A Tôrre de Marfim: revista de orientação cinematográfica de Juiz de Fora

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A Tôrre de Marfim: Revista de Orientação Cinematográfica de Juiz de Fora 1 BRUM, Alessandra (Doutora-Unicamp) 2 MENDES, Fernanda Teixeira (co-autora, graduanda) 3 SILVA, Altiere Leal (co-autor, graduando) 4 Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Minas Gerais. Resumo: É sabido que ao longo do século XX, a Igreja Católica através de textos episcopais e em especial da O.C.I.C. - Office Catholique Internationale Du Cinéma, assume uma posição cada vez mais assertiva diante das atividades cinematográficas, estimulando uma cultura cinéfila que envolveu a criação de cineclubes e revistas com objetivo de “educar” o público frente ao cinema. É nesse contexto e seguindo uma tendência das principais capitais brasileiras, que surge na década de 1950 na cidade de Juiz de Fora em Minas Gerais a revista de orientação cinematográfica A Tôrre de Marfim. Este artigo apresenta alguns apontamentos sobre a estrutura e as ideias da revista no período de 1960 a 1964, quando a Tôrre de Marfim circulou com regularidade na cidade. Palavras-chave: História; Crítica de Cinema; Revista de Cinefilia; Cotação Moral. Introdução A cidade de Juiz de Fora repercute, nos anos 1950 e 1960, o processo acelerado de industrialização e urbanização das cidades brasileiras que modificaram substancialmente os costumes e os modos de vida da população. Nesse período observa-se uma forte efervescência na área cultural, que faz nascer na cidade grupos de 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. Concorrente ao Prêmio José Marques de Melo de Estímulo à Memória da Mídia, 2013. Pesquisa desenvolvida através do projeto “A Nouvelle Vague sob a ótica dos críticos e/ou cineastas do Cinema Novo”, apoiado pela Propesq-UFJF através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - BIC-UFJF, sob coordenação e orientação da professora do curso de Cinema e Audiovisual - UFJF, Alessandra Brum. 2 Professora-orientadora do Bacharelado em Cinema e Audiovisual, Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design e do Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura e Linguagens do Instituto de Artes e Design da UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Contato: [email protected]. 3 Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Contato: [email protected]. 4 Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Aluno bolsista da Iniciação Científica pelo projeto “A Nouvelle Vague sob a ótica dos críticos e/ou cineastas do Cinema Novo”. Contato: [email protected]. 1

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Artigo apresentado no 9º Encontro Nacional de História da Mídia.

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A Tôrre de Marfim: Revista de Orientação Cinematográfica de Juiz de Fora1

BRUM, Alessandra (Doutora-Unicamp)2

MENDES, Fernanda Teixeira (co-autora, graduanda)3

SILVA, Altiere Leal (co-autor, graduando)4

Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, Minas Gerais.

Resumo: É sabido que ao longo do século XX, a Igreja Católica através de textos episcopais e em especial da O.C.I.C. - Office Catholique Internationale Du Cinéma, assume uma posição cada vez mais assertiva diante das atividades cinematográficas, estimulando uma cultura cinéfila que envolveu a criação de cineclubes e revistas com objetivo de “educar” o público frente ao cinema. É nesse contexto e seguindo uma tendência das principais capitais brasileiras, que surge na década de 1950 na cidade de Juiz de Fora em Minas Gerais a revista de orientação cinematográfica A Tôrre de Marfim. Este artigo apresenta alguns apontamentos sobre a estrutura e as ideias da revista no período de 1960 a 1964, quando a Tôrre de Marfim circulou com regularidade na cidade.

Palavras-chave: História; Crítica de Cinema; Revista de Cinefilia; Cotação Moral.

Introdução

A cidade de Juiz de Fora repercute, nos anos 1950 e 1960, o processo acelerado

de industrialização e urbanização das cidades brasileiras que modificaram

substancialmente os costumes e os modos de vida da população. Nesse período

observa-se uma forte efervescência na área cultural, que faz nascer na cidade grupos de

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. Concorrente ao Prêmio José Marques de Melo de Estímulo à Memória da Mídia, 2013. Pesquisa desenvolvida através do projeto “A Nouvelle Vague sob a ótica dos críticos e/ou cineastas do Cinema Novo”, apoiado pela Propesq-UFJF através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - BIC-UFJF, sob coordenação e orientação da professora do curso de Cinema e Audiovisual - UFJF, Alessandra Brum.2 Professora-orientadora do Bacharelado em Cinema e Audiovisual, Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design e do Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura e Linguagens do Instituto de Artes e Design da UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Contato: [email protected] Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Contato: [email protected] Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Aluno bolsista da Iniciação Científica pelo projeto “A Nouvelle Vague sob a ótica dos críticos e/ou cineastas do Cinema Novo”. Contato: [email protected].

