A tradição tupiguarani na amazônia

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Os Ceramistas Tupiguarani - A TRADIÇÃO TUPIGUARANI NA AMAZÔNIA Edithe Pereira 1 Maura Imazio da Silveira 2 Maria Christina Leal F. Rodrigues 3 Cíntia Jalles de C. de Araújo Costa 4 Christiane Lopes Machado 5 A presença da Tradição Tupiguarani na Amazônia foi identificada inicialmente a partir do estudo de coleções arqueológicas provenientes de algumas regiões no sul e sudeste do Pará e confirmada, posteriormente, através de pesquisas sistemáticas na região de Carajás. As coleções que possibilitaram a identificação da Tradição Tupiguarani na Amazônia foram formadas por pesquisadores durante viagens cujos objetivos não estavam relacionados diretamente com a investigação arqueológica. Naturalmente, esta forma de coleta implicou em algumas restrições no plano interpretativo, mas permitiu, por outro lado, a primeira identificação desta tradição ceramista na Amazônia. A coleção formada por Protásio Frikel em 1963 corresponde a 3.749 fragmentos cerâmicos e alguns artefatos líticos coletados em diversos locais com terra preta na região do alto Itacaiúnas, na região sudeste do Pará. Esse material foi analisado por Figueiredo (1965) que identificou três tipos cerâmicos - Itacaiúnas Simples, Caiteté Simples e Itacaiúnas Corrugado. Estes tipos compartilhavam o mesmo tempero - areia fina misturada com fragmentos de rocha (quartzo e feldespato) - e a mesma técnica de manufatura, o enroscamento (acordelamento). A variação dos tipos simples estava relacionada com a espessura da cerâmica. Entre os artefatos líticos que compõe esta coleção destaca-se lâmina de machado, raspador e quebra-coco. Figueiredo (id.ibid.) apoiado nos relatos de cronistas, em informações históricas e do próprio Protásio Frikel sobre os ocupantes da região, considerou que os fabricantes da cerâmica analisada eram possivelmente de origem Tupi e que ocuparam a região do alto Itacaiúnas após 1500 em conseqüência da expansão portuguesa. Ele considerou ainda que os locais onde a cerâmica foi coletada deveriam ser áreas de moradia cuja ocupação se deu, possivelmente, uma única vez. Simões (1972), baseado no estudo de Figueiredo (1965) inclui no seu Índice das Fases Arqueológicas Brasileiras a Fase Itacaiúnas como pertencente a Tradição ceramista Tupiguarani. Em 1969, uma outra coleção de artefatos arqueológicos foi formada por uma equipe de geólogos do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (IDESP) durante uma viagem para pesquisar carvão mineral na área do rio Fresco, no sul do Pará. Esta coleção, proveniente do sítio PA-RF-1: Mangueiras é composta por 250 fragmentos cerâmicos, um pequeno vaso, doze artefatos líticos e algumas lascas em rocha e foi analisada por Simões, Corrêa e Machado (1973) que classificaram o material como pertencente a fase Carapanã. Segundo estes autores, esta fase possui uma série de semelhanças técnicas e decorativas com a fase Itacaiúnas pertencente à tradição ceramista Tupiguarani. No entanto, essa fase apresenta também, embora em menor quantidade, algumas características da tradição Incisa Ponteada. 1 Museu Paraense Emílio Goeldi (MCT-MPEG) e Bolsista do CNPq. 2 Museu Paraense Emílio Goeldi (MCT-MPEG) 3 Arqueóloga 4 Museu de Astronomia e Ciências Afins (MCT-MAST) 5 Rhea Estudos e Projetos

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A TRADIÇÃO TUPIGUARANI NA AMAZÔNIAEdithe Pereira1

MauraImaziodaSilveira2 MariaChristinaLealF.Rodrigues3CíntiaJallesdeC.deAraújoCosta4

Christiane Lopes Machado5

ApresençadaTradiçãoTupiguaraninaAmazôniafoiidentificadainicialmenteapartirdoestudodecoleçõesarqueológicasprovenientesdealgumas regiõesno sul e sudestedoParáe confirmada,posteriormente, atravésdepesquisassistemáticasnaregiãodeCarajás.

