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Pesquisa em Educao Ambiental, vol. 3, n. 1 pp. 73-104, 2008

A Teoria Gaia um contedo legtimo no ensino mdio de Cincias?Maria Daniela Martins Guimares1, Marina de Lima-Tavares2, Nei de Freitas Nunes-Neto3, Ricardo Santos do Carmo & Charbel Nio El-Hani4 UFBA / Instituto de Biologia / Grupo de Pesquisa em Histria, Filosofia e Ensino de Cincias Biolgicas

resumo: A teoria Gaia prope que biosfera, atmosfera, hidrosfera e litosfera soconectadas por alas de retroalimentao num sistema ciberntico que mantm o ambiente fsico-qumico da Terra habitvel para os seres vivos. Essa teoria deve ser includa no conhecimento cientfico escolar? Neste artigo, analisamos se a incluso da teoria Gaia no ensino de cincias possui legitimidade social e epistemolgica, a partir de uma discusso sobre a construo do conhecimento escolar, da anlise de propostas de introduo de Gaia na educao formal e no formal e da anlise da cientificidade dessa teoria luz da metodologia dos programas de pesquisa cientfica, proposta pelo filsofo da cincia Imre Lakatos. A partir de tais anlises, conclumos que a incluso da teoria Gaia no ensino de cincias legitimada epistemolgica e socialmente, podendo contribuir para a abordagem interdisciplinar de contedos geralmente trabalhados no ensino de ecologia, para o tratamento de temas ambientais que conectam diferentes disciplinas e para a compreenso da natureza da cincia.

palavras-chave: Gaia; Ensino de cincias; Meio ambiente; Interdisciplinaridade;Transposio didtica.

abstract: Gaia theory claims that the biosphere, atmosphere, hydrosphere, and lithosphereare connected by feedback loops in a cybernetic system that maintains Earths physicochemical environment habitable for living beings. Should this theory be introduced into scientific school knowledge? In this paper, we analyze whether the inclusion of Gaia theory in science education is endowed or not with social and epistemological legitimacy, from the perspective of a discussion about the construction of school knowledge, an analysis of proposals for introducing Gaia in formal and non-formal education, and an analysis of its scientific status under the light of the methodology of scientific research programs, proposed by the1 2

E-mail: [email protected] Programa de Ps-Graduao em Educao/UFMG. 3 Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias/UFBA-UEFS. 4 Programa de Ps-Graduao em Ensino, Filosofia e Histria das Cincias/UFBA-UEFS e Programa de Ps-Graduao em Ecologia e Biomonitoramento/UFBA.

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legitimacy, and can contribute to an interdisciplinary approach to contents generally addressed in ecology teaching, to the treatment of environmental themes that connect different disciplines, and to the understanding of the nature of science.

keywords: Gaia, Science education; Environment; Interdisciplinarity; Didactictransposition.

1. Introduo A construo do conhecimento escolar de cincias mais complexa do que poderia parecer primeira vista, envolvendo um intrincado processo de transposio didtica, que congrega vrios atores diferentes, com diferentes vises, interesses, valores, prticas etc. Vrios modelos foram propostos para tratar da construo do conhecimento escolar e de suas relaes com o conhecimento acadmico de referncia, como, por exemplo, os modelos de transposio didtica de Chevallard (1991), Develay (1992) e Clment (2006). A anlise desses modelos indica que, para a incluso de contedos no conhecimento cientfico escolar, uma dupla legitimao necessria: uma de ordem social e outra de ordem epistemolgica. Em trabalhos anteriores, discutimos as contribuies que a teoria Gaia pode trazer para o ensino de cincias, quanto integrao de contedos de diferentes reas na abordagem de diversos assuntos e, em particular, de temas relevantes face presente crise ambiental, bem como no que diz respeito compreenso da natureza da cincia (LIMATAVARES; EL-HANI, 2001; CARMO et al., 2007; GUIMARES, 2007). O presente artigo constitui mais um passo em nossas investigaes sobre a incluso da teoria Gaia no ensino de cincias, em particular, no nvel mdio de escolaridade, que, para uma grande parte das pessoas, representa a ltima experincia de educao formal na rea das cincias naturais. A questo de pesquisa sobre a qual nos debruamos neste artigo a seguinte: h legitimidade social e epistemolgica para a incorporao da teoria Gaia no conhecimento escolar de cincias? A relevncia dessa questo se torna mais evidente quando consideramos que essa teoria j se encontra presente em livros didticos de Biologia, como os resultados obtidos por Carmo et al. (2007) mostram. 74

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Para responder nossa questo de pesquisa, apresentaremos inicialmente as idias centrais da teoria Gaia. Em seguida, discutiremos a construo do conhecimento escolar de cincias, destacando os requisitos de legitimao social e epistemolgica dos contedos a serem includos no mesmo. O prximo passo ser uma discusso da cientificidade da teoria Gaia e de suas implicaes para a legitimidade epistemolgica dessa teoria como contedo do ensino de cincias. Analisaremos, ento, propostas de incluso da teoria Gaia na educao formal e no formal, em busca de indcios para avaliarmos sua legitimidade social como contedo do ensino de cincias. Por fim, apresentaremos nossas concluses sobre a questo norteadora deste artigo. 2. A teoria Gaia A teoria Gaia foi desenvolvida pelo cientista ingls James Lovelock em colaborao com uma srie de pesquisadores1. Ela postula, basicamente, que o planeta Terra foi e continua a ser ativamente transformado pela presena de seres vivos, de modo a manter condies adequadas prpria vida (LOVELOCK, 1995). O desenvolvimento das idias centrais dessa teoria teve incio na dcada de 1960, quando Lovelock1

Na literatura, Gaia tem sido tratada tanto como uma hiptese quanto como uma teoria. O prprio Lovelock usa os termos hiptese e teoria para referir-se a Gaia em seus trabalhos. Contudo, ns utilizamos sistematicamente a expresso teoria Gaia, com base no entendimento de que uma teoria um conjunto de proposies sobre o mundo emprico relacionadas de maneira sistemtica, que cumpre o papel de explicar e prever fenmenos ou padres observados na natureza, freqentemente mediante a elucidao de processos ou mecanismos responsveis pela sua produo ou causao (LIMATAVARES; EL-HANI, 2001; NUNES-NETO; EL-HANI, 2006; CARMO et al., 2007). Uma hiptese, por sua vez, por ns entendida como uma explicao tentativa para um fenmeno ou padro especfico, que deve ser submetida a teste com base em previses derivadas dela num cenrio especfico de teste emprico. Gaia parece qualificar-se, ento, como uma teoria, e no apenas como uma hiptese, na medida em que apresenta em sua estrutura uma srie de proposies relacionadas entre si, que buscam explicar caractersticas do sistema terrestre e suas relaes com o sistema ciberntico postulado pela prpria teoria. Por isso, restringimos o uso da expresso hiptese Gaia a citaes de outros autores. Mais frente, ao discutirmos a teoria da cincia de Lakatos, passaremos a usar sistematicamente programa de pesquisa Gaia, por entender que foram desenvolvidas diferentes verses tericas de Gaia ao longo de sua histria, estruturadas em torno de um ncleo comum de idias centrais.

