

descrição do sistema mecânico, feita em

relação ao primeiro sistema de eixos

coordenados, para o caso do novo sistema

de eixos coordenados, que executa

movimento de translação uniforme

relativamente ao primeiro.

Contudo, há ainda que saber o que sucede às equações que regem o comportamento do

sistema quando se efectua tal transformação. Derivando, duas vezes, a primeira das

transformações de Galileu em ordem a t e atendendo à quarta transformação de Galileu,

teremos:

Para a segunda e terceira transformações de Galileu virá, respectivamente:

                     

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Face ao exposto e multiplicando, agora, ambos os termos das equações anteriores por m, vem:

                                         

O resultado anterior é muito interessante, pois exprime a invariância das leis de Newton (que

governam o comportamento do sistema mecânico) mediante as transformações de Galileu. A

Mecânica newtoniana prevê a equivalência de todos os referenciais inerciais, em translação

uniforme, desde que apenas se estudem fenómenos mecânicos. É de realçar que as relações

anteriores tomam a massa como constante, considerando os intervalos de espaço e de tempo

absolutos, invariantes, jamais sofrendo mudanças de valor após mudanças de referencial.

Mais adiante, neste trabalho, veremos que tal não é verdade, quando abordarmos a Teoria da

Relatividade Restrita.

2.2. As transformações de Galileu e a Teoria Electromagnética Os fenómenos electromagnéticos são descritos, em Física Clássica, por um conjunto de

equações diferenciais – equações de Maxwell - do mesmo modo que os fenómenos mecânicos

são discutidos por um outro conjunto de equações diferenciais - as leis de Newton. Não

faremos, neste trabalho, a aplicação das transformações de Galileu nas equações de Maxwell,

dada a grande extensão de cálculos que isso acarretaria, face à natureza de tais equações.

Todavia, deve-se salientar que quando aplicamos as transformações de Galileu em tais

equações, estas modificam a sua forma matemática, contrariamente ao que sucede às leis de

Newton. Há, porém, que falar sobre o significado físico de tal contrariedade, que se reveste de

extrema importância por ter sido um ponto deveras relevante na génese da Teoria da

Relatividade.

Tal como foi dito na introdução histórica do presente trabalho, aquando de uma primeira

contextualização da Teoria Electromagnética de Maxwell, as equações de Maxwell prevêem

perturbações electromagnéticas que se propagam no espaço com movimento de tipo

ondulatório, dotadas de um valor de velocidade independente da frequência da onda, em

meios de índice de refracção constante, como é o caso do vácuo. Vimos ainda, na introdução

deste trabalho, as principais características do éter, o suposto meio de propagação das ondas

electromagnéticas, requerido pela visão mecanicista dos físicos oitocentistas.

Assumia-se, nos finais do século XIX, que as equações electromagnéticas de Maxwell, eram

válidas no chamado referencial do éter, pelo que a resolução dessas equações conduzia a um

valor de velocidade de propagação das ondas electromagnéticas igual a c, resultado este que

apresentava tremenda concordância com o valor da velocidade da luz medido, em 1849, por

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Fizeau. Contudo, num novo referencial que efectuasse movimento de translação uniforme,

relativamente ao referencial do éter, tal valor de velocidade da luz mudaria, sendo maior ou

menor que c consoante o dito referencial se movesse em sentido oposto ou no mesmo sentido

da propagação da luz, respectivamente. Não parece ser necessária a descrição detalhada da

relação prevista entre a velocidade da luz no referencial do éter ( ), a velocidade da luz no

novo referencial ( ) e a velocidade do novo referencial relativamente ao referencial do éter

( ), dado que pode ser correctamente resumida pela expressão seguinte:

O cálculo da velocidade da luz no novo referencial, algo rebuscado, apenas completo após

transformação das equações de Maxwell e decorrente resolução no novo referencial, concorda

plenamente com a constância da velocidade da luz relativamente ao referencial do éter, c, e

com toda a intuição mecânica, bem patente na relação acima apresentada, entre as velocidades

V1, V2 e V3. É essencial realçar que, por trás de tal intuição mecânica, se encontram todos os

argumentos (intuitivos) que jazem nas transformações de Galileu, argumentos esses que

foram utilizados para tentar justificar (e validar) a adição de velocidades no caso da Teoria

Electromagnética de Maxwell.

Recapitulando, podemos afirmar que os referenciais inerciais apenas eram equivalentes, para

a Física dos finais do século XIX, no que dizia respeito aos fenómenos mecânicos, perdendo

tal equivalência no caso dos fenómenos electromagnéticos, algo que decorria do facto de

existirem três ideias em nítida contradição:

- a lei de transformação de velocidades ( ), elaborada a partir das

transformações de Galileu, que tomava como base as ideias de espaço e tempo absolutos;

- a total abrangência do Princípio da Relatividade, aplicável a fenómenos mecânicos

como a fenómenos electromagnéticos;

- as equações de Maxwell, nas quais estava expressa a constância da velocidade da luz

no vazio, c, sendo esta uma constante universal.

Pelo menos uma das três hipóteses anteriores teria de ser posta de parte, pelo menos uma

delas teria de cair. Vejamos qual.

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2.3. A experiência de Michelson-Morley A célebre experiência de Michelson-Morley, levada a cabo no ano de 1887, provou ser de

extrema importância para o desenvolvimento da Física. Esta experiência tentava provar a

existência do éter e medir a velocidade (absoluta) da Terra, relativamente ao referencial do

éter, o qual se tomava como um referencial absoluto.

