A TOMADA DE CONSCIÊNCIA E O GRUPO FOCAL NA...

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA A TOMADA DE CONSCIÊNCIA E O GRUPO FOCAL NA TRANSFORMAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO ENVELHECIMENTO: UMA PESQUISA DE INTERVENÇÃO FILOMENA GUTERRES COSTA ORIENTADORA: Profª Dra. MARIA HELENA FÁVERO Brasília – DF, dezembro de 2006.

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

A TOMADA DE CONSCINCIA E O GRUPO FOCAL NA

TRANSFORMAO DAS REPRESENTAES SOCIAIS DO

ENVELHECIMENTO: UMA PESQUISA DE INTERVENO

FILOMENA GUTERRES COSTA

ORIENTADORA: Prof Dra. MARIA HELENA FVERO

Braslia DF, dezembro de 2006.

UNIVERSIDADE DE BRASLIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

A TOMADA DE CONSCINCIA E O GRUPO FOCAL NA

TRANSFORMAO DAS REPRESENTAES SOCIAIS DO

ENVELHECIMENTO: UMA PESQUISA DE INTERVENO

FILOMENA GUTERRES COSTA

.

ORIENTADORA: Prof Dra. MARIA HELENA FVERO

Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Braslia, como requisito parcial obteno do ttulo de Doutora em Psicologia.

UNIVERSIDADE DE BRASLIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

TESE DE DOUTORADO APROVADA PELA SEGUINTE BANCA

EXAMINADORA:

___________________________________________________________

PROFa. Dra. MARIA HELENA FVERO PRESIDENTE

INSTITUTO DE PSICOLOGIA UNIVERSIDADE DE BRASLIA

__________________________________________________________ PROF. Dr. PEDRO HUMBERTO DE FARIA CAMPOS MEMBRO

UNIVERSIDADE CATLICA DE GOIS UCG

__________________________________________________________

PROFa. Dra. VERA LCIA DECNOP COELHO MEMBRO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA UNIVERSIDADE DE BRASLIA

__________________________________________________________ PROFa. Dra. CLAISY MARIA MARINHO DE ARAJO MEMBRO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA UNIVERSIDADE DE BRASLIA

__________________________________________________________

PROFa. Dra. MARIA TEREZINHA F. N. DE MELLO MEMBRO

DEPARTAMENTO DE HISTRIA UNIVERSIDADE DE BRASLIA

__________________________________________________________

PROF. Dr. GERSON AMRICO JANCZURA - SUPLENTE

INSTITUTO DE PSICOLOGIA UNIVERSIDADE DE BRASLIA

i

AGRADECIMENTOS

Ao pensar na construo de uma tese de doutorado me vem mente a colaborao

de um grande nmero de pessoas que nem sempre esto conscientes da sua importante e

significativa participao seja de forma direta ou indireta, mas que com certeza

contriburam para que eu chegasse at aqui.

No poderia iniciar os meus agradecimentos seno por Aquele que o grande

sustentador da minha vida, o meu cuidador, meu Pai amoroso e fiel que me conduziu nessa

caminhada, no permitindo que me sentisse solitria. Assim, dedico a Deus minha eterna

gratido por tudo que sou e por tudo que eu vier a ser, pois estou bem certa que nem a

morte e nem a vida poder me separar do amor de Deus que est em Cristo Jesus.

Gostaria tambm de deixar registrado o meu enorme carinho e admirao pela

Profa. Maria Helena Fvero a quem tenho uma dvida impagvel por ela ter tido a

coragem e, sem dvida nenhuma, a competncia de assumir o desafio de me conduzir nessa

empreitada nada fcil. S ns sabemos a dimenso desse desafio, bem como a gratificao

diante das conquistas e do aprendizado que com certeza foi muito alm do conhecimento

acadmico.

A minha preciosa famlia que com seu apoio, incentivo, compreenso, cuidado e

amor contriburam de forma singular para a realizao desse sonho. Sou grata a Deus e

extremamente feliz por ter me dado vocs para estarem comigo nessa caminha da vida.

Aos meus amigos do grupo focal. Quo prazeroso foi estar com vocs e quo grata

sou pela disposio de colaborarem com essa conquista que, sem dvida tambm de

ii

vocs. A nossa caminhada apenas comeou, pois temos um longo trabalho pela frente e

espero continuar a contar com vocs.

Aos meus amados amigos por sua tolerncia e compreenso diante da minha

ausncia muitas vezes em ocasies to importantes. Obrigada por vocs no terem se

esquecido de mim ao serem um suporte importante nessa conquista.

Meus agradecimentos a Instituio de Idosos e a O.V.G. que abriram suas portas

para a realizao dessa pesquisa e que tem cooperado, j h alguns anos, com meus estudos

ao permitirem a minha presena dentro da instituio.

A todos de perto e de longe que nem sabem o quanto me foram importantes. A eles

meus sinceros agradecimentos.

Termino fazendo minhas as palavras do escritor, poeta...Vincius de Moraes: Eu

poderia suportar, embora no sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas

enlouqueceria se morressem todos os meus amigos. E ainda, A gente no faz amigos,

reconhece-os.

iii

Desde ento comecei a medir a vida no pelos anos, mas pelas dcadas. A dos cinqenta havia sido decisiva porque tomei conscincia de que quase todo mundo era mais moo que eu. A dos sessenta foi a mais intensa pela suspeita de que j no me sobrava tempo para me enganar. A dos setenta foi temvel por uma certa possibilidade de que fosse a ltima. Ainda assim, quando despertei vivo na primeira manh de meus noventa anos na cama feliz de Delgadina, me atravessou a idia complacente de que a vida no fosse algo que transcorre como um rio revolto de Herclito, mas uma ocasio nica de dar a volta na grelha e continuar assando-se do outro lado por noventa anos a mais. (Gabriel Garca Mrquez em Memria de minhas putas tristes)

iv

O GRUPO FOCAL E A TOMADA DE CONSCINCIA NA TRANSFORMAO DAS REPRESENTAES SOCIAIS DO ENVELHECIMENTO: UMA PROPOSTA

DE INTERVENO.

RESUMO

Existe um consenso nos estudos das representaes sociais da velhice: declnio, doenas e perdas (fsicas, familiares e da capacidade de trabalho), de um lado e, de outro, a valorizao da experincia do idoso e das questes scio-polticas a ele relacionadas. Na Psicologia do envelhecimento, 3 aspectos so salientados: o declnio do suporte familiar ao idoso, a experincia e valores relacionados ao envelhecer e a defesa de trabalhos sobre a capacitao dos cuidadores, majoritariamente centrados no aspecto fsico do envelhecimento. Assumimos o desafio proposto por Fvero (2005) de criar uma situao que engendrasse uma transformao das representaes sociais da velhice nos cuidadores de uma instituio para idosos. Terico-metodolgicamente, trs aportes foram essenciais: o grupo focal, os atos da fala e a tomada de conscincia no sentido desenvolvimental piagetiniano. Tomamos, como sugere esta autora, o sujeito humano na sua identidade nica e particular sem apart-lo do coletivo, considerando sua capacidade de reorganizao interna. Participaram do estudo, 7 sujeitos entre 32 e 52 anos, 6 mulheres e 1 homem, funcionrios de uma instituio para idosos independentes, que foram convidados a participar de um grupo focado no envelhecimento e no sujeito idoso, visando: a identificao das representaes sociais, as premissas do paradigma que lhe d suporte; a tomada de conscincia a respeito de tais representaes e premissas, as implicaes destas para a prtica pessoal e/ou profissional e as possibilidades de sua re-elaborao. Catorze sesses de grupo foram desenvolvidas e registradas em udio. Suas transcries foram submetidas anlise dos atos da fala. Os resultados apontaram dois focos - o envelhecimento visto como experincia negativa e a nfase nas perdas fsicas, intelectuais e sociais sustentados por um paradigma calcado na relao aspecto fsico, beleza e afetividade, indicando uma articulao entre as representaes sociais do envelhecimento e aquelas de gnero. A tomada de conscincia dos sujeitos levou, num primeiro momento, justificativa desses focos e num segundo, a reformulao do dito paradigma, ou seja, a mudana de determinados aspectos das representaes sociais do envelhecimento. Os resultados das anlises dos atos da fala apontaram mudanas das representaes sociais nos seguintes aspectos: o reconhecimento das diferenas entre a velhice feminina e masculina, com nfase nas questes de gnero; as perdas fsicas responsveis pela ausncia da beleza, da juventude e da felicidade; a importncia da atividade produtiva tanto para os homens como para as mulheres que moram na instituio favorecendo a qualidade de vida. Conclui-se que o mtodo adotado pertinente para as mudanas das representaes sociais em pesquisas de interveno, desenvolvidas em pequenos grupos. Palavras-chave: representaes sociais; envelhecimento; grupo focal; atos da fala; tomada de conscincia.

v

FOCUS GROUPS AND THE GRASP OF CONSCIOUSNESS IN THE TRANSFORMATION OF SOCIAL REPRESENTATIONS OF AGEING: A

PROPOSAL FOR INTERVENTION

ABSTRACT There is a consensus in studies of the social representation of ageing: on the one hand, decline, disease and loss (of physical ability, family and ability to work), and on the other, respect for the experience of older people and of related socio-political issues. In the psychology of ageing, three aspects are highlighted: declining family support for older people, experience and values related to ageing and the defence of studies regarding the training of carers, mainly focussed on the physical aspect of ageing. We took up the challenge proposed by Fvero (2005), of creating a situation that would lead to the transformation of the social representations of ageing among the carers at an institution for older people. Three theoretical and methodological bases were essential: the focus group, speech acts and the grasp of consciousness in the developmental sense used by Piaget. As suggested by Fvero, we took the human subject in terms of an identity that is unique and personal, but not separated from the collective, taking into account the capacity for internal reorganisation. Seven subjects took part in the study: six women and one man, aged between 32 and 52 years, employees of an institution for independent older people, who were invited to participate in a focus group about ageing and the older subject. The aims were to identify the social representations and the premises of the paradigm that supports them, and to become aware of such representations and premises, their implications for personal and/or professional practice and the possibilities for their re-elaboration. Fourteen group sessions were held, recorded on audio, and the transcriptions analysed in terms of speech acts. The results suggested two foci ageing seen as a negative experience, and an emphasis on physical, intellectual and social losses both based on a paradigm related to physical appearance, beauty and affect, suggesting a connection between the social representations of ageing and gender. The grasp of consciousness led, in the first moment, to the justification of these foci and, in the second, to a reformulation of the paradigm: a change in certain aspects of the social representations of ageing. The results of the speech act analysis suggested changes to the social representations in the following aspects: the recognition of differences between male and female ageing, with emphasis on gender issues; the physical losses responsible for the absence of beauty, youth and happiness; the importance of productive activity for both men and women living in the institution in terms of life quality improvement. We conclude that the method adopted is appropriate for changing the social representations of ageing through intervention in small group studies. Keywords: social representations, ageing, focus group, speech acts, grasp of consciousness.