As coleções que possibilitaram a identificação da Tradição Tupiguarani na Amazônia foram formadas porpesquisadoresduranteviagenscujosobjetivosnãoestavamrelacionadosdiretamentecomainvestigaçãoarqueológica.Naturalmente,estaformadecoletaimplicouemalgumasrestriçõesnoplanointerpretativo,maspermitiu,poroutrolado,aprimeiraidentificaçãodestatradiçãoceramistanaAmazônia.

AcoleçãoformadaporProtásioFrikelem1963correspondea3.749fragmentoscerâmicosealgunsartefatoslíticos coletados emdiversos locais com terra preta na região do alto Itacaiúnas, na região sudeste do Pará. EssematerialfoianalisadoporFigueiredo(1965)queidentificoutrêstiposcerâmicos-Itacaiúnas Simples, Caiteté Simples e Itacaiúnas Corrugado. Estestiposcompartilhavamomesmotempero-areiafinamisturadacomfragmentosderocha(quartzoe feldespato) - e amesma técnicademanufatura,o enroscamento (acordelamento).Avariaçãodos tipossimplesestavarelacionadacomaespessuradacerâmica.Entreosartefatoslíticosquecompõeestacoleçãodestaca-selâminademachado,raspadorequebra-coco.

Figueiredo(id.ibid.)apoiadonosrelatosdecronistas,eminformaçõeshistóricasedopróprioProtásioFrikelsobreosocupantesdaregião,considerouqueosfabricantesdacerâmicaanalisadaerampossivelmentedeorigemTupiequeocuparamaregiãodoaltoItacaiúnasapós1500emconseqüênciadaexpansãoportuguesa.Eleconsiderouaindaqueoslocaisondeacerâmicafoicoletadadeveriamseráreasdemoradiacujaocupaçãosedeu,possivelmente,umaúnicavez.

Simões(1972),baseadonoestudodeFigueiredo(1965)incluinoseuÍndice das Fases Arqueológicas Brasileiras aFaseItacaiúnascomopertencenteaTradiçãoceramistaTupiguarani.

Em1969,umaoutracoleçãodeartefatosarqueológicosfoiformadaporumaequipedegeólogosdoInstitutodeDesenvolvimentoEconômicoeSocialdoPará(IDESP)duranteumaviagemparapesquisarcarvãomineralnaáreadorioFresco,nosuldoPará.Estacoleção,provenientedosítioPA-RF-1:Mangueirasécompostapor250fragmentoscerâmicos,umpequenovaso,dozeartefatoslíticosealgumaslascasemrochaefoianalisadaporSimões,CorrêaeMachado(1973)queclassificaramomaterialcomopertencenteafaseCarapanã.Segundoestesautores,estafasepossuiumasériedesemelhançastécnicasedecorativascomafaseItacaiúnaspertencenteàtradiçãoceramistaTupiguarani.Noentanto,essafaseapresentatambém,emboraemmenorquantidade,algumascaracterísticasdatradiçãoIncisaPonteada.

1MuseuParaenseEmílioGoeldi(MCT-MPEG)eBolsistadoCNPq.2MuseuParaenseEmílioGoeldi(MCT-MPEG)3Arqueóloga4MuseudeAstronomiaeCiênciasAfins(MCT-MAST)5RheaEstudoseProjetos

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Simõesetal.(id.ibid)mencionamaindatrêscoleçõesarqueológicascujascaracterísticasapresentamafinidadescomatradiçãoTupiguarani.Duasforamformadasem1959porMoreiraNettoesãoprovenientesdaregiãodeSãoFélixdoXinguedorioFresco,enquantoaterceiraéresultadodeumacoletadesuperfícienoCastanhaldoCumaru,norioPaud’Arco(afluentedorioAraguaiapelamargemesquerda).Estaúltima,segundoSimõesetal.(id.Ibid),apresentacaracterísticasquelhepermitemvinculá-lasemdúvidaatradiçãoTupiguarani.OmesmonãoocorrendocomasfasesItacaiúnaseCarapanãqueapresentamcaracterísticasdatradiçãoTupiguarani,mastambémalgumascaracterísticasdatradiçãoIncisaPonteada.