A ideia-base desta experiência era medir a velocidade da luz, segundo duas direcções

perpendiculares, tal como esta era vista num referencial fixo em relação à Terra. Baseando o

raciocínio na lei clássica de transformação de velocidades e à luz do conceito do referencial

do éter, era fácil dizer que a velocidade da luz seria diferente para as duas direcções

consideradas. A Terra descreve uma órbita aproximadamente circular em torno do Sol, com

uma velocidade orbital média sensivelmente igual a 30 km.s-1 e um período de translação que,

por definição, é igual a um ano (terrestre). Seria uma hipótese irrealista pensar que o

referencial do éter acompanhava o movimento da Terra, sendo bem mais razoável e intuitivo

pensar que o dito referencial estivesse em repouso relativamente aos centros de massa do

Sistema Solar ou do Universo. No primeiro dos casos razoáveis citados, a velocidade absoluta

da Terra seria da ordem de grandeza da sua velocidade orbital e a orientação do vector

velocidade mudaria ao longo do ano enquanto que, no segundo desses casos, tal velocidade

possuiria um valor ainda maior.

O aparato experimental utilizado consistiu, sucintamente, num sistema de três espelhos, sendo

dois deles (E e E’) totalmente espelhados, enquanto que o terceiro espelho (D) é semi-

espelhado. Parte da luz, ao incidir em D, é reflectida, enquanto que a restante é transmitida,

seguindo o seu percurso. A porção reflectida irá ao encontro do espelho E’ enquanto que a

porção transmitida irá ao encontro de E. A distância entre D e E’ é igual à distância entre D e

E, sendo ambas iguais a L, o que elimina uma fonte de possível desfasamento dos dois feixes

de luz. Assim, todo e qualquer desfasamento que exista entre tais feixes, após regressarem a

D, apenas se pode dever a diferenças de velocidade da luz nas diferentes direcções

percorridas, o que terá originado diferenças de tempo de percurso para cada caso. Deste

modo, poder-se-á detectar interferência não-construtiva no aparelho para onde os feixes serão

encaminhados após passarem, uma segunda vez, por D. É ainda importante deixar bem claro

que, na segunda passagem dos feixes no espelho D, o feixe transmitido é uma porção daquele

que, de início, foi reflectido, enquanto que o feixe reflectido é uma porção do feixe que,

inicialmente, foi transmitido.

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Fig. 3 – Trajectos de dois feixes de luz num aparato estático.

Fig. 4 – Trajectos de dois feixes de luz num aparato em movimento segundo a direcção DE.

Considerando, numa primeira abordagem, o caso em que o

aparato experimental se encontra estático (fig. 3), se a

velocidade da luz for a mesma em todas as direcções (como

advém das equações de Maxwell) os tempos, e , que a

luz demora a percorrer os dois trajectos (viajar de D até E e

regressar a D, bem como viajar de D até E’ e regressar a D,

respectivamente) serão iguais, pelo que:

Analisando, agora, o caso em que o

aparato experimental de encontra em

movimento, com velocidade na

direcção DE (fig. 4), então podemos,

à partida, pensar que o valor da

velocidade da luz será diferente para

duas situações distintas. Quando a luz

vai de D para E, tal valor é igual a

. Contudo, quando a luz vai de

E para D, o seu valor iguala , atendendo, em ambos os casos, à lei clássica de

transformação das velocidades, expressa em 2.2. Desta feita, o tempo que a luz demora a ir de

D até E e regressar a D será:

2 2 1

1

Com base no esquema (fig. 4) e à luz do Teorema de Pitágoras, pode-se verificar que:

2 2

Pelo que, resolvendo em ordem a , se obtém:

2 1

1

Avaliando a diferença existente entre e do modo seguinte:

1 1 ⁄ ~10

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verificamos que a sua ordem de grandeza acarretaria uma diferença de fase facilmente

detectável pelo método eleito (interferometria). Contudo, tal desfasamento, previsto pela

Física Clássica, nunca foi observado em nenhuma das ocasiões nas quais Albert Michelson e

Edward Morley realizaram a experiência, tendo esta sido repetida em diversas alturas do dia,

nas várias estações do ano e em diferentes laboratórios. O resultado foi sempre nulo.

Tal como foi apontado na Introdução histórica do presente trabalho houve diversos cientistas

que, após o fracasso da experiência de Michelson-Morley, procuraram explicações para o

sucedido, tais como Lorentz, Fritzgerald e Poincaré, elaborando certas hipóteses, mais ou

menos plausíveis. Faltava, porém, uma explicação cabal, que arrumasse de vez com o

conceito de éter e afirmasse a velocidade da luz tal como o que ela é: uma constante

universal.

2.4. Os Postulados de Einstein

Tudo quanto foi apresentado até ao momento parece ser consistente com a potencial

inexistência do dito referencial do éter, o único em que a velocidade da luz seria igual a c. Tal

como sucede para todos os referenciais inerciais e fenómenos mecânicos associados, todos os

referenciais em movimento de translação uniforme parecem ser equivalentes e possuir a

propriedade de neles se propagar a luz com uma velocidade constante, c, independente da

direcção de propagação. Albert Einstein, não desejando apenas a aceitação de tal evidência

mas, antes, a sua generalização, publicou, pelo ano de 1905, um brilhante artigo no qual deu à

Ciência dois postulados de ímpar importância, assumindo o Princípio da Relatividade como

princípio universal e a velocidade da luz como constante universal. Ora vejamos:

- o Princípio da Relatividade afirma que as leis que regem os fenómenos

electromagnéticos, tal como as leis da Mecânica, são as mesmas em todos os referenciais

inerciais, estejam eles em repouso ou em movimento rectilíneo e uniforme. Como tal, todos

os referenciais inerciais são completamente equivalentes;

- o Princípio da constância da velocidade da luz afirma que a velocidade da luz no

vazio, c, é constante e independente do movimento da fonte emissora, sendo um invariante

nesta classe de referenciais.

