A Tese Do Custo Amazonico o Novo Desenvo

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    I n t r o d u o

    Os governos petistas construram para si uma iden-tidade complexa, que fala de maneira diferenciadapara diferentes pblicos. H a identidade pragm-tica, que explica o Partido dos Trabalhadores (PT)para as classes mdias; a identidade do partido daincluso social histrica, que explica os seus pro-

    gramas sociais aos seus beneficirios; a identidadedo democrtico e popular, que reafirma os com-promissos histricos do partido e que evoca sua per-sonalidade para as esquerdas militantes; h a dis-creta identidade consentista, que permite o dilogo

    A tese do custo amaznico, o novodesenvolvimento e a poltica culturaldo primeiro governo Dilma

    F b i o F o n s e c a d e C a s t r o *

    M a r i n a R a m o s N e v e s d e C a s t r o * *

    * Doutor em Sociologiapela Universidade deParis V e ps-doutor pelaUniversidade deMontreal. coordenadordo Programa dePs-graduao Comuni-cao, Culturae Amaznia,da Universidade Federal

    do Par.

    ** Mestre em Estudo dasSociedade Latino-Ameri-canas, mestre em Artese doutorandoem Antropologiana Universidade Federaldo Par.

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    com os herdeiros do capital; h tambm uma identidade populista, evi-dentemente negada; e h, at mesmo, uma identidade pseudocrtica,o chamado lulismo. A forma mais erudita dessa identidade de certamaneira, a forma mais cannica, pois a que sustenta uma identidadepara o PT no ncleo mesmo do papel do Estado, a macroeconomia aquilo que tem sido chamado de novo-desenvolvimentismo.

    Neste artigo procuramos compreender como essa identidade pol-tica, que tambm um projeto e se faz presente na pragmtica doMinistrio da Cultura (MinC) do governo Dilma Rousseff (2011-2014),ecoou, no estado do Par, nesse perodo. Concentramo-nos sobre umdebate especfico, surgido no campo cultural do Par ao longo do 2

    governo Lula e continuado ao longo do 1 governo Dilma: a questodo custo Amaznia, ou custo amaznico. Percebemos, no perodoDilma, a ocorrncia de uma objetivao, na verdade, de uma simplifi-cao, do debate sobre o custo amaznico no campo cultural de Belme procuramos refletir sobre a maneira como essa simplificao acom-panha o debate sobre o novo-desenvolvimentismo. Nossa hiptese de que essa simplificao se produziu na passagem de uma certamaneira de pensar o novo-desenvolvimentismo por meio da noo

    de economia da cultura , caracterstica do governo Lula, para umaoutra maneira de pens-lo, j marcante no governo Dilma, que a deeconomia criativa.

    O caso paraense nos parece interessante pelo fato de que, nesseestado, o primeiro governo Dilma foi coetneo do governo Simo

    Jatene, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e sua pol-tica cultural foi coetnea de uma poltica cultural estadual que lhe erarigorosamente antagnica. Nesse mandato, comandou a Secretaria de

    Estado da Cultura, pela quarta vez, o arquiteto Paulo Chaves Fernandes,que seguiu empreendendo uma poltica cultural conservadora e elitista(CASTRO et al., 2013), marca do governo do PSDB paraense, admiradapelas classes mdias da capital do estado, mas bastante criticada pelamaioria dos produtores culturais paraenses, independentemente de

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    suas escolhas partidrias e polticas. Acreditamos que a crnica falta deapoio produo cultural que marca, no Par, a gesto do PSDB impeuma articulao estrutural, dos produtores culturais, com as polticasculturais nacionais e se dizemos que essa articulao estrutural, nosreferimos a uma questo imperativa, a do financiamento da produopara a prpria sobrevivncia de inmeras atividades culturais.

    Procuramos compreender, por meio deste artigo, portanto, comoo iderio do novo-desenvolvimentismo ecoou no debate pblicoparaense e como a sua forma enquanto economia criativa exigiu, aocampo cultural paraense, o abandono de uma perspectiva qualitativada ideia de custo amaznico e sua substituio por uma perspectiva

    meramente quantitativa.Iniciamos o artigo procurando esclarecer a ideia de novo desenvol-

    vimento e perceber como ela se constitui enquanto identidade polticado PT e de seus governos. Procuramos perceber, em seguida, as con-tradies entre as maneiras como os governos Lula e Dilma tradu-ziram, em poltica cultural, o projeto do novo-desenvolvimentismo.Depois disso, procuramos colocar em pauta o debate sobre o conceitode custo amaznico, historiando-o e, ao mesmo tempo, indicando

    de que maneira ele se adapta, na cena cultural paraense coetnea aogoverno Dilma, noo de economia criativa. Por fim, refletimos sobreas consequncias da compreenso do novo-desenvolvimentismo comoeconomia criativa sobre o debate a respeito do custo amaznico e daspolticas culturais, em geral.

    O p r o j e t o d o n o v o - d e s e n v o l v i m e n t i s m o n o s

    g o v e r n o s d o P T

    O novo-desenvolvimentismo pode ser descrito como uma viso demundo e, assim, como um projeto poltico-econmico. Num planomais amplo, tambm como uma identidade poltica. Em funo disso,pode-se perceber um processo intersubjetivo envolvendo ministrios e

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    rgos pblicos, bem como atores polticos da cena petista: um dilogotangente, intersubjetivo, que pontualmente se manifesta nos docu-mentos e polticas pblicas, nos discursos, nas declaraes e nas aesdesses mltiplos agentes. Cada um deles, no seu campo de atuao epor meio de sua gramtica prpria, de alguma forma ventriloquiza aideia de novo-desenvolvimentismo.