AsprimeiraspesquisassistemáticasnaregiãosudestedoPará–ondeapresençadatradiçãoTupiguaranijáeraconhecida–foramrealizadasinicialmenteentreosanosde1976-1978noâmbitodoProgramaNacionaldePesquisasArqueológicasnaBaciaAmazônica(PRONAPABA)eapartirde1977oapoioveioporpartedasCentraisElétricasdoNorte(ELETRONORTE)vistoqueostrabalhosforamdirecionadosparaosalvamentodesítiosarqueológicoslocalizadosnaáreadeinundaçãodaUHE-Tucuruí(AraújoCosta,1983;SimõeseAraújoCosta,1987).

OsresultadosdestapesquisaforamdivulgadosinicialmenteatravésdadissertaçãodemestradodeAraújoCosta(1983)sobreosalvamentoarqueológiconaáreadaUHE-Tucuruí,nobaixorioTocantins.Em1986,SimõespublicouosprimeirosresultadosdapesquisarealizadanabaciadorioItacaiúnas(afluentedorioTocantinspelamargemesquerda)noâmbitodoprojetodesalvamentodesítiosarqueológicosameaçadosdedestruiçãopelasatividadesdemineraçãodaCompanhiaValedoRioDocenaregiãodeCarajás,nosudestedoPará.

DeacordocomAraújoCosta(id.ibid),acerâmicadaregiãodobaixoTocantinsapresentacertascaracterísticasquesãotípicastantodatradiçãoTupiguaranicomodastradiçõesamazônicas,particularmente,aIncisaPonteadaeaPolicroma.Noentanto,aautorasalientaqueopequenonúmerodeatributosamazônicosreconhecidosnomaterialanalisadodificultouidentificaraqualdessas tradiçõesomaterialdobaixoTocantinsestaria filiado.Aidentificaçãodo material relacionado à tradição Tupiguarani parece ser mais clara e seu enquadramento na subtradição Pintada decorre,segundoaautora,pelopredomínio,entreosfragmentosdecorados,dapintura(vermelhaepinturapolicroma),dadataçãoemtornode1.000A.D.edabaixafreqüênciadedecoraçãocorrugada.

Em1987,SimõeseAraújoCostapublicamnovosresultadosdapesquisanobaixorioTocantinsdestavezparao trechoentreascidadesdeMarabáeNazarédosPatos.Foram trintae sete sítiospesquisadosqueevidenciaramummaterialcerâmicocujascaracterísticaspermitiramagrupá-loemtrêsfases-Tauari,TucuruíeTauá.Destafeita,omaterialaparecerelacionadoastradiçõesIncisaPonteadaeTupiguarani.Nestaárea,ossítioslocalizadosmaisaosulapresentamcerâmicacomalgunstraçosdatradiçãoTupiguaranienquantoaqueles,situadosmaisaonorte,acerâmicaapresentaalgunstraçostípicosdatradiçãoIncisaPonteada(ibid.).Segundoosautores,estasituaçãopoderiarefletir“apossibilidadedeterservidoestaáreageográficacomoumcentroaculturativooudemiscigenaçãodeinfluênciase/outécnicasceramistasoriundasdeleste,suleoestedoBrasil”.ApesquisarealizadaporMárioSimõeseFernandaAraújoCostaregiãodeTucuruí,foisintetizadaeapresentadacommuitasilustraçõesem1992porEuricoMiller(Eletronorte,1992).

Nabaciado rio Itacaiúnasasprimeiraspesquisasarqueológicas sistemáticas tiveram inícioem1983atravésdoProjetoCarajás/Arqueologia.Entreosanosde1983e1986foramcadastrados38sítioscerâmicosnobaixocursodosriosParauapebaseItacaiúnasque,deacordocomSimões(1986),correspondemalocaisdemoradia.Estessítiosestãosituadospróximosaosriosemáreascujaterrapretaapresentavaespessuramédia30cmoquesugeriaumacertapermanêncianolocal.Ascaracterísticasconsideradasparaacerâmicadessessítios–notadamenteoantiplásticoeadecoração–apresentamtraçoscomunsàfaseItacaiúnasque,porsuavez,apresentaumasériedecaracterísticascomunscomaTradiçãoTupiguarani.DeacordocomSimões(id.Ibid.)asdataçõesobtidasparaossítiosdorioItacaiúnaspodemseragrupadasem3períodos:omaisantigocorrespondeasdataçõesdeA.D.280±80eA.D.390±85,ointermediário

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apresenta4dataçõesquevãodeAD.1025±55aA.D.1170±60;omaisrecentecomdataçõesdeA.D.1420±55eA.D.1510±60.