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Einstein teve, então, de optar: ou modificava as equações de Maxwell ou modificava as

transformações de Galileu, uma vez que, juntas, implicam o contrário dos postulados. Como

as teorias de emissão tinham falhado, teorias essas que tentavam modificar as equações de

Maxwell de modo a que a velocidade da luz permanecesse associada à velocidade da fonte

emissora, Einstein escolheu modificar as transformações de Galileu em favor das equações de

Maxwell. Ao fazê-lo, estava a pôr em cheque os conceitos newtonianos de espaço e tempo

absolutos, pelo que este foi um passo bastante arrojado, uma vez que ia, completamente,

contra toda a intuição da época e implicava uma modificação compensatória das leis de

Newton, de modo a que o primeiro dos seus postulados permanecesse válido, no capítulo da

Mecânica. Mais adiante, neste trabalho, veremos os resultados aos quais a modificação das

transformações de Galileu conduziu mas, primeiramente, iremos obter as novas equações de

transformação: as transformações de Lorentz. De facto, encontra-se contida nas

transformações de Lorentz a essência da Teoria da Relatividade Restrita, a qual apenas

aborda, os referenciais inerciais, se bem que Einstein conseguiu obter os mesmos resultados a

partir dos seus dois postulados.

2.5. Simultaneidade Consideremos a quarta transformação de Galileu, ou seja:

Esta equação, onde está bem patente o conceito de tempo absoluto defendido por Newton,

diz-nos que os intervalos de tempo são os mesmos para quaisquer dois referenciais, sejam eles

inerciais ou não-inerciais. Mas será isso verdade? Para respondermos a esta questão temos de

investigar medições de tempo.

Se focarmos a nossa atenção na definição de escala de tempo de um único referencial, o

processo básico envolvido, em qualquer medida temporal que se deseje efectuar, é uma

medida de simultaneidade. Se nos encontrarmos, por exemplo, numa estação de metro, é

muito comum ouvirmos dizer que o metro chegou às sete horas. Porém, isso é uma expressão

abreviada do que, de facto, sucedeu. A expressão completa (e mais correcta) deveria ser algo

do tipo: o comboio chegou quando um relógio, na sua proximidade, marcava sete horas.

Menos óbvia é, contudo, a determinação da simultaneidade de eventos que ocorrem em locais

diferentes, sendo este o problema-chave envolvido na criação de uma escala de tempo para

um dado referencial. Para obtermos uma escala de tempo válida para todo um referencial

devemos ter uma distribuição de relógios, espalhada por todo esse referencial, de modo a que

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Fig. 5 – Ilustração da definição de simultaneidade de Einstein.

exista sempre um relógio próximo, no qual será efectuada qualquer medida de tempo. Os

relógios de tal distribuição devem encontrar-se sincronizados, ou seja, devem-nos permitir

afirmar que marcam a mesma hora, simultaneamente.

Para sermos realistas na escolha e desenvolvimento da escala de tempo do referencial temos

de utilizar processos reais de transmissão de informação, tais como ondas electromagnéticas,

por vários motivos:

- o valor da sua

velocidade coincide com o

limite máximo (conhecido)

de velocidade de

transmissão de informação;

- o seu valor é

constante e pode ser

utilizado para criar a nossa

escala de tempo.

Assim fomos conduzidos à definição de simultaneidade dada por Einstein e ilustrada na fig. 5:

Dois instantes de tempo, t1 e t2, observados em dois pontos, x1 e x2, num dado referencial

particular, são simultâneos se existirem sinais de luz, simultanemente emitidos do ponto

médio entre x1 e x2 e chegarem a x1 no instante t1 e a x2 no instante t2.

Equivalentemente, podemos pensar em dois sinais de luz, emitidos em x1 e x2, os quais

alcançam o ponto médio no mesmo instante.

As definições anteriores misturam os tempos, t1 e t2, com as coordenadas espaciais, x1 e x2.

Todavia, na Teoria da Relatividade de Einstein, o termo simultaneidade não tem significado

absoluto, independente das coordenadas espaciais, tal como ocorre segundo com a teoria

clássica. Uma consequência destas definições é que dois eventos ditos simultâneos, quando

vistos de um dado referencial, não são, geralmente, simultâneos, quando observados noutro

referencial, movendo-se este último relativamente ao primeiro. O problema da simultaneidade

fará com que os observadores discordem, no que diz respeito ao intervalo de tempo decorrido

entre dois acontecimentos, medido nos respectivos referenciais, como veremos adiante.

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Fig. 6 – Procedimento associado à medição de um mesmo intervalo de tempo com relógios em dois referenciais distintos.

2.6. Alguns efeitos relativistas Os dois postulados de Einstein apenas determinam que equações devem ser utilizadas para

transformar as coordenadas de espaço-tempo, de um referencial para outro, mas existem

diversos caminhos para serem obtidas essas equações, pelo que tentarei fazê-lo do modo mais

claro, instrutivo e segundo o qual os conceitos físicos subjacentes adquiram maior ênfase.

2.6.1. O efeito da dilatação do tempo Imaginemos que um observador O’, movimentando-se com velocidade relativamente a um

observador O, deseja comparar um intervalo de tempo medido pelos relógios do seu

referencial com uma medida do mesmo intervalo de tempo feita pelos relógios do referencial

de O. Vamos assumir que ambos os observadores estabeleceram, numa situação inicial de

repouso relativo dos dois referenciais, que todos os relógios envolvidos se encontram

sincronizados e possuem a mesma taxa de variação temporal. É aparente que a leitura

efectuada num relório de O’ possa ser comparada com uma leitura de um relógio feita em O,

leitura essa que seja coincidente com a anterior, sem mais complicações, ainda que,

posteriormente, O e O’

efectuem movimento relativo.

Medidas de um dado intervalo

de tempo feitas com relógios

nos dois referenciais podem ser

comparadas tal como se ilustra

no esquema da fig. 6.