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foi convidado pela NASA (Administrao Nacional de Aeronutica Espacial dos Estados Unidos da Amrica) para integrar, como consultor, uma equipe de pesquisa que criaria instrumentos para a deteco de vida em Marte e Vnus. Com base em uma apreciao crtica dos instrumentos anteriormente planejados para esse fim, que pressupunha uma semelhana com a vida na Terra para orientar a busca de seres vivos em outros planetas, Lovelock e a filsofa Dian Hitchcock concluram que a melhor forma de se detectar vida em outros planetas seria atravs da anlise de suas atmosferas, comparando-as da Terra, que se encontra em estado de constante desequilbrio qumico entre seus gases componentes. Lovelock e Hitchcock estavam convencidos de que a nica explicao para essa caracterstica to improvvel residia no fato de que a atmosfera terrestre continuamente modificada pelos seres vivos, j que eles utilizam, obrigatoriamente, a atmosfera como fonte de recursos, depsito para seus metablitos e meio para o transporte de matrias-primas do seu metabolismo (LOVELOCK, 1991, 1995). Pelo que se sabia na poca, as atmosferas de Marte e Vnus seriam compostas predominantemente por dixido de carbono (CO2), em concentraes superiores a 95%, pouco oxignio (O2) e nitrognio (N2) e nenhum metano (CH4).2 Essa uma condio no muito distante do estado de equilbrio qumico e bem prxima daquela que seria esperada num planeta Terra sem vida. Contudo, a atmosfera terrestre constituda por 79% de nitrognio, 21% de oxignio e 0,03% de dixido de carbono, alm de outros gases em propores nfimas, existindo conjuntamente na atmosfera gases altamente reativos, como o oxignio e o metano, e gases de fcil decomposio, como o xido ntrico (NO), com suas concentraes sendo mantidas h um longo perodo de tempo (LOVELOCK, 1991). Mas como essas condies improvveis vm sendo mantidas h tanto tempo? Uma explicao plausvel para a manuteno de uma condio to instvel na atmosfera terrestre por perodos de tempo to longos reside na influncia da prpria vida sobre o planeta.2

Hoje sabemos que h quantidades pequenas, mas constantes, de metano na atmosfera de Marte, o que tem levantado, inclusive, uma discusso sobre sua origem geoqumica ou biolgica, apontando para a possibilidade, atualmente em investigao, de que Marte abrigue vida bacteriana (ATREYA et al., 2007).

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A estabilidade da temperatura do planeta Terra tambm chamou a ateno de Lovelock, na medida em que, enquanto estudos astronmicos mostram que a luminosidade do sol sofreu um aumento de 25% desde o surgimento da vida, a temperatura da Terra no sofreu alterao significativa pelo menos nos ltimos 3,3 bilhes de anos (idem). Mesmo nos perodos glaciais, a temperatura mdia das regies tropicais no chegou a ser mais do que 8C menor do que a observada durante os perodos interglaciais. Lovelock comeou a considerar, ento, que os seres vivos poderiam possuir a capacidade de alterar as condies fsico-qumicas do ambiente planetrio de modo a mant-las dentro dos limites de habitabilidade. Isso seria feito por meio de alas de retroalimentao negativa e positiva que operariam em nvel global e seriam responsveis pela manuteno das condies fsico-qumicas em estado relativamente constante (steady state). Essas idias levaram teoria Gaia, que prope que a biosfera, a atmosfera, a hidrosfera e a litosfera, ligadas por alas de retroalimentao, atuam como um sistema de controle adaptativo, um sistema ciberntico que mantm o ambiente fsico-qumico da Terra em homeostase (LOVELOCK, 1995). O termo Gaia foi sugerido pelo escritor William Golding em 1972, com base na deusa que personificava a me Terra na antiga mitologia grega, tendo sido aceito por Lovelock como denominao para sua teoria (LOVELOCK, 1995, 2000). A escolha de tal denominao cumpriu, contudo, um papel relevante na resistncia da comunidade cientfica s idias de Lovelock. Esse termo designa tanto a teoria quanto o sistema fsico que ela procura descrever. Tal sistema descrito por Lenton e van Oijen (2002, p. 684) como segue:[] um sistema termodinamicamente aberto na superfcie da Terra incluindo a vida (a biota), a atmosfera, a hidrosfera (oceano, gelo, gua doce), matria orgnica morta, solos, sedimentos e aquela parte da litosfera [...] que interage com os processos de superfcie (incluindo rochas sedimentares e rochas sujeitas a intemperismo).

A teoria Gaia pode ser entendida, ento, como uma teoria sobre o funcionamento do sistema Terra com vida abundante. Trata-se de um sistema ciberntico no qual o acoplamento dos organismos e de seu 77

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ambiente to forte que influenciou substancialmente a evoluo das condies fsico-qumicas do planeta. Nessa perspectiva, a evoluo biolgica e a evoluo do ambiente fsico-qumico no so dois processos independentes, mas, antes, duas facetas do mesmo processo. O sistema Gaia mantm, de acordo com a teoria, uma srie de variveis ambientais constantes numa escala global (por exemplo, temperatura, composio qumica atmosfrica, pH e salinidade dos oceanos etc.), ou seja, uma homeostase planetria que conservaria as condies do planeta Terra adequadas para a vida. A regulao de tais variveis ambientais entendida como uma propriedade emergente do sistema Gaia (e.g., LOVELOCK, 1990; LENTON, 2004), resultante das interaes complexas de organismos e subsistemas fsico-qumicos num conjunto de alas de retroalimentao positiva e negativa. A idia de um sistema ciberntico envolvendo a biota e o ambiente fsico-qumico em coevoluo , em nossa viso, a tese mais central da teoria Gaia, em vez de algumas afirmaes do prprio Lovelock, como a de que a Terra seria um sistema vivo, que tem geralmente merecido mais ateno de livros didticos, bem como da mdia e de textos de divulgao cientfica (LIMA-TAVARES; EL-HANI, 2001; CARMO et al., 2007). Pode soar estranho, em princpio, a proposio de que uma idia defendida em muitos escritos e com considervel veemncia pelo prprio proponente de Gaia no seja de fato central na estrutura da teoria. Contudo, uma anlise feita de uma perspectiva externa teoria e munida de referenciais tericos e metodolgicos da filosofia da cincia pode balizar uma concluso dessa natureza (para maiores detalhes, ver LIMA-TAVARES; EL-HANI, 2001; LIMA-TAVARES, 2002; NUNES-NETO, 2005; NUNES-NETO; EL-HANI, 2006). Primeiro, Lovelock tem oscilado em sua convico de que a Terra viva ao longo da histria da teoria Gaia, por vezes afirmando que ela apenas quase viva (LOVELOCK, 1985, 1986, 2006a). Essa oscilao sugere que a idia no to central quanto parece ser primeira vista. A proposio de que h na Terra um sistema ciberntico envolvendo a biota e o ambiente fsico-qumico no foi, por sua vez, modificada ao longo da histria da teoria Gaia. Em segundo lugar, muitos pesquisadores que aderem hoje ao programa de pesquisa Gaia raramente empregam a idia de que a Terra viva, se que o fazem (e.g., 78

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VOLK, 1998; KLEIDON, 2002; LENTON; VAN OIJEN, 2002), e alguns chegam mesmo a critic-la abertamente (MARGULIS, 1997; WILKINSON, 1999). Essa tambm no uma atitude esperada frente a uma proposio que seja central num programa de pesquisa na qual um cientista trabalha. Finalmente, no a proposio de que a Terra um superorganismo, mas o modelo de um sistema ciberntico constitudo por mecanismos de retroalimentao acoplando processos e sistemas vivos e no vivos que leva a previses testveis derivadas de Gaia, que constituem, por sua vez, o contedo emprico excedente da teoria, fundamental para o estabelecimento de sua cientificidade (ver abaixo). Isso tambm indica que a esta ltima idia, e no tese de uma Terra viva, que se deve atribuir papel central na teoria Gaia. Alm disso, difcil compatibilizar a idia de que a Terra viva com a maioria das definies de vida disponveis, mas, nesse caso, o problema menos grave, visto que h sadas possveis (ainda que passveis de controvrsia), como tentativas de utilizar para esse fim a definio termodinmica (LOVELOCK, 1965, 2006a) ou a definio autopoitica de vida (CAPRA, 1996). Em seus estgios iniciais de desenvolvimento, a teoria Gaia foi duramente criticada pela comunidade cientfica. Com freqncia, seu estatuto como teoria cientfica foi colocado em questo (POSTGATE, 1988; KIRCHNER, 1989, 1993). Ao mesmo tempo, idias relacionadas a Gaia nem todas realmente defendidas por Lovelock foram recebidas com entusiasmo por grupos ambientalistas e espiritualistas, tornando-se uma parte integral da chamada filosofia da nova era (e.g., BADINER, 1990; NICHOLSON; ROSEN, 1997; SAHTOURIS, 2000). Em particular, aqueles grupos foram atrados pelas afirmaes mais controversas de Lovelock, como a de que a Terra um ser vivo, dando menos ateno a idias que consideramos o ncleo central da teoria Gaia. medida que essa teoria era mais e mais aceita por tais grupos, a comunidade cientfica tinha cada vez mais suspeitas a seu respeito. Contudo, desde a dcada de 1980, a teoria Gaia tem sido cada vez mais aceita como uma teoria cientfica, ainda que controversa. Atualmente, h muitos pesquisadores que se dedicam ao desenvolvimento e teste da teoria, contribuindo para sua respeitabilidade cientfica, sobretudo no que diz respeito s suas implicaes potenciais para a compreenso das 79