    Na poltica cultural isso tambm se faz presente. Tanto nas ges-tes Gilberto Gil e Juca Ferreira, nos governos Lula, como nas gestesAna de Hollanda e Marta Suplicy, no governo Dilma, se percebe umprocesso de dilogo intersubjetivo com a noo novo-desenvolvimen-tismo. Nos governos Lula esse dilogo toma uma forma que foi canoni-

    zada por meio da noo de economia da cultura. No primeiro governoDilma, a forma tomada se centraliza nas noes de economia criativae de indstrias criativas. H um grande distanciamento entre as duasrespostas dadas, pela poltica cultural, ao debate sobre o novo-desen-volvimentismo. Efetivamente, h tambm uma profunda ruptura, poispode-se observar, no governo Dilma, um movimento poltico de obli-terao de todo o debate realizado, pelo governo anterior, sobre o temada economia da cultura.

    Nossa compreenso de que as polticas culturais do governoDilma, ao romperem com a experincia dos governos Lula, se dis-tanciaram, tambm, do projeto novo desenvolvimentista que vinhasendo elaborado no setor cultural. Em nossa percepo, apesar de todoo esforo discursivo empreendido para afastar a ideia de economiacriativa de suas origens neoliberais, e de aproxim-la dos pressupostosdo novo-desenvolvimentismo, o que se tem , simplesmente, um pro-cesso de ruptura ideolgica.

    Mas retornemos noo de novo-desenvolvimentismo para melhorpoder compreender esse conflito. O termo se tornou conhecido a partirdas reflexes de Bresser-Pereira (2003; 2006), que o apresenta como umterceiro discurso, situado entre o discurso populista e o discurso neo-liberal. (BRESSER-PEREIR A, 2006, p. 12) Uma via de planejamento

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    do desenvolvimento que se distancia do antigo modelo nacionalista e daantiga proposio de sustentar o projeto por meio do endividamento doEstado, ambas caractersticas do discurso populista, mas que tambmrepudia o modelo anti-Estado prprio do discurso neoliberal.

    Essas formulaes esto presentes nas elaboraes discursivas e nasestratgias de gesto da administrao direta e indireta do GovernoFederal petista. Com efeito, toda a complexa identidade do partidodemanda no apenas uma comunicao poltica capaz de dissemin-lae legitim-la, mas, tambm, a adoo de procedimentos pragmticosque traduzam, em cada rea de ao do governo, o que, nas suas pecu-liaridades, seria ele.

    A noo foi inaugurada por Bresser-Pereira em acrscimos quintaedio de Desenvolvimento e Crise no Brasil, a partir de dilogos seuscom Nakano. (Cf. Bresser-Pereira, 2006) No ano seguinte, esse mesmoautor publicou um artigo, com esse nome, no jornal Folha de So Paulo.Tambm em 2004 surgiu o livro Novo-desenvolvimentismo: UmProjeto Nacional de Crescimento com Eqidade Social, organizado porSics; de Paula e Michel (2004). Os trabalhos multiplicaram-se e o pro-

    jeto, correlato em grande parte estratgia econmica do PT, acabou

    sendo apropriado por este partido como uma espcie de identidadeeconmica no oficial.

    Oreiro afirma que o termo indica uma estratgia de crescimento pormeio da qual os pases em desenvolvimento mdio buscam alcanar onvel de renda per capita de pases desenvolvidos atravs

    [...] da adoo de um regime de crescimento do tipo export-led, no qual a promoo

    da exportao de produtos manufaturados induz a acelerao do ritmo de acumu-

    lao do capital e de introduo de progresso tecnolgico na economia. (OREIRO,2012, p. 29)

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    E ele tambm assinala que

    [...] a implementao dessa estratgia requer a adoo de uma poltica cambial ativa

    que mantenha a taxa real de cmbio num nvel competitivo nos mdio e longo

    prazos, combinada com uma poltica fiscal responsvel, que elimine o dficit

    pblico, ao mesmo tempo que permite o aumento sustentvel do investimento

    pblico. (OREIRO, 2012, p. 29)

    Por oposio ao velho, ou ao nacional-desenvolvimentismo, onovo-desenvolvimentismo caracterizado por seu no protecionismo;pela superao do antigo pessimismo exportador, por meio de uma

    estratgia de exportao de produtos primrios ou manufaturados dealto valor adicionado; pela rejeio da noo de crescimento susten-tado pelo dficit pblico, pensamento de que a dvida pblica deve serpequena, numa proporo do PIB, e de que as contas pblicas devemestar equilibradas para garantir a solidez do Estado.

    Bresser-Pereira observa que, tal como o antigo desenvolvimentismo,o projeto atual no uma teoria econmica e baseia-se, principalmente,na macroeconomia keynesiana e na teoria econmica do desenvolvi-

    mento, e que, assim, seria mais apropriado compreend-lo como uma[...] estratgia nacional de desenvolvimento. (BRESSER-PEREIRA,2006, p. 12) Historiando a transformao da velha estratgia na con-tempornea, esse autor coloca que o nacional-desenvolvimentismo foio principal modelo econmico dos pases latino-americanos entre osanos 1930 e 1970. Nesse perodo, esses pases, aproveitando-se do pro-cesso de enfraquecimento do centro e de seu prprio crescimento emtaxas elevadas, formularam estratgias nacionais de desenvolvimento

    pautadas pela proteo da indstria nacional e pela promoo da pou-pana forada atravs do Estado. (BRESSER-PEREIRA, 2006)

    O debate se constitui, efetivamente, como uma avaliao das estra-tgias econmicas e polticas do PT no governo federal. O prpriogoverno, por meio de seus quadros tcnicos e de seus police-makers,

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    participa do debate. O programa de governo de Lula, em 2002, Umoutro Brasil possvel, um ponto de partida que abre um eixo quese concluir com a avaliao coletiva de governo exposta em Brasilentre o passado e o futuro, de 2010. Brasil, a construo retomada, deAlosio Mercadante, publicado em 2010, , no entanto, o ponto maiorde referncia para o debate. Nele, o ministro-chefe da Casa Civil (desdefevereiro de 2014) e, anteriormente, da Educao (2012-2014) e daCincia e Tecnologia (2011-2012) cristaliza o termo novo-desenvol-vimentismo, conferindo identidade poltica ao caminho adotado peloPT. Ao mesmo tempo, procurando uma eliso com a obra de CelsoFurtado, Brasil, a construo interrompida, que, em 1992, apontou

    a interrupo da construo da nao brasileira pela onda neoliberal.A obra de Mercadante reivindica uma filiao simblica ao grande eco-nomista e pensador brasileiro, o que demonstra a importncia do novo--desenvolvimentismo como identidade poltica.