vi

NDICE AGRADECIMENTOS i

EPGRAFO ii

RESUMO iii

ABSTRACT iv

INTRODUO 1

PARTE I: FUNDAMENTAO TERICA

4

CAPTULO 1 - Representaes Sociais da Velhice, Envelhecimento e Envelhecer 4 1.1 Introduzindo o Conceito de Representao Social 4 1.2 - Representaes Sociais da Velhice no Brasil 11 1.3 - Velhice, Envelhecimento e Envelhecer: as mesmas Representaes? 20

CAPTULO 2 As Representaes Sociais e suas Transformaes 28 2.1 As Transformaes Sociais: Introduzindo Alguns Conceitos 28 2.1 Dinmicas das Representaes, Prticas e Transformaes Sociais 32 2.2 Articulando Representao Social e Psicologia do Desenvolvimento: Uma Proposta

53

CAPTULO 3 - Cuidadores Formais, Informais e o Envelhecimento 59 3.1 O Mundo e o Envelhecimento 59 3.2. As Quatro Categorias das Publicaes sobre Cuidadores 61

3.2.1 A pesquisa de interveno: 1 categoria de estudos 62 3.2.2 O nus e os benefcios do cuidado formal e informal: 2 categoria de estudos

64

3.2.3 A Gerontologia de interveno: 3 categoria de estudos 66 3.2.4- -Geratividade e gnero: 4 categoria de estudos 68

3.3 Envelhecimento, Cuidado e Independncia: Uma Nova Questo em Pauta 84

CAPTULO 4 - O Grupo Focal na Pesquisa 90 4.1 Breve Histrico dos Grupos Focais 90 4.2 Os Grupos Focais e a Pesquisa sobre Representaes Sociais. 92

PARTE II A PESQUISA

97

CAPTULO 5 - O Problema e o Mtodo 97 5.1 Sujeitos 99 5.2 Caracterizao da Instituio 100 5.3 Procedimento de Coleta de Dados 101 5.4 Procedimento de Anlise dos Dados 103

CAPTULO 6 - Resultados e Discusso 105 6.1 Primeira Sesso do Grupo Focal 105

6.1.1 Discusso da primeira sesso do grupo focal 121 6.2 Segunda Sesso do Grupo Focal 123

vii

6.2.1 Discusso da segunda sesso do grupo focal 144 6.3 Terceira Sesso do Grupo Focal 147

6.3.1 Discusso da terceira sesso do grupo focal 6.4 Quarta Sesso do Grupo Focal

171 175

6.4.1 Discusso da quarta sesso do grupo focal 199 6.5 Quinta Sesso do Grupo Focal 202

6.5.1 Discusso da quinta sesso do grupo focal 222 6.6 Sexta Sesso do Grupo Focal 226

6.6.1 Discusso da sexta sesso do grupo focal 248 6.7 Stima Sesso do Grupo Focal 253

6.7.1 Discusso da stima sesso do grupo focal 272 6.8 Oitava Sesso do Grupo Focal 277

6.8.1 Discusso da oitava sesso do grupo focal 303 6.9 Nona Sesso do Grupo Focal 309

6.9.1 Discusso da nona sesso do grupo focal 330 6.10 Dcima Sesso do Grupo Focal 334

6.10.1 Discusso da dcima sesso do grupo focal 353 6.11 Dcima Primeira Sesso do Grupo Focal 357

6.11.1 Discusso da dcima primeira sesso do grupo focal 377 6.12 Dcima Segunda Sesso do Grupo Focal 380

6.12.1 Discusso da dcima segunda sesso do grupo focal 407 6.13 Dcima Terceira Sesso do Grupo Focal 411

6.13.1 Discusso da dcima terceira sesso do grupo focal 431 6.14 Dcima Quarta Sesso do Grupo Focal 435

6.14.1 Discusso da dcima quarta sesso do grupo focal 456 6.15 Discusso Geral dos Resultados 459 PARTE III: DISCUSSO GERAL DA PESQUISA

479

CONSIDERAES FINAIS

483

REFERNCIA BIBLIOGRFICA

486

ANEXO 1 499

ANEXO 2 500

ANEXO 3 501

ANEXO 4 503

ANEXO 5 505

ANEXO 6 507

ANEXO 7 510

viii

ANEXO 8 511

ANEXO 9 513

ANEXO 10 515

ANEXO 11 516

1

INTRODUO

Os estudos das representaes sociais, hoje, correspondem a um campo de pesquisa

de grande relevncia dentro das Cincias Sociais bem como da Psicologia. Vale ressaltar

que uma das muitas contribuies dessa rea de pesquisa tem sido a defesa da articulao

entre indivduo e a sociedade.

Desde sua formulao por Moscovici, na dcada de 1960 e isso se verifica ainda

hoje, a teoria das representaes sociais tem recebido inmeras contribuies tericas e

metodolgicas de diferentes autores e de diferentes pases. Ao longo dessa trajetria, uma

das questes em aberto dentro dessa teoria diz respeito ao processo de transformao das

representaes sociais. Assim, vrios estudos e pesquisas tm se debruado sobre esse

tema, buscando favorecer a compreenso da dinmica dessas representaes que tratam de

fenmenos sociais em processo de transformao, ou seja, restrito a situaes sociais em

desenvolvimento.

Dentro dessa perspectiva, propusemos contribuir tambm com esse debruar sobre

questes to caras Psicologia Social. Logo, assumimos no nosso trabalho um desafio

metodolgico proposto por Fvero (2005) ao articular desenvolvimento psicolgico,

mediao semitica e representaes sociais. O certo que, assim procedendo, seria

possvel considerar, como props essa autora, a identificao das representaes sociais que

ela identifica como as vozes institucionais, como sugeriu Bakthtin, bem como o paradigma

pessoal de cada sujeito que compartilha tais representaes. Acrescent-se-ia a isso a

tomada de conscincia, no sentido proposto por Piaget (1974), de tais representaes

sociais e das premissas que fundamentam o seu paradigma, bem como as implicaes deste

paradigma para a prtica pessoal e/ou profissional e as possibilidades de sua re-elaborao.

2

Em outros termos, trata-se de uma proposta que favorece e evidencia o

desenvolvimento psicolgico dos sujeitos em interao, considerando as representaes

sociais e os processos de mediao semitica (Fvero e Couto Machado, 2003).

Nesse sentido, o nosso intuito foi o de criar uma situao propcia transformao

das representaes sociais sobre a velhice, o envelhecimento e o idoso, junto a um grupo de

cuidadores funcionrios de uma Instituio para atendimento a idosos independentes e

semidependentes. Portanto, esse trabalho teve como objetivo criar uma situao de

interao, atravs de trs aportes tericos: grupo focal, atos da fala e a tomada de

conscincia, que engendrasse uma transformao das representaes sociais da velhice e do

envelhecimento nos sujeitos, alm de propor um foco de discusso e de analise das

interlocues produzidas. Para tal desenvolvemos uma pesquisa de interveno com sete

sujeitos cuidadores de idosos.

Para fundamentar o nosso estudo, desenvolvemos, na primeira parte do trabalho,

quatro captulos relacionados ao nosso objeto de estudo. O primeiro diz respeito s

representaes sociais da velhice, do envelhecimento e do envelhecer; o segundo trata das

representaes sociais e suas transformaes; o terceiro aborda questes sobre os

cuidadores formais e informais e o envelhecimento e o quarto enfoca o grupo focal e sua

importncia na pesquisa.

O primeiro captulo foi dividido em trs tpicos, sendo que o primeiro versa sobre a

introduo ao conceito da teoria das representaes sociais; o segundo tpico aborda as

representaes socais da velhice no Brasil e, o terceiro tpico, levanta um questionamento

sobre as representaes da velhice, do envelhecimento e do envelhecer.

O segundo captulo foi dividido em dois tpicos. No primeiro utilizamos o livro

organizado por Pascal Moliner (2001) sobre a dinmica das representaes sociais onde

3

vrios autores discutem a relao entre transformaes e prticas sociais, alm de estudos e

pesquisas nessa rea. No segundo tpico, buscamos articular a psicologia do

desenvolvimento, a mediao semitica e as representaes sociais como proposta

metodolgica. O terceiro captulo composto por trs tpicos, sendo que o primeiro versa

sobre o fenmeno do envelhecimento relacionado a diversas reas do conhecimento; o

segundo tpico enfoca, atravs de uma pesquisa bibliogrfica, estudos centrados em

cuidadores formais e informais de idosos que foram divididos em quatro categorias de

anlise e, o terceiro tpico, aponta algumas limitaes encontradas no levantamento

bibliogrfico sobre envelhecimento, cuidado e independncia.

No quarto captulo dois tpicos foram trabalhados: o primeiro aborda um breve

histrico sobre os grupos focais e o segundo apresenta a importncia dos grupos focais nas

pesquisas sobre as representaes sociais.

Essa primeira parte fundamenta, terica e metodologicamente, a segunda parte do

nosso trabalho na qual apresentamos o problema e o mtodo, especificando, os sujeitos, o

procedimento de coleta de dados, o procedimento de anlise de dados. Pela natureza da

interveno e da anlise dos dados adotada optamos por apresentar os resultados da anlise

de cada sesso de grupo focal, uma vez que, como veremos na discusso do mtodo, esses

resultados fundamentava a sesso de grupo focal seguinte. Uma discusso geral destes

dados finaliza o captulo 6 da Parte II da nossa tese. Na terceira parte, esta discusso

ampliada, tendo por foco no mais dados obtidos nos grupos em si, mas do ponto de vista

da pesquisa como um todo.