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mudanas climticas globais (ver, por exemplo, SCHNEIDER et al., 2004). H uma srie de evidncias empricas que fornecem apoio teoria Gaia e que certamente tiveram um papel nas mudanas de viso da comunidade cientfica sobre a teoria (ver, por exemplo, LOVELOCK; LODGE, 1972; CHARLSON et al., 1987; LOVELOCK, 1995). Alm disso, a construo de modelos cada vez mais sofisticados sobre os mecanismos em operao no sistema Gaia (os chamados modelos geofisiolgicos, tipicamente implementados como simulaes computacionais) tambm tem contribudo substancialmente para o reconhecimento crescente da teoria, desde que Watson e Lovelock (1983) desenvolveram seu modelo do mundo das margaridas (ver tambm LENTON; LOVELOCK, 2000). Diante dessa histria conturbada, a relevncia de perguntarmos se Gaia deve ou no estar presente no conhecimento escolar de cincias se torna ainda mais clara. preciso considerar, contudo, como o conhecimento escolar construdo. 3. A construo do conhecimento escolar Para tratar da construo do conhecimento escolar, enfocaremos o conceito de transposio didtica, criado por Michel Verret em 1975 e difundido por Chevallard (1991), inicialmente na rea de educao matemtica, mas com repercusso na didtica de outras reas de ensino (DELIZOICOV et al., 2002).3 Chevallard (1991) entende a transposio didtica como a passagem do saber sbio ao saber ensinado, ou seja, do conhecimento acadmico de referncia ao conhecimento ensinado na escola.4 O modelo de transposio didtica enfatiza que, para que o ensino de um determinado elemento do conhecimento seja possvel, preciso que esteNeste artigo, restringiremos nossa discusso, por razes de espao, a modelos de transposio didtica. Crticas a esses modelos e propostas alternativas, como encontramos em Lopes (1997) e Marandino (2004), sero discutidas em trabalhos futuros. 4 No presente trabalho, optamos por no usar as expresses saber sbio e saber ensinado, a no ser quando fazemos referncia direta obra de Chevallard ou outros autores que as utilizam. Em seu lugar, utilizaremos as expresses conhecimento cientfico de referncia e conhecimento escolar. A razo para essa deciso reside numa discordncia em relao s conotaes de valor presentes em expresses como saber sbio.3

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sofra certas transformaes que tornem vivel ensin-lo no contexto escolar, dependendo essas transformaes do nvel de escolaridade ao qual se dirija o conhecimento a ser ensinado. O autor ressalta que, apesar das transformaes ocorridas no processo de transposio didtica, o conhecimento escolar deve ser suficientemente prximo do conhecimento de referncia, para que no seja desautorizado pelos cientistas envolvidos na produo deste ltimo, o que minaria a legitimidade do projeto social de seu ensino. Sobre essa questo, Chevallard aponta, por um lado, a importncia do princpio da vigilncia epistemolgica, que deve ser exercida pelos atores da transposio, de modo a garantir que o conhecimento escolar no se distancie demasiadamente do conhecimento de referncia. Por outro lado, tambm colocada a questo de que, se o conhecimento escolar permanecer prximo demais do conhecimento de referncia, ele no ser ensinvel, em vista das dificuldades de ensinar, bem como de aprender, o conhecimento acadmico pouco transformado. Est sempre em andamento, assim, um conflito entre os atores da transposio didtica, na medida em que a comunidade cientfica se esfora, de vrias formas, para diminuir a distncia entre os conhecimentos escolar e de referncia, enquanto autores e editores de livros didticos, assim como professores, tendem a aumentar tal distncia, para que se torne mais exeqvel o ensino e mais provvel a aprendizagem do contedo em questo. Ainda segundo Chevallard (1991), o conceito de saber se relaciona ao corpo de conhecimentos que legitimado epistemologicamente e essa legitimao geralmente se sobrepe legitimao cultural. Ele afirma, ainda, que a origem dos saberes pode se dar nas prticas sociais, mas nem todo saber chega a ser legitimado, a ponto de tornar-se um conhecimento cientfico de referncia. Contudo, o papel das prticas sociais na transposio didtica foi repensado por outros autores, que, inspirando-se no trabalho de Chevallard, buscaram modificar o modelo de transposio didtica por ele proposto, a exemplo de Develay (1992) e Clment (2006). Esses autores do mais ateno aos aspectos histricos das cincias, bem como promoo de uma maior relao entre epistemologia e didtica. Astolfi e Develay (1991) afirmam que o conhecimento cientfico de referncia sofre uma mudana em seu estatuto 81

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epistemolgico ao ser transposto didaticamente, o que leva a escola a nunca ensinar conhecimentos em estado puro, mas sim contedos de ensino, que so resultantes de cruzamentos complexos entre uma lgica conceitual, um projeto de formao e exigncias didticas. Eles destacam, ainda, as influncias polticas e sociais, considerando os aportes provenientes das prticas sociais, que, alm do saber sbio, constituem referncias importantes para a transposio didtica. Clment (2006), por sua vez, props um modelo de transposio didtica, inspirado pelo modelo original de Chevallard, mas com modificaes importantes. Ele pretende, em particular, superar a crtica de que o modelo de Chevallard no tem na devida conta as prticas sociais como marcos de referncia para o conhecimento escolar. Clment busca considerar tanto a dimenso social quanto a dimenso axiolgica em seu modelo, com base na idia de que o conhecimento cientfico, os sistemas de valores e as prticas sociais interagem entre si, constituindo as concepes que os sujeitos tm sobre determinados assuntos. Em vista disso, ele denomina seu modelo KVP (K, do ingls knowledge conhecimento; V, do ingls values - valores; e P, do ingls practices prticas). Este modelo representado por um tringulo graas influncia do tringulo didtico, freqentemente empregado na Didtica das Cincias francesa (ver Clment, 2006) , em cujos vrtices so encontrados os plos que interagem na constituio das concepes, enquanto as concepes, como resultado desta interao, aparecem no centro do tringulo (Figura 1 a seguir). O modelo KVP foi construdo a partir da anlise das concepes de estudantes, pesquisadores, professores e outros atores do sistema educacional, sendo essas sistematicamente tratadas como interaes de conhecimentos, valores e prticas. Esse modelo prope que todo sujeito humano constri concepes que so determinadas no somente pelo conhecimento, mas tambm por suas prticas sociais e seus valores. Alm disso, para Clment, a maior parte das prticas sejam prticas profissionais de cientistas e professores, prticas de estudantes ou prticas futuras e atuais de cidadania de todos os atores do sistema educacional resulta tambm de interaes com valores e conhecimentos.

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CONHECIMENTO CIENTFICO Biologia, Ecologia, Geologia, Fsica, Qumica, Cincias Humanas e Sociais, Economia, Sociologia, Sade, Leis, Didticas etc.