O observador O’ envia um sinal

de luz a um espelho que o

reflete e envia de volta ao ponto de partida. Tanto O como O’, com os relógios C1 e C’,

respectivamente, registam o tempo de transmissão do sinal. O diagrama apresentado no lado

esquerdo da fig. 6 mostra a sequência de eventos do ponto de vista de O’, enquanto que o

diagrama presente no lado direito da fig. 6 mostra, por sua vez, a sequência de eventos do

ponto de vista de O. O intervalo de tempo que, para O’, está compreendido entre os dois

eventos é igual a 2Δ ’, sendo Δ ’ ⁄ . No caso do observador O o intervalo de tempo

compreendido entre os dois eventos é igual a 2Δ . Analizando o diagrama presente no lado

direito da fig. 6 parece ser aparente que:

∆ ∆

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Resolvendo a equação anterior em ordem a Δ , vem:

Pelo que:

∆1

1 ⁄

Atendendo a que , resulta:

∆1

1 ⁄

Uma vez que Δ ’ ⁄ obtém-se, por fim:

∆Δ ’

1 ⁄

O interessante resultado anterior mostra-nos, claramente, que o intervalo de tempo decorrido

entre dois eventos, associados a um determinado fenómeno, é relativo ao referencial eleito

para efectuar a descrição do fenómeno. Este efeito relativista tem o nome de efeito da

dilatação do tempo e ao intervalo de tempo medido num referencial que se encontre em

repouso relativamente a um dado acontecimento atribui-se a designação de tempo próprio.

Neste caso, o tempo próprio é aquele que é medido pelo observador de O’, ou seja, Δ ’.

2.6.2 O efeito da contracção do espaço Consideremos a mesma experiência abordada em 2.6.1 e imaginemos, agora, a medição do

comprimento de uma barra colocada no referencial de O, com uma das extremidades

coincidente com o relógio C1 e a outra extremidade coincidente com o relógio C2.

Designemos por L o comprimento da barra no referencial de O, referencial esse em relação ao

qual a barra se encontra em repouso. O nosso objectivo é medir L’, isto é, medir o

comprimento da barra tal como é vista pelo observador de O’. Neste referencial, a barra está a

mover-se na direcção do seu próprio comprimento, L’. Uma vez que a velocidade de O’

relativamente a O é igual a , a velocidade de O (e também, em face do que foi dito atrás, a

velocidade da barra) em relação a O’ deve ser precisamente igual a .

Seja t’1 o instante no qual o observador de O’ vê passar a parte dianteira da barra e t’2 o

instante no qual o mesmo observador vê passar a parte traseira da barra. Assim, para o

observador de O’, o intervalo de tempo de passagem da barra é igual a 2Δ ’ e

relaciona-se com o comprimento da barra do seguinte modo:

2∆

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Por sua vez, o observador de O vê o observador de O’ movimentar-se com uma velocidade

igual a , percorrendo uma distância L durante 2Δ , donde:

2∆

Com base nas duas últimas equações, temos:

∆∆

Como, em 2.6.1, tinhamos mostrado que:

Δ ’∆ 1 ⁄

resulta, por fim:

1 ⁄

O resultado anterior permite-nos concluir que o comprimento de uma barra, comprimento

esse paralelo à direcção da velocidade da barra num determinado referencial (neste caso, o

referencial do observador de O’), é afectado por um factor 1 ⁄ quando comparado

com o comprimento da mesma barra medido num referencial relativamente ao qual a barra se

encontre em repouso (neste caso, o referencial de O). A este efeito relativista atribui-se a

designação de efeito da contracção do espaço ou contração de Lorentz dado que a

equação  1 ⁄ assemelha-se, em termos formais, à equação proposta por

Lorentz para tentar explicar o fracasso da experiência de Michelson-Morley, se bem que

existem diferenças de monta, no que concerne ao significado dos termos presentes. Enquanto

que Lorentz associava v à velocidade do corpo relativamente ao referencial do éter, neste caso

v representa o valor da velocidade relativa entre dois referenciais inerciais arbitrários, O e O’.

Ao comprimento da barra, medido num referencial em que esta se encontre em repouso,

atribui-se a designação de comprimento próprio. No presente caso, o comprimento próprio

corresponde àquele que é medido por O, ou seja, L.

Até ao momento apenas vimos o que sucedia ao comprimento de uma barra quando tentámos

medí-la num referencial relativamente ao qual ela se movia numa direcção paralela ao seu

próprio comprimento.

Imaginemos, agora, uma situação semelhante àquela com que iniciámos 2.6.2, mas na qual

passam a existir duas barras de igual comprimento (quando medido em repouso relativo),

sendo tal comprimento perpendicular à direcção de , encontrando-se o observador O no

centro de uma delas e o observador O’ no centro da outra. Consideremos que as duas barras

são paralelas (fig. 7). Será que o seu comprimento permanece inalterado ou, também nesta

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Fig. 7 – Representação de duas barras em movimento relativo de translação.

situação, é igualmente afectado e sofre contracção, quando as barras efectuam movimento de

translação relativo? Ora vejamos, então.

Suponhamos, para o efeito, que os

centros das barras coincidem, quando

as barras passam uma pela outra, e que

o observador O tem dois ajudantes, OA

e OB, os quais estão localizados nas

extremidades da barra. Esses ditos

ajudantes enviam raios de luz quando

A’ e B’ atravessam a linha definida por A e B, marcando a localização dos pontos nos quais A’

e B’ fazem tal travessia. Posteriormente, o observador O pode comparar o comprimento

com o comprimento . Atendendo à simetria do sistema tudo indica que O irá receber os

sinais luminosos dos dois ajudantes em simultâneo, o mesmo se passando com O’. Deste

modo, o observador O’ deve concordar que OA e OB fizeram as suas medidas em simultâneo

e, consequentemente, deve aceitar os resultados da medida.

Imaginemos, todavia, que O e O’ concluem que . Repitamos a experiência, mas

sendo, agora, o observador O a efectuar as comparações de comprimento. Como o Princípio

da Relatividade estabelece total simetria entre todos os referenciais inerciais é possível que,

tanto O como O’, concluam que , algo que contradiz o que fora anteriormente

afirmado. A única conclusão consistente é . Daqui se conclui que as dimensões de

barras idênticas, vistas por qualquer observador, são as mesmas, independentemente de tais

barras estarem em repouso ou de se movimentarem, relativamente ao observador, numa

direcção perpendicular à do seu comprimento. Subtilmente, em 2.6.1, usamos já esta

conclusão, ao afirmarmos que .