Finalmente, a ttulo de concluso, levantamos algumas consideraes finais tendo

por foco a valorizao e implementao de trabalhos de interveno como esse que foi

realizado para essa tese dentro das instituies.

4

PARTE I: FUNDAMENTAO TERICA

CAPTULO 1

Representaes Sociais da Velhice, Envelhecimento e Envelhecer

1.1 - Introduzindo o Conceito de Representao Social

Na dcada de 1960, Serge Moscovici (1978), com a sua obra La Psychanalyse, son

image et son public, inaugura um movimento inovador, tanto do ponto de vista temtico

quanto terico e metodolgico, no campo da psicologia social, em oposio a uma

psicologia dominante, de carter individualista, que ocupava um papel hegemnico na

sociedade. Nessa poca, a psicologia social dominante, de cunho norte-americano, se

ocupava basicamente dos processos psicolgicos individuais, dissociados do mundo social

e de seu contexto histrico, com uma orientao marcadamente funcionalista e pragmtica.

Para S (1995, p. 20), tal perspectiva simplesmente no se mostra capaz de dar conta das

relaes informais, cotidianas da vida humana, em um nvel mais propriamente social ou

coletivo.

A vertente psicossociolgica, de origem europia e da qual Moscovici participa,

considera importantes tanto os comportamentos individuais quanto os fatos sociais e leva

em considerao a realidade social, os contedos dos fenmenos psicossociais e as inter-

relaes ou o carter dialtico que os contextos sociais apresentam em relao ao

comportamento. Alm disso, reconhece que ambos os fenmenos contribuem para a

construo da realidade social.

5

A psicologia social, de tradio europia, tem-se ocupado em estabelecer uma

relao, tanto do ponto de vista terico quanto prtico, entre o sujeito individual e a

sociedade sem, contudo, reduzi-los um ao outro. Nesse contexto, a Teoria das

Representaes Sociais surge com novas possibilidades, pois de acordo com Moscovici

(1978), sinaliza para uma epistemologia no do sujeito puro ou do objeto puro, mas

centra seu olhar na relao entre ambos. Dentro dessa perspectiva o sujeito, em sua relao

com o mundo, tanto constri como tambm transforma a si prprio. Assim, para Moscovici,

(1995), a Teoria das Representaes Sociais conduz um modo de olhar a Psicologia Social

que exige a manuteno de um lao estreito entre as cincias psicolgicas e as cincias

sociais.

A teoria desenvolvida por Moscovici (1961) no surgiu dentro de um vazio cultural.

Pelo contrrio, foi nas cincias sociais, na Frana, principalmente com Durkheim, um dos

fundadores da sociologia moderna, que Moscovici buscou uma contrapartida conceitual

para a sua Teoria das Representaes Sociais, que freqentemente classificada como uma

forma sociolgica de psicologia social.

O conceito de representao coletiva de Durkheim, segundo S (1995, p. 21),

procura dar conta de fenmenos como a religio, os mitos, a cincia, as categorias de

espao e tempo etc., em termos de conhecimentos inerentes sociedade. Assim, na

sociologia durkheimiana, a sociedade tida como uma realidade sui generis, e as

representaes coletivas, que a exprimem, so fatos sociais, coisas reais por elas mesmas.

Esse conceito durkheimiano situa-se no contexto de sociedades mais tradicionais,

mais estticas, homogneas, e est ligado a contedos transmitidos atravs de geraes,

como se d com as tradies. Foi nos estudos da religio de povos primitivos que

Durkheim buscou apoio metodolgico, como se refere Moscovici (2003);

6

Do ponto de vista de Durkheim, as representaes coletivas abrangiam uma cadeia

completa de formas intelectuais que incluam cincia, religio, mitos, modalidades de

tempo e espao, etc. De fato, qualquer tipo de idia, emoo ou crena, que ocorresse

dentro de uma comunidade, estava includo. Isso representa um problema srio, pois pelo

fato de querer incluir demais, inclua-se muito pouco: querer compreender tudo perder

tudo. A intuio, assim como a experincia, sugere que impossvel cobrir um raio de

conhecimento e crenas to amplo. Conhecimentos e crenas so, em primeiro lugar,

demasiado heterogneo e, alm disso, no podem ser definidos por algumas poucas

caractersticas gerais (p. 46).

De fato, tais explicaes e abrangncias do conceito de representaes coletivas

foram suficientes para a sociedade ocidental da poca, ou seja, incio do sculo XIX. Hoje,

no entanto, quando os fenmenos caracterizam-se por uma pluralidade de inscries, de

origem e mbito to diversos, faz-se necessrio um exame sob uma perspectiva

psicossociolgica. Apesar de Moscovici ter ido buscar em Durkheim um caminho inicial

para a construo de sua teoria, aquele logo abandonou esse, ao reconhecer as limitaes

que o conceito de representao coletiva apresentava. Moscovici (1978) se afastou da

perspectiva sociolgica ao propor, em seu trabalho sobre a representao social da

psicanlise, uma nova construo terico-conceitual de um espao psicossociolgico

prprio.

As limitaes encontradas por Moscovici, no conceito durkheimiano, dizem respeito

ao carter esttico e estvel que os fenmenos assumiam nesta perspectiva. Para Moscovici,

ao contrrio, os fenmenos s podem ser estudados por meio de situaes da prtica

cotidiana, estudadas por pessoas comuns que vivem em uma sociedade em que os

fenmenos so dotados de mobilidade e plasticidade e cuja comunicao exerce um papel

fundamental.

7

As realidades sociais so, portanto, construdas por meio das representaes sociais,

enquanto que a sua gnese, segundo Moscovici (1978), se situa na arte da conversao.

Quando os indivduos se encontram para falar, expressar suas opinies, argumentar, discutir

o cotidiano, produzir e difundir conhecimentos sobre o mundo, esses conhecimentos

passam a orientar seus comportamentos e do grupo ao qual pertencem, bem como suas

relaes individuais e com os outros grupos. Segundo S (1995), as representaes

acontecem em todos os lugares onde as pessoas se encontram formalmente e se

comunicam:

No caf da manh, no almoo e no jantar; nas filas do nibus, do banco e do supermercado;

no trabalho, na escola e nas salas de espera; nos sagues, nos corredores, nas praas e nos

bares; talvez, principalmente nos bares e botequins, em p ou sentado, para um cafezinho,

uma happy hour, ou uma noitada jogando conversa fora. Faz simplesmente parte da vida

em sociedade (p. 26).

Portanto, para Moscovici (1978, p. 41), as representaes sociais so entidades

quase tangveis e esto presentes no cotidiano de todas as pessoas. Elas circulam, cruzam-

se e se cristalizam incessantemente atravs de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso

universo cotidiano. A maioria das relaes sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou

consumidos, as comunicaes trocadas, delas esto impregnados.

Em outros termos, podemos dizer que as representaes sociais so uma forma de

pensamento social caracterstica de uma sociedade pensante, cujos indivduos no so

apenas receptores de informaes, nem de ideologias ou crenas coletivas. So, de outro

modo, pensadores ativos, que constroem e compartilham suas prprias representaes, nas

8

interaes sociais, o que contribui para as solues de questes que so colocadas diante de

si mesmos.

De acordo com Moscovici (1978) coexistem, nas sociedades contemporneas, duas

classes distintas de universo de pensamentos: os universos consensuais e os universos

reificados. Para Moscovici (2003), no universo consensual est presente a arte declinante

da conversao, que encoraja e mantm em andamento as relaes sociais que, de outro

modo, definhariam.

Nos universos reificados, bastante circunscritos, que se produzem e circulam as cincias e

o pensamento erudito em geral, com sua objetividade, seu rigor lgico e metodolgico, sua

teorizao abstrata, sua compartimentalizao em especialidades e sua estratificao

hierrquica. Aos universos consensuais correspondem as atividades intelectuais da

interao social cotidiana pelas quais so produzidas as Representaes Sociais (S, 1995,

p. 28).

Assim, a matria-prima, para a construo das realidades consensuais, que so as

Representaes Sociais, origina dos universos reificados. A finalidade do universo

consensual tornar familiar o no-familiar, o que estranho, o desconhecido em algo

conhecido e a salvo de qualquer atrito ou disputa. Segundo Leme (1995, p. 48), o ato de

representao transfere o que estranho, perturbador, do universo externo para o interno,

coloca-o em uma categoria e contexto conhecidos. Nesse universo consensual o veredicto

precede o julgamento. Segundo Moscovici (1978),

No passado, insistiu-se muito no papel de intermedirios entre o percebido e o conceito.

Nesta base, foi descrita uma espcie de desenvolvimento gentico que vai do percebido ao

concebido, passando pelo representado. No real, a estrutura de cada representao

9

apresenta-se-nos desdobrada, tem duas faces to pouco dissociveis quanto a pgina da

frente e o verso de uma folha de papel: a face Tabelativa e a face simblica. (p. 65).

Os processos formadores dessa configurao estrutural das representaes so a

objetivao e a ancoragem, processos esses chamados por Vala (1996, p. 360) de

processos sociocognitivos.

A objetivao tornar concreto, quase tangvel, um objeto abstrato; reproduzir um

conceito em uma imagem. J a ancoragem consiste, segundo Moscovici (2003), em

classificar e denominar, porque coisas que no so classificadas, nem denominadas,

tampouco rotuladas, so estranhas, no existentes e, ao mesmo tempo, so ameaadoras.

Ancorar tambm significa transformar o no-familiar em familiar.

O processo de objetivao, segundo Moscovici (2003), se constitui em absorver um

excesso de significaes, materializando-as e, ao mesmo tempo, adotando certa distncia a

seu respeito. tambm transplantar para o nvel de observao o que era apenas inferncia

ou smbolo, ou seja, reproduzir um conceito em uma imagem. Para Vala (1996, p. 362),

o processo de ancoragem, por um lado, precede o da objetivao, por outro lado, se situa

na sua seqncia. Ao preceder a objetivao, a ancoragem se utiliza de pontos de

referncia, atravs das experincias e esquemas de pensamento em que o objeto vai ser

pensado. Para Moscovici (1978, p. 174), numa palavra, a objetivao transfere a cincia

para o domnio do ser e a ancoragem a delimita ao domnio do fazer, a fim de contornar o

interdito de comunicao.