K

VSISTEMA DE VALORES Representaes sociais, Opinies, Ideologias, Convices, Filosofia, tica, Moral

CONCEPES

PPRTICAS SOCIAIS Comportamentos individuais e sociais, referentes aos temas em questo

Figura 1: O modelo KVP (adaptado de CLMENT, 2006. Ver tb. CARAVITA et al., 2007).

No modelo de transposio didtica de Chevallard (1991), o processo de construo do conhecimento escolar envolve apenas trs etapas, iniciando-se no conhecimento acadmico de referncia (nos termos de Chevallard, saber sbio), que ento transformado no conhecimento a ser ensinado (no nvel dos currculos, das ementas, dos programas escolares), que, finalmente, transformado no conhecimento escolar (para Chevallard, saber ensinado). No modelo KVP, contudo, a transposio didtica no se d somente em trs etapas. Afinal, no so tipicamente as publicaes cientficas originais que informam a construo dos currculos, das ementas, dos programas das disciplinas escolares, mas, antes, outros nveis de transposio didtica, relativos, por exemplo, produo de artigos de reviso, trabalhos de divulgao cientfica, livros didticos, iniciativas de popularizao da cincia pela mdia, exposies de museus voltadas para temas cientficos etc. (ver Figura 2). Nesses termos, o modelo de Clment contribui para uma compreenso mais aprofundada da complexa dinmica subjacente construo do conhecimento escolar, em seus vrios nveis, desde os currculos at o discurso dos professores em sala de aula, at as concepes construdas pelos estudantes.

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TRANSPOSIO DIDTICA

CONCEPES de - pesquisadores - grupos scio-econmicos - lderes (poltica, mdia, religio etc.)

REFERNCIAS - Publicaes cientficas - Prticas sociais - Valores dominantes

K.V.P.

Diferentes nveis de popularizao da cincia

K.V.P.

- cientistas, autores - editores, atores de TV rdio, mdia,... - principais atores do sistema escolar, Ministrios da Educao,... - autores e editores de livros didticos e outras ferramentas K.V.P.

Currculo e ementas

K.V.P.

Livros didticos e outras ferramentas

O que ensinado na escola

K.V.P.

- Professores

- Estudantes

O que aprendido na escola

K.V.P.

SITUAO DIDTICA = AMBIENTE DE APRENDIZAGEM

Figura 2 A dinmica complexa da construo do conhecimento escolar, segundo o modelo KVP de transposio didtica (CLMENT, 2006).

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No contexto de nossas investigaes, utilizamos o modelo KVP de Clment para a compreenso da construo do conhecimento escolar. luz desse modelo (bem como de outras contribuies, como a de Develay), buscamos considerar de modo balanceado tanto a legitimao epistemolgica quanto a legitimao social, julgando que ambas so fundamentais na constituio do conhecimento escolar. No se trata, assim, de sobrepor um modo de legitimao ao outro, mas de pensar na perspectiva de uma dupla legitimao. nesses termos, ento, que, para propor que Gaia seja includa no conhecimento escolar, preciso, primeiro, discutir a legitimidade epistemolgica e social de tal projeto. As duas prximas sees se dedicam a essa discusso. 4. H legitimao epistemolgica para a incluso de Gaia no conhecimento escolar? Neste artigo, discutimos a legitimao epistemolgica de Gaia como contedo do ensino de cincias com base no pressuposto de que, para gozar de tal legitimidade, ela deve ser aceita como cientfica. A anlise da cientificidade de Gaia , pois, parte importante do exerccio da vigilncia epistemolgica (CHEVALLARD, 1991), no que tange sua incluso no ensino de cincias. Para tratar da cientificidade de Gaia, tomamos como base uma teoria da cincia especfica a metodologia dos programas de pesquisa, desenvolvida pelo filsofo da cincia Imre Lakatos. De acordo com Lakatos, um programa de pesquisa cientfica se caracteriza por apresentar uma srie ou sucesso de modelos ou teorias, que trazem em si elementos que se ligam atravs de uma notvel continuidade, em uma estrutura organizada (LAKATOS, 1980). Ele descreve dois componentes dos programas de pesquisa cientfica, o ncleo duro (ou ncleo irredutvel) e o cinturo protetor. O ncleo duro ou irredutvel de um programa constitui a base a partir da qual ele deve desenvolver-se, consistindo de uma ou vrias hipteses tericas. O ncleo irredutvel da astronomia copernicana, por exemplo, consiste nas suposies de que a Terra e os outros planetas orbitam um Sol estacionrio e a Terra gira em torno de seu

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eixo uma vez por dia. O ncleo duro da fsica newtoniana, por sua vez, inclui as leis do movimento e a lei da atrao gravitacional de Newton. O ncleo irredutvel deve ser, como o nome sugere, irrefutvel, por deciso metodolgica dos pesquisadores que trabalham no programa. o cinturo protetor que permite salvar o ncleo irredutvel de falsificaes, atravs de hipteses auxiliares que suplementam aquele ncleo. Essas hipteses auxiliares devem ser testveis independentemente e, no caso de no serem confirmadas, podem ser alteradas ou at mesmo completamente rejeitadas, sem que o programa de pesquisa deva ser, por isso, abandonado. O cinturo protetor pode ser, dessa forma, ajustado vrias vezes ou at mesmo completamente substitudo, caso necessrio. Esses ajustes do cinturo protetor ajudam a evitar a falsificao do ncleo duro do programa. As regras metodolgicas dos programas de pesquisa orientam a investigao em termos tanto de uma heurstica negativa quanto de uma heurstica positiva: a heurstica negativa indica caminhos que devem ser evitados pela pesquisa, consistindo na deciso metodolgica de no falsificar as proposies do ncleo duro de um programa, sob pena de este tornar-se um outro programa de pesquisa. importante destacar que no se trata de que um cientista no possa jamais se decidir por falsificar o ncleo irredutvel de um programa; significa apenas que, caso o faa, ter optado por abandonar aquele programa. A heurstica positiva, por sua vez, mostra caminhos que podem ser seguidos para melhorar a articulao do programa, incluindo a elaborao de mecanismos para proteger seu ncleo duro, mediante a alterao e o desenvolvimento das proposies auxiliares que formam o cinturo protetor. Com base no pressuposto de que a cincia deve sempre avanar, o critrio de cientificidade de Lakatos se ampara no progresso dos programas de pesquisa cientfica. Os programas podem ser progressivos ou degenerescentes. Um programa tido como progressivo caso apresente contedo emprico excedente, ou seja, oferea previses de fatos novos neste caso, ele teoricamente progressivo , e/ou caso parte de seu contedo emprico adicional seja, ao menos ocasionalmente, apoiado por evidncias empricas neste caso, ele apresenta progresso emprico. J um programa em que no se observa progresso nem terico nem emprico 86