    Quando samos do debate puramente econmico sobre o novo--desenvolvimentismo, percebemos que entorno dele tambm se agregaum compromisso com a incluso social. A manuteno da estabili-dade macroeconmica, no projeto, no diz respeito, simplesmente, a

    um movimento de adoo de um regime cambial competitivo para asempresas nacionais, ou oferta de financiamento a custo baixo para oinvestimento em capital fixo e para o capital de giro das empresas, mastambm a um processo de elevao em mdio prazo do salrio mnimoe da renda do trabalhador, com o que se cria um patamar social erro-neamente interpretado como uma nova classe mdia que amplia aprpria ideia de nao. Por outro lado, o compromisso do projeto com apromoo da poupana interna e da inovao se mostra bem diferente

    da meta neoliberal de obteno de poupana externa, e no se resumenum mero esforo de aumento da poupana do setor pblico por inter-mdio da conteno do ritmo de crescimento dos gastos de consumoe de custeio, mas, tambm, num aumento dos gastos em educao

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    primria e secundria, juntamente com aumento de gastos na formaotcnica da fora de trabalho para a indstria e para o setor de servios.

    Pensar em poltica cultural a partir dos referenciais do novo--desenvolvimentismo significa, fundamentalmente, criar estrat-gias de incluso social por meio da cultura. O ingresso no mercado e aampliao do consumo no fazem sentido se no estiverem inseridasnum processo de empoderamento e de participao social.

    O n o v o - d e s e n v o l v i m e n t i s m o n a s p o l t i c a s

    c u l t u r a i s d o P T

    Nos dois governos Lula o tema do novo-desenvolvimentismo estevepresente, na poltica cultural federal, por meio da noo de economiada cultura. As gestes Gilberto Gil e Juca Ferreira frente do MinC pro-duziram uma srie de iniciativas no campo que assim se convencionouchamar. Dentre elas, as seguintes merecem destaque:

    A produo sistemtica de indicadores culturais por meio de pesquisas econ-

    micas e sociogrficas aplicadas que resultaram no estabelecimento do Sis-

    tema Nacional de Informaes e Indicadores Culturais (SNIIC); 1

    A criao de fundos de financiamento da cultura no Banco Nacional de Desen-

    volvimento Econmico e Social (BNDES), notadamente do Programa BNDES

    para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (BNDES Procult), 2do Fundo

    Setorial do Audiovisual (FSA)3e da ao de apoio, por meio desse mesmo fundo,

    abertura de cinemas em cidade brasileiras desprovidas ou pouco providas de

    salas de exibio;4

    A disputa poltica pela incluso de empresas ligadas cultura no programa de

    iseno fiscal conhecido como SIMPLES, que resultou no Simples Cultura, pormeio do qual a taxao de pequenas empresas do setor cultural diminuiu de

    17,5% para 6%, no caso de empresas com faturamento de at R$ 120 mil, e para

    8,21% no caso das que faturam entre esse patamar e o de R$ 240 mil, incenti-

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    vando para que saiam da informalidade, beneficiando, assim, mais de 300 mil

    empresas;5

    A elaborao e encaminhamento poltico, para a aprovao pelo Congresso

    Nacional, de novos marcos regulatrios para os direitos autorais;

    A construo poltica, com ampla participao social, e a aprovao pelo Con-

    gresso Nacional do Plano Nacional de Cultura (PNC);6

    A elaborao e encaminhamento poltico, para a aprovao pelo Congresso

    Nacional, do programa Vale Cultura;7

    A poltica de apoio aos Pontos de Cultura, instrumento posteriormente institu-

    cionalizado por meio do programa Cultura Viva. De acordo com Silva e Arajo

    (2010), Pontos de Cultura so unidades institucionais para onde convergem

    processos relacionados com a vivncia da cultura. (2010, p. 63) Entre 2005 e

    2010 o MinC fomentou a criao de 3.662 Pontos de Cultura. 8

    Deve-se tambm referir a Proposta de Emenda Constituio 150(PEC-150), que constitui um projeto de alto impacto sobre toda a pol-tica cultural, e sobre a economia da cultura em particular, pelo fatode ampliar consideravelmente a massa de investimentos na cultura.A PEC-150 reserva 2% do oramento federal para a cultura e determina

    investimentos dos estados e municpios no setor.9Pode-se estimar esseimpacto quando se percebe que, atualmente, com 0,6% do oramentofederal aplicado no setor, a cultura responde por 7% do PIB e emprega5% da mo de obra formal do pas. Na verdade, o impacto dessas inicia-tivas sobre a economia da cultura bastante significativo. Por exemplo,estima-se que o Vale Cultura eleve o consumo no setor cultural emcerca de R$ 7,2 bilhes por ano.

    Em todas essas polticas se percebe uma preocupao econmica

    estruturante, centrada na possibilidade de que as polticas culturaisproduzam uma ampliao do consumo associada e inserida num pro-cesso de empoderamento e de participao social. Na avaliao deCalabre (2009), o governo Lula se empenhou em produzir uma pro-posta dinmica e democrtica de pensar as polticas culturais. Ao nosso

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    ver, essa disposio atesta a procura por tornar presente, no modelode ao do MinC, o debate partidrio e governamental a respeito donovo-desenvolvimentismo.

    O primeiro governo Dilma, por sua vez, produziu uma estratgiaeconmica, em suas polticas culturais, de natureza bastante diferente.Cremos poder dizer que, em sntese, se o MinC do governo Dilmatambm dialogou com o novo-desenvolvimentismo e se estabeleceumecanismos visando ampliao do consumo cultural, ele, ao con-trrio do governo Lula, no associou a esse processo uma dinmicaefetiva de empoderamento social.

