A Terceirização Na China e Suas Lições Para o Brasil

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A terceirização na China e suas lições para o Brasil por Rosana Pinheiro-Machado publicado 24/04/2015 11h38 A precarização dos contratos em si não é o maior problema, mas sim a perda de segurança legal, financeira e corporal No dia 13 de maio de 2013, Liufu Zong não acordou às sete da manhã para ir trabalhar como fazia diariamente em sua rotina de trabalho na fábrica Jinchuan Electronics Co Ltd, na cidade de Dongguan, na China. Seus colegas de dormitório estranharam o sono estendido e logo perceberam que o menino, de apenas 14 anos, estava morto. Zong parou de estudar aos 12 anos para ajudar seu pai a sustentar uma família de dez pessoas. Aos 13, decidiu migrar para a cidade para tentar melhorar de vida. Em poucos meses de muito trabalho, o menino não resistiu e veio a falecer por causas não reveladas. O diretor de recursos humanos da empresa atribuiu a morte do menino ao seu estilo de vida "Eu ouvi dizer que ele passava o tempo todo na internet até tarde vendo conteúdo impróprio ” – conforme noticiou aXinhua. O pai de Zong, entretanto, alegou que seu filho era saudável e estava fazendo cinco horas extras diariamente, além de trabalhar em um ambiente tóxico. Os representantes do governo chinês pouco discutiram a ilegalidade do excesso de horas extras. Eles disseram que a idade do jovem funcionário se justificava porque a contratação era terceirizada. O diretor da fábrica disse que não tinha como ver que o menino era tão jovem – o que foi confirmado por uma autoridade da polícia local em sua investigação, que alegou que “O menino falsificou seus documentos, a empresa que contratava não tinha como saber sua idade”. No caso em questão, as responsabilidades são vagas. As autoridades locais defenderam o empresário, alegando que ele havia sido enganado e a responsabilidade é transferida para a firma de contratação, que não sofreu lesão alguma. Quem pagou a conta é o jovem menino, que saiu do campo para melhorar de vida, mas que teve sua vida e seus sonhos abortados. Ao chegar à cidade, foi trabalhar em uma fábrica que adota o modelo predominante de contratação na China, marcado pela terceirização dos contratos e pela consequente flexibilização de direitos trabalhistas. Seu destino foi trágico e sua família ficou desamparada – exatamente como outras tantas milhões de pessoas. *** Há mais de uma década, acompanho diariamente casos como o de Zong, que estão longe de ser exceções. São banais, na verdade. São números que ultrapassam com facilidade a casa dos sete dígitos: casos de dedos perdidos em fábricas, mutilações diversas, mortes por intoxicação por pó metálico, pneumonia e incêndios. O não cumprimento de direitos e sequer do salário mínimo são problemas rotineiros. Em um famoso escândalo com um recall de uma marca global de brinquedos que continha elementos nocivos à saudade da criança, a corporação culpou o serviço terceirizado da China, que culpou o seu serviço terceirizado de fornecimento de materiais. O mesmo aconteceu com remédios de uma multinacional farmacêutica que causou a morte de centenas de pessoas pelo mundo. A farmacêutica culpou a firma de terceirização, que culpou a farmacêutica. E assim fica um jogo de empurra-empurra em que todo mundo ganha: o governo, a pequena firma e a grande corporação. Quem perde é o Zong e o João. Um dos maiores problemas acarretados pela terceirização não é precarização dos contratos em si, mas o que isso resulta: a perda de segurança legal, financeira e corporal. Isso ocorre simplesmente porque a responsabilidade sobre a integridade dos

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A terceirizao na China e suas lies para o BrasilporRosana Pinheiro-Machadopublicado24/04/2015 11h38A precarizao dos contratos em si no o maior problema, mas sim a perda de segurana legal, financeira e corporal

No dia 13 de maio de 2013, Liufu Zong no acordou s sete da manh para ir trabalhar como fazia diariamente em sua rotina de trabalho na fbrica Jinchuan Electronics Co Ltd, na cidade de Dongguan, na China. Seus colegas de dormitrio estranharam o sono estendido e logo perceberam que o menino, de apenas 14 anos, estava morto. Zong parou de estudar aos 12 anos para ajudar seu pai a sustentar uma famlia de dez pessoas. Aos 13, decidiu migrar para a cidade para tentar melhorar de vida. Em poucos meses de muito trabalho, o menino no resistiu e veio a falecer por causas no reveladas.O diretor de recursos humanos da empresa atribuiu a morte do menino ao seu estilo de vida "Eu ouvi dizer que ele passava o tempo todo na internet at tarde vendo contedo imprprio conforme noticiou aXinhua. O pai de Zong, entretanto, alegou que seu filho era saudvel e estava fazendo cinco horas extras diariamente, alm de trabalhar em um ambiente txico. Os