Nofinaldadécadade1980apesquisaarqueológicanaregiãodeCarajásseestendeparaalémdaárearibeirinha–ondeatradiçãoTupiguaraniestápresente-ealcançaasencostasdasSerrasdeCarajásemcujasgrutassepreservaramvestígiosdapresençahumanademaisde8.000B.P.(Lopes,1988;Silveira,1994;Magalhães,1994,1998).AregiãodeCarajáspassaaserconhecidaentãoporapresentardoisperíodosculturaisdistintosdaocupaçãohumanapré-histórica,umpré-cerâmicoeoutrocerâmico.

Estudos preliminares realizados em quatro sítios arqueológicos na região da Serra das Andorinhas no baixorioAraguaiapermitiramcaracterizar a cerâmicaencontradacomopertencenteà tradiçãoTupiguarani (Kernet al.,1992).Foramanalisados169fragmentoscerâmicosdosquaisamaioria–128–nãoapresentadecoração,estasófoiidentificadaem41fragmentosondeseobservaocorrugado,overmelho,odigitado,oentalhadoeopintado(preto,brancoevermelho).Oantiplásticoutilizadofoi fundamentalmenteaareia(comgrãosdequartzoleitosoehialino)apresentandotambémlamínulasdemica(muscovita).

Em2000,Pereira(2001)realizaprospecçãoarqueológicanaregiãodeConceiçãodoAraguaianosuldoParáeidentificaoitosítioscerâmicos.Foicoletadaumapequenaamostradomaterialarqueológicoencontradonasuperfíciede cada sítio e totalizando65 fragmentos cerâmicos.Amaioria domaterial corresponde à cerâmica simples e ospoucos fragmentos decorados apresentam corrugado, ponteado, escovado e inciso ponteado. Apesar da pequenaamostracoletadafoipossívelidentificarapresençadetraçostípicosdacerâmicaTupiguaraninestaregião.

Apartirde2000,umasériedeempreendimentosminerárioscomeçaaserdesenvolvidonaregiãosudestedoParáe,emconseqüência,levantamentosesalvamentosdesítiosarqueológicossãorealizadosparafinsdelicenciamentoambiental conforme estabelecido por lei. Estes estudos têm permitido ampliar o número de sítios arqueológicosconhecidosnaregiãobemcomotrazeraluznovasinformaçõessobreaocupaçãopré-históricadestapartedaAmazôniamarcada,comovistonosparágrafosanteriores,pelapresençadaTradiçãoceramistaTupiguarani(Figura1).

Neste contexto, o Museu Paraense Emílio Goeldi é responsável atualmente pelas pesquisas arqueológicasdesenvolvidasemduasáreaslocalizadasnosudestedoPará–aSerradoSossegoeaFlorestaNacionalTapirapé-Aquiri–queintegramaregiãodeCarajás(Figura2).Estaspesquisasaindaestãoemandamento,masseusprimeirosresultadosoferecemnovasinformaçõessobreapresençadaTradiçãoTupiguaraninaAmazônia.

A presença da Tradição Tupiguarani na região da Serra do Sossego, Canaã dos Carajás (PA)

OsestudosarqueológicosnaregiãodaSerradoSossegotiveraminícioem2000atravésdolevantamentodopotencialarqueológicodaregiãoqueseriaafetadapelaexploraçãodeminériodecobre(Magalhães,2001).OProjetoSossego–nomepeloqualesteempreendimentoficouconhecido–estálocalizadonomunicípiodeCanaãdosCarajás,nosudestedoPará.

AsjazidasmineraisdoProjetoSossegoestãoinseridasnocontextodaProvínciaMineraldeCarajásquecompõe,deacordocomaclassificaçãodosGrandesDomíniosPaisagísticosBrasileirospropostaporAb’Saber(1977),oDomíniodasTerrasBaixas FlorestadasdaAmazônia,nasproximidadesda faixade transiçãoparaoDomíniodosCerrados(Brandt,2000).Naáreadeinfluênciadoempreendimento,osprincipaiscursosd’águasãoosrioParauapebas(afluentepelamargemdireitadorioItacaiúnas)eseusafluentesSossegoeSequeirinho.