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teatro, música, cinema e poesia. Não podemos deixar de registrar que dentre essas

manifestações culturais podemos incluir também a criação em 1960 da Universidade

Federal de Juiz de Fora, marco fundamental para o desenvolvimento da cidade.

Figurando como importante mercado exibidor já na segunda metade do século

XX, a cidade de Juiz de Fora concentrava inúmeros e tradicionais cinemas de rua, tais

como: Cine Palace, Cine Theatro Central, São Mateus, São Luíz, Excelsior, Cine Rex e

Cine Theatro Popular, apenas para citar alguns exemplos5.

A força desse mercado exibidor pode ser constatado não apenas pelo grande

número de salas de cinema em funcionamento na cidade na década de 1960, mas pela

presença de salas em bairros periféricos e predominantemente residenciais, como por

exemplo, o cinema São Mateus, no bairro de mesmo nome, e o Cine Rex, no bairro

Mariano Procópio. Os cinemas portanto, ocupam uma posição privilegiada na vida

cultural da cidade de Juiz de Fora, o que explica de certo modo que uma cidade

periférica, fora do eixo, tenha acompanhado a tendência das grandes cidades brasileiras

de criação de cineclubes6 e de revistas de cinemas, como a revista católica A Tôrre de

Marfim.

Como é sabido, desde as primeiras sessões do cinematógrafo, a Igreja Católica

demonstrou interesse e preocupação com essa nova atividade, sentindo a necessidade de

orientar seus fiéis frente às mensagens que as obras cinematográficas transmitiam.

Segundo José Américo Ribeiro, a primeira reunião realizada para se discutir as

iniciativas católicas no meio cinematográfico, ocorreu em 1928 na cidade holandesa de

Haia. Neste encontro, propôs-se a criação do O.C.I.C - Office Catholique Internationale

Du Cinéma7. Em 1929, num segundo encontro em Munique, foi elaborado o primeiro

estatuto do O.C.I.C, já no ano 1933 em Bruxelas, houve uma reformulação dos estatutos

5 Desses cinemas apenas o cinema Palace resiste até hoje no centro da cidade, mas agora como Cineart Palace.6 Em 1957 surge em Juiz de Fora o Centro de Estudos Cinematográficos (CEC-JF), uma entidade com finalidades culturais que objetiva o estudo do cinema como arte (material de divulgação, 1957).7 A entidade O.C.I.C. foi fundada com o intuito de ser um centro de estudos da linguagem cinematográfica, procurando envolver sobretudo os interesses da Igreja Católica.

2

juntamente com a criação de uma secretaria permanente (RIBEIRO, 1997, p. 157).

Nesta mesma década, é criado nos Estados Unidos a Legion of Decency (Legião da

Decência), com objetivo de censurar filmes norte-americanos considerados imorais,

julgando as várias comissões de censura estaduais e municipais em atividade nos EUA,

insuficientes. (SIMÕES, 1999, p. 32-34). Outro importante fator foi a constituição da

Encíclica Vigilanti Cura em 1936 pelo Papa Pio XI e da Encíclica Miranda Prorsus em

1957 pelo Papa Pio XII, as quais passam a validar algumas ideias e propostas

discutidas nos diversos encontros realizados pelas organizações católicas citadas

anteriormente. É na encíclica Vigilanti Cura que a igreja elege a necessidade de se

firmar uma classificação moral para os filmes.

A Igreja Católica no Brasil, assim como em outros países, foi influenciada e

orientada pelas decisões tomadas nesses encontros católicos, os quais discutiam o

cinema e os filmes, tanto em sua forma, quanto (principalmente) em seu conteúdo. No

Brasil, a igreja também incentivou e patrocinou a formação de cineclubes católicos,

bem como a criação de revistas, e de um corpo crítico atuante. É nesse contexto que

surge em setembro de 1951, na cidade de Juiz de Fora, a revista de orientação

cinematográfica, A Tôrre de Marfim8.