2.7. As transformações de Lorentz Consideremos dois observadores, O e O’, que veêm o mesmo acontecimento enquanto se

movem, um em relação ao outro, com velocidade . No que se prende com os seus sistemas

coordenados a localização e o tempo do acontecimento pode ser especificado por (x, y, z, t) ou

(x’, y’, z’, t’). As transformações de coordenadas que procuramos têm de nos permitir

transformar as coordenadas (x, y, z, t), do referencial de O, nas coordenadas (x’, y’, z’, t’), do

referencial de O’. Assumindo que a orientação dos dois sistemas de coordenadas e do vector

, referente à velocidade de O’ relativamente a O, é a indicada na fig. 8, definimos que,

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Fig. 8 – Representação de dois referenciais cartesianos, executando movimento rectilíneo e uniforme, e coordenadas de um acontecimento genérico.

quando as origens de ambos os

referenciais coincidem,

0. A distância entre as origens dos

dois referenciais é igual a no

referencial de O e igual a no

referencial de O’. A distância x’

medida no referencial de O’

aparenta, todavia, vir diminuida

por um factor 1 ⁄ quando vista do referencial O, pelo que O diria que a distância,

paralela a , compreendida entre o seu plano yz e a posição do acontecimento, era igual a

1 ⁄ , o que é, por definição, a coordenada x do dito acontecimento. Assim:

1 ⁄

Resolvendo em ordem a x’, vem:

1 ⁄

Desta feita, o observador O julga que o tempo t’, lido no relógio presente no ponto x’, y’, z’,

em repouso relativamente ao referencial de O’, deve ser corrigido pelo factor ⁄

(que neste caso é positivo), de modo a superar a falha de sincronização existente entre esse

dito relógio e o relógio fixo na origem do referencial de O’. Além disso, os intervalos de

tempo medidos pelo relógio de O’ aparentam, para o observador O, estarem dilatados por um

factor igual a 1/ 1 ⁄ . Como tal, o tempo t associado à ocorrência do acontecimento é:

1 ⁄

Substituindo x’ e resolvendo em ordem a t’, obtém-se:

1 ⁄

Reunindo os resultados e como os comprimentos perpendiculares a não são alterados, vem:

1 ⁄

1 ⁄

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Fig. 9 – Representação de dois referênciais em translação uniforme e uma partícula a mover-se em relação a ambos.

As equações anteriores constituem as chamadas transformações de Lorentz e, de acordo com

Einstein, devem ser usadas na transformação de coordenadas de espaço-tempo de um

determinado acontecimento, descrito num referencial inercial O, para um outro referencial

inercial O’.

Após uma breve análise das transformações de Lorentz torna-se óbvio que, para valores de

velocidade baixos, ou seja, nas situações em que v << c, elas se reduzem às transformações de

Galileu, o que faz todo o sentido, dado que ⁄ 1. Daí decorre que o limite de validade da

Mecânica newtoniana seja, portanto, o limite das baixas velocidades, no qual a supra citada

redução é verificada. A diferença fundamental entre as duas transformações reside, pois, na

incorporação do significado físico da limitação da velocidade de transmissão de sinais que

advém do facto de o valor da velocidade da luz no vazio, c, ser intransponível.

2.8. A transformação da velocidade Consideremos uma partícula como aquela que se

encontra representada no esquema da fig. 9,

movendo-se com velocidade , relativamente ao

referencial de O, da qual gostaríamos de avaliar a

velocidade , relativamente ao referencial de O’,

referencial esse que se encontra em movimento com

velocidade , relativamente ao referencial de O.

O vector , no referencial de O, tem os seguintes

componentes:

⁄ ⁄ ⁄

O mesmo vector, quando medido no referencial de O’, apresenta como componentes:

⁄ ⁄ ⁄

Usando / , as transformações de Lorentz, obtidas em 2.7, passam a escrever-se do

seguinte modo: 1

1

1

1

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Fig. 10 – Representação de um exemplo da adição de velocidades.

Atendendo ao facto de v ser uma constante, obtém-se: 1

1

11

Após trabalharmos as equações presentes nesta página, cujos cálculos envolvidos são triviais,

apesar de extensos, alcançamos os seguintes resultados:

1

1

1

1

1

As equações anteriores indicam-nos como transformar a velocidade observada, num dado

referencial, para o caso de outro referencial.

Note-se, primeiramente, que para valores de V e v muito inferiores à velocidade da luz no

vazio, c, os quocientes / e / tendem para zero e as três últimas equações anteriores

aproximam-se daquelas que, por

simples derivação em ordem ao

tempo, podem ser obtidas das

transformações de Galileu. Outra

propriedade muito interessante das

equações anteriores é o facto de ser

impossível escolhermos e tais

que V’, o valor da velocidade

observada por O’, seja superior a c. Considere-se, como exemplo elucidativo do que acabou

de ser dito, a situação esquematizada na fig. 10. Tal como o observador de O pode notar, a

partícula 1 tem uma velocidade cujo valor é igual a 0,9c no sentido positivo do eixo dos xx,

enquanto que a partícula 2 é dotada de uma velocidade de igual valor e direcção mas sentido

oposto ao da velocidade da partícula 1. Procurando, agora, avaliar a velocidade da partícula 1

em relação à partícula 2, temos de recorrer à primeira das transformações de velocidades

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anteriores, relativa a deslocamentos segundo o eixo dos xx, de acordo com a qual iremos

obter:

0,9 0,9

1 0,9 0,9

1,801,81

Muito mais poderia ser escrito, no que concerne à Teoria da Relatividade Restrita, até porque

não foi (nem será) abordada, neste trabalho, a temática inerente à Mecânica Relativista nem a

célebre equivalência entre massa e energia:

1 ⁄

Apenas foram tratados os temas mais relevantes, visando o eficaz fornecimento de

explicações simples para fenómenos que, em muitas situações, são seriamente contra-

intuitivos, por não fazerem parte do nosso quotidiano, dado que, por exemplo, jamais alguém

viajou, na Terra, a velocidades próximas de c.

