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  • A TICA NO LIVRO DE AMS: O PROFETA DOS

    POBRES, FRACOS E OPRIMIDOS

    por Julio Cezar Lazzari Junior1

    Resumo: Injustia social no tem poca. Parece onipresente e atemporal. Ao ler o livro de Ams, temos a sensao dele ter sido escrito em nossa gerao. Este documento que faz parte das Escrituras dos judeus e dos cristos, um grito de protesto contra a injustia, opresso e indiferena. Ams foi um homem corajoso. Denunciou os abusos sociais dos homens poderosos de sua poca. No se intimidou com os perigos de se levantar contra reis e sacerdotes. Protestou contra a diferena polar na distribuio de riqueza. Censurou a hipocrisia e a prtica religiosa destituda de amor, misericrdia e justia. Assim, seus vaticnios so usados por profetas, poetas e socialistas de todos os tempos, mesmo pelos que nunca conheceram seus escritos, mas que repetem suas idias essenciais. Palavras-chave: Ams; injustia; direitos; pobres. Abstract: Social injustice havent time. It seems timeless and omnipresent. Reading the Book of Amos, we feel it has been written in our generation. This document is part of the Scriptures of Jews and Christians is a cry of protest against injustice, oppression and indifference. Amos was a brave man. He denounced the abuse of social powerful men of his time. Do not if intimidated with the dangers to get up against kings and priests. Protested against the polar difference in distribution wealth. Criticized the hypocrisy and religious practice devoid of love, mercy and justice. Thus, his predictions are used by prophets, poets and socialists of all times, even by those who never knew his writings, but repeated their key ideas. Keywords: Amos; injustice; rights; poor.

    1 Bacharel em Teologia, tecnlogo em Comunicao em Marketing, ps-graduado em Marketing

    Internacional (Uninove), ps-graduado em Cincias da Religio (PUC) e mestrando em Filosofia (USJT).

    E-mail: [email protected].

    mailto:[email protected]

  • A tica no livro de Ams: o profeta dos pobres, fracos e oprimidos

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    Introduo: fundo histrico da poca de Ams

    Ams foi um profeta que viveu na poca dos reis Uzias e

    Jeroboo II (cf. Am 1:1), do sul e do norte de Israel, respectivamente.

    Morava numa cidade chamada Tecoa, a qual ficava a dez quilmetros

    ao sul de Belm da Judia. Foi contemporneo dos profetas Osias e

    Isaas, segundo nos informam os livros dos prprios profetas nos

    primeiros versculos (cf. Os 1:1; Is 1:1; Am 1:1); tendo exercido o seu

    ministrio proftico entre os anos 786 e 746 a.C., de acordo com

    Champlin (cf. Champlin, 2001, p. 3505).2 No estudou em escola de

    profetas, no teve treinamento teolgico, mas era um homem do

    campo, simples, sendo chamado de boiadeiro, pastor e criador de

    sicmoros, uma rvore da famlia da figueira (cf. Hoover, 2008, p.79).

    O profeta Ams direcionou as suas profecias tanto para o reino

    do norte, cuja capital era Samaria (cf. Am 4:1), como para o reino do

    sul, cuja capital era Jud (cf. Am 2:4), bem como, tambm, para outras

    naes (cf. Am 1:3 2:3). Para situar o leitor no pano de fundo

    histrico que a Bblia fornece sobre a diviso de Israel em dois reinos,

    norte e sul, cito o trecho de um artigo de minha autoria, que explica

    sumariamente a situao:

    O reino unificado de Israel teve fim quando o rei Salomo faleceu e as tribos do norte foram at Roboo, o novo rei, pedir alvio na carga tributria. Roboo, seguindo o conselho impetuoso dos jovens que cresceram com ele, com palavras duras deu a entender que no s manteria os altos impostos, como os

    2 A Bblia de Jerusalm (BJ) afirma que Ams pregou no perodo de 783 a 743 a.C. (p. 1246).

  • Espiritualidade Libertria, So Paulo, n. 3, 1. sem. 2011, pp. 91-111.

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    aumentaria, provocando grande revolta entre a populao, liderada por Jeroboo, que veio a se tornar o rei das tribos nortistas. A partir da houve separao entre as tribos do norte e do sul, na poltica e na religio e, algum tempo depois, Samaria se tornou a capital do reino do norte, enquanto Jerusalm a capital do reino do sul (1 Rs 12). (Lazzari Junior, 2011, p. 31)

    Assim, o leitor pode ler a referncia bblica citada e conferir a

    informao fornecida pela Bblia Hebraica. Apesar da diviso poltica e

    religiosa provocada no antigo reino unificado, segundo a Bblia, e do

    dio e das guerras que tudo isso gerou3, a mensagem de Ams se

    dirige aos dois reinos, sem distino, como se ambos,

    independentemente de suas brigas, fossem responsveis diante de

    Deus pela forma como agiam. Ou seja, um povo poderia pensar mal

    do outro e Jud poderia ver Israel como apstata por ter abandonado

    o local oficial do culto divino, mas Ams trata ambos como

    responsveis por suas aes perante o prximo, como povos a quem

    Deus tem seus olhos atentos para suas obras.