Assim, podemos dizer, em outros termos, que os processos de objetivao e

ancoragem so sistemas ou processos sociocognitivos regulados por fatores sociais em que

as representaes sociais se constituem em um saber funcional ou em teorias sociais

10

prticas. Alm disso, a ancoragem aproxima o sujeito do objeto, serve como mediao entre

o indivduo e o seu meio, entre o indivduo e os membros do seu grupo, e fortalece, dessa

forma, no s a identidade grupal mas, tambm, o sentimento de pertencimento do

indivduo.

Como anteriormente colocado, a construo das representaes sociais se faz no

saber produzido no cotidiano. So, portanto, saberes sociais do senso comum, do

pensamento ingnuo e so essenciais para a elaborao das prticas sociais. Nesse sentido,

para Moscovici (1978), as representaes sociais no s guiam o comportamento mas,

sobretudo, o remodelam e o reconstituem no ambiente social em que ele deve ocorrer.

Assim, uma representao social uma preparao para a ao.

No campo de estudo das representaes sociais, os fenmenos sociais so

compreendidos em suas dimenses cognitiva, afetiva, avaliativa e simblica. Nesse sentido,

uma representao social um conhecimento situado no cotidiano das relaes sociais.

Alm disso, o reconhecimento da importncia do senso comum como forma de um saber

prtico, que compartilhado com outros membros do grupo social, que d sentido e

orienta as aes do sujeito no cotidiano.

Representao social uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada,

com um objetivo prtico, e que contribui para a construo de uma realidade comum a um

conjunto social. Igualmente designada de senso comum ou ainda saber ingnuo, natural,

esta forma de conhecimento diferenciada, entre outras, do conhecimento cientfico.

Entretanto, dita como um objeto de estudo to legtimo quanto este, devido sua

importncia na vida social e elucidao possibilitadora dos processos cognitivos e das

interaes sociais (Jodelet, 2001, p.22).

11

Assim, a Teoria das Representaes Sociais estuda teorias prticas sobre objetos

sociais particulares, as quais desenvolvem uma dimenso de explicao e argumentao

(Vala, 1996). Quando se questiona sobre fenmenos sociais como pobreza, desemprego,

sade, violncia, insucesso escolar e, no caso do presente estudo, a velhice, o

envelhecimento e o envelhecer, os indivduos acionam as teorias que coletivamente se

construram sobre estes mesmos fenmenos, e , no quadro dessas teorias, que procuram e

estruturam as explicaes. Assim, no item seguinte, nos ater-nos-emos especificamente

sobre as representaes sociais da velhice no contexto brasileiro.

1.2 Representaes Sociais da Velhice no Brasil

Diferentes reas de estudo tm assinalado o que, hoje, um fato no Brasil: o

crescimento populacional das pessoas acima de 60 anos. Embora em vrios pases a questo

do idoso venha sendo discutida h bastante tempo, no Brasil, somente nos ltimos 25 anos

que o envelhecimento efetivamente comeou a ter um espao nas agendas de debates e de

elaborao de polticas pblicas, no sem um sentido tambm de ameaa e de desafio, tanto

para os que envelhecem quanto para a sociedade e o Estado.

Est claro, hoje, que envelhecer um processo pelo qual passa o ser humano, desde

sua concepo at a sua morte, e que, em cada indivduo, as mudanas fsicas,

comportamentais e sociais desenvolvem-se em ritmos e em velocidades diferentes. Desse

modo, a idade cronolgica apenas um fator, entre outros, que podem afetar o bem-estar da

pessoa. Tambm est claro que o processo de envelhecimento envolve uma srie de fatores

psicossociais, que podem contribuir para uma velhice ativa e saudvel (bem-sucedida).

Incluem-se, a, fatores extrnsecos tais como educao, acesso a servios de apoio,

12

habitao adaptada, cuidados com a sade e oportunidades de trabalho adequadas s

necessidades e capacidades individuais do idoso, alm dos fatores ligados sua motivao

e iniciativa (Neri, 1993).

No Brasil, os estudos sobre as representaes sociais da velhice, do idoso e do

envelhecimento apontam para um consenso: de um lado, tais representaes ainda esto

vinculadas s questes do declnio, das perdas fsicas, das doenas, dos laos familiares, da

capacidade de trabalho, do desgaste natural e da morte. De outro lado, essas representaes

assinalam, ao mesmo tempo, a importncia atribuda s experincias do idoso, isto , das

experincias adquiridas no decorrer da vida, e a importncia de se considerar as questes

sociopolticas relacionadas ao envelhecimento (Santos, 1990, 1995, 1996; Santos e Belo,

2000; Veloz, Nascimento-Schulze e Camargo, 1999; Costa e Campos, 2003).

Santos (1990), em seu livro Identidade e aposentadoria, defende a necessidade de

se abordarem dois aspectos em relao ao trabalho: primeiro, a realidade objetiva do lugar

do indivduo na sociedade industrial moderna, pois o lugar que o sujeito ocupa no sistema

de produo reflete o lugar que ele ocupa no sistema cultural; segundo, as repercusses

subjetivas no sujeito, ou seja, ao se falar da aposentadoria, importante a compreenso de

como as relaes de trabalho so formadas numa sociedade industrial e capitalista.

Os estudos sobre a aposentadoria, bem como sobre representaes sociais da pessoa

idosa so um campo de pesquisa muito recente no Brasil, sobretudo no que diz respeito aos

seus aspectos psicolgicos. Como os estudos, em geral, enfatizam a sade, a dependncia e

as formas sociais mais adequadas para os velhos sobreviverem, os estudos desenvolvidos

por Santos (1990, 1995, 1996), na dcada de 90, so de fundamental importncia para a

compreenso desses fenmenos.

13

Em um primeiro estudo, Santos (1990) trabalhou com habitantes de Recife (PE),

aposentados de diferentes nveis de qualificao profissional da zona urbana, com idade

entre 40 e 89 anos, que respondiam a 70 questes abertas. Os resultados da pesquisa

demonstraram que a aposentadoria um fato marcante na vida dos sujeitos e que ela pode

ser sentida e vivida como sendo a chegada da velhice (para 51 sujeitos) ou como a chegada

de uma nova vida mais livre e agradvel (para 49 sujeitos). Portanto, a aposentadoria se

reveste de um sentido diferente para cada um destes dois grupos. Outro dado importante

apontado neste estudo diz respeito questo ampla da relao entre papis de gnero e

trabalho: para a maioria dos sujeitos do sexo masculino, o trabalho representa uma fonte de

recurso, um fim em si; j para os sujeitos do sexo feminino, ele um meio para atingir um

objetivo, a fonte para a realizao do desejo de independncia. Diante disso, portanto,

Santos (1990) concluiu, em sua pesquisa, que para resolver os problemas desencadeados

pela aposentadoria, preciso, antes, mudar a relao entre o ser humano e o trabalho nas

sociedades industriais.

Em Velhice: uma questo psicossocial, Santos (1995) tambm procurou estudar a

representao social da velhice e suas implicaes na identidade de sujeitos idosos. Para

tanto, ela entrevistou 92 sujeitos dos dois sexos na regio urbana da grande Recife. Os

sujeitos foram divididos em dois grupos segundo a idade. O primeiro grupo (G1), de 46

sujeitos, com idade entre 20 a 49 anos e o segundo grupo (G2), de 46 sujeitos, com idade

acima de 50 anos. Os sujeitos foram entrevistados por meio de questes envolvendo os

sentimentos e as opinies sobre a velhice de modo geral, e por outras referentes a fatos,

sentimentos e opinies sobre si prprios.

Os resultados da pesquisa apontaram para dois modelos de velhice: de um lado,

um modelo segundo o qual a velhice era vista como uma fase em que o conhecimento da

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vida teria sido enfim alcanado; de outro, um modelo que ressaltava a velhice como

situao de perdas, essas consideradas sinnimo de doena. A velhice, aqui, caracterizada

por um sentimento de desvalorizao e desprezo por parte das outras pessoas. Nos dois

grupos, a maioria dos sujeitos afirmou que os outros percebem o velho de forma negativa,

isto , como inteis, frgeis, desprezados, infantilizados, rejeitados e sem poder. Como se

v, trata-se de respostas que deixam claro que, ao referir-se opinio das pessoas de modo

geral, ressaltaram-se os aspectos negativos. Entretanto, quando a pergunta era colocada

diretamente ao sujeito entrevistado remetendo ao que ele pensava sobre o velho,

observaram-se diferenas entre os grupos. Para o grupo G1, constitudo de sujeitos mais

jovens, os velhos eram percebidos de modo mais positivo, isto , como algum que tem

experincia, digno de respeito, importante pela sua sabedoria etc. O outro grupo, G2,

constitudo de sujeitos mais velhos, expressaram-se concepes negativas sobre os sujeitos

idosos e estas negatividades se deram sempre em referncia discriminao social,

opresso feita pela sociedade em geral e falta de respeito e de afeto.

Num outro estudo, realizado em uma comunidade no Nordeste brasileiro, que vivia

essencialmente da produo artesanal de cal e da agropecuria de subsistncia, Santos

(1996) apresenta resultados muito interessantes. Nesse contexto, a aposentadoria no vista

de forma negativa e nem como expresso de inutilidade, mas se apresenta como um

presente de Deus ou do governo, pois permite um salrio fixo e maior do que o recebido

pelo trabalho realizado. Esse dado encontra explicao no fato de o trabalhador da zona

rural, em virtude do tipo de trabalho que realiza, muito rduo e desgastante, ao envelhecer,

ele procura sair fora dessa atividade, de modo que a aposentadoria aparece como um alvio

diante do esforo fsico exigido anteriormente. Nesse caso, a aposentadoria no gera

nenhum vazio, nem o sentimento de final de vida, afinal ela vivida como uma graa, uma

15

ddiva divina. Para os trabalhadores rurais, portanto, esse perodo de vida no est ligado

perda da atividade de trabalho e, muito menos, s perdas econmicas.