3. A experiência de Pound-Rebka e o desvio gravitacional Antes de publicar, em 1915, a Teoria da Relatividade Geral, que se pode considerar uma

extensão da Teoria da Relatividade Restrita ao caso da gravitação, Einstein havia já deduzido

o efeito que a gravidade deveria possuir sobre a radiação electromagnética, nomeadamente no

que se prende com a frequência e comprimento de onda da mesma. Seria, todavia, em

Harvard, no ano de 1960 (já após a morte de Einstein), que Robert Pound e Glen Rebka

levariam a cabo uma experiência fantástica, que ficaria conhecida como a experiência de

Pound-Rebka, a qual procurava medir o desvio gravitacional sofrido pela frequência da

radiação, ao propagar-se numa região de campo gravítico variável, tal como é previsto pela

Teoria da Relatividade Geral.

A radiação, ao afastar-se da superfície terrestre, sofre um aumento de comprimento de onda,

, e consequente diminuição da sua frequência, , dado que o campo gravítico lhe retira parte

da energia,  . Reciprocamente, quando a radiação se aproxima da superfície terrestre, torna-se

mais energética, sofrendo uma diminuição do seu comprimento de onda e consequente

aumento de frequência, graças à constância da velocidade da luz, , sendo . Todavia,

face ao modesto valor do campo gravítico terrestre, tal efeito é muito pequeno. Perante esta

dificuldade foi necessário descobrir, primeiramente, uma fonte de radiação electromagnética

cuja frequência fosse conhecida com alta precisão. Tal descoberta ocorreu quando, em 1958,

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no Instituto Max Planck, na Alemanha, Mössbauer descobriu que os núcleos atómicos podem

sofrer decaimentos sucessivos, até alcançarem o estado nuclear fundamental, libertando

energia sob a forma de radiação γ. Se tais núcleos forem parte integrante da rede de um cristal

puríssimo, de alta qualidade, todos os fotões γ são emitidos com a mesma energia. Uma outra

amostra desse cristal, cujos núcleos atómicos se encontrem no estado nuclear fundamental,

absorverá a energia de uma fracção dos fotões γ, emitidos pela primeira amostra, fazendo-o

sob uma condição: ambas as amostras têm de se encontrar em repouso, relativamente ao

mesmo referencial inercial. Qualquer valor de velocidade relativa, existente entre as duas

amostras, fará com que, graças a desvios de frequência que surjam, por efeito Doppler, num

referencial relativamente ao qual a segunda amostra esteja em repouso, a radiação γ possua

um valor de energia diferente daquele que a amostra conseguiria absorver. Isto faz com que

não ocorra interacção da radiação com a dita amostra, dada a inexistência da quantificação

energética necessária para o efeito.

Pound e Rebka efectuaram, em boa verdade, uma variante dos métodos de espectroscopia

Mössbauer, colocando uma amostra ( ) emissora de radiação γ no topo de uma torre,

instalando um detector na base da mesma torre, localizado 22,5m abaixo do emissor, segundo

a vertical. A energia, E, de cada fotão γ emitido pela amostra de apresenta um valor

bastante elevado e definido, sendo 14,4 . Medindo a taxa de detecção da radiação, à

medida que induziram ligeiras oscilações verticais no emissor, Pound e Rebka puderam

encontrar o valor da velocidade relativa, v, existente entre ambas as amostras, que

compensasse a mudança de frequência causada pelo desvio gravitacional (para o azul, neste

caso) sofrido pela radiação durante todo o percurso existente entre o topo da torre e a base da

mesma. Deste modo, a amostra receptora pôde absorver uma fracção dos fotões γ emitidos,

pelo que a quantidade de raios γ não absorvidos decresceu imenso, em face dos valores

apresentados pelo detector que se encontrava por baixo da amostra receptora. A variação na

absorção pôde, assim, ser relacionada com a velocidade e fase de vibração da amostra

emissora de radiação γ, bem como com a mudança de frequência da radiação (devida ao

desvio Doppler sofrido pela mesma), a qual anulou os efeitos inerentes ao desvio

gravitacional. Vejamos como.

De acordo com a Teoria da Relatividade Geral sabemos que o intervalo de tempo, ∆ ,

medido por um relógio localizado a uma altura , relativamente à superfície terrestre, pode ser

relacionado com o intervalo de tempo, Δ , medido por um relógio localizado na superfície

terrestre, como veremos em seguida.

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Consideremos:

∆Δ

1 2 ⁄

Invertendo ambos os membros da equação anterior, obtém-se:

1∆

1 2 ⁄Δ

Efectuando a expansão binomial da raiz quadrada, vem:

1∆

1 ghc

Δ

Como: 1∆

e como: 1∆

teremos, para o caso do desvio gravitacional para o azul:

1ghc

e, para o caso do desvio gravitacional para o vermelho:

1ghc

No primeiro caso (desvio para o azul), a radiação torna-se mais energética, ao ir na direcção

do corpo (dotado de massa) criador do campo gravítico, contrariamente ao segundo caso

(desvio para o vermelho), no qual procura escapar à acção desse mesmo campo. Caso a

radiação não sofresse qualquer desvio de frequência, em consequência do decréscimo da sua

energia, teríamos a situação em que a sua frequência e energia seriam constantes, ao longo do

tempo, graças ao facto de a radiação não se estar a propagar numa zona distorcida, em termos

de espaço-tempo.

Na verdade, Pound e Rebka mediram uma diferença de energia e não uma diferença de

frequência. Tal diferença de energia pode-se expressar como:

∆ ∆

Sendo a frequência final da radiação e a frequência inicial da radiação.