A Revista A Tôrre de Marfim

Os representantes do clérigo e leigos envolvidos com a Igreja Católica na cidade

de Juiz de Fora, se reuniram no sentido de organizar e redigir uma revista de circulação

regional que atendesse a um público em geral, interessado em assistir aos filmes

exibidos na cidade. Surge em 1951, A Tôrre de Marfim desenvolvida nas dependências

do Colégio Academia do Comércio, importante instituição de ensino administrada e

mantida pela Igreja Católica na cidade de Juiz de Fora e com o esforço do jovem

Murílio de Avelar Hingel, nome constantemente lembrado no editorial da revista:

8 Vale lembrar que a conhecida e importante Revista de Cultura Cinematográfica de Belo Horizonte editada com o apoio da União dos Propagandistas católicos - UPC, data a sua criação de 1957.

3

“naquele tempo em forma mimeografada, muitas vêzes a revista foi confeccionada por

êle em horas de lazer e oportunidades de descanso” (A Tôrre de Marfim, nº 78, ano XI).

A revista era editada em Juiz de Fora, pela Tipografia do Lar Católico, localizada na

Rua Halfeld.

A escolha do título da revista remonta a conotação e emprego do termo “torre de

marfim” que possui em um sentido religioso de se referir analogamente ao símbolo de

nobre pureza, magnitude e imagem imaculada na religião. Carregava então, sentido

figurado da imponência de uma torre e a brancura do marfim de origem animal, que

poderiam ser associados à intenção intrínseca da Igreja Católica, transmitindo assim já

através do título da revista de cinema, os ideais ao seu público.

Voltada principalmente para o público jovem e católico, a circulação da revista

estava atrelada ao ano letivo dos colégios, período que se estende de março a dezembro.

Na página 13 do nº 86, ano XI, os redatores destacam esse fato através de um

comunicado explicando o porquê da decisão:

Avisamos a todos os leitores que a nossa revista, como sempre aconteceu nos anos

precedentes, não circulará nos meses de janeiro e fevereiro. Como é fato conhecido, nosso

campo de propagação vem sendo maior nos colégios e a cessação das atividades escolares

nestes dois meses, seria um sério problema de ordem econômica para nós (A Tôrre de

Marfim, nº 86, ano XI).

Entre os números analisados (1960 a 1964), a revista passou por poucas mudanças

em seu corpo editorial, composto por: Pe. Adalberto Breuers (diretor); José Francisco

Simões (redator-chefe) e Ronaldo Barral de Senna (secretário), que em 1963 é

substituído por Francisco Guerra de Mello Brandão. No nº 117, ano XV, desaparece da

revista o termo “diretor” juntamente com o nome do Pe. Adalberto Breuers, aparecendo

no expediente a Sociedade Propagadora Esdeva.

4

A Tôrre de Marfim tinha por objetivo ser uma importante ferramenta no sentido de

educar e orientar seus leitores (assim como os fiéis) quanto ao conteúdo adequado dos

filmes em exibição na cidade, de acordo com os valores éticos e morais estabelecidos

pela Igreja Católica. Para isso, utilizavam uma tabela de cotação moral, conforme

orientação do Serviço de Informações Cinematográficas (SIC), órgão responsável pela

cotação moral dos filmes no Brasil que segue as diretrizes da Encíclica Vigilanti Cura.

Essa tabela de cotação moral, presente nas revistas católicas, tem por característica a

classificação não oficial dos filmes.

A “censura branda” adotada pela revista através da cotação moral dos filmes, ao

mesmo tempo em que já vigorava uma censura oficial do Estado, estabelece a diferença

e a separação dos ideais da Igreja e do Estado. Os editores da revista tinham como

intenção uma mentalidade de saber ver os filmes, apreendida por uma noção pré-

estabelecida de saber julgar, antes mesmo de assistir aos filmes. A cotação moral era

publicada ao fim de cada sinopse e/ou crítica sobre um determinado filme em cartaz na

cidade de Juiz de Fora.