    A trajetria da poltica cultural do governo Dilma iniciou com a

    nomeao, para muitos, inesperada, da cantora Ana Maria Buarque deHollanda para a pasta da Cultura. A expectativa geral, tanto nas seto-riais de cultura do PT como nos campos da sociedade relacionados produo cultural, era a de uma continuidade da poltica desenvolvidana gesto Gil/Ferreira durante os dois mandatos de Lula. 10Porm, logonas primeiras semanas a nova gesto deu sinais de independncia emrelao ao perodo anterior, notadamente no que se refere ao abandonodas polticas de reformulao do marco regulatrio dos direitos auto-

    rais e de valorizao da cultura digital. Produziu-se um longo conflitoentre a ministra, apoiada pela indstria fonogrfica e por artistas commaior arrecadao de direitos autorais, por um lado e, por outro, pelosnumerosos defensores da poltica dos governos Lula para a cultura,majoritrios no debate. Imobilizada, desprovida de uma agenda pol-tica clara, sem objetividade de gesto ou grandes marcas e projetos, anica novidade concreta apresentada por sua gesto se deu em meadosdo seu segundo ano de mandato: a criao da Secretaria da Economia

    Criativa (SEC), com a consequente implementao de uma polticacorrelata, a qual se tornou visvel por meio do Plano da Secretaria daEconomia Criativa 2011-2014 (PSEC).11

    Seguiram-se diversas iniciativas visando ao desenvolvimento daspolticas ali propostas. Na mesma data em que foi criada a SEC, o MinC

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    tambm criou o Observatrio Brasileiro da Economia Criativa (Obec),12que se pretendia como instrumento de produo e difuso de informa-es quantitativas e qualitativas sobre a economia criativa brasileira.(MINC, 2011) Tambm nessa data divulgou a abertura de uma linha definanciamento no valor de R$ 12,4 milhes para estudos e pesquisassobre economia criativa. Desse total, R$ 7 milhes foram destinados implantao de observatrios estaduais e outros R$ 5,4 milhes foramrepassados a fundaes estaduais de amparo a pesquisas para o financia-mento de bolsas de mestrado e doutorado em economia criativa.

    O fomento economia criativa logo se tornou a principal poltica e aprincipal estratgia de visibilidade do MinC. A substituio de Ana de

    Hollanda na chefia do ministrio pela ex-prefeita de So Paulo MartaSuplicy, em setembro de 2012, no representou uma mudana signi-ficativa no curso tomado pela poltica cultural do governo Dilma. Aocontrrio, a SEC continuou sendo o principal ponto de visibilidade doMinC e seu brao mais atuante.

    Quadro poltico experiente, Marta Suplicy distanciou o Ministriodo embate pblico, mas no operou, efetivamente, nenhuma grandetransformao na proposta de atuao do MinC. Nesse contexto, per-

    cebendo uma dinmica de continuidade, podemos considerar o PSECcomo o principal documento poltico produzido pelo Ministrio nogoverno Dilma e, por extenso, a ideia de economia criativa como oprincipal mote poltico, usado pelo governo Dilma, para estabelecernexos entre suas polticas culturais e o novo-desenvolvimentismo.

    Tais nexos estiveram alertas para a inicial contradio entre inds-trias criativas e novo-desenvolvimentismo. evidente a afinidade danoo de economia criativa a um projeto neoliberal dissimulado, e a

    SEC, bem como todo o MinC, sempre se esforaram por repudiar essaafinidade, afirmando que a sua compreenso sobre as indstrias cria-tivas procurava evitar um modelo economicista.

    Tanto o PSEC como outros textos documentos e discursos de minis-tros de Cultura, secretrios executivos e gestores do MinC procuraram

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    definir a maneira como usavam o termo economia criativa de maneiracrtica em relao ao uso original pelo novo trabalhismo britnico. Naverdade, no apenas procuraram marcar essa posio como tambm seesforaram por desacreditar o debate sobre a economia da cultura rea-lizado pelo MinC nos governos Lula e, ainda, por associar sua viso deeconomia criativa com os fundamentos da macro estratgia econmicados governos petistas.

    A respeito desse esforo, De Marchi observa que h uma clara preo-cupao do MinC em submeter a economia criativa s demandassociais por incluso e igualdade, o que o PSEC explicita por meiode seus princpios norteadores: sustentabilidade, inovao, incluso

    social e diversidade cultural. (DE MA RCHI, 2013, p. 45)O Plano da Secretaria da Economia Criativa 2011-2014 (PSEC)

    (MINC, 2011), documento referencial para a questo, procura assinalara distncia entre a noo de economia criativa assumida pelo MinC ea do modelo trabalhista britnico. Na compreenso de De Marchi, omodelo de economia criativa adotado pelo MinC procurou se alinhar

    [...] aos princpios adotados pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT)

    desde sua chegada ao poder, ou seja, a defesa de um desenvolvimento socialmente

    includente, ecologicamente sustentvel e economicamente sustentado, tendo o

    Estado como um agente crtico no fomento e na regulao das atividades criativas.

    Essa proposta abre todo um novo campo de discusses sobre o tema. (DE MARCHI,

    2013, p. 38)

    O PSEC se prope como uma articulao entre quatro pilares diversidade cultural, sustentabilidade, inovao e incluso social e

    se atribui cinco compromissos: reunir informao sobre a economiacriativa no Brasil; articular e estimular o crescimento de empresas cria-tivas; estimular a competncia criativa por meio da educao; ampliara infraestrutura para a criao, produo, distribuio, circulao e

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    consumo de bens culturais criativos; e criar ou adaptar marcos legaispara a economia criativa.

    Do ponto de vista do novo-desenvolvimentismo, o PSEC pareceimpecvel enquanto modelo terico. Porm, embora todos essesprincpios estejam presentes e ativos na execuo oramentria doMinistrio impossvel no deixar de perceber dois silncios elo-quentes: o completo silncio do MinC de Dilma em relao ao debateanteriormente em curso sobre a economia da cultura e a ausncia deuma definio clara do que a gesto compreende por economia criativa.