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NaáreadeinfluênciadiretadoProjetoSossegoforamidentificadosseissítiosarqueológicoseseteocorrências6.Amaioriadossítiosdocumentadosrevelouumaltograudeinterferênciahumanarecente(cultivo,gado,garimpo)oqueacabouporlimitaraobtençãodedeterminadasinformações,comoporexemplo,aestratigrafiadossítios.Nestessítios,cujaconservaçãoestavacomprometida,omaterialarqueológicocoletado–notadamentefragmentoscerâmicos-totalizouumaamostrademaisdeseismilfragmentoscujaanálisepermitiuidentificarascaracterísticasdacerâmicaarqueológicadaquelaárea.

A maioria dos fragmentos cerâmicos coletados nestes sítios não possui decoração (92,3%). Os fragmentosdecoradoscorrespondema7,6%dototal(513fragmentos)enelesasdecoraçõespredominantessãoovermelho(48%),ocorrugado(32%)eoinciso(8.2%).Outrasdecoraçõescomoaplicado,raspado,acanalado,unguladoeassociaçãodestasdecoraçõescomvermelhoocorrememquantidadepoucoexpressiva.Osantiplásticospredominantessãoaareiaearochatriturada,outrosantiplásticosforamregistrados,masemquantidadepoucosignificativa(Pereira,2003).

Apartirdareconstituiçãodasbordasfoipossível identificarnossítiosdaregiãoapresençadetigelas,pratos,vasos,panelasealguidares.NosítioPA-AT-274:Estradaforamidentificadosdiversosvasilhamesconformeseobservanafigura3.Destesítiotambémsãoprovenientesumalâminademachadopolidaeumvasilhamecujosfragmentospermitiramasuarestauração(figura4).

Dentreossítios identificadosnaáreade influênciadiretadoProjetoSossegoapenasumsedestacaporestarparcialmente em ótimo estado de conservação. Trata-se do sítio PA-AT-247: Domingos, cuja extremidade sul foiatingida pela construção de uma estrada destinada a ligar a área do empreendimento à sede do município de Canaã dosCarajás.Apesquisadesalvamentoteveinícioem2003eaindaestáemandamentosendo,portantopreliminaresosresultadosaquiapresentados.

OsítioPA-AT-247:DomingosestálocalizadomargemdireitadorioParauapebasemáreaplanaesuavementeelevadaemrelaçãoaorio,comterrapretaabrangendoumaextensãodecercade400x300metros.Aáreaconservadaemboascondiçõesenaqualapesquisavemsendodesenvolvidacorrespondeapartecentro-nortedosítioequeocupacercade50%daáreatotal.Nestaáreaobservou-seaexistênciadeváriasmanchasdeterraescurasemquefossepossíveldelimitá-lascomprecisão.Nestasmanchasacamadadeterrapretanãoultrapassa35cmdeespessuraeomaterialarqueológico(cerâmicoelítico)encontra-senormalmenteassociadoaela.

Aexceçãoficaporcontadosvasilhamescerâmicosinteirosqueseencontram,viaderegra,enterradossempreabaixodacamadadeterrapreta.Osolomisturado,claramenteobservadonoperfildasescavações(figura5)evidenciaa remoção intencionalde terraparaqueoobjetopudesseserenterradoabaixodaáreadeocupaçãodosítio.Atéomomentoforamencontradostrezevasilhamesinteirosousemi-inteiros7.Dentreelesapenasum,atéomomento,correspondecomprovadamenteaurna funerária.Nela foramencontrados restos esqueletaisdeum indivíduocomidadeaproximadadetrêsanos8.Apeçaapresentavaumatampacomdiâmetromenorqueaurnaparecendotersidoreaproveitadaparaestefim.Umapequenalâminademachadopolidafoiencontradaaoladodaossadaconfigurandoacompanhamentofunerário(Pereira,2003a).

6Considera-seOcorrênciaoslocaisondeomaterialarqueológicoocorreempoucaquantidadeesemevidênciaclaradecontextoarqueológi-co.7PartedestesvasilhamesfoiencontradaapartirdolevantamentogeofísicocommagnetômetrorealizadonaáreadosítiosobaresponsabilidadedoDr.JoséGouvêaLuizdoDepartamentodeGeofísicadaUniversidadeFederaldoPará.8AanálisedosrestosesqueletaisfoifeitapelaDra.SheilaMariaFerrazMendonçadeSouzadaFIOCRUZ/EscolanacionaldeSaúdePública.