Essa classificação respeitava o que a Igreja considerava como moral e imoral para

a conduta religiosa e social de um fiel ou pessoa pertencente à sociedade. No sentido de

que em cada edição mensal da revista, buscava orientar, informando ao leitor o que

poderia haver num determinado filme, de artístico ou de moral. Com certo tom de se

abster da real intenção, num edital é publicado em destaque que:

Não é nosso intuito (nunca foi e nunca será) proibir espetáculos. Seria ingênuo e até

anedótico possuir tal pretensão. Nossa revista não é e nem pretende ser um boletim

negativista e estreito que não concorde com qualquer forma de espetáculo

cinematográfico (A Tôrre de Marfim, ano XI, nº 79, maio de 1960).

A revista A Tôrre de Marfim se estabeleceu durante a década de 1950, como

importante fonte de informação e propagação de uma cultura de cinefilia na cidade de

5

Juiz de Fora e região, resistindo e ganhando maior força durante a década de 1960.

Anualmente publicada, respeitando o número de 10 volumes mensais no período de

março à dezembro, esta pesquisa ainda não contempla o período exato que vigoraram

suas publicações e uma estimativa de tiragem e real alcance local da revista, sabendo-se

que chegou a circular em Mariana, Minas Gerais e fora do estado, em Volta Redonda, na

serra fluminense9. Como pode ser observado num editorial publicado pela revista e aqui

reproduzido:

A revista nesse mês de dezembro, por ser o último número/mês do ano, presta um

agradecimento a várias pessoas: aos assinantes e leitores, aos gerentes das Companhias

Exibidoras, aos senhores Edson Jorge Mascarenhas, Luís Gonzaga Malta, Aládio,

Waltencyr e Maurício Aguiar – todos ligados às companhias exibidoras da cidade, aos

anunciantes, à empresa Tipográfica Lar Católico. Agradecem também a várias pessoas

que conseguiram assinatura ou entregaram mensalmente a revista: Instituto Nossa

Senhora aparecida – de Passa 4, conseguiu 47 novos assinantes; João Augusto de

Carvalho – do seminário maior de Mariana, 30 assinaturas; Raul de Oliveira Rodrigues –

do I esquadrão de Cavalaria Independente, de Guarapuava, conseguiu 15 assinaturas;

Irineu C. Nogueira – de Volta Redonda; Pedro Muffato – de Guarapuava; Lourdes

Aparecida David – do Externato Santo Antônio de São Caetano do Sul conseguiram 6

assinantes, cada um; Maria Andrade de Figueiredo – de Cruzeiro, 3 novas assinaturas.

Irmão Virgílio da Livraria do Lar Católico e Sr. Brega da Sorveteria e casa de vitaminas

“Oásis” chegaram a vender 100 exemplares da revista mensalmente, cada um. (A Tôrre

de Marfim, ano XIII, nº 106, dezembro de 1962).

Boa parte das publicações da revista era sustentada por meio da publicidade em

suas páginas, pela venda de exemplares avulsos e pelas assinaturas. Os redatores

mantinham constante diálogo com os leitores, ocasionalmente solicitando em formato

de nota de página a divulgação da revista para que pudesse agregar novos leitores e

9 A Tôrre de Marfim, ano XIII, nº 106, dezembro de 1962.

6

assinantes, e assim sustentar novas publicações. De uma forma eficiente, a própria

revista divulgava em suas páginas seus principais pontos de vendas. Estava geralmente

em endereços comerciais bem centralizados na cidade de Juiz de Fora, tal como a

Agência Campos, a Barateza Confecções, Casa Cruzeiro, a Livraria Lar Católico,

Livraria Viviani e Oásis. Seu valor de custo evoluiu consideravelmente por diferentes

aspectos, sobretudo em relação à situação econômica que o Brasil enfrentava. O custo

de cada publicação teve considerável aumento no decorrer dos anos, passando de Cr$

5,0010 para Cr$ 10,00 em 1961, e progredindo para Cr$ 20,00, chegando a Cr$ 40,00 em

1964 mensais o número avulso da revista. Esse fato se justifica pela elevada taxa de

inflação que o país enfrentava nesse período (décadas de 1950 e 1960), o que provocava

o descontrole exorbitante nos valores de diferentes mercadorias e produtos. Assim como

é comentado pela revista, que usava das próprias publicações para anunciar o aumento,

que alegava questões referentes ao vencimento dos funcionários, e o aumento da

matéria-prima, o papel. Fato interessante a ser destacado, é que a revista oferecia

assinatura anual que equivalia ao mesmo valor das que eram compradas separadamente.