    Com efeito, se o Ministrio no deixa de se afirmar comprometidocom os grandes princpios de incluso social do novo-desenvolvimen-

    tismo, no fica claro, em nenhum documento ou ao, de que maneira,exatamente, diversidade cultural, sustentabilidade e incluso socialso valores presentes na produo de escolhas dos projetos no campoda economia criativa fomentados pelo MinC. O grande barulho sobre aeconomia criativa parece ter o sentido de silenciar o debate sobre a eco-nomia da cultura. Tem-se impresso de um conflito de posies, ou deum marco de aparncias.

    O principal instrumento de ao da SEC, na realizao dessas metas,

    o programa Brasil Criativo, efetivamente uma interseo de programase aes de apoio ao empreendedorismo e formao e treinamento depessoas nos setores criativos. Outro instrumento tem sido o programaCultura Viva, reformulado de maneira a expandir a base de sujeitossociais e empreendimentos que possam ser apoiados pelo MinC.13

    Em termos de continuidades e rupturas, percebe-se que o debatesobre a economia criativa, tal como realizado pelo MinC de Dilma,no constituiria, necessariamente, uma ruptura em relao ao debate

    sobre a economia da cultura empreendido pelo MinC de Lula. Ao con-trrio, seria um acrscimo, uma continuidade, pois se percebe, nele,os mesmos princpios de incluso social e econmica por meio daatividade cultural e que representam o iderio do novo-desenvolvi-mentismo. Porm, a maneira como esse debate foi realizado, sempre

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    pautado pelo silncio em relao s gestes anteriores e por um redu-cionismo da questo da economia da cultura aos termos de uma sim-ples economia criativa, indicam um processo de ruptura.

    Diante dessa ambivalncia se faz importante indagar sobre o realsentido que a noo de economia criativa teve para o governo Dilma.Como dizem Lopes e Santos, no campo cultural as disputas semn-ticas so tambm uma forma de se fazer poltica. (2011: 2) Teria, talcomo se anuncia, uma viso crtica em relao ao modelo neoliberaldas indstrias criativas, ou seria, efetivamente, um sucedneo dessesmodelos amparado por uma retrica de mudana? Em que medidaretrica e pragmtica, neste caso, se encontram?

    A questo que colocamos a seguinte: possvel haver um desen-volvimento equilibrado e efetivo dos setores culturais, com aumentodo consumo cultural, se no houver, em simultneo, uma poltica deempoderamento social? Em outras palavras: pode-se falar em desen-volvimento sem incluso?

    Pelo que colocamos acima, podemos perceber um deslocamentoconceitual na ideia novo-desenvolvimentismo, no campo das polticasculturais, que ocorreu na passagem da dominncia da noo de eco-

    nomia da cultura para a de economia criativa.

    O c u s t o a m a z n i c o : u m a m u t a o c o n c e i t u a l

    A noo de custo amaznico na cultura foi debatida durante aII Conferncia Nacional de Cultura, realizada em maro de 2010. Com

    base no art . 3, inciso III , da Constituio Federal, por meio do qual seestabelece o compromisso da Unio com a reduo das desigualdades

    sociais e regionais, os rgos gestores da cultura foram instados aassegurarem uma dotao especfica para os estados e municpios daAmaznia legal por meio de seus projetos culturais, editais e leis deincentivo, em especial pelo Fundo Nacional de Cultura.

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    Os fatores de desigualdade evocados para justificar o custo amaz-nico foram a carncia de infraestrutura e a fragilidade logstica exis-tente na regio; as condies de acessibilidade e a dependncia do trans-porte fluvial; as dificuldades de fazer circular as matrias-primas e os

    bens industrializados; a onerao constante dos preos de servios eprodutos em funo da variao socioeconmica interna da regio; aslimitaes de durabilidade sujeitas ao clima quente, mido e chuvosoprprios da floresta equatorial; e as limitaes de capital social, emespecial no que tange formao em nvel superior, que enfrentamdificuldades histricas referentes carncia de recursos em cincia etecnologia e oferta de vagas no ensino de graduao.

    O debate fora trazido Conferncia, realizada em Braslia entre11 e 14 de maro de 2010, pelos delegados do Par, onde se formara,conceitualmente, entre os anos de 2008 e 2010. Rapidamente a ideiaaglutinou os demais estados da regio, tambm recebendo apoio gerale constituindo-se, afinal, como uma das estratgias prioritrias daConferncia. O custo amaznico est presente no Eixo 3 do documentofinal, intitulado Cultura e desenvolvimento sustentvel, que assimse inscreve:

    Realizar mapeamento, registros e documentao das manifestaes e expresses

    das culturas tradicionais e populares e gerar documentos e dados sobre as caracters-

    ticas da economia nessas tradies culturais, identificando suas vantagens competi-

    tivas, sua unicidade, seus processos e dinmicas, as redes de valor e o valor agregado

    potencialmente da intangibilidade de seus produtos ou manifestaes e, em especial,

    incluindo nos editais e processos de financiamento pblico das culturas tradicionais

    e populares da regio amaznica o Custo Amaznia mediante o reconhecimento das

    especificidades e singularidades geogrficas, sociais, ambientais e culturais dos pro-jetos e iniciativas culturais oriundos dos estados da regio. (MINC, 2010)

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    Esses termos, ainda generalistas, no permitem uma compreensoobjetiva do que seria o custo amaznico na cultura, razo pela qual odebate prosseguiu nos fruns culturais.

    No obstante, a colocao do conceito do documento final daConferncia teve efeito imediato nas polticas culturais. O custo amaz-nico foi reconhecido, primeiramente, pelo sistema privado: o ProgramaRumos, do Ita Cultural, lanou em 2011 trs editais nas reas das artesvisuais, da educao, cultura e arte e do jornalismo cultural, com incen-tivo financeiro extra para os projetos propostos pela regio amaznica.Em 14 anos de existncia, o programa havia selecionado apenas oito pro-

    jetos do Amazonas e 26 do Par, em um total de 990 projetos de todo o

    pas. A expectativa era aumentar em pelo menos 30% esses nmeros nosanos seguintes.