Com o objetivo principal de investigar as diferentes formas que a velhice assume no

contexto rural e urbano e as estratgias utilizadas por sujeitos idosos para a manuteno de

sua identidade, a partir das representaes sociais de velhice, Santos e Belo (2000)

entrevistaram 40 sujeitos, em sua maioria com idade entre 65 e 75 anos, sendo 20

residentes na zona urbana da cidade do Recife e 20 residentes na zona rural, no serto do

Nordeste (Polgono da Seca). Entre os sujeitos da zona urbana, 52,63% tinham mais de

cinco filhos e 47,36% moravam com, pelo menos, um dos filhos. No caso da zona rural,

63% tinham mais de cinco filhos e, embora houvesse um movimento significativo de sada

dos jovens para os grandes centros urbanos (em 79% das famlias entrevistadas), 89%

moravam com, pelo menos, um desses filhos. Enquanto que na zona urbana prevaleceu a

idia de famlia nuclear; na zona rural constatou-se ser freqente o fato de os filhos, filhas,

genro, noras, netos e netas morarem com o idoso. Pela pesquisa, no se estabeleceu a priori

uma idade para a velhice, mas obteve-se um grupo cuja idade variava entre 55 a 86 anos

na zona rural, e 51 a 85 anos na zona urbana.

Nos dois grupos estudados, trs elementos foram destacados ao se definir velhice:

os elementos fsicos e orgnicos, os relacionados a atividades exercidas pelos sujeitos e os

elementos interacionais. Dessas caractersticas definidores da velhice foram identificados

trs eixos que, em si, expressam trs teorias do senso comum sobre a velhice: a velhice-

experincia (modelo solidrio), a velhice-doena (modelo biolgico ou mdico) e a velhice-

reivindicao (modelo sociopoltico), o que evidencia a existncia de modelos diferentes

em funo dos contextos nos quais se inserem os sujeitos.

16

O modelo solidrio (velho-experiente) nos ltimos tempos no encontra espao e

vem caindo no vazio de sentido, dentro de uma sociedade moderna, em que os

conhecimentos exigidos no encontram eco nas experincias vividas pelos idosos. Da

mesma forma, a medicalizao ou a biologizao da velhice comeam a ser questionadas,

j que tm perdido a funo poltica antes exercida, e que legitimava o afastamento dos

idosos atravs de um discurso baseado nas perdas fsicas, de maneira a impedir aes em

defesa deste segmento. Para as autoras dessa pesquisa, percebe-se que a necessidade

imposta pela industrializao em excluir a pessoa idosa torna esse discurso hegemnico e,

por outro lado, a responsabilidade e os problemas acarretados pelo envelhecimento, que

atingem esta faixa etria, tornam-se questes que dizem respeito somente ao prprio idoso.

Outro estudo que se preocupou em ouvir os idosos foi realizado por Veloz,

Nascimento-Schulze e Camargo (1999). Participaram dessa pesquisa 37 pessoas, 20 delas

consideradas pessoas idosas (com 60 anos ou mais) e 17 prximas dessa condio (entre 52

e 59 anos) que, ao todo, pertenciam a trs grupos socialmente diferentes entre si:

professores aposentados da UFSC, participantes de um programa da universidade da

terceira idade chamado NETI (Ncleo de Estudo da Terceira Idade) e residentes num centro

para idosos. As entrevistas foram analisadas com a ajuda de um software de anlise

qualitativa de dados textuais (ALCESTE).

Os resultados apontaram trs classes de representaes sociais do envelhecimento.

A primeira classe chamada de envelhecimento, que concerne s perdas dos laos familiares

e da identidade fsica, se constituiu de participantes do sexo feminino e apontou para uma

representao social do envelhecimento de carter domstico e feminino, confirmando a

importncia dos ppeis masculinos e femininos assumidos pela nossa cultura. A segunda

classe, denominada velhice, que concerne perda da capacidade de trabalho, apresentou-se

17

centrada fundamentalmente em dois elementos - o idoso e a velhice -, mais do que

propriamente no processo de envelhecimento. A maioria dos sujeitos que fizeram parte

desta classe de representaes sociais eram de professores aposentados da UFSC ou de

pessoas do sexo masculino que participavam do programa NETI. Nesta segunda classe de

representaes sociais, a velhice foi caracterizada como uma etapa no s posterior ao

perodo ativo da vida, isto , relacionada ao perodo de trabalho, mas tambm como uma

etapa que se opunha a esse perodo ativo da vida. A terceira classe caracterizava-se pelo

envelhecimento entendido como desgaste natural e inatividade. Essa classe indicava uma

representao social do envelhecimento e da velhice menos compartilhada do que a

primeira e mais do que a segunda. Os entrevistados considerados tpicos dessa classe

pertenciam a ambos os sexos e muitos deles eram professores aposentados da UFSC.

Os resultados deste estudo indicam a complexidade da compreenso do

envelhecimento por parte de pessoas idosas ou prximas dessa condio, o que um dado

importante para os profissionais que atuam em programas gerontolgicos.

Centrado nas relaes entre representaes sociais da velhice e a aposentadoria,

Almeida (1999) desenvolveu um estudo junto a homens e mulheres aposentados. Oito

professores (quatro homens e quatro mulheres) da UnB (Universidade de Braslia, DF),

com idades entre 65 e 75 anos, aposentados havia pelo menos dois anos e, no mximo seis

anos, participaram de uma entrevista em torno dos seguintes eixos temticos: conceito de

velhice, percepo dos outros sobre a velhice, relao entre a aposentadoria e a velhice, e as

prticas sociais antes e depois da aposentadoria.

Os resultados apontaram que as mulheres, com idade mdia de 67 anos, percebiam o

envelhecimento de forma negativa, vinculando-o idia de desconsiderao e rejeio

pelos outros, tendo por base uma suposta perda fsica e psicolgica advinda do

18

envelhecimento. J entre os homens, com idade mdia de 70 anos, predominava a idia de

um envelhecimento bem-sucedido porm, paradoxalmente, assentado na negao do

prprio processo de envelhecimento. Assim, se para as mulheres a aposentadoria era

percebida como um momento de crise, os homens tendiam a valorizar esse momento,

ressaltando as vantagens advindas da aposentadoria. Por ocasio desse estudo e at o

momento em que foram realizadas as entrevistas, as mulheres no exerciam nenhum tipo de

trabalho fora de casa. Por sua vez, os homens estavam empenhados em alguma atividade

profissional.

Este resultado pode estar relacionado ao fato de os homens estarem inseridos no

meio produtivo, o que, por um lado, permitiu romper com a idia de improdutividade,

fortemente vinculada ao conceito de velhice e aposentadoria mas, por outro lado, manteve a

idia tradicional de que so reservadas ao homem as atividades que se produzem no espao

pblico e no no espao privado da vida domstica, dos afazeres prprios das mulheres.

Segundo Almeida (1999), os dados obtidos neste estudo parecem, portanto, apontar

na direo de representaes sociais conservadoras, uma vez que parece reservar aos

professores e professoras universitrios no s espaos sociais distintos (pblico versus

privado), como tambm condies biolgicas distintas (forte versus fraco declnio versus

expanso), representaes essas que se organizam e que, conseqentemente, servem de

referncia construo de identidades diferentes para idosos e idosas.

Costa e Campos (2003) pesquisaram as representaes sociais da velhice e do

envelhecer junto a idosos de trs instituies e os resultados so compatveis com o

consenso referido anteriormente: para os sujeitos que participaram desse estudo, as prprias

instituies para idosos partilham as representaes de que envelhecer um processo

natural, cercado de limitaes fsicas e perda do status social e familiar. Tais representaes

19

esto ancoradas na viso de que velhice sinnimo de declnio e morte. Compatvel com a

viso apontada pelos prprios idosos, as instituies das quais eles faziam parte restringiam

a concepo de cidadania s atividades de lazer, como se o seu objetivo fosse apenas o de

preencher o tempo livre dos idosos o que, embora seja um ganho, no suficiente para

retirar o idoso da sua marginalidade em relao ao processo social e poltico e, portanto, do

risco de ser um excludo.

Nesse conjunto de trabalhos referido acima, as representaes sociais apresentadas

pelos grupos estudados traduzem-se em marcas de um posicionamento social. Ao se falar

em posicionamento social est se referindo ao processo de ancoragem o qual Doise (2002)

define como ancoragem sociolgica que diz respeito s pertenas dos indivduos nos

grupos e nas suas respectivas experincias (p.34). nesse nvel de anlise que esto

situadas a prtica social.

Portanto, no que se refere ao envelhecimento, ao se pensar em posicionamento

social, isto , em ancoragem das representaes sociais, destaca-se um conjunto de

caractersticas que esto presentes nesses estudos e que do sentido aos mesmos tais como:

a aposentadoria na zona urbana e rural, as questes de gnero, as diferenas de idade como

formas de autonomia financeira ou no. Assim, percebe-se que cada uma dessas variveis

ancorada pelas diferentes representaes sociais, bem como participa de maneiras

diferentes das mesmas.

Pelo visto, entende-se velhice como uma experincia que vivenciada de forma

heterognea e diversificada, alm do que, essa concepo envolve inmeras questes como,

por exemplo, aquelas sobre gnero, classe, etnia, religio. Segundo SantAnna (1997),

poder-se-ia afirmar que existem idosos e no idoso, ou que existem velhices e no a

velhice (p. 76). Dito em outros termos, assim como as outras chamadas idades da vida, a

20

concepo da velhice e o significado do envelhecimento so construdos scio e

historicamente. Assim, no item a seguir, tenta-se esclarecer os conceitos de velhice,

envelhecimento e envelhecer, luz de vrios autores.

1.3 Velhice, Envelhecimento e Envelhecer: as mesmas Representaes?

A velhice pode ser vista tanto do ponto de vista orgnico quanto social. A

Organizao Mundial da Sade, por exemplo, caracteriza a velhice como um processo

ininterrupto e que apresenta um conjunto de modificaes fisiomrficas e psicolgicas. J a

Organizao das Naes Unidas classifica os idosos em trs grupos, a saber: pr-idosos

(pessoas entre 55 e 64 anos), idosos jovens (pessoas entre 65 e 79 anos) e idosos de idade

avanada (pessoas a partir dos 80 anos). Pela Poltica Nacional do Idoso (Lei n. 8.842, de 4

de janeiro de 1994), considera-se idoso a pessoa acima de 60 anos de idade. Por fim, de um

modo geral, a literatura apresenta uma diversidade de definies, que vai desde a viso,

puramente referente perda funcional, passando pelo grau de independncia e negao da

prpria velhice, at o ponto de vista, que hoje mais adotado pelos tericos, da

contextualizao, segundo a qual a velhice abordada sob a tica sociopoltico-econmica.