Abaixo estão listadas as alterações nos valores das revistas vendidas por unidade e

as assinaturas, respectivamente:

A Tôrre de Marfim, ano XI, nº 77, março de 1960: Cr$ 5,00 / Cr$ 50,00;

A Tôrre de marfim, ano XII, nº 91, julho de 1961: Cr$ 10,00/ Cr$ 100,00;

A Tôrre de Marfim, ano XIV, nº 107, março de 1963: Cr$ 20,00/Cr$ 200,00;

A Tôrre de Marfim, ano XV, nº 117, março de 1964: Cr$ 40,00/ Cr$ 400,00.

A Tôrre de Marfim seguia o mesmo modelo de outras revistas de mesmo

segmento, e que tinham maior circulação, como as de Belo Horizonte (MG) e Porto

Alegre (RS). Em suas publicações nota-se o estabelecimento de um padrão tipográfico,

orientação em colunas, com eventuais páginas reservadas à publicações mais extensas,

10 O Cruzeiro circulou como moeda brasileira de 1942 a 1967, sendo então substituída pelo Cruzeiro Novo.

7

como artigos sobre temas ligados à atividade cinematográfica, críticas mais elaboradas

sobre os filmes, especiais sobre atores ou diretores, orientações sobre “como assistir um

filme e se comportar na sala de cinema”, etc. Uma característica importante a ser levada

em consideração sobre esses textos, artigos, sinopses e críticas, era que o fator

recorrente da reprodução dos originais de outras revistas e publicações, geralmente

ficavam sem a citação direta da fonte e/ou autor. Apenas em campo reservado da revista

era feita a notificação de quais as principais fontes de consulta:

Serviço de Informações cinematográficas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Suplemento Semanal da Revista – Família.

Boletim Informativo da Ação Católica Brasileira.

Publicação da Ação Social Diocesana.

Seções de cinema dos seguintes jornais: O Diário (BH), O Globo, Tribuna da Imprensa,

Jornal do Commercio e Correio da Manhã (Rio de Janeiro), Jornal do Dia (Porto Alegre).

Boletim Informativo da OME (Orientação Moral de Espetáculos).

Revista de Cinema (Belo Horizonte).

Revista UPC (União de Propagandistas Católicos) de Belo Horizonte.

(A Tôrre de Marfim, contra-capa, Ano XII, nº 87, março de 1961).

A produção dos chamados “bons filmes” também era algo reforçado pelos

diretores e redatores da revista. Ao afirmarem que o espectador que assistisse a filmes

considerados à margem da moral católica, este estaria financiando a produção de outras

obras de mesmo teor. Como em:

Procure informar-se sobre o valor do Filme a que vai assistir, porque depois de comprar o

Ingresso, isto é, depois de colocar o seu Voto na Urna, terá contribuído para a realização

de filmes semelhantes, mesmo que você saia do Cinema pensando que perdeu tempo e

dinheiro (A Tôrre de Marfim, Ano XIV, nº 107, março de 1963).11

11 Originalmente reproduzido de “Curso de Cinema - ACB”.

8

Como característica marcante da revista A Tôrre de Marfim, estavam as notas com

alguma frase de efeito ou frase a se considerar. Ganhando destaque, por geralmente

manter um padrão retangular com bordas em negrito. Logo abaixo destacamos algumas

notas mais relevantes contidas em diferentes publicações, muitas vezes repetidas em

diferentes números. Nota-se o teor religioso delas e que faziam conotação a boa conduta

do espectador ao selecionar uma obra, assistir e conduzir a vida segundo a moral

católica. Notas relevantes nas publicações de A Tôrre de Marfim:

“O conteúdo moral de um película é condição intrínseca para a obra cinematográfica

alcance dignidade artística.” (Edição de outubro de 1961, pág. 15).

“Indo assistir a um filme não deixe de rezar um PAI NOSSO frisando as palavras 'e não

nos deixeis cair em tentação'!” (Edição de outubro de 1961, pág. 15).