Podemos, então, escrever:

∆ ∆

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Os valores de desvios energéticos da radiação ascendente e descendente, proporcionais aos

valores dos desvios ocorridos na frequência (para ambos os casos), são: ∆ ∆

5,13 0,51 10

Podemos comparar o anterior valor com aquele que se segue, o qual advém, meramente, da

previsão teórica e não de quaisquer resultados experimentais:

∆ ∆2 4,91 10

Como tal, o desvio energético observado está em concordância com o desvio gravitacional da

frequência da radiação, previsto para a dupla diferença de altura (2 ), ou seja, para a

conjugação dos valores obtidos nos casos de ascensão e descida da radiação γ.

Esta experiência foi notável, quer pelo o seu engenho, quer por ser um teste clássico da Teoria

da Relatividade Geral, tendo sido a primeira experiência na qual a deformação gravitacional

do tempo foi confirmada directamente.

4. O Sistema de Posicionamento Global (GPS) e a Teoria da Relatividade O Sistema de Posicionamento Global, GPS, é um claro exemplo de como os conhecimentos

científicos avançados podem ser enxertados no mundo em que vivemos, dada a sua enorme

aplicabilidade nos mais variados campos. Tal sistema divide-se em três segmentos básicos: o

segmento espacial (aquele que será abordado neste trabalho e que compreende 24 satélites,

em órbitas aproximadamente circulares em torno da Terra, com um período orbital de 12

horas), o segmento de controlo (constituído pelas várias estações terrestres que recebem e

coordenam as informações vindas dos diversos satélites) e, finalmente, o segmento do

utilizador (constituído pelo conjunto de aparelhos receptores que interagem com os restantes

segmentos).

Um receptor GPS comum calcula a sua posição utilizando os sinais que recebe de quatro (ou

mais) satélites, dado que o processo requer o conhecimento do tempo local com uma precisão

muito mais elevada do que a que seria possível obter com um relógio vulgar. Tal receptor

calcula, internamente, o tempo e a posição, ou seja, utiliza quatro sinais diferentes para obter

os valores de quatro coordenadas: x, y, z e t. Estes valores são, posteriormente, convertidos

para linguagens mais vulgares: valores de latitude e longitude ou posição num mapa de um

visor electrónico.

Por sua vez, cada satélite GPS possui um relógio atómico (dotado de elevada precisão) e

transmite, continuamente, sinais electromagnéticos contendo diversas informações. Dado que

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os ditos sinais viajam à velocidade da luz (por serem ondas electromagnéticas), o receptor

utiliza os valores de tempo, fornecidos pelos satélites, para calcular a distância relativamente a

cada um dos quatro satélites, a partir das quais determina a sua localização geográfica. Apesar

de não ter sido este o propósito que levou à criação do GPS, tal sistema constitui um excelente

laboratório no qual os conceitos abordados pelas Teorias Relativistas podem ser estudados, a

fundo, tanto no âmbito da Relatividade Restrita como da Relatividade Geral.

Os relógios atómicos são afectados pelo fenómeno da dilatação do tempo, em virtude da

velocidade orbital dos satélites que os contêm, o que vai de encontro ao que é previsto pela

Teoria da Relatividade Restrita. Por outro lado, no capítulo da Teoria da Relatividade Geral e

em face da altitude à qual tais satélites executam as suas órbitas, esta teoria prevê que os

relógios se adiantem, relativamente aos relógios terrestres, dado o menor valor do campo

gravítico terrestre, existente àquela altitude, comparativamente com o seu valor na superfície

da Terra. Mas o que implicam tais desfasamentos temporais, em termos de localização

geográfica? É precisamente isso o que veremos, seguidamente.

O fenómeno da dilatação do tempo, abordado no âmbito da Teoria da Relatividade Restrita,

em 2.6.1, prevê diferenças nos valores de intervalos de tempo medidos por dois observadores

em movimento relativo de translação uniforme. Tais intervalos de tempo podem ser

relacionados, tal como já foi visto, do seguinte modo:

∆Δ ’

1 ⁄

sendo que, face ao limite de velocidade imposto pelo valor da velocidade da luz no vazio, c,

teremos:

∆  Δ ’

Assim sendo, um observador em relação ao qual outro observador se esteja a deslocar, com

uma velocidade , mede um intervalo de tempo superior àquele que é medido pelo outro

observador, no seu próprio referencial, em relação ao qual se encontre em repouso.

A afirmação anterior poder-nos-ia conduzir a uma problemática semelhante à do chamado

paradoxo dos gémeos, se bem que é simples mostrar o porquê de tal não ocorrer, dada a

assimetria existente entre o satélite GPS e a Terra. Enquanto que, entre dois acontecimentos

(como sejam a transmissão de sinais electromagnéticos), o satélite GPS apenas necessita de

um relógio para registar o intervalo de tempo decorrido entre ambos os instantes de tempo,

um observador na Terra necessita de 2 relógios (sincronizados), pelo que, no seu referencial,

cada relógio estaria localizado no local do espaço onde o satélite GPS emite cada um dos

sinais para a Terra. Assim surge a impossibilidade de um observador que se encontre no dito

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satélite afirmar que o seu tempo é que deveria ser maior, em face de ter sito a Terra a mover-

se e não ele próprio.

Tomemos, então, como observador em repouso um observador que se encontre na superfície

terrestre, em repouso relativamente à mesma, e como observador em movimento o satélite

GPS. Se ∆ corresponder ao intervalo de tempo medido pelo relógio do observador terrestre e

Δ ’ for o intervalo de tempo medido pelo relógio do satélite, então, como o período orbital, ,

é igual a 12 horas, ou seja, 43200s, e como o raio orbital é igual à soma do raio terrestre

equatorial, 6378000m, com a altura à qual o satélite descreve a sua órbita,

20200000m, medida em relação à superfície terrestre, teremos:

∆Δ ’

1 2

E substituindo os respectivos valores, vem:

∆Δ ’

1 2 6378000 20200000 m12 60 60s

Pelo que, temos:

∆ 1,00000000008Δ

O resultado anterior se mostra-nos quão superior é cada intervalo de tempo medido por um

relógio localizado na Terra, ∆ , comparativamente com o intervalo de tempo medido pelo

relógio atómico do satélite GPS,  ∆ .