Assim, tem-se uma grande diversidade de nomenclatura referente velhice: velho,

velhote, idoso, terceira idade, quarta idade, o que dificulta, s vezes, sua conceituao, uma

vez que esto presentes fatores biolgicos, sociais, culturais e psicolgicos. Mas por ser

construda historicamente, a velhice precisa ser compreendida em sua totalidade, uma vez

que cada sociedade constri sua viso da velhice, destinando-lhe, igualmente seu lugar e

papel.

21

Ao trabalhar, em sua tese de doutorado, com conceitos e noes sobre o

envelhecimento, Peixoto (1998) buscou a compreenso da imagem social da velhice, na

Frana e no Brasil, no que diz respeito aos termos utilizados para designar as pessoas em

seu processo de envelhecimento. Segundo a autora, na Frana do sculo XIX, a palavra

velhice se destinava, principalmente, queles que no possuam nenhum patrimnio, isto ,

os indigentes e despossudos. Assim, velho e velhote eram expresses usadas para designar

o grupo da populao com mais de 60 anos que tinha status social; j o termo idoso

designava aqueles que nada possuam economicamente falando. Ressalte-se, no entanto,

que, no sculo XVIII, o termo velhote no caracterizava nenhuma conotao pejorativa,

sendo designao usada, tambm, para os velhos ricos.

A viso do velho estava, assim, diretamente relacionada idia de decadncia, de

incapacidade para o trabalho. Nessa poca, os indivduos idosos e pobres faziam parte de

uma mesma categoria, de um mesmo espao social.

Essa foi a realidade at o sculo XIX. A partir dos anos 60 do sculo XX, com as

reformulaes e mudanas nas estruturas sociais e polticas francesas, no que diz respeito s

penses e aos aposentados, ocorreram tambm transformaes na forma de tratamento.

Nesse momento, o termo velho assumiu o carter pejorativo de decadncia, enquanto o

termo idoso comeou a ser usado em relao populao em geral, bem como aos

indivduos das camadas sociais mais favorecidas. Dessa forma, a expresso idoso

transformou o indivduo em sujeito respeitado. "A partir de ento os problemas dos velhos

passaram a constituir necessidades dos idosos" (Peixoto, 1998, p 74).

Com a reformulao das leis francesas, surgiram os jovens aposentados, e a

designao terceira idade, sinnimo de envelhecimento ativo e independente, situando-se

entre a aposentadoria e a velhice. Com a criao dessa nova classe de idosos, fez-se

22

necessrio diferenciar os velhos mais novos dos velhos mais velhos (acima de 74 anos), o

que deu origem chamada quarta idade os muito velhos significando decadncia e

incapacidade fsica.

Segundo Aris (1981), a velhice nas sociedades antigas comeava muito cedo. Na

Frana antiga, por exemplo, o velho no era respeitado, e esse perodo da vida era visto

como a idade do acolhimento, dos livros, da devoo e da caduquice (p. 48). Para este

autor, hoje, a noo de velhice desapareceu da lngua francesa, e isso acorreu em duas

etapas:

A velhice desapareceu, ao menos do francs falado, onde a expresso un vieux, um velho,

subsiste com um sentido de gria, pejorativo ou protetor. A evoluo ocorreu em duas

etapas; primeiro, houve o ancio respeitvel, o ancestral de cabelos de prata, o Nestor de

sbios e prudentes conselhos. Ainda hoje resta alguma coisa desse respeito em nossa

cultura. Mas esse respeito, na realidade, no tem mais objeto, pois, em nossa poca, e esta

foi a Segunda etapa, o ancio desapareceu. Foi substitudo pelo homem de uma certa

idade, e por senhores ou senhoras muito bem conservados. Noo ainda burguesa, mas

que tende a se tornar popular. A idia tecnolgica de conservao substitui a idia ao

mesmo tempo biolgica e moral da velhice (p. 48).

No contexto brasileiro, a palavra velho, tal como na Frana, apresentava uma

conotao negativa, ainda que aqui isso s tenha ocorrido a partir dos anos 60,

apresentando uma significao mais respeitosa se comparada palavra idoso. O uso dos

termos velho e idoso levava em considerao a classe social e a qualidade do

envelhecimento: velho era usado para as pessoas decadentes e pobres; idoso designava o

indivduo com mais posses e de vida ativa. J com relao terceira idade, a concepo

semelhante francesa, como bem expressou Peixoto (1998), cujas aes polticas em favor

da terceira idade, em um pas onde reinam a desnutrio, o analfabetismo, o desemprego, a

23

habitao precria e outras tantas misrias, se limitam criao de atividades sociais,

culturais e esportivas.

Para Neri (1992), a lngua portuguesa possui poucos recursos para referenciar a

pessoa idosa:

Idoso, mais formal e prximo aos substantivos senhor e senhora, em geral usado para

pessoas. Velho, genrico e generalizante, utilizado tanto para pessoas, como para

bichos, coisas e eventos. Valemo-nos sutilmente do significado de coisa associado pessoa

idosa: roupa velha/trapo/velho-trapo/velho trapo; carcaa/carcaa-velha/velho-

carcaa/chinelo velho para p velho, etc. Quem sabe o significado de coisa associado ao

velho advenha da coisificao do ser humano que ocorre numa sociedade injusta como a

nossa? (p. 9).

Com relao quarta idade, como afirma Peixoto (1998), ainda no se chegou l, a

despeito de na Frana, j ter surgido nova denominao, a quinta idade, para pessoas acima

de 85 anos. Sabe-se que essas novas designaes para a velhice so uma caracterstica tanto

brasileira como francesa, pois esto relacionadas com o prolongamento da vida.

Veras (1994), ao chamar a ateno para a falta de preciso do uso do termo velhice,

diz que este deve ser compreendido dentro de uma sociedade especfica, tendo em vista

caractersticas polticas e ideolgicas. O pesquisador ressalta, ainda, que no possvel uma

conceituao universal, uma vez que nem mesmo em relao terminologia sobre o

envelhecimento existe um consenso global.

Para Birman (1995), a questo conceitual do que ser jovem ou ser velho no to

simples como, s vezes, pode parecer, pois ela se complica quando se tem em conta que as

concepes de juventude e velhice se modificam radicalmente ao longo de uma existncia.

24

A juventude e a velhice no so concepes absolutas, mas interpretaes sobre o percurso

da existncia. Como interpretaes, em contrapartida, estas concepes se transformam

historicamente. A tradio Ocidental forjou diferentes representaes da juventude e da

velhice no percurso da histria. Portanto, ser jovem e ser idoso so positividades de que

devemos nos aproximar com um certo cuidado, pois as suas transformaes so

historicamente marcadas e nos indicam que a delimitao destas positividades uma

questo conceitual (p. 30).

Neri (1991), ao tratar dos conceitos de terceira, quarta, meia idade, velhice, velho

etc., observa que essas perspectivas so geradas por eventos demogrficos, econmicos e

socioculturais, mas que, ao serem socializados pela cincia, transformam a velhice em

doena, segundo uma abordagem puramente biolgica. Para esta autora, porm, a velhice

muito mais do que isso, uma vez que se trata de um processo no qual mltiplos fatores, tais

como trabalho, vida familiar, tenses sociais, fatores econmicos e biolgicos interagem.

Essa forma de estudar a velhice levando em considerao seus mltiplos fatores

bastante recente, pois durante muitos sculos o processo do envelhecimento humano foi

visto e tratado, principalmente, como uma questo biolgica. A maioria dos estudos,

pesquisas e aes teraputicas sobre o assunto estava diretamente circunscrita rea

mdica, que buscava retardar a velhice, prolongar a vida das pessoas ou considerar o

envelhecer com sade. Netto (1997) lembra que a velhice, vista somente atravs dos seus

aspectos biolgicos e mdicos, era uma forma de negar a morte e isso tem contribudo,

ainda que de forma inconsciente, para a associao entre velhice e fim de vida, gerando

uma srie de preconceitos e esteretipos a respeito do velho.

Sem dvida, os estudos sobre o processo de envelhecimento, tendo como princpio

norteador aspectos puramente biolgicos, tm contribudo para reforar uma viso da

velhice como marcada, necessariamente, por um declnio, priorizando os seus aspectos

25

negativos. Assim, o envelhecimento biolgico se caracteriza como um processo natural,

dinmico, progressivo e irreversvel, com ritmo e intensidade das perdas orgnicas e

funcionais que variam de pessoa para pessoa. Nenhum ser vivo, seja homem ou animal,

escapa do envelhecimento: a diferena est na forma como esse envelhecimento ocorre.

Stoppe e Louz (1999) falam da complexidade de se conceituar envelhecimento, ao

considerarem que, mesmo dentro da rea biolgica, essa definio imprecisa, ainda que a

maioria dos gerontlogos defina o envelhecimento como a diminuio da capacidade de

sobrevivncia do organismo, fato este que, em si, traz pouca informao sobre a natureza

do processo de envelhecimento.

preciso registrar que, apesar do adiantado estgio de avano no sentido de criar

condies para o prolongamento da vida humana, no se pode esquecer dos limites

intransponveis, mesmo diante das conquistas mdicas e farmacolgicas. No entanto,

ressalta Netto (1997), mesmo que seja impossvel frear biologicamente o envelhecimento,

ele pode ocorrer de forma saudvel e tranqila.

Parece-nos, diante da diversidade de opinies que, mais importante do que buscar

definies precisas sobre a velhice, preciso compreender a realidade heterognea que

abarca todo o processo de envelhecimento. Nesse sentido, parece necessrio ir alm do

orgnico ou biolgico e entender a velhice como um fato histrico, social e cultural, isto ,

como uma construo sociocultural e que, por isso, se apresenta de forma diversa nos

diferentes contextos:

No Brasil, sobretudo nas zonas urbanas, h, no mnimo, uma grande ambivalncia com

relao aos velhos. Se, por um lado, acentuam-se o respeito, a experincia e a sabedoria dos

sujeitos idosos, por outro lado a juventude, a fora fsica, a sade e o novo que merecem a

26

valorizao social. Deste modo, a velhice parece ser representada como decadncia. No

parece haver lugar para os sujeitos idosos, nem papis sociais que possam mant-los como

sujeitos e cidados (Santos, 1995, p. 123).