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Atéomomento já foramencontradas in situquatro lâminasdemachado inteiraseduas fragmentadas.Doisalmofarizesforamencontrados,umestavanasuperfíciequebradoaomeioenquantoooutrofoievidenciadodurantesasescavações.Associadoaesseúltimoestavaumamão-de-pilãoeumagrandequantidadedesementes.

AidentificaçãodealgumascaracterísticasrecorrentesnosítioPA-AT-247:Domingosconfiguram-secomobastantesignificativasparaoentendimentodaocupaçãodoespaçointra-sítio.Destacam-seentreelasasmarcasdeesteio,asconcentraçõesdefragmentoscerâmicossituadasnormalmentepróximasaos limitesdosítio (possíveis lixeiras)easáreasonde,apesardaausênciadeterrapretaedefragmentoscerâmicos,encontram-seconcentraçõesdevasilhamesinteirosenterrados(Figura6).Atéomomento,asdataçõesobtidasatravésdetermoluminescênciaparaosítioDomingospermitemsituá-loentre1.300±130e530±55A.P.

As características da cerâmica arqueológica da região da Serra do Sossego, particularmente nos aspectosrelacionadasàsuamanufatura(acordelamento),antiplástico(areiaerochatriturada),decoração(corrugado,ungulado,vermelho,inciso)eformadosvasilhames(Figuras4e7)permitemconsiderá-lacomopertencenteàTradiçãoceramistaTupiguarani.CorroboramparaestarelaçãoàsdataçõesobtidasatéomomentoatravésdetermoluminescênciatantoparaosítioDomingoscomoparaoutrossítiosdaregiãocomoporexemplooPA-AT-244:PistadePouso (710±70e590±60A.P),PA-AT-274:Estrada(540±55e260±25A.P.)ePA-AT-252:Sequeirinho(670±70e520±55A.P)quepermitemencaixá-losnamesmafaixatemporaldossítiosdoperíodocerâmicodaregiãodeCarajás(Lopesetal.1988)equeestãoassociadosaTradiçãoTupiguaraniatravésdafaseItacaiúnas.

As pesquisas arqueológicas na Serra do Sossego estão concentradas atualmente no salvamento do sítio PA-AT-247:Domingos e contamcoma colaboraçãode especialistas empalinologia, botânica, geofísica, pedologia eantropologiafísica.Situadoemumaregiãoque,nosúltimosvinteanos,foiintensamenteocupadaeondeatividadesagrícolas,pecuáriasedegarimpoprovocaramadestruiçãodeumaparteimportantedopatrimônioarqueológico,osítioDomingossurgecomoumlugarprivilegiadoparaoestudointra-sítiodeumaaldeiapré-históricarelacionadacomaTradiçãoTupiguaraninosuldoPará. A pesquisa neste sítio ainda está em andamento.

A presença da Tradição Tupiguarani na região da Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, Parauapebas (PA)

Em2003 tiveram início aspesquisas arqueológicasna regiãoda FlorestaNacional Tapirapé-Aquieri, situadanomunicípiodeMarabá,nosudestedoPará.Alémdoobjetivodegerarconhecimentosestaspesquisas9 estão sendo desenvolvidas em virtude da necessidade de obtenção das licenças ambientais para a exploração de minério de cobre realizadaatravésdoProjetoSalobo.Apresentaremosaseguirosresultadospreliminaresdaspesquisasrealizadasnessaárea.

AáreadoProjetoSaloboestáinseridanaFlorestaNacionalTapirapé-Aquiri(FLONATA)distanteaproximadamente600kmaosuldeBelém(capitaldoEstadodoPará) eintegra,porextensão,achamada“regiãodeCarajás”(figura2).AmaiorpartedessaregiãoédrenadapelaredehidrográficadorioItacaiúnas,quedesembocanamargemesquerdadorioTocantins,emMarabá,equetemnorioParauapebasumdosseusprincipaisafluentes.NaáreadoprojetoSalobodestacam-seosigarapésSalobo,MirimeCinzento(Silveiraetal.,2003).