Concretizando, para um intervalo de tempo (medido no relógio atómico do satélite GPS) igual

a 1s, ou seja, Δ 1s, teremos:

∆ 1,00000000008s

Como tal, enquanto que no relógio atómico do satélite GPS passa 1 segundo, num relógio

localizado na superfície terrestre passam mais 80 10 s que no relógio localizado no

satélite em causa.

Passando, agora, à dilatação gravitacional do tempo, temática esta que se insere na Teoria da

Relatividade Geral, estamos a falar do fenómeno que ocorre quando analisamos a cadência de

um relógio em diversas regiões que apresentem diferentes valores de potencial gravítico. Isto

foi demonstrado quando se notou que os relógios atómicos apresentavam diferentes taxas de

variação temporal, consoante o potencial gravítico ao qual estivessem submetidos. Assim

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sendo, os relógios atómicos dos satélites GPS têm, também, de sofrer correcções relativistas

por causa do desvio gravitacional. Quanto mais elevada for a distorção do espaço-tempo, em

termos locais, o que se traduz por uma mais forte acção do campo gravítico sobre os relógios

a ele sujeites, mais devagar ocorre a passagem do tempo.

De acordo com a Teoria da Relatividade Geral sabemos que o intervalo de tempo, ∆ ,

medido por um relógio localizado a uma altura , relativamente à superfície terrestre, pode ser

relacionado com o intervalo de tempo, Δ , medido por um relógio localizado na superfície

terrestre, do seguinte modo:

∆Δ

1 2 ⁄

O cálculo envolvido é trivial mas pode-se efectuar a expansão binomial do denominador, pelo

que vem:

∆ Δ 1ghc

Como tal, atendendo a que 20200000m, medida em relação à superfície terrestre,

teremos:

∆ 1,0000000022Δ

Concretizando, para um intervalo de tempo (medido num relógio terrestre) igual a 1 segundo,

ou seja, Δ 1s, teremos:

∆ 1,0000000022s

O resultado anterior permite-nos concluir que, enquanto que num relógio terrestre passa 1

segundo, num relógio do satélite GPS, localizado a uma altitude de 20200000m passam

mais 2,2 10 s que no relógio localizado na superfície terrestre.

Se combinarmos, agora, ambos os valores temporais obtidos, ou seja, se combinarmos o valor

de dilatação temporal dos relógios terrestres (obtido à luz da Teoria da Relatividade Restrita)

com o valor de dilatação temporal dos relógios dos satélites GPS (obtido com base na Teoria

da Relatividade Geral), iremos obter o seguinte resultado:

2,2 10 s  80 10 s 2,12 10 s

resultado este que, face ao valor fixo da velocidade da luz no vazio, c, faz com que:

donde resulta, imediatamente:

0,7m

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Este valor corresponde, nada mais nada menos, ao erro pelo qual o GPS seria afectado, por

segundo, caso fossem desprezadas as correcções relativistas aqui evidenciadas. É assombroso

pensar no que aconteceria ao mundo, quer no que se prende com os utilizadores particulares,

quer no que se prende com a indústria, a Ciência, a economia, as repartições militares, etc.,

caso tal sistema deixasse de efectuar as ditas correcções, de um momento para o outro.

Há que dizer que o tratamento efectuado ignora diversas dificuldades que surgem, na prática,

tais como o ruído dos relógios atómicos, efeitos relativistas associados à rotação terrestre e

flutuações de frequência que advêm de múltiplos factores climatéricos. Também foram

ignorados os efeitos que advêm do facto de o meio de propagação da radiação emitida não ser,

somente, o vácuo, algo que desempenha um papel bastante relevante na propagação dos sinais

electromagnéticos, emitidos pelos satélites GPS.

4.1. Um caso simples em que a Teoria da Relatividade Geral é desprezável Para terminar, farei uma breve abordagem a algo ocorrido numa das reuniões deste seminário

de Física, quando se estava a tratar da temática inerente à dilatação gravitacional do tempo.

Uma vez que o tempo passa, de um modo mais célere, quão mais afastados estivermos de

fontes de campo gravítico, é natural pensar que, no topo de um edifício (terrestre), o tempo

passe mais rapidamente do que na base do mesmo edifício, atendendo à seguinte expressão, já

apresentada anteriormente:

∆ Δ 1ghc

Tomemos agora, como típico exemplo de edifício, o Departamento de Física da Faculdade de

Ciências da Universidade do Porto. Se fizermos corresponder Δ ao intervalo de tempo

medido por um relógio colocado ao nível da base desse eficício e se tomarmos ∆ como

sendo o intervalo de tempo medido por um relógio existente no terceiro andar do mesmo

edifício, então, considerando que o terceiro andar se encontra a uma altura h 18m, teremos:

∆ Δ 118gc

isto é:

∆ Δ 1 1,96 10

Partindo do princípio que um dado indivíduo passa, durante toda a sua vida e no referido

andar, aproximadamente 4,84 10 s (intervalo de tempo associado à vida laboral de alguém

que, durante 35 anos, trabalhe 12 horas diárias, 320 dias por ano), sendo tal intervalo de

tempo medido por um relógio localizado ao nível da base do edifício, resulta que:

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∆ Δ 2 10 s

Como tal, podem-se tirar duas brilhantes conclusões: em primeiro lugar, pelo simples facto de

ter trabalhado no terceiro andar do Departamento de Física da FCUP durante todo aquele

tempo, o referido indivíduo terá envelhecido, na sua vida, mais 2 μs do que alguém cuja vida

se processou ao nível da base do mesmo edifício; em segundo lugar pode-se dizer que a

pessoa que projectou o edifício de tão ilustre Departamento não possuia, certamente,

conhecimentos de Relatividade Geral...

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Bibliografia

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