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considerado degenerescente, devendo, segundo Lakatos, ser rejeitado pela comunidade cientfica, embora existam graves problemas quanto avaliao do tempo de degenerescncia necessrio para que tal deciso seja tomada (FEYERABEND, 1979; ver tb. CHALMERS, 1993). Portanto, para avaliar se Gaia cientfica luz da teoria de Lakatos, preciso verificar se ela apresentou, ao longo de sua histria, progresso terico e/ou emprico. Mas, para levar a cabo essa tarefa, preciso, primeiro, caracterizar Gaia como um programa de pesquisa, em particular, delimitando seu ncleo duro. Lima-Tavares (2002) concluiu, em sua anlise da cientificidade de Gaia, que a histria desse programa de pesquisa pode ser reconstruda de uma maneira tal que o mesmo ncleo duro de proposies encontrado em suas diferentes verses. Isso permite, de uma perspectiva lakatosiana, individuar um mesmo programa de pesquisa ao longo da histria de Gaia. Em vista disso, falaremos a partir desse ponto no programa de pesquisa Gaia. O ncleo duro desse programa constitudo, de acordo com a reconstruo de Lima-Tavares, pelas seguintes proposies: i) H na Terra um sistema ciberntico (o sistema Gaia), composto pela biosfera, atmosfera, hidrosfera e litosfera, ligadas por alas de retroalimentao; tal sistema exerce a funo de controle adaptativo; ii) o sistema Gaia mantm a homeostase planetria, conservando as condies fsico-qumicas do planeta relativamente constantes; iii) o sistema Gaia visa otimizao do ambiente fsico-qumico para a biosfera; e iv) no processo de retroalimentao planetria envolvendo a biosfera e o ambiente, est implcita a idia de propsito ou seja, o programa de pesquisa est comprometido com uma explicao teleolgica do funcionamento do sistema Gaia5. Quanto ao papel das explicaes teleolgicas no programa de pesquisa Gaia, Nunes-Neto (2005) reitera a natureza teleolgica das proposies que o compem, apesar da firme negao de Lovelock quanto ao seu compromisso com explicaes teleolgicas (ver tb. NUNES-NETO; EL-HANI, 2006). O paradoxo entre a negao de Lovelock quanto ao carter teleolgico de Gaia e a natureza de suas explicaes do5

As proposies constituintes do ncleo duro do programa de pesquisa Gaia so apresentadas aqui de modo um pouco diferente do original de Lima-Tavares (2002), mas de maneira a manter o contedo das formulaes dessa autora.

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funcionamento do sistema biota-ambiente decorrente de uma compreenso equivocada do modo teleolgico de explicao. Lovelock acredita que a proposio de explicaes teleolgicas no contexto de Gaia equivaleria a um compromisso inaceitvel com explicaes de fenmenos no humanos em termos de propsitos humanos (e.g., LOVELOCK, 1990). Assim, ele termina por perder de vista que explicaes teleolgicas de fenmenos no humanos que no recorrem conscincia ou a propsitos humanos (i.e., que no so intencionais) so perfeitamente aceitveis, no considerando, ento, como a linguagem teleolgica que transparece em seus escritos pode ser formulada de maneira consistente a partir de um modo de explicao teleolgico ou, ao menos, funcional, mas no intencional. Em trabalho posterior, tambm conduzido em nosso grupo de pesquisa, Nunes-Neto (2005) props uma interpretao distinta da estrutura do programa, em relao quela apresentada por Lima-Tavares (2002), de acordo com a qual a idia de otimizao no considerada parte do ncleo duro, devendo ser situada no cinturo protetor, como uma hiptese passvel de falsificao e podendo, inclusive, ser considerada j falsificada (para maiores detalhes, ver o trabalho original). Nunes-Neto (2005) prope, ainda, que a idia de que biosfera e ambiente coevoluem deve ser situada no ncleo duro do programa, ao lado das explicaes teleolgicas. Quanto ao seu progresso terico e/ou emprico, deve-se considerar que o programa de pesquisa Gaia tem dado origem, ao longo de sua histria, a uma srie de previses novas sobre o funcionamento do sistema terrestre. Ele tem mostrado, assim, progresso terico. Alm disso, uma parte das previses novas propostas pelo programa foi apoiada por dados empricos, o que mostra que Gaia tem apresentado tambm progresso emprico. A tabela I sumaria alguns indicadores do progresso terico e emprico desse programa de pesquisa. Podemos concluir, assim, que o programa de pesquisa Gaia cientfico, quando examinado luz dos critrios de cientificidade propostos por Lakatos, na medida em que se trata de um programa progressivo, em termos tanto tericos quanto empricos. Essa concluso leva, por sua vez, a um importante indicativo quanto legitimidade epistemolgica de sua incluso no conhecimento escolar de cincias.

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5. H legitimao social para a incluso de Gaia no conhecimento escolar? Em princpio, podemos construir um argumento bastante direto a favor da legitimidade social de Gaia como contedo escolar, tomando como base sua contribuio para a compreenso da crise ambiental e do papel da espcie humana face aos problemas que acometem o planeta. A esse argumento soma-se o de que Gaia pode contribuir substancialmente para a construo de esforos educacionais interdisciplinares, combinando contedos de biologia, qumica, fsica, geologia etc. na compreenso de temas de grande relevncia ambiental, como os ciclos biogeoqumicos e as mudanas climticas globais.Tabela I: Alguns exemplos de previses novas derivadas do programa de pesquisa Gaia e de evidncias empricas que as apiam ou do poder heurstico que desempenham. Previses novas Marte e Vnus so planetas sem vida, com base na anlise das suas composies atmosfricas, seguida de comparao com a atmosfera terrestre (LOVELOCK, 1965; HITCHCOCK; LOVELOCK, 1967). Apoio emprico e/ou papel heurstico Apoiada pelos resultados do envio a Marte pela NASA da sonda Mariner (dcadas de 1960 e 1970) e da misso Viking (1975). A possibilidade de que exista vida em Marte ainda tem sido, contudo, objeto de pesquisa, em virtude da presena de metano em concentrao relativamente constante em sua atmosfera e da possvel existncia de aqferos subterrneos (ATREYA et al., 2007). Caso a presena de metano nesse planeta seja atribuda existncia de seres vivos, e no a processos puramente geoqumicos, isso no fornecer evidncias contrrias, mas antes apoiar Gaia. Proposta de que os organismos vivos influenciam profundamente o ambiente material, tendo construdo as condies fsico-qumicas da Terra. Amplamente confirmada. hoje parte do conhecimento cientfico convencional.

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Atribuio de funes a gases de origem biolgica encontrados na atmosfera, como metano (CH4), xido ntrico (NO2), amnia (NH3) etc. (LOVELOCK; LODGE, 1972; MARGULIS; LOVELOCK, 1974). Participao dos gases sulfeto de dimetila (DMS), iodeto de metila (CH3I) e dimetilselnio (C2H6Se) na transferncia em massa de elementos essenciais entre o mar e a terra (no caso do DMS, LOVELOCK et al., 1972). Atribuio de um papel essencial aos microorganismos mecanismos de procariticos regulao nos planetria

Verificao da participao de compostos como, por exemplo, o metano em mecanismos de regulao de variveis do ambiente fsicoqumico, como a concentrao de O2 e a temperatura mdia global (WATSON; LOVELOCK; MARGULIS, 1978, 1980). Por exemplo, evidncias a favor do papel central do DMS na transferncia de enxofre dos oceanos para a terra (LOVELOCK et al., 1972).

Por exemplo, manuteno dos nveis atmosfricos de O2 por cianobactrias.

(MARGULIS; LOVELOCK, 1974). Previses novas Envolvimento do DMS de origem biolgica em mecanismos de regulao da temperatura planetria, atravs de seu papel no processo de condensao do vapor dgua e, assim, de formao de nuvens sobre os oceanos (hiptese CLAW, derivada das iniciais dos autores de CHARLSON et al., 1987). Apoio emprico e/ou papel heurstico Evidncias a favor da atuao de compostos derivados da oxidao do DMS no ar sobre os oceanos como ncleos para a condensao do vapor dgua. Essa previso do programa de pesquisa Gaia deu origem a um novo e importante tema de pesquisa, a conexo algas-nuvens (cloud-algae link) (HAMILTON; LENTON, 1998; SIM, 2001; VAN RIJSSEL; GIESKES, 2002; KLOSTER et al., 2005). Proposio de compatibilidade entre Gaia e a teoria sinttica da evoluo, com base no desenvolvimento de modelos computacionais inspirados pelo Mundo das Margaridas (WATSON; LOVELOCK, 1983). Simulaes computacionais mostrando como a evoluo dos seres vivos pode ser entendida em termos de um acoplamento com a evoluo do ambiente fsico-qumico. Muitos desses modelos conciliam Gaia e a teoria sinttica (LENTON; LOVELOCK, 2000, 2001).