    J pelas polticas culturais federais, o custo amaznico foi, pela pri-meira vez, considerado no ano de 2012, atravs das polticas do livro e daleitura, que, nesse ano, concederam um incentivo de 30% nos financia-mentos de projetos e aes do setor empreendidas na Amaznia Legalpor meio do Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL), como a implan-tao de bibliotecas, telecentros e pontos de leitura. Cabe observar que

    a iniciativa no coube ao Ministrio da Cultura, mas sim ao Ministrioda Educao, atravs de suas aes de fomento Fundao BibliotecaNacional. Esse pioneirismo repercutiu grandemente na regio, sobre-tudo no estado do Par, espao de efervescncia poltica da proposta.

    O tema voltou a ser discutido na III Conferncia Estadual de Culturado estado do Par, realizada entre 11 e 12 de setembro de 2013, em Belm.O campo cultural dessa cidade, polo cultural privilegiado para a con-ceituao do custo amaznico, havia feito diversas ponderaes sobre a

    matria, entre a II Conferncia Nacional e a III Conferncia Estadual, oque permitiu que nesse frum pudessem ser propostos, com mais obje-tividade, alguns mecanismos de definio do custo amaznico.

    Porm, o debate da III Conferncia Estadual de Cultura, no Par, pau-tado pela perspectiva ento dominante da economia criativa, tendeu a

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    estabelecer um parmetro de objetividade para o custo amaznicocentrado em marcadores meramente quantitativos, em geral, a adionumrica, direta ou percentual, ou, quando possvel, a mera iseno ou

    bonificao de taxas. Procurando encaminhar o debate na direo deum consenso, por exemplo, procurou-se fixar um nmero mgico 30% em tudo o que dissesse respeito ao custo amaznico: 30% a maisde editais, de bonificaes, de investimentos, etc. A expectativa desseconsenso se gerava no contexto de uma grande oposio dos produtoresculturais paraenses, em funo da inanio qual se viam condenadospela ausncia de fomento cultura, Secretaria Estadual da matria ea uma percepo geral de que, para aceder ao financiamento federal,

    era necessrio se adaptar s novas regras e nova viso de mundo, cen-tradas na ideia de economia criativa.

    Quando comparamos os debates havidos por ocasio da II ConfernciaEstadual de Cultura com os havidos na III Conferncia percebemos essatendncia em objetivar o custo amaznico em termos quantitativos.O debate anterior, que partia justamente de uma reflexo qualitativa,foi esquecido ou, ao menos em parte, sublimado por um novo debate,em torno da noo de custo perifrico que, por sua vez, ao que perce-

    bemos, tambm iniciou um percurso de objetivao, procura de quan-titativos numricos, descolando-se do seu sentido inicial para se tornaralgo como custo da periferia.

    Nos debates da II Conferncia Estadual de Cultura, levados peladelegao paraense para a II Conferncia Nacional de Cultura, o custoamaznico possua, na sua dimenso qualitativa, esse elemento refle-xivo chamado custo perifrico: era a Amaznia, enquanto espaoregional, que era conceituada enquanto periferia, e no a periferia das

    grandes cidades, exatamente... Havia, nesse momento, um esforogrande em considerar o custo amaznico do ponto de vista de umareparao histrica, e no meramente conjuntural.

    O que se observa, ento, no debate pblico, um certo abandono deelementos discursivos que visavam a diminuir a dimenso subjetiva e,

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    consequentemente, os aspectos qualitativos do debate e se concentrarsobre a sua dimenso objetiva e sobre seus aspectos quantitativos.

    Perguntamos, ento: qual a relao entre essa mudana de pauta,esse abandono do debate qualitativo, e o deslocamento havido, na cenanacional, com a substituio do debate sobre a economia da culturapelo debate sobre a economia criativa?

    possvel seguir algumas pistas e perceber que os mecanismos depoder acionados pela poltica cultural nacional impactam diretamentesobre as escolhas e as prticas discursivas havidas nas regies. O debatesobre a economia criativa havia sido grandemente pautado no primeirosemestre de 2012, em Belm, notadamente aps a viagem realizada pela

    ento ministra da Cultura cidade, em abril, por ocasio dos festejos do141o aniversrio da Biblioteca Pblica Arthur Vianna, e de sua ida ao muni-cpio de Afu, no Maraj, para a inaugurao da sua biblioteca pblica,evento que marcou o fim do dficit de bibliotecas pblicas no estado.

    Os fruns e espaos culturais da cidade, e mesmo de todo o estadodo Par, se envolveram com bastante determinao na nova conjunturae procuraram introduzir a perspectiva de que o valor determinante dacultura consistia no apelo criativo da produo. Ou seja, num evento

    perceptvel enquanto criatividade.Houve uma adaptao normatividade discursiva vigente. Os agentes

    do campo cultural local se adaptaram nova agenda da poltica culturale, tacitamente, produziram frmulas de objetivao, procurando, talcomo na perspectiva da economia criativa, destacar os aspectos merca-dolgicos do fazer artstico e cultural. O debate recai, necessariamente,sobre a questo do fomento, mas, pautado pela perspectiva da economiacriativa, o problema do fomento produo cultural de ordem finals-

    tica e no estrutural, como o caso quando ele pautado pela perspec-tiva da economia da cultura.

    Um dos principais problemas do modelo da economia criativa que,reduzindo a noo de apoio cultura ao conceito de fomento, ela, a des-peito dos esforos movidos contra isso por meio da luta pela aprovao

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    do programa ProCultura, retoma a tendncia de basear o apoio culturaem polticas de incentivo fiscal.

    A poltica brasileira de fomento cultura est centrada no abatimentode algum imposto (imposto de renda, ICMS, ISS), em limites estabe-lecidos pela legislao. O governo pr-seleciona projetos que podemreceber o apoio e, em seguida, empresas ou indivduos selecionamos projetos que desejam apoiar. Estima-se que 90% dos recursos defomento cultura provenham de incentivos dessa natureza. O modelo,estabelecido pela Lei 8.313 de 1991, a chamada Lei Rouanet, de fato atraiuinvestimentos para o setor, mas reeditou desigualdades regionais e desi-gualdades entre campos, formas e prticas de produo cultural. A pers-

    pectiva funcionalista e utilitarista do modelo evidente, pois com ele ogoverno transfere, para o setor privado, a deciso sobre o apoio cultura.