Podemos dizer, ento, que pretender conceituar velhice, velho, idoso, sem levar em

considerao a complexidade do mundo contemporneo, parece infrutfero. Definir velhice

sem considerar as diferenas, seja entre o mundo ocidental e oriental, entre o contexto

urbano e o rural, seja sem considerar as diferenas socioeconmicas e culturais, os

contextos dos pases industrializados e dos agrcolas, assim por diante, no nos levar a

uma compreenso adequada do processo de envelhecimento, muito menos da pessoa que

envelhece seja ele o velho, o idoso, esteja ele na terceira ou quarta idade. Envelhecer

muito mais do que um passar de tempo cronolgico: a velhice uma categoria socialmente

construda, em que o processo histrico-poltico deixou suas marcas.

Resumindo, pode-se dizer que embora sejam usados vrios termos velho, velhice,

envelhecer, - h uma hegemonia nas representaes sociais sobre o envelhecimento e a

tnica se d na insistncia do aspecto das perdas fsica, profissional, afetiva, etc de

modo que os aspectos negativos que so ressaltados. Uma das conseqncias desse fato

que, em primeiro lugar, os estudos sobre a velhice dizem respeito, sobretudo, ao idoso

dependente e, em segundo lugar, aos chamados cuidadores. Por isso, nosso 3 captulo

dedicado ao levantamento bibliogrfico nacional e internacional sobre cuidadores.

Como salientado no referido captulo, a nfase deste estudo dada aos fatores

estressantes desse cuidado, uma vez que o cuidador, formal ou informal, se associa figura

de uma velhice dependente e decadente.

27

O que podemos salientar desde j que, embora o Brasil tenha, hoje, um grande

contingente de idosos, este fato no levou adoo de determinadas prticas sociais que

visassem o idoso no dependente. Certamente que um dos pr-requisitos para isso seria a

transformao no modo como se encara a velhice e o sujeito idoso.

Por isso mesmo, nosso trabalho tem dois focos: primeiro, o estudo de um

procedimento para a transformao das representaes sociais e, o segundo, que tal

transformao se d em um grupo particular de pessoas, os cuidadores. Dito em outros

termos, prope-se, no presente estudo, um procedimento visando transformar as

representaes sociais sobre a velhice e o envelhecimento de um grupo de cuidadores. Mas

ser possvel uma tal transformao? Este o objeto de nosso prximo captulo, antes que

se abordem os estudos sobre cuidadores em particular.

28

CAPTULO 2

As Representaes Sociais e suas Transformaes

2.1 As Transformaes Sociais: Introduzindo Alguns Conceitos

A noo de representao social descrita por Moscovici significa um continum entre

o individual e o coletivo. A representao social porque sua elaborao est estruturada

sob o processo de troca e de interao que leva construo de um saber comum, prpria a

uma coletividade, a um grupo social ou a uma sociedade inteira. (Moliner, 2001)

Uma representao constituda de um conjunto de informaes, de crenas, de

opinies e de atitudes. Com base na idia de que as representaes so conjuntos de

elementos organizados e estruturados, Abric (1976, 1984, 1987, 1994) desenvolveu a

chamada Teoria do Ncleo Central. Essa teoria foi o ponto de partida para o estudo

estrutural das representaes sociais e, por conseguinte, estudos sobre as transformaes

das representaes sociais.

As representaes so regidas por um duplo sistema: o sistema central, vinculado s

condies histricas, sociolgicas, sendo tambm ligada s normas e aos valores sociais, e

define a organizao e o significado da representao; e o sistema perifrico, ligado ao

contexto imediato, historia pessoal do indivduo e que permite a adaptao da

representao s mudanas conjunturais (Campos, 2003, pp. .21-22).

Segundo Rouquette e Rateau (1998), o equilbrio de uma representao social pode

ser rompido sob o efeito de diversos fatores, mas pode-se distinguir dois casos: quando um

elemento central torna-se perifrico ou inversamente e quando um elemento perifrico

29

torna-se super ativado ou inversamente. Somente no primeiro caso corresponde a uma

transformao radical da representao; j o segundo uma modulao circunstancial que

mantm o ncleo central sem mudanas.

As representaes sociais se constituem em um processo dinmico (Flament, 1994,

2001) que pode ser modificado, mudado o seu estado e ser transformado. O aparecimento

dos eventos, que considerado pelo grupo como alarmante e suscetvel de ameaar sua

organizao atual ou que possa representar um perigo para a sua sobrevivncia, provoca o

surgimento de prticas novas, que podem ser impostas do exterior ou auto-impostas pelo

prprio grupo, para se adaptar nova situao. Nesse sentido, as representaes sociais, no

que diz respeito ao objeto considerado, so afetadas.

Dito de outra forma, os eventos suscetveis de provocarem as mudanas no podem ser

apreendidos por uma escala objetiva de importncia. O que conta seu reflexo cognitivo,

ou antes, seu grau de pertinncia e, em seguida, seu valor de referencial para certos grupos,

mas no para outros. O processo de transformao das representaes sociais toma formas

diferentes, de acordo com o fato de as novas prticas estarem ou no em contradio com as

representaes antigas, mas tambm, em funo da maneira pela qual a modificao das

circunstncias percebida: quando os sujeitos consideram que a mudana ocorrida em seu

ambiente irreversvel, o processo de transformao das representaes sociais parece

irremedivel (Guimelli, 2003, p. 60).

O processo de transformao das representaes sociais, segundo Moscovici,

(1961); Abric (1994); Flament (!994); Rouquette e Rateau (1998); Bonardi e Roussiau

(1999); Moliner (2001); Guimelli (2003); Tafani e Bellon (2003) e Campos (2003) est

diretamente relacionado s prticas sociais e esta relao, por sua vez, bastante complexa

e pouco estudada. Para Campos (2003), isso ocorre devido carncia de pesquisas e falta

30

da construo de um modelo nico que possa ser vlido para o conjunto das situaes

sociais.

Em relao organizao de uma representao e seus mecanismos de

transformao, Abric (1998); Bonardi e Roussiau (1999) e Flament (2001a) consideram

que, quando os atores so conduzidos a desenvolver prticas sociais em contradio com

seu esquema de representao, eles podero interpretar a situao de duas maneiras

distintas: 1) os que podem considerar que possvel retornar s prticas anteriores, sendo a

situao temporria e excepcional; 2) os que podem considerar que impossvel retornar s

prticas antigas, da a situao ser vista como irreversvel. Em relao ao primeiro grupo,

Abric (1998, p. 35) afirma que os elementos novos e discordantes vo ser integrados na

representao exclusivamente atravs de uma transformao do sistema perifrico, o ncleo

central da representao permanece estvel e insensvel s modificaes.

Quanto ao segundo grupo, Abric (1998, p. 35-36) explica que trs grandes tipos de

transformaes so possveis: a transformao resistente; a transformao progressiva e a

transformao brutal. A primeira se relaciona com o aparecimento no sistema perifrico de

esquemas estranhos que evitam o questionamento do ncleo central e que permitem

mudanas perifricas, sem que seja comprometido o sistema central. Tal esquema s

permite uma transformao mais radical se houver a multiplicao de esquemas estranhos.

O segundo tipo de transformao diz respeito mudana progressiva do ncleo da

representao e, por conseguinte, construo de uma nova representao, no caso em que

as novas prticas no so completamente contraditrias ao ncleo central.

O terceiro tipo de transformao acontece quando as novas prticas atacam

diretamente o significado central da representao, sem a possibilidade de se fazer uso dos

mecanismos defensivos do sistema perifrico. Assim, o carter irreversvel das novas

31

prticas provoca uma transformao direta e completa do ncleo central,

conseqentemente, de toda a representao.

Segundo Abric (1998, p. 36), essas anlises dos processos que ocorrem nas

transformaes das representaes parecem destacar a necessidade de se considerar a

organizao interna da representao para compreender a dinmica das representaes

sociais. Assim, a relao entre sistema central e sistema perifrico aparece como

fundamental na atualizao, evoluo e transformao das representaes.

Uma outra metodologia relacionada s transformaes das representaes sociais foi

fundada por Guimelli a partir da tcnica das associaes verbais. Nessa tcnica, o interesse

pelos conhecimentos declarativos do sujeito em oposio aos conhecimentos processuais.

O conhecimento declarativo no integra a ordem na qual o sujeito utiliza os conhecimentos

em um dado procedimento. Esse modelo chamado por Guimelli (2003) de Esquemas

Cognitivos de Base (ECB) exatamente centrado sobre esse tipo de conhecimento. Um

ECB uma estrutura lexicolgica formal, cujas relaes so especficas. Para o referido

autor, essa definio pode ser compreendida em trs nveis quais sejam: primeiro, uma

estrutura formal, visto que, provavelmente, ela independente do contedo; segundo,

uma estrutura lexicolgica, na medida em que seus componentes so lxicos; por ltimo,

uma estrutura que envolve funes do lxico no agenciamento do discurso. Vale lembrar

que seus componentes lxicos mantm relaes que so identificveis e quantificveis.

(Guimelli, 2003, p. 63)

A tcnica dos ECB se interessa pelos processos que esto na origem de suas

transformaes, ou seja, para ser mais exato, uma mudana no estado da representao,

posta em evidncia pelo modelo dos ECB, deveria se manifestar por meio de programas de

respostas sensivelmente diferentes de um estado ao outro.

32

Para Gumelli (2003, p. 66), alguns aspectos so importantes e precisam ser levados

em considerao, quando se trata das transformaes das representaes sociais: a) quando

prticas novas no contraditrias com as representaes antigas tornam-se freqentes, o

processo de ativao dos esquemas, que prescreve essas prticas, aparece como um forte

determinante das transformaes sociais; b) at aqui, os estudos que permitem colocar em

evidncia esse processo foram baseados na noo de script, quer dizer, a partir da noo do

esquema seqencial ou processual e c) na medida em que fundado sobre o conhecimento

declarativo do sujeito, o modelo associativo dos Esquemas Cognitivos de Base permite uma

abordagem diferente mas, sem dvida nenhuma, complementar do conceito de

representaes sociais.

As pesquisas produzidas sobre a dinmica e a transformao das

representaes sociais, em sua grande maioria, utilizam-se, ou da Teoria do

Ncleo Central ou da tcnica dos Sistemas Cognitivos de Base e dizem respeito

ao fenmeno social em processo.