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O

envolvimento

de

organismos

nos

H evidncias que mostram o papel de microorganismos no aumento da taxa de desgaste das rochas (LOVELOCK, 2003).

processos de intemperismo contribui para a regulao do clima, atravs do aumento da taxa de desgaste das rochas (LOVELOCK, 2003). Florestas boreais regulam seu clima regional do mesmo modo que o Mundo das Margaridas (LOVELOCK, 2003). A composio qumica da atmosfera

O conhecimento decorrente dessa previso, feita em 1988, atualmente importante para a elaborao de modelos sobre o clima global (LOVELOCK, 2003). Essa previso ainda est em teste, mas apresenta forte tendncia de ser aceita. Essa previso se encontra em teste.

terrestre era dominada no Arqueano pelo metano (LOVELOCK, 2003). A concentrao de oxignio se manteve em 215% durante os ltimos 200 milhes de anos (LOVELOCK; LODGE, 1972).

Para explorar mais a legitimidade social da incluso de Gaia no conhecimento escolar, fizemos uma anlise sistemtica de propostas de seu uso na educao no formal e na educao formal (em diversos nveis de ensino) (GUIMARES, 2007). Realizamos uma busca por todos os artigos que diziam respeito ao uso de Gaia em iniciativas educacionais catalogados em uma das principais bases internacionais de trabalhos acadmicos na rea de educao (Educational Resources Information Center, ERIC, http://www.eric.ed.gov/). Entre os 13 artigos levantados, 5 foram obtidos e analisados: Johnson (1983), Forestell (1993), Baker (1993), McGuire (1993) e Haigh (2001)6. Esses artigos foram analisados luz do modelo KVP, buscando-se destacar as indicaes que forneciam sobre a legitimao social da incluso de Gaia no ensino de cincias. Forestell (1993) discute uma experincia de educao ambiental realizada num contexto de ecoturismo, que utiliza o avistamento de baleias durante passeios para explicar os mecanismos que envolvem seu comportamento e ciclo de vida, as interaes com outros seres vivos e o6

Alguns outros artigos foram obtidos, mas foram eliminados aps sua leitura, por no tratarem de fato do uso de Gaia em situaes educacionais.

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funcionamento do ambiente em que vivem. Em geral, esse passeio a primeira experincia desse tipo para a maioria dos participantes, o que faz com que, numa primeira fase, eles se mostrem apreensivos e faam muitas perguntas sobre a experincia dos guias e as condies de segurana do barco. Isso no impede, contudo, que os guias forneam informaes sobre como reconhecer sinais da presena de baleias e faam uma pequena discusso sobre geografia, geologia e histria natural do ambiente ao redor. Nessa primeira fase, tambm so abordadas prticas que visam proteo do ambiente marinho durante a viagem, como, por exemplo, a separao de objetos de alumnio para reciclagem, o cuidado para que papis ou plsticos no sejam lanados ao mar etc. Numa segunda fase, o autor relata o que chama de desequilbrio dinmico, i.e., a excitao dos participantes com a apario da primeira baleia, que desfaz completamente a apreenso anterior. Nessa fase, muitas perguntas so feitas, especificamente sobre as baleias, e as respostas so dadas sempre com o objetivo de elucidar as interaes dinmicas que tm lugar no ecossistema, descrevendo-se os comportamentos e as interaes dos animais e como o ambiente influencia esses comportamentos. Forestell se refere, ento, geofisiologia, termo cunhado por Lovelock, ao comentar que se busca explicar aos ecoturistas como a geofisiologia do ambiente forma a diversidade e a abundncia de espcies dali (FORESTELL, 1993, p. 273). Na ltima fase, os participantes costumam fazer comparaes entre o que lhes foi ensinado durante o passeio e o conhecimento que possuam antes, oriundo tanto da escola quanto dos meios de comunicao. Em geral, ao perceberem a integrao dos elementos relacionados s baleias, os ecoturistas se manifestam quanto a questes ambientais abrangentes, como a poluio do ambiente marinho, vinculando-as diretamente a aes da humanidade e, inclusive, deles prprios. Muitos ecoturistas terminam por mostrar desejo de cooperar de alguma forma com prticas e movimentos ambientalistas, e os guias lhes apresentam opes para tal engajamento. Na concluso do artigo, Forestell discute a hiptese Gaia, afirmando que ela traz o desafio do reconhecimento de que o equilbrio planetrio resulta da atividade dos indivduos. Alm disso, ele destaca que, no contexto da educao ambiental, Gaia fornece apoio expresso largamente utilizada pense globalmente, aja localmente (idem, p. 278), 92

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contrapondo-se a uma viso mecanicista do funcionamento do planeta e favorecendo a idia de integrao. luz do modelo KVP, pode-se perceber que as concepes do autor, principalmente aquelas relativas conscientizao ambiental, tiveram um papel importante na construo do programa de ecoturismo marinho relatado, que se pauta, decerto, pelos conhecimentos, pelos valores e pelas prticas de seus proponentes e participantes. Esses conhecimentos, valores e prticas esto refletidos em todo o artigo, que relata as informaes transmitidas aos visitantes e as prticas estimuladas durante os passeios, alm do incentivo ao engajamento dos ecoturistas em movimentos e/ou prticas ambientalistas. Baker (1993) discorre sobre sua prpria experincia como professor em um curso universitrio de introduo biologia que utiliza o estudo da hiptese Gaia para ilustrar o desenvolvimento de uma hiptese cientfica e a integrao de diversos aspectos da biologia, alm das relaes desta com outras disciplinas do currculo acadmico. Aps o estudo dos tpicos que considera mais relevantes para o entendimento de Gaia, a teoria propriamente dita apresentada. Inicialmente, fornecida aos estudantes uma srie de trabalhos que descrevem o desenvolvimento do programa de pesquisa Gaia. Em seguida, os estudantes recebem um questionrio para ser respondido7, que s dever ser finalizado aps a exibio do vdeo GAIA: Goddess of the Earth (1986) e a discusso do mesmo com a turma inteira. O vdeo consiste num relato de 50 minutos sobre a hiptese Gaia, em que o prprio Lovelock, seus colaboradores e crticos descrevem o programa de pesquisa e apresentam as controvrsias a seu respeito e a variedade de7

O questionrio usado por Baker consiste das seguintes perguntas: 1. Com suas prprias palavras: a. Enuncie a hiptese inicial. b. Liste a seqncia de revises feitas na hiptese. c. Descreva a verso atual da hiptese Gaia como VOC a entende. 2. Liste duas razes pelas quais a Hiptese Gaia foi () controversa. 3. Qual a diferena entre um organismo e a Terra como um organismo? Considere os argumentos e comentrios feitos por Lovelock e Dawkins no vdeo. Como a controvrsia contribui para a reviso da hiptese? 4. Qual sua definio para geofisiologia, o termo cunhado por Lovelock? 5. Como a descoberta das algas produtoras de enxofre apia a Hiptese Gaia? Liste outros processos que apiam a hiptese. 6. correto dizer que a Terra fsica e a vida coevoluram? H evidncias que apiam isso? D exemplos apropriados. 7. Qual sua impresso de James Lovelock aps a leitura de seu artigo e aps v-lo no vdeo? Comente, na sua viso, a credibilidade dele e de seu desenvolvimento da Hiptese Gaia. Leve em considerao como ele responde s crticas (BAKER, 1993, p.116).