“Nunca é o assunto em si que torna o filme moral ou imoral. O bem e o mal fazem parte

de nossa vida. Um filme não é imoral por apresentar o mal, mas por apresentá-lo sem o

contraste com o bem.” (Edição de junho de 1962, pág. 22).

“Verdadeira arte do povo, o Cinema tem influência de grande amplitude, que poderá ser

benéfica ou maléfica, segundo a programação exibida e o preparo cultural e moral das

platéias.” (Edição dezembro de 1962, pág. 4).

A capa de A Tôrre de Marfim é um outro ponto a ser observado. Abaixo,

destacamos dois momentos diferentes da capa da revista, uma de 1960, quando a

impressão era em preto e branco, com a fotografia do ator, então falecido, James Dean e

a outra capa de 1963 com detalhes em cor, com a imagem do astro do momento Warren

Beatty. Pode-se observar pelas capas de A Tôrre de Marfim, com imagens de atores

ocupando quase a página inteira, que a revista se utilizava da política de star system,

provavelmente com a intenção de atrair o público e ampliar a venda da revista.

9

IMAGEM 01. “Nossa Capa. James Dean o discutido artista que o cinema norte-americano perdeu antes de ter dado tudo o que poderia ser de intérprete de boa capacidade, como sempre mostrou ser” (A Tôrre de Marfim, ano XI, nº 79, maio de 1960).

IMAGEM 02. “Nossa Capa. Warren Beatty, intérprete em Clamor do Sexo, boa programação d abril deste ano” (A Tôrre de Marfim, ano XIV, nº 109, maio de 1963).

Modelo de Cotação Moral, a censura branda

Os critérios de cotação moral adotados pela revista A Tôrre de Marfim seguiam

um modelo internacional voltado aos valores éticos e morais da conduta cristã para a

orientação quanto aos filmes exibidos comercialmente. Em todos os números

publicados era reproduzida a tabela, respeitando assim as seguintes classificações e

interpretações:

PARA TODOS – Filmes que não oferecem inconvenientes a qualquer público.

MENOS PARA CRIANÇAS – Filmes que contém algumas restrições para o público

infantil (menores de 14 anos), mas são inofensivos para adolescentes.

10

PARA ADULTOS – Filmes que contém algumas restrições para o público adolescente

(menores de 18 anos), mas são inofensivos para o público adulto.

PARA ADULTOS COM RESERVAS – Filmes que exigem um público adulto esclarecido

e de formação, visto apresentarem restrições morais mais ou menos sérias.

PREJUDICIAL – Filmes que trazem prejuízo moral e espiritual para a maioria do público,

mesmo adulto.

CONDENADO – Filmes cuja assistência só poderá trazer malefícios a qualquer espécie

de público.

(?) ou CENSURA OFICIAL indicam os filmes sobre os quais não possuímos nenhuma

referência. 'Livre' significa proibido até 5 anos.

Serviço de informações cinematográficas

Para melhor orientação do público e com o fim de estimular a produção de bons filmes,

será apresentada a nota RECOMENDAVEL, adiante da classificação, aos filmes

merecedores desta distinção.

(A Tôrre de Marfim, outubro de 1961, pág. 17).

Dentre as variadas formas de análise de um filme, os redatores da revista levavam

em consideração para a elaboração das publicações o que pretendiam filtrar das revistas,

jornais e impressos que utilizavam como fontes. Dessa forma realizavam, mesmo que

em menor grau (do que os críticos e redatores de suas fontes), um trabalho de

“garimpo” do material que pretendiam reproduzir e formatar de acordo com seu

público.

Para a elaboração da cotação moral de cada filme que seria exibido nos cinemas

da cidade, os redatores se baseavam nas críticas, sinopses, e no que as outras

publicações de maior relevância optavam. Por sua vez esse trabalho se baseava em:

análises e avaliações morais, com as quais se julgava o valor moral do filme, seja

como conteúdo temático em si mesmo, ideia central ou cada uma das ideias

parciais, seja como capacidade de influir moralmente sobre o espectador, através

11

de seus aspectos temáticos, de sugestão de imagem ou de ensinamento (TADDEI,

1981, pág. 113).