A seguir, ser feito o resumo do livro: La Dynamique des Reprsentations

Socials, organizado por Pascal Moliner no qual o tema central de todos os artigos

que o compem diz respeito ao movimento e as prticas das representaes

sociais.

33

2.2 Dinmicas das Representaes, Prticas e Transformaes Sociais

Em 2001, a questo da dinmica das representaes sociais e mais, especificamente,

a questo da transformao das representaes sociais foi objeto de um livro dirigido por

Pascal Moliner (2001), no qual relata-se que os primeiros trabalhos os quais,

explicitamente, tm colocado a questo da dinmica das representaes consideradas

estveis tm-se inclinado sob o papel das prticas. Esses trabalhos tm sugerido a idia de

que os indivduos podem ser levados a modificarem suas representaes quando engajados

em prticas que contradizem suas crenas e saberes antigos. No captulo 2, Claude Flament

(2001b) desenvolve e formaliza essa idia. Para este autor existe uma relao direta entre

prticas sociais e representaes. De acordo com Flament, por um lado, as primeiras so

particularmente determinadas pela segunda. De outro lado, a preocupao permanente de se

manter um universo mental coerente leva os indivduos a ajustar suas representaes s

prticas s quais eles tm acesso.

Segundo Flament (2001b), as observaes de campo sugerem que os processos de

racionalizao no so estranhos aos fenmenos da dinmica representacional. Tais estudos

demonstram que as atitudes em relao a um objeto de representao repousam sob os

elementos avaliativos desse objeto. Em seguida, o autor tem perguntado se uma mudana

de atitude no seria susceptvel de modificar certos elementos da representao. No

captulo 3, Eric Tafani e Lionel Souchet (2001) expem essa problemtica. Os resultados

por eles apresentados levam a distinguir os efeitos obtidos a partir de uma conduta contra-

atitudinal daqueles obtidos a partir de uma conduta, propriamente, contra representacional.

Apoiando-se sobre esta distino, Nicolas Roussiau e Christine Bonardi (2001)

exploram, no captulo 4, o paradigma do engajamento. Se a adoo de prticas contrrias s

34

reapresentaes aciona um processo de transformao, ento deve-se perguntar sobre o

impacto dos atos engajantes realizados em laboratrio. Ali, o ato contra representacional

deve ser visto como a simplificao extrema e necessria de uma prtica social

problemtica.

Esses trs captulos citados acima apresentam a dinmica representacional como

sendo fruto de um processo de racionalizao (individual e/ou social?) desencadeada pela

realizao de um ato ou a adoo de uma prtica que contradiz crenas e saberes antigos.

Mas outros caminhos so explorados, no captulo 5, por autores como Gabriel Mugney,

Alain Quiamzade e ric Tafani (2001), os quais defendem que as comunicaes poderiam

ter um impacto sob as representaes sociais. Mas o interesse dos trabalhos que sero

apresentados nesse livro organizado por Pascal Moliner o de mostrar que o impacto pode

ser obtido nas condies de laboratrio.

Dentro de uma outra direo, Eric Tafani e Sbastien Bellon (2001) defendem, no

captulo 6, o princpio da analogia estrutural segundo o qual os indivduos elaborariam as

representaes conforme as posies que eles ocupam no campo social. No captulo 7,

Bernard Gaffi e Pascal Marchand (2001) abordam a difcil questo das ideologias,

consideradas ao mesmo tempo determinantes da gnese ou contendo certas representaes

e como superestruturas organizando coerentemente representaes diferentes.

Enfim, segundo Moliner (2001), os leitores interessados em pesquisas empricas

encontraro, no ltimo captulo, indicaes que podem ser pertinentes para dar conta do

carter dinmico e da temporalidade das representaes sociais.

Assim, o livro apresenta oito captulos, de diferentes autores, que abordam

diferentes questes sobre a dinmica das representaes sociais, por meio dos resultados de

pesquisas. Aqui vamos nos ater, sobretudo, a essas ltimas, isto , depois de assumir com

35

Moliner (2001) a estabilidade, a resistncia e a evoluo necessria das representaes

sociais, abordaremos, captulo por captulo, no intuito de procurar uma conceituao de

transformao das representaes sociais. Assim, o resumo que apresentaremos no

pretende ser completo; pelo contrrio, ele ter, certamente, o vis do interesse do nosso

trabalho.

Moliner (2001), no captulo 1, intitulado Formao e Estabilidade das

Representaes Sociais traz uma definio de representaes como um conjunto de

opinies, de informaes e de crenas associadas a um objeto dado. Em uma populao

homognea, esses conjuntos so relativamente estveis e eles somente evoluem muito

lentamente. O objetivo do autor, com esse captulo, descrever fatores susceptveis de

afetar a estabilidade de uma representao social, provocando tambm sua transformao.

No que ele chama de um modelo scio-gentico das representaes, Elejabarrieta

(1996, citado por Moliner, 2001, p. 15) descreve as diferentes etapas do fenmeno.

Segundo esse autor, o primeiro momento corresponderia ao aparecimento de um objeto

incomum (objeto, situao, pessoa, etc.), no ambiente social do grupo. De acordo com as

ameaas que o objeto sofra, o interesse que o objeto suscite ou os conflitos que ele

engendre, o objeto seria destacado, ou seja, tido como importante para o grupo, o que

acionaria um processo de comunicao coletiva no decorrer do qual se elaboraria e se

compartilharia os conhecimentos constitutivos da representao social. Em resumo, pode-

se, portanto, dizer que as representaes sociais se constroem a partir de processos

conjuntos de elaborao e de conhecimento.

O autor divide este captulo em quatro partes sendo que, no primeiro momento, ele

aborda os processos de formao das representaes sociais. Segundo Moliner (2001),

quando foi proposta a idia do Pacto Civil de Solidariedade (PaCS) assistiu-se, na Frana, o

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nascimento de um debate cujo foco central residia na definio do que era o casal, a

famlia, o casamento. Nos diferentes grupos sociais e ideolgicos que participavam do

debate ia-se construindo, pouco a pouco, um corpo de conhecimento fundado sob tradies

partilhadas e enriquecidas por milhares de observaes, experincias, sancionadas pela

prtica. As coisas recebiam nomes, os indivduos iam sendo classificados em categorias;

conjecturas iam sendo formadas, espontaneamente, no decorrer da ao ou da comunicao

cotidiana. "Tudo isso armazenado na linguagem, no esprito e no corpo dos membros da

sociedade (Moscovici & Hewstone, 1984, citado por Moliner, 2001, p. 17). Em outros

termos, as representaes vo se constituindo a partir de processos de categorizao de

objetos e de pessoas, de inferncia e de atribuio causal. Trata-se, portanto, de processos

scio-cognitivos.

O segundo momento desse captulo diz respeito estrutura das representaes

sociais na qual abordada a teoria do ncleo central (Abric, 1976). Toda a representao se

organiza em torno de alguns elementos, chamados elementos centrais, que se reagrupam em

uma estrutura nomeada ncleo central ou ncleo estruturante. Trata-se de uma estrutura

cujo papel interno representao social. Outros elementos da representao so os

elementos perifricos. Esses so cognies que apresentam a particularidade de serem, ao

mesmo tempo, operacionais e condicionais. O sistema perifrico constitui a parte externa

da representao e , atravs dele, que so operacionalizadas as cognies centrais. A idia

de cognies perifricas condicionais foi proposta por Flament (1994, citado por Moliner,

2001). Ela derivada da operacionalidade dos elementos perifricos, pois as ltimas

concretizam ou traduzem uma noo central. Mas sabe-se que uma mesma noo pode ser

traduzida por vrios elementos interligados. Em um terceiro momento, o autor fala da

estabilidade e resistncia a mudanas, quando a estabilidade das representaes pode ser

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explicada pelo papel particular que desempenham os elementos centrais. Toda

representao pode ser concebida como uma estrutura composta de opinies, de crenas, de

informaes, enfim, de cognies interligadas e dependentes de um ncleo. Em outros

termos, os elementos que a compem jamais so isolados. Assim, uma mudana de opinio

ou de crena leva a outras mudanas, bem como a modificao de uma informao supe o

reajustamento de toda a estrutura.

Moliner termina seu captulo em defesa do que ele utiliza como seu subttulo: a

evoluo necessria das representaes sociais. Por que necessria? Porque, para esse autor,

evidente que as sociedades, as tecnologias, os ambientes fsicos evoluem. Nessas

condies, as representaes devem tambm evoluir para guardar sua pertinncia e sua

utilidade. Mas como conciliar essas evolues necessrias e o princpio de inrcia que

caracteriza as representaes sociais? Para o autor as mudanas ocorrem mas, exceto em

casos excepcionais, a dinmica natural das representaes sociais uma lenta evoluo,

calcada sob o ritmo das evolues da sociedade.

Deve-se ressaltar que o aparecimento de uma novidade ou de uma

mudana no , necessariamente, contraditrio com as crenas antigas. O esforo

de adaptao ou mudana no leva, obrigatoriamente, a um requestionamento

das representaes existentes. O melhor exemplo desse fenmeno nos foi

fornecido pelo trabalho de Guimelli (1988, citado por Moliner, 2001, p. 39). Este

um estudo clssico que inaugura a tradio da abordagem estrutural sobre a transformao

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das representaes sociais da caa e dos caadores. Esses caadores foram confrontados por

uma modificao profunda de seu ambiente, uma vez que eles assistiram, a partir dos anos

60, proliferao de um vrus (myxomatose) que destruiu as populaes de coelhos. Essa

mudana obrigou os caadores a modificar sua maneira de caar porque o animal de caa se

fez raro. Eles foram obrigados, assim, a se engajarem em uma nova prtica de gesto dos

territrios de caa, destinados a favorecer a proliferao do animal. Ora, nessa pesquisa,

Guimelli mostrou que essas prticas, aparentemente novas, longe de estarem em

contradio com as representaes antigas, foram evocadas, mas de maneira marginal, no

incio do sculo XX. Com esse estudo, Guimelli mostrou a relao entre prticas novas e

transformao nas representaes sociais.

Finalmente, o autor termina o captulo com uma srie de questes como, por

exemplo: possvel que um grupo elabore coletivamente uma resposta defensiva face s

contradies? questo pertinente ao nosso trabalho que estar, como veremos, relacionada

aos capt