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experimentos usados para testar suas afirmaes sobre o sistema terrestre. Aps o vdeo, realizada a discusso em classe, tendo como ponto de partida as respostas dos estudantes ao questionrio. Ento, eles terminam de redigir suas respostas e produzem um relatrio. McGuire (1993) descreve atividades que realiza numa escola de ensino mdio no estado de New York, nos Estados Unidos, nas quais Gaia relacionada s alteraes sofridas pelo planeta durante os ltimos quatro bilhes de anos. Antes de propor as atividades aos estudantes, ele apresenta um exemplo de grfico cumulativo, que auxilia no desenvolvimento da primeira atividade, na qual os estudantes devem construir, reunidos em pequenos grupos, um grfico que descreva as mudanas sofridas pelas propores dos gases atmosfricos da Terra num perodo que se estende de quatro bilhes de anos atrs at a atualidade. Nesse mesmo grfico, eles devem indicar as ocorrncias de eventos importantes na evoluo do planeta, como o surgimento dos organismos fotossintetizantes e o perodo a partir do qual os fsseis se tornam mais abundantes. Em seguida, toda a turma responde a um questionrio8. Alm das atividades em sala, McGuire sugere que seja obtida uma cpia de um jogo de computador desenvolvido sob a orientao de Lovelock, o SimEarth. Esse jogo foi desenhado para ensinar s pessoas as interaes dos organismos com o sistema planetrio, em um mundo

8

O questionrio de McGuire contm as seguintes questes: 1. Qual a idade aproximada da Terra? 2. H quanto tempo, de acordo com o que sabemos, existe vida na Terra? 3. Quantos milhes existem em um bilho? 4. raro encontrar fsseis que tenham mais de 570 milhes de anos. Qual caracterstica fsica das formas vivas dessa era responsvel pela falta de boas evidncias fsseis? 5. Por que o intemperismo qumico tipo oxidao era incomum h mais de 2 bilhes de anos? (Pista: olhe o grfico.) 6. A partir de seu conhecimento das cincias da vida, qual gs eliminado pelas plantas verdes durante a fotossntese? 7. Qual gs foi depletado por volta do tempo em que o oxignio se tornou abundante? 8. Por que este gs no podia existir com o oxignio na atmosfera? 9. Portanto, o que parece ter sido a maior causa da dramtica mudana na composio da atmosfera terrestre ao longo dos ltimos 4 bilhes de anos? 10. Quais as maiores mudanas atmosfricas que voc imagina serem provveis para o futuro? (Seja especfico.) 11. Como essas mudanas na atmosfera ilustram a teoria Gaia? 12. Tanto Marte quanto Vnus tm atmosferas dominadas por dixido de carbono. Por que a Terra diferente? 13. Alm de fornecer oxignio para a respirao, como a produo do oxignio elementar na atmosfera tambm permitiu o desenvolvimento das formas de vida terrestres? (MCGUIRE, 1993, p. 32).

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simulado, alm de ser, em sua viso, uma diverso que entretm os estudantes e lhes ensina os princpios bsicos de Gaia. No ltimo pargrafo de seu artigo, McGuire se refere a Gaia como uma valiosa metfora, que pode promover, no contexto escolar, o entendimento das interaes da humanidade com os complexos sistemas envolvidos na dinmica planetria. Contudo, ao longo do texto, ele trata Gaia como uma teoria cientfica, embora controversa. Essa justaposio do tratamento de Gaia como uma teoria e como uma metfora sugere uma tenso em relao ao posicionamento desse autor quanto cientificidade do programa de pesquisa, na medida em que a ltima mensagem sobre Gaia que deixa para seus leitores a de que ela apenas uma metfora. Analisando os artigos de Baker (1993) e McGuire (1993) luz do modelo KVP, observamos que o enfoque dos dois trabalhos recai principalmente sobre o conhecimento, entre os trs plos que interagem para produzir uma concepo. Ambos relatam sobretudo prticas conduzidas em sala de aula, havendo pouca referncia a prticas de alcance mais global. Estas so explicitamente referidas somente em um pequeno trecho do trabalho de McGuire (1993), quando o autor comenta que, apesar dos esforos para a conservao de pequenas regies da Terra, a longo prazo, mudanas globais so inevitveis. Segundo ele, precisamos ser capazes de prevenir mudanas traumticas e nos adaptar evoluo de nosso planeta. Esse trecho sugere prticas de valorizao do meio ambiente e de conscientizao da humanidade em relao s mudanas que o planeta vem enfrentando, para que possamos estar mais preparados para as mesmas e compreendamos o papel de nossa espcie nessas alteraes planetrias.9 Essas prticas so acompanhadas, por sua vez, por valores conservacionistas. Em Baker (1993), nenhuma prtica social alm daquelas que tm lugar na sala de aula explicitada. Contudo, consideramos que o fato de esses professores tratarem de Gaia em suas salas de aula indica, por si s, certa concepo acerca dos problemas ambientais e das mudanas de valores e atitudes que eles demandam, relacionadas ao conhecimento sobre9

Idias muito prximas s de McGuire esto presentes em A Vingana de Gaia, livro em que Lovelock (2006b) apresenta sua viso do problema das mudanas climticas, assim como prope solues para a adaptao da civilizao a um mundo mais quente e mais populoso.

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o papel da humanidade no cenrio global e as implicaes de nossas atividades para as alteraes sofridas pelo planeta. Johnson (1983) discute a prtica pedaggica de um professor de biologia de uma escola norte-americana de ensino mdio, Neal Maine, associando seu sucesso na construo, com seus estudantes, de uma viso de um mundo composto de sistemas e ciclos que se relacionam de forma intrincada necessidade de uma nova abordagem da estrutura do conhecimento. Essa nova abordagem deve objetivar, para Johnson, o entendimento de como a humanidade parte ativa nas transformaes sofridas pelo ambiente global, bem como a integrao dos conhecimentos, transcendendo as disciplinas separadas. Para ele, a hiptese Gaia traz tais possibilidades de mudanas para a educao, na medida em que se afasta de certas abordagens da educao ambiental que colocariam para os estudantes uma noo desesperadora de um ambiente cheio de problemas, impondo limites para a humanidade (JOHNSON, 1983, p. 43). Como as idias de Lovelock enfatizam as interconexes da humanidade com o ambiente como um todo, elas poderiam trazer, no entendimento de Johnson, uma viso de mundo mais esperanosa, menos paralisante, e um desafio mais profundo e fascinante para a educao (JOHNSON, 1983, p. 42). As atividades realizadas pelo professor Maine com seus estudantes resultam na produo de um jornal estudantil, o Student Oceanography Newsletter, uma iniciativa dos prprios estudantes. Alm disso, so tambm produzidas mostras de slides sobre temas ambientais. Os estudos que visam a propiciar o entendimento dos ciclos naturais so iniciados pela biologia de uma espcie freqentemente o salmo, por ser um importante recurso na regio onde vivem e, em seguida, passam ao ecossistema como um todo. Johnson discorre, inclusive, sobre como os estudantes acabam por levar essa viso integrada do mundo para outras reas de suas vidas, como as relaes familiares e as atitudes de suas comunidades em relao s metas econmicas, mostrando certo nvel de senso crtico diante do mundo. No artigo de Johnson (1983), temos claramente a expresso dos trs plos que constituem uma concepo, de acordo com o modelo KVP. Alm do conhecimento gerado pelo estudo de Gaia, o autor relata 96

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mudanas nos valores dos estudantes, ao despertarem para a viso de um mundo composto de sistemas e ciclos relacionados de maneira intrincada, incluindo os ambientes humanos. Esses novos valores podem, por sua vez, dar lugar a prticas sociais tambm renovadas. As novas concepes que a interveno pedaggica de Maine parece estimular em seus estudantes, envolvendo valores, prticas e conhecimentos renovados, tm o potencial de interferir de maneira direta na sua formao como cidados10. Haigh (2001) descreve uma experincia no ensino superior na qual os estudantes devem elaborar um jornal sobre Gaia, com o objetivo de construir um entendimento pessoal dessa teoria. Tal atividade busca tambm contribuir para a promoo de um aprendizado subjetivo, da introspeco e da autoconscincia dos estudantes, de modo a torn-los mais reflexivos diante de seus prprios processos de aprendizagem. Quando a proposta de atividade introduzida, o professor enfatiza a importncia de que o jornal seja escrito a partir da explorao subjetiva de cada estudante sobre o desenvolvimento de seu entendimento de Gaia. Nesse primeiro contato, tambm exibido o vdeo GAIA: Goddess of the Earth, j mencionado anteriormente. No decorrer do curso, so10