Sãomarcantesduasestaçõesdistintas:umachuvosaeoutraseca.Osmesesmaissecossãodejulhoasetembro,

9 Pesquisa realizada pelos Projetos de Levantamento e Salvamento Arqueológico na área do Projeto Salobo, iniciados em �003 e �004 respectivamente – através de convênios entre o Museu Paraense EmílioGoeldi, a Salobo Metais e a Fundação para o Desenvolvimento da Amazônia.

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eosdemaiorpluviosidadededezembroamarço.Entreosmesesdenovembroejulhooníveldaságuasdosrioseleva-se,permitindoanavegaçãodepequenasembarcações,entreagostoeoutubroosriosbaixam,expondoextensasvárzeasutilizadasparacultivopelapopulaçãoribeirinhaquehabitaaregião.Aprincipalcoberturadaregiãoédotipoflorestatropicalpluvial,comvariaçõeslocais,amaioriaobedecendoaorelevoacidentado(Silveiraetal.,2003).

Asáreasinvestigadasatéomomentoresultaramnadescobertadequatorzelocaiscomvestígiosarqueológicos,sendo nove sítios e cinco ocorrências, estando todos relacionados ao período cerâmico. As ocorrências, apósinvestigaçõesadicionais,poderãoserdefinidascomosítiosarqueológicos.Ossítiosarqueológicosestãosituadosaolongo dos igarapés Salobo eMirim, preferencialmente nosmeandros dos igarapés e/ou entre grotas.Observou-seainda,aocorrênciadesítiospróximosunsaosoutros,localizadosemmargensopostasdoscursosd´águaconstituindo-se,possivelmente,emumpadrãodeocupação.

Atéomomentoforamidentificadosdoistiposdesítiosarqueológicos:a)sítioscerâmicosdepequenasdimensões,poucaprofundidadeebaixadensidadedematerialarqueológico,

podendo ser considerados como sítios acampamento ou de habitação temporária;b) sítios cerâmicoscomgrandequantidadedematerial cerâmico, sendo tambémencontradosmaterial lítico

lascadoepolido,everificadaaocorrênciadediversospolidoresàsmargensdosigarapés.Foramidentificadoscomosítiosdehabitação,comterrapretae/ousolomarromescurocomaté60cmdeprofundidade.Algunsdelesapresentammanchasdeterrapretaarqueológica(TPA)quecorrespondem,provavelmente,àsáreasdecabanas.

Nomaterialcerâmicoanalisadoidentificou-seoacordelamentocomoprincipalmétododemanufatura.Apastautilizadaparasuaconfecçãoapresenta,predominantemente,arochatrituradacomoantiplástico.Adecoração,muitomais plástica do que pintada, apresenta características tipicamente Tupiguarani tais como: corrugado, espatulado, inciso,escovado,raspado,unguladoponteado,roletadoeimpresso(SilveiraeJalles,2004).Foramencontrados,ainda,durante as escavações dois apliques cerâmicos zoomorfos (figuras 8 e 9), umem sítio habitação e outro em sítioacampamento.

Nosdoistiposdesítiosfoiregistradaapresençadeestruturas,taiscomoburacosdeesteioeestacaefogueiras.O materiallíticolascadoéconstituídodemodogeral,porlascaseraspadoresdequartzo,quartzitoesilexito.Omateriallíticopolidoestárepresentadopordiversaslâminasdemachados(formasetamanhosvariados)ecavadores.Foramcoletadosaindaadornoslíticosinteiros(figura10)eemfasedeprodução(figura11).