representantes do governo chins pouco discutiram a ilegalidade do excesso de horas extras. Eles disseram que a idade do jovem funcionrio se justificava porque a contratao era terceirizada. O diretor da fbrica disse que no tinha como ver que o menino era to jovem o que foi confirmado por uma autoridade da polcia local em sua investigao, que alegou que O menino falsificou seus documentos, a empresa que contratava no tinha como saber sua idade.No caso em questo, as responsabilidades so vagas. As autoridades locais defenderam o empresrio, alegando que ele havia sido enganado e a responsabilidade transferida para a firma de contratao, que no sofreu leso alguma. Quem pagou a conta o jovem menino, que saiu do campo para melhorar de vida, mas que teve sua vida e seus sonhos abortados. Ao chegar cidade, foi trabalhar em uma fbrica que adota o modelo predominante de contratao na China, marcado pela terceirizao dos contratos e pela consequente flexibilizao de direitos trabalhistas. Seu destino foi trgico e sua famlia ficou desamparada exatamente como outras tantas milhes de pessoas.***H mais de uma dcada, acompanho diariamente casos como o de Zong, que esto longe de ser excees. So banais, na verdade. So nmeros que ultrapassam com facilidade a casa dos sete dgitos: casos de dedos perdidos em fbricas, mutilaes diversas, mortes por intoxicao por p metlico, pneumonia e incndios. O no cumprimento de direitos e sequer do salrio mnimo so problemas rotineiros.Em um famoso escndalo com um recall de uma marca global de brinquedos que continha elementos nocivos saudade da criana, a corporao culpou o servio terceirizado da China, que culpou o seu servio terceirizado de fornecimento de materiais. O mesmo aconteceu com remdios de uma multinacional farmacutica que causou a morte de centenas de pessoas pelo mundo. A farmacutica culpou a firma de terceirizao, que culpou a farmacutica. E assim fica um jogo de empurra-empurra em que todo mundo ganha: o governo, a pequena firma e a grande corporao. Quem perde o Zong e o Joo.Um dos maiores problemasacarretados pela terceirizao no precarizao dos contratos em si, mas o que isso resulta: a perda de segurana legal, financeira e corporal. Isso ocorre simplesmente porque a responsabilidade sobre a integridade dos funcionrios tornam-se vagas. Grvidas so substitudas por outras mulheres, simples assim. Eu lembro-me muito bem no dia em que perguntei ao empresrio Shang, de uma fbrica de brinquedos no distrito de Pinghu na China, se ele no se incomodava com as crianas que estavam trabalhando para ele em um feriado. Ele me respondeu: Crianas? No, a firma que nos fornece funcionrio respeita a lei chinesa. Eu pensei que eu deveria estar louca vendo jovens vidas, visivelmente exaustas, que no passavam de dez anos.Engana-se quem pensa que o problema da China a falta de leis. O pas passou de um niilismo legal dos tempos maostas a uma revoluo legal nas ltimas dcadas. Hoje, a lei conta com 107 artigos e treze captulos. Diversas outras resolues e esferas do respaldo aos direitos trabalhistas. Desde os anos 1990, implementou-se a Lei da Unio do Comrcio, a Lei do Contrato do Trabalho e a Lei de Mediao das Disputas de Emprego, etc. Trinta mil novas emendas surgiram na legislao chinesa nos ltimos anos. O problema da China, portanto, no a lei fraca. O problema a brecha da lei. E a terceirizao decisiva nesse processo que flexibiliza responsabilidades. exatamente esseo destino que aguarda o Brasil. Discute-se colocar por gua abaixo uma das reas em que o Pas vanguarda e modelo para o mundo: os direitos trabalhistas. Nos ltimos dias, com o debate sobre a terceirizao do trabalho e a recente aprovao da PL 4330 no Congresso Nacional, muitos tm se questionado se Brasil ir se tornar a China. Estou convicta que no. Ser muito pior. evidente que os problemas trabalhistas da China vo alm questo da terceirizao, e se agrava com a imigrao ilegal interna, entre aqueles que se situam fora do sistema do registro domstico nacional (Hukou), entre outras questes. Mas a China, por outro lado, goza de crescimento econmico constante que nunca baixou dos 7%. J a economia brasileira, depois do milagre dos 7% de 2010, tem ficado nos minguados 1% ou 2% a cada ano. A grande diferena entre a China e o Brasil, portanto, que o primeiro vive um crescimento extraordinrio e o Brasil passa por uma crise social e econmica profunda.O Brasil, consequentemente,no vai criar mais empregos com a terceirizao. O que deve acontecer o alvio do bolso do empresariado nacional que, em tempos de crise, pressiona o Congresso para aliviar a carga tributria alta que estrangula o setor. A flexibilizao no deve atrair empresas estrangeiras para o Brasil: o Pas est com a economia frgil, apresenta risco para os investidores e possui diversos outros impedimentos que a China e outros pases asiticos superam com facilidade. Por