    O resultado, em termos de desigualdade regional, tambm evidente:enquanto cerca de 80% dos recursos se concentram nos estados de SoPaulo e do Rio de Janeiro e, mesmo assim, em regies e setores de ativi-dade cultural diferenciados desses estados , apenas 0,5% dos recursos,em mdia, se destinam Amaznia, onde ainda so onerados pelo custoamaznico. Os seja, os recursos tendem a se concentrar nas regies de

    maior consumo cultural ou publicizado pela atividade cultural. contra os aspectos polticos produzidos por essa situao que a

    ideia de custo amaznico, na sua formulao original, procurava seenunciar. E percebendo essa transformao no debate sobre o custoamaznico que construmos nossa indagao: possvel qualificara noo de custo amaznico com vista a incluir nela a perspectiva daincluso social e do empoderamento social ou, ao contrrio, se trata deum valor meramente quantitativo que se concretiza plenamente pela

    adio numrica, direta ou percentual, s polticas culturais destinadase realizadas no espao amaznico?

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    D a s i n d s t r i a s c r i a t i v a s e c o n o m i a c r i a t i v a

    Economia criativa uma expresso sucednea de indstrias cria-tivas, termo que se consolida com o novo trabalhismo britniconos governos Tony Blair (1997-2007) e Gordon Brown (2007-2010).O conceito comeou a ser usado pelo Departamento de Cultura, Mdiae Esportes (DCMS) do Reino Unido, no final dos anos 1990, parasugerir que as atividades culturais possuem um vasto potencial degerao de empregos e riqueza e que sua caracterstica mais funda-mental sua dinmica criativa.

    Na prtica, tratava-se de propor uma renovao da noo de inds-trias culturais, positivando-a em seus aspectos enquanto potencial

    de gerao de emprego, renda e promoo da identidade e do vnculosocial. Procurava-se compreender a dimenso econmica estruturantedas cadeias criativas, associando nelas tanto produtores individuais eempresas cuja ao demandava processos criativos como tambm asempresas que se relacionavam com elas.

    Trazendo para o centro do conceito a noo de criatividade e daretirando a de cultura, fazia-se possvel incluir setores de produo nodiretamente associados ao fazer artstico-cultural como a arquitetura,

    o design, a indstria desoftwares, a moda, a publicidade, as telecomuni-caes, etc. , e, ao mesmo tempo, superar o impasse restritivo e negati-vizado daquilo que, antes, era compreendido como indstrias culturais.

    O conceito se desenvolveu, produzindo reflexes que, de um lado,estimulavam sua adoo e aplicao, tanto nas polticas culturais comoem outras polticas pblicas, e, de outro lado, o criticavam.

    Dentre as primeiras reflexes, destacam-se as de John Howkins(2001), que procurou agregar ao conceito uma viso empresarial e mer-

    cadolgica e, dessa maneira, associar s indstrias criativas noescomo propriedade intelectual, direitos autorais, marcas e patentes.Tambm nesse campo pode-se citar o trabalho de Richard Florida(2001) sobre os profissionais das indstrias criativas.

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    Em 2008, a Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcioe Desenvolvimento (UNCTAD, 2008) publicou o primeiro estudode abrangncia internacional sobre o tema, calculando que as trocascomerciais internacionais produzidas pelas indstrias criativas eramda ordem de cerca de U$ 500 bilhes anuais. Rapidamente a noo deindstrias criativas passou a engendrar planos e estratgias de desen-volvimento. Os trabalhos analticos dessas experincias foram muitos,desde estudos sobre os creative industry clusters(Cf.KUROKAWA,2013) aos estudos sobre concorrncia e competitividade nos empreen-dimentos culturais (Cf.GHARAGOZLO, 2013), passando por trabalhossobre ambiente e cooperao cultural. (Cf.PORUMB; IVANOVA, 2013)

    Ao seu turno, as crticas noo de indstrias criativas so muitas.Garnham (2005) cunhou a expresso economicista para designar aspolticas culturais centradas na noo de economia criativa. Pesquisadorno campo das polticas culturais e um dos principais articuladores depolticas culturais do Partido Trabalhista ingls, foi, tambm, o pri-meiro grande crtico do novo trabalhismo e de sua proposta correlatade economia criativa.

    Bustamante (2011), por sua vez, observa como a ideia de economia

    criativa dissimula intenses neoliberais ou funciona como pretextopara a ativao de polticas neoliberais.

    Ainda que esses autores sejam de opinio de que as polticas cul-turais voltadas para a economia criativa no precisam ser dirigidas,exclusivamente, pela via da neoliberalizao, pensam ser esse o caso damaioria das polticas culturais que mencionam a palavra-chave eco-nomia criativa. (BUSTAMANTE, 2011; GARNHAM, 2005)

    Percebendo como a adoo desse conceito pelo MinC produziu

    efeitos polticos e discursivos de toda ordem, compreendemos seuimpacto sobre o debate paraense a respeito do custo amaznico comouma estratgia de sobrevivncia de agentes culturais num cenrio javiltado pela escassez de polticas culturais e de aes de fomento.

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    H uma diferena fundamental entre o modelo da economia criativae o modelo do novo-desenvolvimentismo: enquanto aquela parte deuma perspectiva econmica ponderada pelas noes de livre-funciona-mento do mercado e de ao microeconmica, este, na sua ntida feiokeynesiana, est assentado na certeza de que o ciclo econmico no autorregulado, cabendo ao Estado um papel de estmulo e de plane-

    jador do longo prazo.Os agentes do campo cultural paraense, ao posicionarem sua luta

    pelo custo amaznico nos termos de uma economia criativa, ao seadaptarem a essa nova normatividade discursiva que lhes era impostapela agenda do Governo Federal, acabaram por produzir frmulas de

    objetivao e por destacar os aspectos mercadolgicos do fazer artsticoe cultural. Nesse processo, custo amaznico acabou por se tornar umfim em si mesmo, um mero quantitativo, no qualificado enquantoestratgia estruturante, em mdio e longo prazo, de correo da desi-gualdade amaznica.