Entre as questões apontadas anteriormente para o estabelecimento dessa crítica de

redação, também pode ser levado em consideração as “análises e avaliações

psicológicas, com as quais se julga 'como' o filme explorava as leis psicológicas de

maneira a comunicar certa temática ou de ter um certo influxo moral ou certo atrativo

espetacular” (TADDEI, 1981, pág. 113).

Entre os equívocos que essa forma de análise poderiam resultar, Taddei ressalta

que “[...] no campo da crítica, eventuais desequilíbrios levam para um juízo menos

favorável ou até negativo, no campo da leitura eles podem tornar impossível ou muito

difícil ou incerta a própria leitura” (TADDEI, 1981, pág. 114).

O papel do redator

Um fato a ser considerado em relação a revista de cinefilia A Tôrre de Marfim é

que, assim como pode ser observado em outras publicações do mesmo período, o corpo

redacional era composto basicamente por amadores e cinéfilos12. Especificamente nessa

revista, o corpo redacional era formado por pessoas, que de alguma forma, estavam

ligadas à Igreja Católica, seja diretamente, como padres, ou que faziam parte do quadro

de funcionários da Tipografia Lar Católico, que era a gráfica oficial da Igreja na região.

Os redatores da revista não eram creditados nas publicações, apenas os cargos de chefia,

revelando colaboradores ocasionais e outros ligados ao corpo estudantil do Colégio

Academia do Comércio.

Basicamente não era respeitada uma estrutura editorial uniforme para todas as

publicações, podendo encontrar num mesmo ano, diferentes resoluções para a

identidade da revista, e diferentes noções de organização do texto, sem atentar para

12 De acordo com a revista Cinéma 84, nº 301, na década de 1980, cerca de 59% dos profissionais de crítica chegaram pela cinefilia, 21% agregando cinefilia e jornalismo, e 16% pelo jornalismo, 4% outros.

12

regras e convenções de diagramação. Ainda assim, segundo alguns padrões da época, a

revista pode ser considerada um material impresso bem produzido.

Cada edição apresentava de certo modo, uma solução para o campo reservado ao

editorial, às sinopses e críticas, aos artigos e às notas de publicação. Geralmente

mantendo textos com a mesma fórmula de avaliação, contendo alguns dados e créditos

para os filmes, uma breve sinopse e uma sucinta crítica, muitas vezes carregada com um

tom de ironia e valor moral católico, e sempre com uma nota de cotação moral ao filme,

revelando o seu verdadeiro valor em relação aos preceitos religiosos. O que

diferenciava de modo geral numa mesma publicação, era a formatação que os artigos

reproduzidos apresentavam. Ocupavam cerca de mais espaço do que outras

reproduções, o que poderia revelar uma solução para garantir economia de espaço e

assim manter a média de 20 páginas por unidade impressa. Cada artigo poderia ser

redigido e formatado por um diferente redator, sendo assim, a publicação estava sujeita

a seguir a noção de organização dele próprio, o qual procurava a maneira mais

conveniente para transmitir a ideia contida no texto. Com o passar dos anos a revista foi

ganhando caráter mais profissional e aplicações menos tradicionais, como pode ser

observado nas capas das publicações de 1963 e 1964.

Considerações finais

Fazer o resgate histórico desse material de arquivo referente à revista A Tôrre de

Marfim, é sem dúvida um papel importante no processo de construção da memória da

crítica cinematográfica no Brasil, aliada ao modelo implementado pela Igreja Católica

de cotação moral às exibições. Com esse primeiro trabalho relacionado ao assunto, a

pesquisa procura inserir a cidade de Juiz de Fora no campo dessa crítica

cinematográfica das décadas de 1950 e 1960.

Não se deve negligenciar a importância da revista A Tôrre de Marfim no papel da

formação e “formatação” do público, mesmo que censurando de uma forma mascarada

os filmes cotados como “prejudiciais” ou “condenados”. Funcionava como forma de

13

propagação de um saber fílmico, onde vigoravam os preceitos morais e éticos do

catolicismo. Em relação a isso podemos destacar que “as funções das revistas [...]

variam muito segundo as épocas e a audiência visada. Por outro lado, a ação histórica

em profundidade que exercem sobre o público permanece” (PREDAL apud

FIGUEIRÔA, pág. 52).

Referências bibliográficas:

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