O artigo de Johnson (1983) sugere caminhos para a legitimao social de Gaia como contedo escolar de cincias, mas, ao mesmo tempo, aponta para polmicas sobre Gaia no contexto do ambientalismo. Johnson se preocupa com uma educao ambiental desesperadora e v em Gaia, uma viso mais esperanosa. Ambientalistas tm criticado Gaia com base na idia de que ela contribui para que no se tenha em vista a necessidade de se tomar medidas srias e urgentes contra a crise ambiental, dado que as idias de Lovelock parecem por vezes atenuar os efeitos das aes humanas, afirmando a capacidade do sistema Gaia de restaurar seu equilbrio, mesmo diante de grandes catstrofes. Essas crticas no tm em conta um argumento comum nos trabalhos recentes de Lovelock, a saber, que a idia de um planeta resistente, que apresenta sistemas cibernticos de regulao, implica tambm que esses sistemas possuem limites de resilincia, que, se forem superados, levaro perda da capacidade de regulao, tendo como resultado um rpido agravamento da crise ambiental. Mais recentemente, novas polmicas resultaram da defesa por Lovelock (2006b) do uso de energia nuclear em maior escala, como um paliativo enquanto buscamos fontes mais viveis de energia, ou de sua proposta de colocao de canos nos oceanos para misturar os nutrientes e favorecer blooms de algas, que levariam, ento, a uma maior fixao de CO2 e a uma maior formao de nuvens, reduzindo o aquecimento global (LOVELOCK; RAPLEY, 2007). Por mais controversas que sejam essas propostas, importante ter clareza de que elas no minam, por si ss, a legitimidade epistemolgica e social de Gaia. Acreditamos, inclusive, que elas podem ser frteis num uso pedaggico da teoria, porque permitem tratar da complexidade das questes ambientais, da diversidade de discursos a seu respeito e das relaes sociais que se estruturam em torno delas.

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trabalhados argumentos cientficos que envolvem bioqumica, biogeografia e teoria dos sistemas dinmicos, no contexto do modelo do mundo das margaridas, com o intuito de mostrar como funcionam os processos globais de auto-regulao do ambiente. Haigh defende que Gaia deve ser ensinada, por ser um programa de pesquisa ousado, transdisciplinar e holstico, alm de ser divertida tanto para ensinar quanto para aprender, segundo os seus prprios alunos. Ele tambm destaca outros motivos para apresentar aos estudantes um contedo em princpio to heterodoxo: primeiro, a educao universitria deve ser uma oportunidade de encontrar e avaliar criticamente novas idias e novos modos de pensar; segundo, o progresso de Gaia visvel ao longo de sua histria, o que permite ilustrar em termos gerais como se do os processos de mudana e desenvolvimento de programas de pesquisa cientfica; terceiro, Gaia traz tona todo um conjunto de questes de pesquisa novas e incomuns. Alm da aprovao dos estudantes, que consideram a atividade bastante apropriada para sua formao, o autor argumenta que seu trabalho mostra como Gaia oferece um ambiente adequado para uma aprendizagem construtivista. Ele tambm argumenta que as idias heterodoxas da teoria desafiam os estudantes a pensar de maneira profunda, crtica e autoconsciente em relao ao modo como entendiam previamente o mundo. Em termos do modelo KVP, as oportunidades de reflexo oferecidas aos estudantes constituem um incentivo para que transformem suas concepes, na medida em que seu conhecimento e, potencialmente, seus valores e suas prticas mudam. A incluso de Gaia no conhecimento escolar, em todos os nveis de ensino, bem como na educao ambiental e em outras situaes de educao no formal, nos parece legtima, em suma, tanto em termos epistemolgicos quanto sociais. 6. Concluses A construo dos currculos escolares aqui entendida nos marcos do modelo KVP como um processo de transposio didtica, no qual um contedo, para ser parte do conhecimento escolar, deve ter legitimidade tanto social quanto epistemolgica. A legitimao social se 98

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explicita numa questo fundamental na construo de todo e qualquer currculo: o que precisam aprender as pessoas a quem pretendemos ensinar? Ou, dito de outra maneira, quem queremos formar? E para qu? Podemos at mesmo dizer que a legitimao social, no processo de construo dos currculos, anterior legitimao epistemolgica. Primeiro, precisamos definir quem queremos formar e para qu; em seguida, o que preciso ensinar para alcanar esse objetivo; e, somente ento, precisamos nos assegurar de que o que pretendemos ensinar epistemologicamente legitimado. Contudo, deve ter ficado evidente ao longo deste trabalho que damos grande valor legitimao epistemolgica, de modo que no consideramos que um contedo incompatvel com o conhecimento de referncia de certa rea deva ser ensinado, mesmo que possa eventualmente gozar de legitimao social. O modelo KVP foi por ns escolhido para tratar do processo de construo do conhecimento escolar porque captura de modo heuristicamente frtil os vrios nveis do processo de transposio didtica e as tenses entre os vrios atores envolvidos no mesmo. Exploramos esse modelo na anlise de artigos que tratam do uso de Gaia em situaes educacionais, visando a dar conta das concepes dos atores envolvidos no processo de transposio de idias sobre Gaia, como o resultado das interaes de trs plos o conhecimento acadmico, os sistemas de valores e as prticas sociais. Essa anlise nos permitiu concluir que h uma via plausvel de legitimao social para a abordagem de Gaia como parte do conhecimento escolar, relativa necessidade de conscientizao ambiental dos estudantes face crise ambiental e conseqente necessidade de uma mudana na compreenso dos fatores envolvidos em tal crise (o plo do conhecimento), dos valores que norteiam a relao de nossa espcie com a natureza (o plo dos valores) e das atitudes que temos frente a uma srie de processos relacionados quela crise (o plo das prticas). Ao discutirmos a questo da cientificidade do programa de pesquisa Gaia, recorremos a uma anlise epistemolgica que fornece evidncias de progresso terico e emprico ao longo da histria do programa, permitindo concluir, luz de uma teoria da cincia especfica desenvolvida por Lakatos , que Gaia um programa de pesquisa cientfica. Isso nos levou, por sua vez, concluso de que h uma via 99

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plausvel de legitimao epistemolgica para a incluso de Gaia no conhecimento escolar, mesmo se tratando de um programa de pesquisa controverso. Sua natureza controversa pode ser inclusive explorada numa tentativa de ensinar aos estudantes a natureza da cincia. Defendemos tambm que o ensino sobre Gaia deve enfatizar a idia central de um sistema de controle adaptativo do ambiente fsicoqumico da Terra, no qual os seres vivos desempenham papel central, em vez de formulaes metafricas ou, no mnimo, controversas, como a de que a Terra ou o sistema Gaia em seu conjunto seria um ser vivo. Propomos, ainda, que Gaia seja explorada como um contexto ou ambiente de aprendizagem interdisciplinar, que possa levar a um entendimento integrado de vrias reas da cincia. Um dos prximos passos de nossa pesquisa consistir na proposio, com base no modelo KVP, de uma seqncia de ensino para o nvel mdio de escolaridade, com o objetivo de estimular os estudantes a conhecer as principais idias do programa de pesquisa Gaia, assim como fomentar a construo de uma nova percepo do mundo ao nosso redor e do papel de nossa espcie nele, visando construo de novos valores e ao incentivo de prticas mais condizentes com a condio ambiental atual. Essa seqncia dever ser testada em situaes de sala de aula, de modo que possamos analisar qual contribuio a teoria Gaia pode trazer para a construo pelos estudantes de uma nova concepo sobre o ambiente e o papel de nossa espcie na dinmica do sistema Gaia.

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Artigo recebido em 14/11/2007 Aprovado em 15/06/2008

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