    Se o custo amaznico passou a ser visto como uma ao meramentemicroeconmica, associada a aes de fomento redutveis a porcenta-gens, nmeros e valores e desvinculada de um processo de empodera-

    mento social e de autorregularo porque, a fundo, foi aviltada por umaideologia reducionista que, na poltica cultural do 1 governo Dilma, setornou dominante e pretendeu, sem ter condies efetivas para tanto,constituir-se como parte do projeto do novo-desenvolvimentismo.

    Pensamos que no possvel qualificar a noo de custo amaznicosem incluir nela a perspectiva da incluso social e do empoderamentosocial. Para longe de nmeros mgicos, s nos parece possvel advogara causa do custo amaznico quando ele no pensado como regulao

    de desequilbrios de mercados criativos ou como frmulas compensa-trias ocasionais, capazes de gerar demandas que sero naturalmentereguladas pelo mercado. O sentido da tese do custo amaznico no estem bonificaes do fomento, mas sim na implementao de polticasculturais estruturantes, como a organizao de mecanismos sociais

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    empoderados, a criao de arranjos produtivos no setor e a uma pol-tica de fomento que seja consequente com a diversidade interna daAmaznia e tenha um compromisso com uma matriz de sustentabili-dade econmica.

    N o t a s1 Institudo, juntamente com o Plano Nacional de Cultura, pela Lei n 12.343, de 2. 12. 2010.

    2 O BNDES Procult financia projetos de investimentos e planos de negcio nos setores doaudiovisual, editorial, da msica, dos jogos eletrnicos e das artes visuais e performticas.

    3 O FSA constitui uma categoria de programao especfica do Fundo Nacional da Cultura (FNC),vinculado ao MinC. Criado pela Lei n 11.437, de 28.12.2006, e regulamentado peloDecreto n6.299, de 12.12.2007.

    4 preciso dizer que o BNDES j atuava no campo cultural desde 1995 notadamente no apoio produo cinematogrfica, por meio da Seleo Pblica de Projetos Cinematogrficosparaapoiar a produo defilmescom recursos passveis de incentivos fiscais previstos na Lei doAudiovisual (Lei 8.685/93). O banco tambm apoia, com recursos no reembolsveis, pro-jetos de revitalizao do patrimnio histrico, arquitetnico e arqueolgico brasileiro, e pro-jetos de preser vao e segurana de acervos museolgicos, arquivsticos e bibliogrf icos.

    5 O Simples da Cultura une quatro impostos federais, um estadual e um municipal. Foi criadopela Lei Complementar 133 , de 28.12. 2009, que reduziu a carga tributria das micro e pequenasempresas (MPEs) do setor cultural e incluiu novas atividades no Simples Nacional, tambm

    conhecido por Supersimples. Vlida a partir de janeiro de 2010, a nova lei permitiu a adeso aoSimples dos servios deproduo cinematogrfica, audiovisual, artstica e cultural, sua exi-bio ou apresentao, inclusive no caso de msica, literatura, artes cnicas e artes visuais.

    6 Institudo, juntamente com o Sistema Nacional de Informaes e Indicadores Culturais(SNIIC), pela Lei n 12.343, de 2.12.2010. O PNC regulamenta o 3 do art. 215 da ConstituioFederal, e tem durao de 10 anos.

    7 O Vale Cultura um benefcio vinculado ao Programa de Cultura do Trabalhador. um bene-fciode R$ 50 pago aos trabalhadores que ganhem at cinco salrios mnimos. oferecido naforma de carto magntico e cumulativo, podendo ser usado pelo beneficirio, necessaria-mente ocupante de emprego formal, para si ou para sua famlia, quando desejar, para acessoa museus, teatros, cinemas ou compra de livros, DVDs e CDs.

    8 O Projeto de Lei

    Cultura Viva (757/2011), da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foi apro-vado pelo Congresso em 1 de julho de 2014 e sancionado pela presidenta no dia 23 dessemesmo ms.

    9 A PEC-150, apresentada pelo deputado Paulo Rocha (PT-PA), tramita no Congresso Nacionaldesde 2003. Ela determina a aplicao de 2% da arrecadao tributria da Unio no setor cul-tural. Atualmente, o percentual repassado pela Unio ao setor de 0,6%. Em termos atuais, a

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    aprovao da PEC-150 representa o aumento de R$ 1,3 bilho para R$ 5,3 bilhes no oramentodo setor cultural do Governo Federal. O texto da proposta tambm estipula que 25% dessesrecursos sero destinados aos estados e ao Distrito Federal, e 25% aos municpios. Ela tambmestipula que os estados destinem 1,5% e os municpios 1%, de seu oramento, cultura.

    10 Nota sobre perodos e continuidade entre as gestes.11 Criada pelo Decreto n 7.743, de 1.12 .2012, a SECtem como misso conduzir a formulao, a

    implementao e o monitoramento de polticas pblicas para o desenvolvimento local eregional, priorizando o apoio e o fomento aos profissionais e aos micro e pequenos empreen-dimentos criativos brasileiros.

    12 O Observatrio Brasileiro da Economia Criativa foi institudopela Secretaria da EconomiaCriativa do Ministrio da Cultura,atravs da Portaria n 01, de 08.02.12.

    13 Em 31.12 .2013 foi publicada no Dirio Oficial da Unio (DOU) a Portaria do Ministrio daCultura (MinC) de n 118, reformulando oPrograma Cultura Viva.No governo Lula, esse pro-grama era um dos principais mecanismos de apoio aos Pontos de Cultura. A principal modi-

    ficao diz respeito sua rea de abrangncia: grupos e coletivos sem personalidade jurdica,que desenvolvam atividades culturais em suas comunidades passaram a poder ser reconhe-cidos como Pontos de Cultura. Essa iniciativa permitiu ampliar a quantidade e a diversidadede beneficirios do programa. A medida beneficia grupos culturais que no possuem CNPJ,como comunidades quilombolas, indgenas e grupos de cultura popular e tradicional. Poroutro lado, tambm facilita o investimento em aes transversais, que articulem agentes cul-turais em redes.

    R e f e r n c i a s

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