O material coletado até o momento, pelas características apresentadas, está relacionado à tradição cultural arqueológica Tupiguarani. As pesquisas nesta área foram iniciadas há pouco tempo e certamente trarão novasinformaçõesquecontribuirãoparaampliaroconhecimentosobreapresençadaTradiçãoTupiguaraninaAmazônia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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KERN,DirseC.,MARQUES,FernandoL.T.,MAURITY,ClóvisW.,ATZINGEN,Noévon.OpotencialespeleoarqeológicodaregiãodoSãoGeraldodoAraguaia–PA.Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi.Antropologia.P.157-183.1992.LOPES,DanielF.et.al.LevantamentoArqueológico In:Relatório Final -ProjetoEstudoePreservaçãodeRecursosHumanoseNaturaisdaÁreadoProjeto“FerroCarajás”Vol.1.MuseuParaenseEmilioGoeldi:Belém.1988.MAGALHÃES,Marcos Pereira.Arqueologia de Carajás; a presença pré-histórica do homem na Amazônia. Rio de Janeiro:CompanhiaValedoRioDoce,95p.1994.MAGALHÃES,MarcosPereira.A Phýsis da Origem.RiodeJaneiro.Tese(doutorado),UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.1998.321p.il.MAGALHÃES,MarcosPereira.Relatório da prospecção arqueológica na área da Mineração Serra do Sossego. Belém: MuseuParaenseEmílioGoeldi.Belém,2001.32p.InéditoPEREIRA,Edithe.Registros rupestres e contexto arqueológico na região do baixo/médio Araguaia.Relatóriotécnico.Belém:MuseuParaenseEmílioGoeldi,2001,50p.PEREIRA, Edithe. Programa de Arqueologia Preventiva na Área da Mineração Serra do Sossego/PA. Relatório delaboratório,Belém:MuseuParaenseEmílioGoeldi.Setembro/2003.56p.il.Inédito.PEREIRA,Edithe.Programa de Arqueologia Preventiva na Área da Mineração Serra do Sossego/PA.RelatóriodeCampo,Belém:MuseuParaenseEmílioGoeldi.Novembro/2003a.123p.il.Inédito.SILVEIRA,MauraImazioEstudo sobre estratégias de subsistência de caçadores -coletores pré-históricos do sítio Gruta do Gavião, Carajás (Pará).DissertaçãodeMestrado.USP–SãoPaulo/SP.1994.166p.il.SILVEIRA,MauraImazioetal.2003.Segundo Relatório do Projeto de Prospecção Arqueológica na Área do Projeto Salobo/PA–2003.Belém/PA.66p.il.Inédito.SILVEIRA,MauraImazio,JALLES,Cíntia.Relatório de trabalho de laboratório do Projeto de Prospecção Arqueológica na Área do Projeto Salobo/PA–análise tipológica de Material cerâmico e Lítico proveniente das prospecções arqueológicas de 2003.Novembro/2004.Belém/PA.57p.il.Inédito.SIMÕES,Mário F., ARAÚJOCOSTA, Fernanda. Pesquisas arqueológicas no baixo rio Tocantins (Pará).Revista de Arqueologia,v.4,n.1.1987.p.11-27.SIMÕES,MárioF.,CORRÊA,ConceiçãoG.,MACHADO,AnaLúciaC.1973.AchadosArqueológicosnobaixorioFresco(Pará).In:OMuseuGoeldinoAnodoSesquicentenário.PublicaçõesAvulsasdoMuseuParaenseEmílioGoeldi.20:113-142,il.SIMÕES,MárioFerreira.ÍndicedasFasesArqueológicasBrasileira(1950-1971).Publicações Avulsas do Museu Paraense Emílio Goeldi,18,75p.il.Belém,1972.SIMÕES, Mário Ferreira. Salvamento Arqueológico. IN: Carajás: Desafio Político, Ecologia e Desenvolvimento. ALMEIDAJR,JoséMariaGonçalves(org.).Brasiliense;(Brasília–DF);ConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico.SãoPaulo,1986.

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Figura 1 – Área de ocorrência da Tradição Tupiguarani na Amazônia.

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Figura 2 – Localização da área dos projetos Serra do Sossego e Salobo.

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Figura 3 – Tipos de vasilhames identificados no sítio PA-AT-274: Estrada a partir do estudo de fragmentos de bordas.

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Figura 4 – Peça restaurada proveniente do sítio PA-AT-274: Estrada.

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Figura 5 – Os vasilhames cerâmicos inteiros são encontrados abaixo da camada de ocupação (terra preta)no sítio PA-AT-247: Domingos.

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Figura 6 – Conjunto de vasilhames cerâmicos detectados através de prospecção geofísica em área de solo clarono sítio PA-AT-247: Domingos.

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Figura 7 – Vasilhame cerâmico com decoração corrugada encontrado no sítio PA-AT-247: Domingos.

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Figura 8 – Aplique zoomorfo encontrado em um sítio habitação

fotos:JoãoAires

Figura 9 – Aplique zoomorfo encontrado em um sítio acampamento

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Figura 10 - Pingente lítico Figura 11 - Contas líticas