    Ams exerceu o seu ministrio numa poca de prosperidade,

    mas de profundas inverses de valores e de princpios ticos.

    Segundo o texto bblico, Jeroboo II reinou em Samaria, norte de

    Israel, por 41 anos (cf. 2 Rs 14:23). Em sua poca, o territrio de Israel

    foi expandido (cf. 2 Rs 14:25,28). Do lado do sul, Uzias fez um grande

    reinado, ficando no poder por 55 anos4 (cf. 2 Cr 26:3). Uzias

    3 Para conferir uma das guerras entre os reinos do norte e do sul, ver 2 Cr 16.

    4 Segundo a Almeida revista e corrigida (ARC). E 52 anos, segundo a Bblia de Jerusalm (BJ) e outras

    tradues.

  • A tica no livro de Ams: o profeta dos pobres, fracos e oprimidos

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    conquistou alguns territrios filisteus e rabes (cf. 2 Cr 26:6,7) e sua

    fama chegou at ao Egito (cf. 2 Cr 26:8). Ele tambm construiu torres

    na capital do sul, Jerusalm, cavou poos, fortificou o seu exrcito (cf.

    2 Cr 26:9-11) e at era um engenheiro da guerra, inventando armas

    para derrotar os seus inimigos (cf. 2 Cr 26:14,15).

    As referncias citadas nos do um claro cenrio histrico em

    que Ams se situava. A Bblia de Jerusalm (2008) tem um comentrio

    sobre Am 1:1, que cita um terremoto:

    Esse terremoto , talvez, atestado pelas escavaes arqueolgicas de Hasor, na Galilia superior; deve ser situado nos meados do sculo VIII a.C. De acordo com Zc 14,5 (LXX), em conseqncia desse sismo, os vales foram obstrudos. (ibidem, p. 1612)

    Assim, se a data fornecida pelo comentrio da Bblia de

    Jerusalm est de acordo com a arqueologia para o terremoto citado

    no texto bblico, ento a data do terremoto seria a mesma em que o

    profeta Ams viveu, no sculo VIII a.C., como informamos no incio.

    A Bblia ainda nos fornece um cenrio onde havia muita

    prosperidade econmica, o territrio de Israel havia se alargado, a

    agricultura recebeu cuidados especiais (cf. 2 Cr 26:10), torres para

    sentinelas foram construdas e armas de guerra existiam em

    abundncia, o que dava bastante segurana para os israelitas.

    Embora na anlise espiritual Jeroboo II tenha sido reprovado (cf. 2 Rs

    14:24), no sentido poltico-econmico ele foi timo. Uzias, apesar da

    sua soberba ao final da vida, alargou os territrios israelitas e trouxe

  • Espiritualidade Libertria, So Paulo, n. 3, 1. sem. 2011, pp. 91-111.

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    prosperidade para o seu povo. A fama de Israel tinha se espalhado

    para outros pases. As promessas do pacto mosaico estavam se

    cumprindo e tudo parecia correr muito bem.

    Entretanto, a prosperidade, a fama e a segurana so coisas

    boas que buscamos, mas muitas vezes so seguidas de indiferena

    para com os pobres, soberba, egosmo e desejo de acumular mais e

    mais, custe o que custar. Isso no quer dizer que todos os ricos,

    famosos e prsperos tenham tais adjetivos negativos, mas sabemos

    que h uma tendncia muito grande do rico explorar o pobre e ignorar

    os direitos dos mais fracos. Os direitos conquistados pelos pobres e

    minorias foram adquiridos com muita luta, dificuldade, suor, lgrimas e

    sangue. neste cenrio de indiferena, explorao, desigualdade,

    injustia e falta de amor que o profeta Ams levanta a sua voz e

    convida os homens a se voltarem para Deus, que justo e no aceita

    que os direitos do prximo sejam violados.

    A tica de Ams no o permite ver atos de crueldade contra o

    prximo

    Vejamos o que diz o profeta sobre o enunciado do ttulo deste

    captulo:

    Assim diz o Senhor: Por trs transgresses de Gaza, e por quatro, no retirarei o castigo, porque levaram em cativeiro todos os cativos para os entregarem a Edom. (Am 1:6 ARC)

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    Os habitantes de Gaza tinham no trfico de pessoas uma

    prtica comercial comum. Segundo Champlin, eles

    capturavam comunidades inteiras especificamente com o propsito de fazer lucro mediante o comrcio de escravos. Os cativos eram vendidos em leiles nos mercados de escravos em Edom. Dali, eram conduzidos a outras pores do mundo. (Champlin, 2001, p. 3510)

    Homens eram separados de suas esposas e filhos eram vendidos para

    outros povos. Edom, nao que descendeu de Esa, irmo de Jac,

    cooperava com este comrcio anti-humano. O trfico de pessoas era

    punido na Lei de Moiss com a pena de morte. Os homens de Gaza,

    conhecidos na Bblia como filisteus, aproveitavam-se das guerras que

    venciam, levavam homens como despojos a Edom, que os repassava

    para outras naes. Os srios, especialmente a capital Damasco,

    tambm coope