exemplo, o preo chins, que no se baseia somente na explorao da mo-de-obra, mas tambm no valor de sua moeda, o Yuan RMB.A China explora a classe trabalhadora em tempos de ascenso e abundncia, em tempos de remover milhes de pessoas da misria e da fome do campo.O Brasil sonda terceirizar o trabalho em tempos decadncia e de crise. E a diferena disso enorme e os efeitos sero trgicos: sistemas semiescravos, trabalho intensivo, falta de oportunidades no horizonte, muita exausto e pouco dinheiro no bolso do Joo. Ao contrrio da China, o que est para acontecer no Brasil no gerao de emprego. O nome disso, importante ficar bem claro, arrocho. E quem paga a conta, mais uma vez, so os trabalhadores. O Joo. A Maria. Eu e voc. A Deus dar.(http://www.cartacapital.com.br/economia/201ca-deus-dara201d-a-terceirizacao-na-china-e-suas-licoes-para-o-brasil-1759.html)

A lei da terceirizao boa? Depende se voc patro ou funcionrioEspecialistas afirmam que empresrios economizaro s custas do salrio do trabalhador PT e sindicatos so derrotados em votao sobre terceirizao de serviosA lei da terceirizao boa? A resposta para essa pergunta depende muito da posio no mercado que voc ocupa. Ela ter consequncias diversas para patres e trabalhadores, e atingir de forma diferente o setor pblico e o privado. De acordo com o texto aprovado na Cmara na noite desta quarta, empresas particulares podem terceirizar todas as atividades, tanto as atividades meio (que so aquelas que no so inerentes ao objetivo principal da companhia), quanto as atividades fim, que dizem respeito sua linha de atuao.A advogada trabalhista e professora da PUCSP Fabola Marques afirma que a nova lei da terceirizao s boa para o patro, que vai terceirizar sempre que isso lhe trouxer uma reduo de custos". De acordo com ela, a medida trar economia na folha de pagamento e nos encargos trabalhistas das empresas. Mas uma consequncia direta dessa economia a reduo do valor pago ao empregado terceirizado, que ter sua situao precarizada. Ou seja, se o empresrio gasta menos ao terceirizar, o valor pago companhia contratada que conta com sua prpria hierarquia e tambm busca o lucro ser menor, e o salrio que essa empresa paga a seus funcionrios ser mais baixo do que o recebido antes.Segundo Marques, outra faceta negativa da terceirizao para os trabalhadores o enfraquecimento dos sindicatos, o quetambm afetaria negativamente os salrios. O projeto de lei no garante a filiao dos terceirizados no sindicato da atividade da empresa, o que pode ser prejudicial. Se antes o faxineiro de um banco fazia parte do sindicato dos bancrios, que forte, aps a terceirizao ele integrar a entidade de classe da empresa terceirizada, afirma Marques. Os terceirizados podem passar a ser representados por diferentes categorias, e perdem benefcios conquistados pelo setor, como piso salarial maior e plano de sade, alm de ver seu poder de barganha reduzido. Por sua vez, os sindicatos fortes tambm so prejudicados pela terceirizao, uma vez que iro ver o seu nmero de filiados minguar.O mercado alega que com o modelo atual, as empresas acabam arcando com muitos encargos incluindo eventuais processos trabalhistas, o que gera um receio de contratar e prejudica a criao de postos de trabalho. Com a alterao na lei aprovada, existe um discurso do setor de que, com parte das responsabilidades compartilhadas com uma terceirizada caber a ela arcar com encargos trabalhistas ,haveria um aumento no nmero de vagas no mercado e um incremento no emprego. Esse ponto questionado por centrais sindicais e especialistas, j que nada garante que haver um aumento de contrataes. No existe relao direta entre a lei da terceirizao e a abertura de novas vagas de trabalho, afirma Andr Cremonesi, juiz titular da 5a vara do Trabalho de So Paulo. De acordo com ele, "no dia seguinte sano da lei as empresas comearo a terceirizar sua fora de trabalho". Ele acredita que em um processo gradual, "no da noite para o dia", havero menos trabalhadores contratados diretamente e mais terceirizados, sendo que o percentual de pessoas que podem se ver "nessa situao precria" chega, em teoria, "a quase 100% do total de 100 milhes de pessoas economicamente ativas [incluindo trabalhadores informais, microempresrios e etc]". Segundo ele, atualmente 12 milhes de pessoas so terceirizadas. Ele acredita que, caso a lei seja sancionada, haver uma avalanche de aes trabalhistas, com muita gente questionando a constitucionalidade da terceirizao. O magistrado afirma que como muitas vezes a terceirizada no tem patrimnio, o pagamento das indenizaes ficar a cargo da empresa contratante. Essa lei um retrocesso. Cremonesi afirma que este processo ir reduzir o poder de compra do trabalhador, e pode provocar uma queda no consumo no mdio prazo.(http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/23/politica/1429813406_631060.html)